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Embasamento legal do uso da força pelo policial militar

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09/10/2011 às 14:36

Resumo:


  • O Estado utiliza o poder de polícia, com o atributo da coercibilidade, para manter a ordem pública e permitir que o policial militar empregue força quando necessário.

  • Modelos de uso progressivo da força e tratados internacionais orientam a atuação policial dentro dos limites legais e respeitando os direitos humanos.

  • A legislação brasileira prevê excludentes de ilicitude, como a legítima defesa e o estrito cumprimento do dever legal, que fundamentam o uso da força pelos agentes públicos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

4. Legislação Brasileira e o Uso da Força na Atividade Policial Militar

O capítulo quatro conclui a obra, enfatizando a legislação infraconstitucional que trata sobre a aplicação da força por parte dos agentes públicos responsáveis pela segurança pública. Inicialmente a Lex Mater é discutida sob o ponto de vista dos direitos e garantias ligados ao uso da força pelo Estado contra o administrado. O Código Penal, Decreto-Lei 2.848/1940, na segunda seção deste capítulo, aponta as excludentes de ilicitude como elementos indispensáveis para o embasamento legal do uso da força pelos policiais militares. Alguns exemplos fáticos, explicitados pela doutrina, são apresentados, visando melhor ilustrar a temática abordada.

4.1 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

Pinto e Valério (2002) afirmam que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 direciona a prioridade ao respeito à integridade física, moral e psicológica do cidadão, às liberdades individuais e coletivas, sendo assim a vida como bem maior tutelado pelo Estado. Reforçam ainda a necessidade de respeitar tais direitos, consagrados na Constituição da República Federativa do Brasil, mesmo que seus propósitos confrontem-se com a realidade social de violência e barbárie daqueles que desconhecem qualquer regra de convivência social.

Os princípios de justiça, liberdade e igualdade, consagrados pela Carta Magna (BRASIL, Constituição da República do Brasil, art.1º, 3º e 5º) são especificados em seus primeiros artigos: Título I, Dos Princípios Fundamentais, Título II, Dos Direitos e Garantias Fundamentais, e Capítulo I, Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos. Segue os artigos que identificam os princípios acima descritos:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos:

[...]

II – a cidadania;

III – a dignidade da pessoa humana;

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

[...]

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

[...]

Segundo Beauchamp e Childress apud Goldim (1998, p. 1), o princípio da justiça é a expressão da justiça distributiva, veja-se:

Entende-se justiça distributiva como sendo a distribuição justa, equitativa e apropriada na sociedade, de acordo com normas que estruturam os termos da cooperação social. Uma situação de justiça, de acordo com esta perspectiva, estará presente sempre que uma pessoa receberá benefícios ou encargos devidos às suas propriedades ou circunstâncias particulares.

Goldim (1998, p. 1), traz a tona ainda a proposta de Aristóteles sobre a justiça formal, a qual "os iguais devem ser tratados de forma igual e os diferentes devem ser tratados de forma diferente".

Ainda sobre o princípio da justiça, Rawls apud Almeida et al (2007) afirma que os cidadãos estando sob o mesmo nível de ignorância ficam em situação equitativa, por isso propõe uma idéia de justiça como equidade.Rawls apud Almeida et al (2007, p. 216) afirma que "cada pessoa deve ter um direito igual ao mais amplo sistema total de liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema semelhante de liberdade para todos", bem como as dificuldades sociais e econômicas devem ser distribuídas simultaneamente, onde os maiores benefícios devem ser aos menos favorecidos. Dessa forma, paraRawls apud Almeida et al (2007), a teoria da justiça redunda em três princípios básicos, o princípio da liberdade, da oportunidade justa, e da diferença.

Perelman et al apud José Afonso da Silva (2001), diz ser a justiça formal um princípio de ação, onde seres da mesma categoria devem ser tratados igualmente. José Afonso da Silva (2001) acrescenta ainda que tal princípio identifica-se com a igualdade formal. Perelman et al apud José Afonso da Silva (2001, p. 216), coloca magnificamente a seguinte frase: "tratar de maneira igual os iguais e de maneira desigual os desiguais".

Relativo ao princípio da igualdade, André da Silva (2006, p. 214) afirma ser "o signo fundamental da democracia". Não permite privilégios nem distinções. André da Silva (2006) afirma ainda que as constituições admitem o sentido jurídico-formal que refere-se a igualdade perante a lei. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 busca reduzir as desigualdades sociais e regionais, repulsa discriminação, universaliza a seguridade social, garante saúde, acesso a educação, tudo isso visando a igualdade material.

