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Desmistificando o dumping social

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02/10/2011 às 15:11
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4. A QUESTÃO DA INDENIZAÇÃO

Para tornar o trabalho mais completo, cabe nos aprofundarmos nos fundamentos que embasam a aplicação da indenização suplementar a ser fixada.

Souto Maior, além de fundamentos legais, divaga sobre fatores sociais, econômicos e consumeristas que ensejam a aplicação de uma reprimenda à empresa afeita ao dumping social.

Basicamente, a idéia é de que o dano à sociedade configura ato ilícito, por exercício abusivo do direito, já que extrapola limites econômicos e sociais, nos exatos termos dos arts. 186, 187 e 927 do Código Civil [25].

O art. 404, parágrafo único do Código Civil traz um fundamento de ordem positiva para impingir ao agressor contumaz uma indenização suplementar [26].

Os artigos 652, "d", e 832, § 1º, da CLT, respectivamente, autorizam os juízes a aplicar multa e demais penalidades, bem como a definição de condições para cumprimento da sentença [27].

Segundo Jorge Luiz Souto Maior [28],

o ilícito tanto se perfaz pela provocação de um dano a outrem, individualmente identificado, quanto pela desconsideração dos interesses sociais e econômicos, coletivamente considerados. Na ocorrência de dano de natureza social, surge, por óbvio, a necessidade de se apenar o autor do ilícito, para recuperar a eficácia do ordenamento, pois um ilícito não é mero inadimplemento contratual e o valor da indenização, conforme prevê o art. 944, do CC, mede-se pela extensão do dano, ou seja, considerando o seu aspecto individual ou social. Como já advertira Paulo Eduardo Vieira de Oliveira, o efeito do ato ilícito é medido, igualmente, sob o prisma da integridade social.

O Direito Consumerista, sempre pioneiro, já vinha aceitando a condenação ao pagamento de indenização por dano social (dumping genericamente tratado) em hipóteses de ofensa ao direito do consumidor.

No aspecto da reparação, o tema em questão atrai a aplicação do provimento jurisdicional denominado na experiência americana de fluid recovery ou ressarcimento fluído ou global, quando o juiz condena o réu de forma que também o dano coletivo seja reparado, ainda que não se saiba quantos e quais foram os prejudicados e mesmo tendo sido a ação intentada por um único individuo que alegue o próprio prejuízo.

Mas a pedra angular da condenação de empresas por dumping social é sempre a verificação de que determinado empregador burla a legislação trabalhista reiteradamente e de forma inescusável, ou seja, poderia se portar de forma diversa e, por conveniência, assim não o faz de forma reincidente.

Por isso se diz que o magistrado deve conhecer muito bem o histórico da empresa no cotidiano da Vara do Trabalho, pois não há que se aplicar indenização na empresa que possui o mínimo de plausibilidade quando vem a ferir o direito do empregado ou mesmo não se caracteriza reincidente naquele fato.

Veja-se que Jorge Luiz Souto Maior profere tais sentenças subsidiado no fato de que existiam diversos processos onde se cobravam os mesmos direitos trabalhistas (processos n. 1.116/06, 395/08-8, 507/08-0, 986/08-5, 1.286/08-8 citados pelo próprio magistrado) e a empresa, ao revés, levanta a bandeira de que é um exemplo dentro do modelo capitalista, de sucesso produtivo, sendo que sua postura gera um paradigma de conduta, que conduz o modelo produtivo para o lado da verdadeira responsabilidade social ou transforma essa noção em mera retórica de comércio.

O ilustre magistrado explica [29]:

A situação é imperdoável, sobretudo se consideramos que os serviços desses trabalhadores foram destinados a uma das maiores empresas do mundo, a Coca-cola. Não é admissível que o desenvolvimento da atividade econômica de uma empresa de sucesso como esta se desenvolva ao custo do não pagamento de direitos trabalhistas.

O critério é o da avaliação quanto a ter sido uma atitude deliberada e assumida de desrespeito à ordem jurídica, como, por exemplo, a contratação sem anotação da Carteira de Trabalho ou a utilização de mecanismos para fraudar a aplicação da ordem jurídica trabalhista, valendo lembrar que o ato voluntário e inescusável é, igualmente, um valor com representação jurídica, haja vista o disposto no inciso LXVII, do art. 5º. da CR/88.

A magistrada Valdete Souto Severo da 5ª Vara do Trabalho de Porto Alegre/RS, proferiu a primeira sentença estudada por "reiterada conduta de má-fé" da empresa. Frise-se: a juíza conhecia o histórico da empresa em outros processos.

Cabe esclarecer, ainda, que alguns juízes arbitram a chamada "indenização suplementar" para um determinado fundo ou fim social, enquanto outros destinam tal indenização diretamente ao empregado lesado.

A juíza da 5ª Vara do Trabalho de Porto Alegre/RS, por exemplo, destinou o valor da indenização ao pagamento de outras demandas da empresa naquela Vara do Trabalho, senão vejamos [30]:

"O valor deverá ser depositado em conta à disposição do Juízo e será utilizado para pagamento dos processos arquivados com dívida nesta Unidade Judiciária, a iniciar pelo mais antigo, observada a ordem cronológica, na proporção de no máximo R$ 10.000,00 para cada exeqüente."

Jorge Luiz Souto Maior, ao seu turno, na sentença estudada arbitrou o dano social em 30% sobre o lucro da empresa durante a ‘semana otimismo que transforma’ destinado ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos.