O princípio da liberdade, segundo Almeida et al (2007) tem prioridade dentre os restantes, além de que todos os indivíduos em uma sociedade justa se beneficiam das mesmas liberdades básicas.Rawls apud Almeida et al (2007) inclui nestas liberdades básicas a liberdade política, liberdade de expressão e de reunião, liberdade de consciência e de pensamento. Inclui também as liberdades da pessoa que segundo o autor refere-se à proibição contra agressões e prisões arbitrárias. SegundoRawls apud Almeida et al (2007, p. 217), quanto ao princípio da liberdade:

Rawls defende que não se pode violar as liberdades básicas dos indivíduos de modo a alcançar vantagens económicas e sociais. Por exemplo, não se pode suprimir a liberdade de expressão com o objectivo de obter uma melhor distribuição da riqueza. No entanto, nenhuma das liberdades básicas é absoluta. Qualquer uma pode ser limitada para que assim se obtenha uma maior liberdade para todos. Por exemplo, em algumas circunstâncias pode justificar-se limitar a liberdade de expressão – proibindo, suponhamos, a difusão de ideais políticos ou religiosos extremamente intolerantes – de modo a proteger a liberdade política.

Segundo André da Silva (2006, p. 236), o conceito de liberdade é a "possibilidade de coordenação consciente dos meios necessários à realização da felicidade pessoal". Outro princípio interessante que também deve ser levado em consideração quando no uso da força é o da dignidade da pessoa humana. Para o autor este princípio serve como unificador de todos os direitos fundamentais. Dessa forma a ordem econômica deve ter por finalidade assegurar à todos a existência digna, a ordem social, a realização da justiça social, a educação, o desenvolvimento e preparo da cidadania da pessoa, visando a dignidade da pessoa humana. A respeito do princípio constitucional da dignidade humana bem define Sarlet, (2001, p. 89):

A dignidade da pessoa humana engloba necessariamente respeito e proteção da integridade física e emocional (psíquica) em geral da pessoa, do que decorrem, por exemplo, a proibição da pena de morte, da tortura e da aplicação de penas corporais bem como a utilização da pessoa para experiências científicas.

Farias apud Martins (2006) esclarece que a arquitetura constitucional é baseada no princípio da dignidade da pessoa humana. Este princípio dá valor e consistência aos direitos fundamentais. Serve como respaldo para possíveis "direitos novos" surgidos através de tratados internacionais aos quais o Brasil seja signatário, ou mesmo em decorrência de direitos implícitos em princípios contidos na própria Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. O princípio da dignidade da pessoa humana é critério imperativo do inteiro ordenamento constitucional.

4.2 Código Penal – Excludentes de Ilicitude

Baseando-se nos princípios supracitados, o Código Penal Brasileiro (BRASIL, 2011) em seus artigos 23, 24 e 25 busca definir as excludentes de criminalidade, ou seja, conforme Pinto e Valério (2002, p. 57), "as causas de justificação que tornam um ato antijurídico excluso de ilicitude", tornando o próprio delito excluído.

Capez e Prado (2008, p. 62), de maneira muito didática, ensinam que pela teoria bipartida, crime é todo fato típico e ilícito, excluindo portanto a culpabilidade. Ilicitude é a "contradição entre a conduta e o ordenamento jurídico" podendo ser comissiva (ação) ou omissiva (omissão), tornando-a ilícitas. Assim, toda conduta penalmente ilícita é típica, porém o contrário não ocorre, pois pode haver situações que haja a incidência das excludentes de ilicitude, quais sejam:

Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato:

I – em estado de necessidade;

II – em legítima defesa (própria ou de terceiros);

III - em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular do direito.

Parágrafo único: O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo". (CÓDIGO PENAL, BRASIL, 2011)

O artigo 24, do Código Penal trata, especificamente, sobre o estado de necessidade e o artigo 25, sobre a legítima defesa:

Art. 24.Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, ou circunstâncias, não era razoável exigir-se[...]

§ 1°Não pode alegar o estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo.

§ 2° Embora seja razoável exigir-se o sacrifício, do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços. (CÓDIGO PENAL, BRASIL, 1940)

Art. 25. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. (CÓDIGO PENAL, BRASIL, 1940)

O Código Penal Militar (BRASIL, 2011), também citado pela apostila Uso Legal da Força, do Ministério da Justiça (2006), traz em seu artigo 42, a exclusão de crime, artigo análogo ao do Código Penal comum.

Art 42. Não há crime quando o agente pratica o fato:

I – em estado de necessidade;

II – em legítima defesa;

III – em estrito cumprimento do dever legal

IV – em exercício regular de direito

Capez e Prado (2008, p. 62) destacam ainda que há outras causas de exclusão da ilicitude ao longo da Parte Especial do Código Penal, exemplificando: aborto de necessário ou aborto no caso de gravidez resultante de estupro, art. 128, I e II e a injúria ou difamação, quando praticadas nas situações previstas no art. 142, I, II e III, in verbis:

Art. 142. Não constituem injúria ou difamação punível:

I - a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador;

II - a opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica, salvo quando inequívoca a intenção de injuriar ou difamar;

III - o conceito desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação ou informação que preste no cumprimento de dever do ofício.

Parágrafo único - Nos casos dos ns. I e III, responde pela injúria ou pela difamação quem lhe dá publicidade. (CÓDIGO PENAL, BRASIL, 1940)

Andreucci (2008, p. 64), tratando também sobre as excludentes de ilicitude, afirma ser esta sinônimo de antijuridicidade. O referido autor conceitua as excludentes de ilicitude como "causas de justificação da prática" de um fato típico, tornando-o jurídico, ou seja, não proibido ou vedado pela legislação. As causas de exclusão da ilicitude são também chamadas de descriminantes, causas de exclusão do crime, eximentes ou tipos permissivos.

4.2.1 Legítima Defesa – Conceito e Exemplos Fáticos

Para Capez (2004), legítima defesa é uma excludente de ilicitude onde o agente repele injusta agressão, atual e iminente, a direito próprio ou alheio, usando os meios necessários de maneira moderada. O autor diz que pela falta de proteção do Estado aos cidadãos em todos os momentos e lugares, através desta excludente de ilicitude, permite que o cidadão se defenda, quando não houver outro modo. Como requisitos o autor relaciona: agressão injusta, atual e iminente, contra direito próprio ou alheio, repulsa com meios necessários e uso moderado, além do conhecimento da situação justificante.

Pinto e Valério (2002, p.58) corroboram com Capez (2004) e exemplificam com um caso de uma pessoa que ao ser atacada com facadas numa tentativa de roubo, consegue sacar uma arma de fogo e matar o agressor.

Tratando-se de uma obra de cunho policial militar, Pinto e Valério (2002, p.60), listam requisitos para que o policial possa alegar legítima defesa:

  • a) Que haja agressão injusta, ou seja, objetivamente ameaçadora à lesão de um direito legítimo (pessoal ou impessoal);

  • b) Que esta seja atual, esteja acontecendo ou iminente, prestes a ocorrer;

  • c) Esta agressão deve configurar real condição de dano, ameaça potencial à direito próprio ou de terceiro;

  • d) A defesa só é valida quando se faz necessária para repulsar a agressão, com os meios disponíveis no momento;

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  • e) Uso moderado da força necessária para repulsa da agressão. Neste aspecto mostrasse de extrema valia os modelos de uso progressivo da força, apresentado no capítulo três.

  • f) O chamado Animus Defendi, ou seja, a verdadeira consciência, vontade do agente em agir sob o prisma da legítima defesa.

Capez e Prado (2008, p. 68) concordam com Pinto e Valério (2002). Os autores acrescem que nesse caso não há dois ou mais bens em conflito, como no caso do estado de necessidade. Nesse caso, "ocorre um ataque ilícito contra agente ou terceiro, legitimando repulsa".

Merece destaque o exemplo dos autores sobre a defesa de agressão advinda de animais, como cães ferozes. Quando motivadas pela açula de pessoa, caracterizam legítima defesa. Porém, quando a ação de repulsa opor-se a ataque irracional de animal caracteriza-se estado de necessidade. Andreucci (2008, p.70) não diferencia as duas hipóteses, classificando apenas como inexistente a legítima defesa quando necessária para repulsa à agressão de animais.

Ainda, Andreucci (2008, p. 67), conceitua legítima defesa como sendo a "repulsa a injusta agressão, atual ou iminente, a direito próprio ou de outrem, usando moderadamente os meios necessários."

Andreucci (2008, p. 67), indo ao encontro com Pinto e Valério (2002), também lista alguns elementos necessários para configuração da legítima defesa:

  • a) Agressão (ato humano) injusta, atual (esta ocorrendo) e iminente (prestes a ocorrer);

  • b) Direito próprio (legítima defesa própria) ou de terceiro (legítima defesa de terceiro);

  • c) Utilização dos meios necessários, ou seja aqueles à disposição e menos lesivos;

  • d) Utilização moderada de tais meios; o que pode ser entendido como uso progressivo da força na atuação policial;

  • e) Conhecimento da situação de fato justificante (animus defendi).

Andreucci (2008, p. 68 e 69) explica ainda que quando o agente após se defender do agressor, acreditando que este ainda intenta contra sua pessoa, intensifica, aumenta as agressões, e desta forma excedendo-se, age sob o prisma do erro de tipo escusável. Nesse caso exclui-se o dolo ou a culpa.

O mesmo autor trata sobre a legítima defesa sucessiva onde o agente de agressão inicial, passa a ser vítima de agressão em excesso, e agindo em defesa própria, esta pode ser considerada legítima.