Em outra demanda, o juiz Alexandre Chibante Martins, do Posto Avançado de Iturama, preferiu, no entanto, beneficiar o ex-empregado do Grupo JBS-Friboi em sua decisão. Segundo o magistrado "Foi ele quem sofreu o dano", e "Não tem sentido destinar os recursos a um fundo social". [31]

Souto Maior, no já citado artigo "Indenização por Dano Social pela Agressão Voluntária e Reincidente aos Direitos Trabalhistas", explica seu ponto de vista:

Conforme dispõe o art. 404, do Código Civil, a indenização por perdas e danos, em casos de obrigações de pagar em dinheiro (caso mais comum na realidade trabalhista) abrangem atualização monetária, juros, custas e honorários, sem prejuízo de indenização suplementar, a ser fixada "ex officio" pelo juiz, no caso de não haver pena convencional ou serem insuficientes os juros para reparar o dano.

Tal dispositivo, portanto, tanto pode justificar a fixação de uma indenização ao trabalhador, de caráter individual, diante da ineficácia irritante dos juros de mora trabalhista, quanto serve para impor ao agressor contumaz de direitos trabalhistas uma indenização suplementar, por dano social, que será revertida a um fundo público, destinado à satisfação dos interesses da classe trabalhadora.

Em recente matéria jornalística do site "Espaço Vital" [32], foi veiculada a notícia de que a Vale tinha sido condenada em R$ 20 milhões por dumping social. Verificou-se que haviam mais de 25 mil ações na Justiça do Trabalho de Parauapebas/PA nos últimos três anos pleiteando as mesmas "horas in itinere" [33].

A questão da indenização por dumping social – chamada indenização suplementar – ainda tem grande amplitude. Juridicamente e socialmente embasado, existe uma margem ao arbítrio do juiz para aplicar esta penalidade à empresa que burla inescusavelmente e reiteradamente os direitos trabalhistas. Sem dúvida alguma há certa contribuição ao combate à precarização da relação de emprego e, consequentemente, aos efeitos danosos causados em toda a sociedade.


CONCLUSÃO

Verifica-se, pois, que o conceito de dumping sofreu uma nova roupagem ao se inserir na seara trabalhista, passando a ser denominado "dumping social".

O que antes se definia em combate a prática comercial das empresas que fabricam seus produtos em países de pouca proteção laboral para obter mercadorias de baixo preço, hoje busca punir a própria empresa que teima em precarizar a relação de emprego e causar lesão ao empregado, consequemente à sociedade como um todo.

Derivado do radical inglês dump que significa lixo ou material inútil acumulado, que se descarta, a palavra dumping (gerúndio de to dump) segundo HOUAISS expressa o ato de despejar, desfazer-se de, jogar fora etc. [34]

O outrora definido como dumping condenável ou predatório significava justamente causar ou ameaçar causar dano relevante a uma indústria doméstica, ao contrário do dumping não-condenável ou episódico, que não gerava uma conseqüência relevante ou especificada.

Certamente o termo "dumping social" deriva do dumping condenável ou predatório, pois carrega uma conotação de que o empregado está sendo tratado com mercadoria descartável, ou seja, sem observar sua dignidade humana. Num segundo momento, a sociedade em si é que está sendo derrubada.

Mais do que reparar o dano individual/episódico, a indenização visa mesmo punir as práticas ilícitas que tenham importante repercussão social, visualizando sua extensão, fixando-se como forma de desestimular a continuação da prática do ato ilícito, especialmente quando o fundamento da indenização for a extrapolação dos limites econômicos e sociais do ato praticado.

Para o professor Sergio Pinto Martins,

No dumping social as empresas procuram obter competitividade de seus produtos, mediante diminuição de condições ou de direitos trabalhistas dos empregados, com a finalidade de colocar o produto mais barato no mercado... [35]

Trata-se, pois, de tese que visa combater essencialmente a prática precarizante do empregado e, consequentemente, proteger a sociedade como um todo contra as transgreções reiteradas aos direitos fundamentais e à dignidade humana do trabalhador.

Basicamente o entendimento é que nas reclamações trabalhistas em que tais condutas forem constatadas (agressões reincidentes ou ação deliberada, consciente e economicamente inescusável de não respeitar a ordem jurídica trabalhista), deve o magistrado proferir condenação que vise a reparação específica pertinente ao dano social perpetrado, ainda que fixada "ex officio" pelo juiz da causa, pois a perspectiva não é a da mera proteção do patrimônio individual, e sim da coletividade, ordem jurídica e da paz social.

O presente trabalho não teve a presunção de esgotar o assunto em si, mas se ateve tão somente no estudo da tese do chamado "dumping social" em seu significado, surgimento e aplicação na Justiça Trabalhista Brasileira, bem como nos fundamentos pelos quais os magistrados aderem ao tema. Ainda que brevemente, fez contraponto à críticas realizadas, mas se buscou esboçar num mesmo trabalho as ideias defendidas principalmente por Jorge Luiz Souto Maior e seus "seguidores" no cenário da Justiça Trabalhista brasileira.

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REFERÊNCIAS

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http://pt.wikipedia.org/wiki/Rodada_Uruguai, acessado em 29.03.2010.
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Sobre o autor
Luiz Gustavo Abrantes Carvas

Advogado, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera – UNIDERP Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVAS, Luiz Gustavo Abrantes. Desmistificando o dumping social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3014, 2 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20121. Acesso em: 26 abr. 2024.

Mais informações

Título original: "Dumping social: desmistificando um mito". Orientador: Professor Hugo Lourenço Moreira Santos.

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