4.2.2 Estado de Necessidade – Conceito e Exemplos Fáticos

Pinto e Valério (2002, p. 58) destacam diferenças entre o "estado de necessidade" e a "legítima defesa". Essa subentende uma agressão atual ou iminente e injusta, contra a qual haverá uma reação, enquanto no "estado de necessidade" a situação de perigo que ameaça direito do agente ou de terceiro, tem que ser atual e inevitável, além de ter que ser inexigível o sacrifício do bem ameaçado, consideradas as circunstâncias.

Führer (1999, p. 67 e 69) entende respectivamente sobre estado de necessidade e legítima defesa o seguinte:

Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. (Führer, 1999, p. 67).

Entende-se em legítima defesa, quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. (Führer, 1999, p. 69).

No dizer de Capez (2004, p. 256), estado de necessidade é causa de exclusão de ilicitude da conduta, quando o agente não tem o dever legal de enfrentar uma situação de perigo atual, além de não a ter provocado, e acaba por sacrificar "um bem jurídico ameaçado por este perigo, para salvar outro".

Capez e Prado (2008, p. 66) corroboram, afirmando ainda que nesses casos existem dois bens jurídicos distintos, onde a preservação de um impõe a destruição de outro.

Didaticamente, Andreucci (2208, p. 65) conceitua o estado de necessidade como uma "situação de perigo atual de interesses legítimos e protegidos pelo Direito, em que o agente, para afastá-la e salvar um bem próprio ou de terceiro, não tem outro meio senão o de lesar o interesse de outrem, igualmente legítimo".

No estado de necessidade, Capez (2004, p. 257) afirma que existem dois ou mais bens jurídicos em perigo, sendo que o resguardo de um está sujeito ao extermínio do outro. Capez (2004) assevera ainda que o Código Penal adota a teoria unitária sobre estado de necessidade, onde esta é sempre considerada causa e exclusão de ilicitude, quando eivada de razoabilidade. Capez e Prado (2008, p. 66) acrescentam que pela teoria unitária, adotada pelo Código Penal, não há comparação de valores, bastando a ação ocorrer conforme o senso comum, seguindo a razoabilidade.

Capez (2004) relaciona como requisitos para ocorrência do estado de necessidade: o perigo deve ser atual, deve ameaçar direito próprio ou alheio, não pode ter sido causado pelo agente e deve haver inexistência do dever legal de abarbar o perigo por parte do agente. Sobre a conduta lesiva, o comportamento do agente deve ser inevitável, o sacrifício deve ser razoável e ele deve estar ciente da situação justificante.

Capez e Prado (2008, p. 66), concordam com os requisitos e explicitam a inevitabilidade do comportamento que sacrificar o bem jurídico, reforçam a razoabilidade desta escolha, e destacam o requisito subjetivo, que é a intenção real do agente em agir sob o prisma do estado de necessidade.

Capez (2004, p. 262), distingue três formas de estado de necessidade: "quanto à titularidade do interesse protegido", que pode ser direito próprio ou de terceiro; "quanto ao aspecto subjetivo do agente" onde a situação pode ser real ou putativa, quando o perigo é imaginado pelo agente, porém não existe. E "quanto ao terceiro que sofre a ofensa", que pode ser defensivo, quando a agressão vai contra o provocador dos fatos, e agressivo, onde o agente destrói bem de terceiro inocente.

Quanto ao parágrafo primeiro do artigo vinte e quatro, Capez e Prado (2008, p. 67), rechaçam o direito de alegar o estado de necessidade quando o agente possui o dever de enfrentar o perigo, como no caso do bombeiro, excluindo a hipótese em que for impossível o salvamento ou o risco for inútil.

Andreucci (2008, p. 66) corrobora, afastando também a possibilidade de alegação do tipo permissivo no caso do policial que se recusa a perseguir um malfeitor sob pretexto de poder ser atingido por disparo de arma de fogo.

Quanto ao parágrafo segundo, que aponta uma causa de diminuição de pena, quando há ilicitude na ação, por falta de razoabilidade do agente na destruição do bem jurídico tutelado, Andreucci (2008, p. 67) afirma ficar a critério do juiz a gradação da redução entre um ou dois terços.

4.2.3 Estrito Cumprimento do Dever Legal e Exercício Regular de Direito – Conceito e Exemplos Fáticos

Capez (2004, p. 273), ao se referir ao estrito cumprimento do dever legal, conceitua: "[...] causa de exclusão da ilicitude que consiste na realização de um fato típico, por força do desempenho de uma obrigação imposta por lei".

O estrito cumprimento do dever legal para Capez (2004) deve derivar direta ou indiretamente da lei, e ser cumprido estritamente dentro dos limites legais.

Sobre o estrito cumprimento do dever legal, Pinto e Valério (2002, p. 59), destacam que é caracterizado pela "existência de um dever funcional imposto pelo direito objetivo" emanado do poder público com caráter geral. O agente não pode exorbitar o poder que o Estado lhe conferiu.

Führer (1999) afirma que não há crime quando o agente pratica o fato em estrito cumprimento do dever legal, como no caso do policial que prende em flagrante ou que revida tiros de assaltante e acaba matando um deles.

Alvarenga (2007, p. 1) diverge de Fuhrer (1999) quando analisando o exemplo da atividade policial militar, afirmando o seguinte:

[...]o policial que fere ou mata alguém que resiste, de forma violenta, à prisão em flagrante pode alegar, em seu favor, o contratipo imperativo do estrito cumprimento de dever legal? Não, pois inexiste, no caso, norma jurídica que determine ferir ou matar. A conduta do policial perfaz, então, um fato típico de lesão corporal ou de homicídio, embora justificado pela legítima defesa, se ocorrerem, é claro, os requisitos desta causa de exclusão da antijuridicidade. Quero crer, contudo, que o cumprimento do dever legal de efetuar a prisão em flagrante, e que, associado à violenta resistência, legitima a reação de defesa oposta pelo policial, merece impedir que se produza a função própria da tipicidade de ser indiciária da ilicitude do fato.

Analisando sob o ponto de vista de Alvarenga (2007), uma situação onde um policial militar, utilizando-se moderadamente de técnica de artes marciais, contra agente que resiste a prisão após efetuar roubo, causando-lhe lesões, é justificado pela legítima defesa e não pelo estrito cumprimento do dever legal.

Cabe, no entanto, aplicar a excludente de estrito cumprimento do dever legal para atividade policial, conforme o exemplo apresentado por Araújo (2003, p. 1):

Exemplo clássico de estrito cumprimento de dever legal é o do policial que priva o fugitivo de sua liberdade, ao prendê-lo em flagrante. Nesse caso, o policial não comete crime de constrangimento ilegal ou abuso de autoridade, por exemplo, pois que ao presenciar uma situação de flagrante delito, a lei obriga que o policial efetue a prisão do respectivo autor, mais precisamente o art. 292 do CPP [...]

Outro exemplo a ser destacado é do policial militar que ao realizar a prisão de agente em flagrante delito, contendo inicialmente sua tentativa de fuga ou resistência, e havendo ainda perigo a integridade física dos agentes ou de terceiros pode fazer uso de algemas, conforme o Supremo Tribunal Federal manifestou-se através da Súmula Vinculante nº 11 de 2008.

[...]

Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.(Supremo Tribunal Federal, pag. 3)

De qualquer forma, independente de qual for ponto de vista analisado, o policial militar que utilizar-se moderadamente da força necessária, para repelir agressão injusta, contra si ou contra terceiro, e culminar em lesões contra o agressor, poderá recorrer a excludentes de criminalidade.

Schwartz apud Mirabete (2009, p.1), faz apontamento interessante quanto ao estrito cumprimento do dever legal:

Prevista no art. 23, III, primeira parte do Código Penal, o estrito cumprimento do dever legal é uma causa de exclusão da ilicitude, deixando o fato praticado de ser antijurídico. Quem cumpre regularmente um dever não pode, ao mesmo tempo, praticar ato ilícito, uma vez que a lei não contém contradições (MIRABETE, 2005, p. 188-189). Aquele que age limitando-se a cumprir um dever que lhe é imposto por lei penal ou extrapenal e procede sem abusos no cumprimento desse dever não ingressa no campo da ilicitude.

Schwartz (2009, p.1) exemplifica como causa de caracterização da referida excludente o policial que atira contra preso em fuga de estabelecimento penal alegando que "a sociedade, que não pode ficar à mercê da violência cometida pelos criminosos".

Pedroso (2009, p. 378), autor também indicado por Schwartz (2009), cita exemplos adquiridos na doutrina e na jurisprudência.

De igual forma, o policial que comete lesões corporais, atirando contra a perna de criminoso em fuga, atua sob o pálio do estrito cumprimento do dever legal, como o fazem, em relação aos delitos contra a honra, o funcionário público que emite conceito injurioso ou difamatório sobre alguém, em apreciação ou informação que preste no cumprimento de dever de ofício, a testemunha que emita considerações contumeliosas relativas a alguém em resposta a perguntas do magistrado, já que a lei a obriga a declarar a verdade, e o Promotor de Justiça que, ao fundamentar pedido de prisão preventiva, tece consideração desabonadora com relação a outrem.

Schwartz (2009, p.2), traz ainda algumas jurisprudências que defendem seu entendimento:

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – HOMICÍDIO CONSUMADO E HOMICÍDIO TENTADO – DESCLASSIFICAÇÃO PARA LESÃO CORPORAL SEGUIDA DE MORTE E LESÃO CORPORAL – PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA – POLICIAIS MILITARES QUE ATIRARAM CONTRA DETENTOS EM FUGA – EXCESSO NÃO CONFIGURADO – EXCLUDENTE DE ILICITUDE – ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA – RECURSOS PROVIDOS – UNÂNIME.

Age no estrito cumprimento de dever legal o policial que atira contra detento em fuga, valendo-se dos meios necessários, sem excesso, dele não se podendo exigir outra conduta, porquanto esse é o munus que o Estado lhe confere, autorizando-o, inclusive, a portar arma de fogo, devidamente municiada.

(TJDF. RSE n.° 1999.08.1.002582-2, Rel.: Des. LECIR MANOEL DA LUZ, j. em 08/09/2005).

Recurso de ofício. Absolvição sumária. Estrito cumprimento do dever legal.

A absolvição sumária aplicada ao policial militar que, para obstar fuga e na iminência de ser agredido, atira e mata, não deve ser cassada. Absolvição mantida.

(TJRO. Rec. de Oficio nº. 20000019990016790, Rel.: Des. Antonio Cândido, j. em 16/09/1999).

RESPONSABILIDADE CIVIL. MORTE DE PRESO QUE TENTAVA SE EVADIR. TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. EXERCÍCIO DE DEVER LEGAL. CULPA DA VÍTIMA.

Circunstância em que apenado é morto por tiro desferido por autoridade policial quando buscava evadir-se de presídio. Dever do Estado em fazer cumprir sua função de promover a segurança de seus cidadãos. Suprime-se a relação de causa e efeito entre o agir e o dano pela culpa exclusiva da vítima. Legítimo exercício de dever legal do agente estatal que busca impedir a tentativa de fuga, atirando em apenado que já se evadia e ignora tiro de advertência. Apelo improvido. Decisão unânime."

(TJRS. Apelação Cível nº. 70003216835, Rel.: Des. Jorge Alberto Schreiner Pestana, j. em 01/08/2002).

Além do discutível exemplo de Schwartz (2009), Capez e Prado (2008, p. 64), explicam o chamado exercício regular do direito, exemplificando o caso do particular que efetua a prisão de agente em flagrante delito, conforme autorização do Próprio Código de Processo Penal. Para os autores exclui-se a ilicitude quando o sujeito está autorizado a determinado comportamento pela própria lei. Outro exemplo é a coação para prática de intervenção cirúrgica, ou o chamado jus corrigendi do pai de família, derivado do poder familiar ou ainda, as lesões praticadas em competições desportivas. Os autores incluem também neste caso os ofendículos, como cacos de vidro ou cercas elétricas, desde que facilmente perceptíveis e razoáveis, os quais são destinados a defesa da propriedade.

4.2.4 Excesso Punível

O parágrafo único do artigo vinte três do Código Penal (BRASIL, 2011), segundo Pinto e Valério (2002, p. 57), refere-se à possibilidade de responsabilização do executor, do agente público, quando agindo, mesmo sob as circunstâncias da excludente de criminalidade, com excesso doloso ou culposo. Evidencia-se desta forma a necessidade do policial possuir conhecimento técnico sob todos os níveis da aplicação da força para não incidir no parágrafo único do artigo vinte e três.

Pinto e Valério (2002, p. 62), refletindo sob este prisma, esclarecem que sob os olhos do poder judiciário, a ação desproporcional e imotivada, dentre outros aspectos é causada pela "falta de confiança na eficácia de suas técnicas de contenção e de defesa pessoal" ou mesmo pelo desconhecimento por parte do agente público dos efeitos que tais golpes, técnicas, podem ocasionar. Os autores colocam ainda que isto ocorre pela falta de treinamento, preparo dos policiais, bem como insuficiente controle emocional e racionalidade, em conjunto com falta de preparo psicomotor, que lhes proporcionem "ações físicas oportunas e comedidas".

Quanto ao excesso punível, Capez e Prado (2008, p. 62) afirmam que somente a força necessária e que decorra da exigência legal pode ser amparada nas causas de justificação. Assim os excessos poderão ser puníveis quando tipificados no Código Penal ou na lei de Abuso de Autoridade. Como exemplo, explicitam a situação em que a autoridade policial mesmo agindo sob o estrito cumprimento do dever legal ao prender um agente em flagrante delito, responderá pelo excesso caso exponha a autoridade à humilhação. Ou ainda os policiais que espancam a vítima durante abordagem alegando desobediência.

Andreucci (2008, p. 73) diferencia o excesso doloso do culposo, onde este decorre de avanço aos limites legais, pelo agente que mesmo após já ter contido a agressão inicial, age por impudência, negligência ou imperícia e aquele do avanço voluntário do agente, mesmo após já ter contido a agressão inicial, culminando em resultados antijurídicos.

4.3. Código de Processo Penal e Processo Penal Militar

Antes de abordar os artigos específicos do Código de Processo Penal, que tratam sobre o uso da força na atividade policial, é importante destacar-se, o art. 301 que fala sobre o dever das autoridades policiais e seus agentes efetuarem a prisão de quem seja encontrado em flagrante delito, veja-se: "Art. 301. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito" (CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, 2010).

O Ministério da Justiça (2006), ao tratar sobre o uso progressivo da força, traz à baila artigos do Código de Processo Penal. Nesse salienta os artigos 284 e 293 que permitem o emprego da força pelos policiais no exercício profissional.

Art. 284 Não será permitido o emprego de força, salvo a indispensável, no caso de resistência ou tentativa de fuga de preso. [...].

Art 293 Se o executor do mandado verificar, com segurança, que o réu entrou ou se encontra em alguma casa, o morador será intimado a entrega-lo, à vista da ordem de prisão. Se não for obedecido imediatamente, o executor convocará duas testemunhas e, sendo dia, entrará a força na casa, arrombando as portas, se preciso; sendo noite, o executor, depois da intimação ao morador, se não for atendido, fará guardar todas as saídas, tornando a casa incomunicável, e logo que amanheça, arrombará as portas e efetuará a prisão. (CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, 2010)

Destaca-se ainda o art. 292 da mesma legislação que também se refere ao uso da força por parte dos agentes públicos.

Art. 292. Se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão em flagrante ou à determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do que tudo se lavrará auto subscrito também por duas testemunhas. (CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, 2010)

Sobre o artigo 284, acima citado, Tourinho Filho (1997, p. 459-460) comenta que:

Quando da realização da prisão, não podem seus executores fazer uso da força, a não ser nas duas hipóteses enunciadas no artigo em exame. Quanto á resistência, distingui-se em passiva e ativa. A primeira consiste num simples gesto instintivo de autodefesa, sem intenção de ofender [...]. Já a ativa, sim. Em qualquer uma dessas espécies de resistência, pode ser usada a força, dentro dos limites indispensáveis para vencê-la. Assim por exemplo, se o capturando deita-se ao chão, evidente que o executor seria penalmente responsabilizado se, por acaso, fizesse uso do cassetete.

Jesus (2010, p. 258), objetivamente sobre o art. 284, afirma que para efetuação da prisão o emprego da força "é permitido e indispensável para vencer a resistência ou a tentativa de fuga de preso". Sobre o art. 292, chama de "violência necessária" o uso da força indispensável para vencer a resistência.

Quanto ao Uso da Força tratado no Código de Processo Penal, Tourinho Filho (2010, p. 644), salienta ser exceção, somente podendo ser utilizada em duas situações, no caso de resistência e no caso de tentativa de fuga, alertando quanto ao excesso que poderá configurar crime previsto na lei 4.898/65, Lei de Abuso de Autoridade. O autor cita como exemplo legítimo, o caso de um preso em fuga, onde o policial poderá, por exemplo, dar-lhe um tiro na perna, medida necessária para evitar a fuga.

O Código de Processo Penal Militar (BRASIL, 2011) também é citado pela apostila do Ministério da Justiça (2006, p. 12). Os artigos 231, 232 e 234 relacionam-se com o emprego da força na ação policial. O artigo 234 expressa o seguinte:

Art 234. O emprego da força só é permitido quando indispensável, no caso de desobediência, resistência ou tentativa de fuga. Se houver resistência da parte de terceiros poderão ser usados os meios necessários para vencê-la ou para defesa do executor e seus auxiliares, inclusive a prisão do defensor. De tudo se lavrará auto subscrito pelo executor e por duas testemunhas.

Pinto e Valério (2002) exemplificam duas jurisprudências referentes a atitudes de agressão injustificada por parte de policiais militares. Em ambas ocorre o crime de lesões corporais, artigo 209 do Código Penal Militar.

Pesquisando a jurisprudência do Tribunal de Justiça Militar do Rio Grande do Sul (2007) e do Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo (2007) respectivamente, encontram-se duas jurisprudências que podem corroborar com as exemplificadas pelos autores em sua obra:

Lesão leve (art. 209, caput, do CPM). Co-autoria (art. 53, caput, do CPM).

Decisão majoritária do Conselho Permanente de Justiça, que condenou os acusados a três meses de detenção, com sursis bienal, mediante condições, a dois dos quatro acusados. Apelo da defesa. Policiais militares em serviço de policiamento ostensivo que agridem a vítima em comunhão de vontades, provocando-lhe lesões corporais de natureza leve. Autoria, materialidade e culpabilidade satisfatoriamente comprovadas.

Apelo da defesa negado. Decisão unânime.

(APELACAO CRIMINAL nº 3.573/03)

Apelação Criminal - Lesões corporais de naturezas grave e leve - Caracterização - Pretendida absolvição por reconhecimento da excludente da legítima defesa putativa - Inocorrência - Materialidade dos delitos comprovadas por prova pericial e testemunhal - Condenação mantida.

Policial Militar participando de bloqueio policial efetua disparo de arma de fogo contra motociclista. Legítima defesa putativa não comprovada. Inobservância das cautelas necessárias. Lesões de naturezas grave e leve comprovadas por laudo pericial. Delito caracterizado.

(APELACAO CRIMINAL - Nº 005405/05, Processo nº 036992/03 4a AUDITORIA )

A última jurisprudência exposta aponta um caso onde a lesão foi ocasionada pelo uso indevido da arma de fogo, demonstrando o nível de responsabilidade que agente policial deve ter ao utilizar este artifício.

4.4. Lei 4.898/65 – Abuso de Autoridade

Sírio (2007), afirma ser abuso de autoridade qualquer ato do poder que atente contra:

[...] os direitos e garantias individuais do homem, inerentes à sua liberdade de locomoção, inviolabilidade do seu domicílio, sigilo de correspondência, liberdade de consciência e crença, livre exercício do culto religioso, liberdade de associação, direitos e garantias legais assegurados ao exercício do voto, direito de reunião, incolumidade física do indivíduo e direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional.

Sírio (2007), ensina ainda que autoridade é considerada a pessoa que exerce cargo, emprego ou função pública de natureza civil ou militar, mesmo que transitoriamente e sem remuneração. Como sujeito passivo imediato coloca o Estado, e mediato o cidadão titular da garantia fundamental lesada.

Não obstante a lei expressamente se referir a abuso de autoridade, melhor, porque, mais técnico seria, referir-se a abuso de poder. Nesse sentido afirma Santos (2003, p. 17):

[...] a doutrina, de um modo geral, reconhece uma impropriedade nessa denominação, porque quando se tem por base uma relação de direito público ou função pública na qual se cometem abusos, correto seria falar-se não em abuso de autoridade, mas abuso de poder. A expressão abuso de autoridade melhor guarida encontraria nos casos de abusos, excessos ou desvios no campo das relações privadas. Na realidade, a expressão correta seria "abuso de poder", pois nem todo funcionário público exerce uma função de autoridade. Não é só quem detém um cargo de autoridade que pode ser sujeito ativo deste crime; basta ver o conceito legal de funcionário público. Também os funcionários públicos que não são considerados autoridade pública podem ser sujeito ativo.

Registre-se que o Código Penal do Brasil (BRASIL, 1940), tratando das circunstâncias agravantes, em seu artigo 61, inciso II, alíneas "f" e "g" institui diferença fundamental entre abuso de autoridade e abuso de poder:

Art. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:

[...]

f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica;

g) com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão;

Abuso, segundo De Plácido e Silva apud Fonseca (1997), "[...] é um termo usado para expressar o excesso de poder ou de direito, ou ainda o mau uso ou a má aplicação dele [...]".

Costa (2006), referindo-se sobre a lei número 4.898 de nove de dezembro de 1965, afirma que o artigo terceiro, descreve como se constitui o abuso de autoridade, e segundo o autor, a alínea "i" do artigo, reflete uma das possibilidades onde o policial utilizando-se inadequadamente da força contra o administrado pode incidir. "Art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado: i) à incolumidade física do indivíduo; (BRASIL,1995)LEI 4898/95)"

Para Costa (2006), a Lei 4898/65 prevê sanções de natureza administrativa, civil e penal, que estão destacadas no artigo 6º da referida lei.

Cunha (2004, p. 8), sobre a dificuldade do agente público de proteger-se das lacunas da lei, e acabar por incidir no crime de abuso de autoridade, posiciona-se assim:

A falta de clareza dos dispositivos legais e a má compreensão dos conceitos doutrinários pelo policial podem levar ao abuso de autoridade - onde o direito legítimo do cidadão de ser protegido do uso da força excessiva pela polícia é desrespeitado; ou ao excesso de zelo – no qual o policial abre mão do seu direito à própria segurança, temendo agir com excesso.

Apesar da legislação anteriormente comentada sobre o assunto Barbosa e Ângelo apud Ministério da Justiça (2006, p. 13) diz que "o Sistema Jurídico Brasileiro apresenta lacunas e imprecisões quanto a legalidade e aos limites" do uso da força. O Ministério da Justiça (2006) coloca ainda sobre a necessidade de a Legislação Brasileira absorver uma norma única referente ao assunto para orientar policiais e cidadãos.

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Sobre o autor
Eduardo Moreno Persson

1º Tenente da Polícia Militar de Santa Catarina Bacharel em Segurança Pública. Pós graduado em Direito Penal e Ciências Criminais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PERSSON, Eduardo Moreno. Embasamento legal do uso da força pelo policial militar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3021, 9 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20084. Acesso em: 23 dez. 2024.

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