Capa da publicação Exclusão política do servidor da Justiça Eleitoral: não recepção do art. 366 do Código Eleitoral
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A exclusão política do servidor da Justiça Eleitoral e as razões pelas quais não houve a recepção do artigo 366 do Código Eleitoral Brasileiro

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03/10/2011 às 15:48
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3 O DIREITO ELEITORAL E SEUS PRINCÍPIOS NORTEADORES

3.1 Conceito de Direito Eleitoral e as Bases de sua Autonomia

Segundo José Jairo Gomes (2010, p. 19), Direito Eleitoral é "o ramo do Direito Público cujo objeto são os institutos, as normas e os procedimentos regularizadores dos direito políticos. Normatiza o exercício do sufrágio com vistas à concretização da soberania popular".

Já Marcos Ramayana (2005, p. 25) conceitua analiticamente o Direito Eleitoral "como sendo o ramo do Direito Público que disciplina o alistamento eleitoral, o registro de candidatos, a propaganda eleitoral, a votação, apuração e diplomação, além de regularizar os sistemas eleitorais, os direitos políticos ativos e passivos, a organização judiciária eleitoral, dos partidos políticos e do Ministério Público dispondo de um sistema repressivo penal especial".

José Jairo Gomes (2010, p. 20) utiliza-se do conceito de microssistemas para fundamentar a autonomia desse ramo do Direito Público, nestes termos:

Para que um setor do universo jurídico seja inserido na categoria de microssistema, deve possuir princípios e diretrizes próprios, ordenados em atenção ao objeto regulado, que lhe assegurem a coerência interna de seus elementos e, com isso, identidade própria. Ademais, pressupõe a existência de práticas sociais específicas, às quais correspondam um universo discursivo e textual determinado a amparar as relações jurídicas ocorrentes.

O Direito Eleitoral atende a tais requisitos. Nele se encontra encerrada toda a matéria ligada ao exercício de direitos políticos e organização das eleições. Enfeixa princípios, normas e regras atinentes a vários ramos do Direito, como constitucional, administrativo, penal, processual penal, processual civil.

Assim, o citado autor defende a autonomia do Direito Eleitoral, uma vez que apresenta princípios e normas próprios para assegurar a organização e o exercício de direitos políticos precipuamente os de votar e ser votado (art. 1º do Código Eleitoral).

3.2 Os Princípios Fundamentais do Direito Eleitoral

Os princípios são, enquanto valores, a pedra de toque ou o critério com que se aferem os conteúdos constitucionais em sua dimensão normativa mais elevada (BONAVIDES, 2008). Bobbio, citado por Bonavides (2008), classifica-os conforme as seguintes funções: a função interpretativa, a função integrativa, a função diretiva e a função limitativa.

A Constituição Cidadã de 1988, em seu artigo 1º, eleva à categoria de princípios fundamentais, a soberania, a cidadania e o pluralismo político, enquanto que, em seu Preâmbulo, a igualdade e a justiça compõem os valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. São valores fortes, caracterizadores de uma sociedade evoluída e capaz de se autogerir, direta ou indiretamente, denotando a independência e a responsabilidade de um povo capaz de construir seu próprio futuro.

Entretanto, apesar de sua função orientadora básica, porque elevados à categoria constitucional, outros princípios também dão fundamento a todo o ordenamento, sendo alguns específicos a determinadas matérias enquanto outros possuem abrangência mais ampla.

Vários são os princípios presentes no Direito Eleitoral. Entre eles, destacam-se os seguintes princípios: democracia, democracia partidária, Estado Democrático de Direito, poder soberano, republicano, federativo, sufrágio universal, legitimidade, moralidade, probidade, igualdade ou isonomia. Revelam ainda princípios de natureza processual. (GOMES, 2010, p. 29).

Marcos Ramayana (2005, p. 31-41) elenca outros princípios próprios do Direito Eleitoral: princípio da lisura das eleições, princípio do aproveitamento do voto e o princípio da responsabilidade solidária entre candidatos e partidos políticos.

No entanto, dadas as respectivas pertinências no âmbito deste trabalho, trataremos de apenas alguns desses princípios.

3.3 O Princípio da Moralidade

O princípio da moralidade é previsto no art. 14, § 9º, da Constituição Federal, no âmbito dos Direito Políticos, e no art. 37, caput, na ingerência da Administração Pública.

Tornou-se comum a exigência de ética na política e em todos os setores da vida social. As ações imorais, antiéticas, têm sido repudiadas em toda parte, tendo que o art. 37 da Constituição Federal erigiu a moralidade administrativa como princípio da Administração Pública.

Um duplo desafio das democracias modernas é garantir a legitimidade das eleições e a moralidade dos mandatos. Esse também o problema da democracia brasileira, assolada por denúncias de improbidade administrativa de autoridades públicas e falta de decoro de parlamentares em todas as esferas de poder.

No âmbito dos Direitos Políticos, o princípio da moralidade inscrito no art. 14, § 9º, da Constituição conduz a ética para dentro do jugo eleitoral. Significa dizer que o mandato obtido por meio de práticas ilícitas, antiéticas, imorais, encontrar-se-ia eivado de legitimidade. Mais que isso: significa que o mandato político deve ser sempre conquistado e exercido dentro dos padrões éticos aceitos pela civilização (GOMES, 2010).

O agente público, ao exercer suas funções, deve-se portar sempre de acordo com as balizas da honestidade, da boa-fé, da ética, da probidade e da lealdade, porquanto, somente assim, o Estado Federal Brasileiro efetivará os direitos fundamentais e os objetivos fundamentais estabelecidos no artigo 3º, da Constituição, quais sejam: garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Assim, não foi por outra razão que o legislador constituinte preconizou no artigo 14, §9º da Carta Magna, o princípio da moralidade como diretriz bastante a ser exigida daqueles que pleiteiam exercer mandato eletivo.

Ora, se o princípio da moralidade é baliza governante e regente da Administração Pública e, conseqüentemente, de seus servidores, quiçá dos cidadãos que estão com intento de disputar um mandato eletivo, os quais, não raras vezes, se eleitos, serão responsáveis pelo controle do orçamento e da máquina administrativo-financeira estatal, pela escolha das políticas públicas relacionadas à educação, à saúde, à assistência social, à segurança pública, entre outras áreas, enfim, pela gestão da coisa pública como um todo.

Como conceber que a Administração Pública possa efetivamente concretizar os direitos fundamentais e satisfazer as necessidades coletivas, se alguns responsáveis por tais misteres estão envolvidos em descalabros administrativos e financeiros, tipificados como delitos?

Deste modo, o princípio da moralidade não só pode, como deve ser parâmetro legítimo para indeferimento de candidaturas daqueles que estão respondendo a processos criminais ainda não findos (TAVARES, 2008).

Conforme previsto no § 9º do artigo 14, foi editada a Lei Complementar 64/90, que trouxe ao mundo jurídico um rol de causas de inelegibilidades que buscam satisfazer o anseio da moralidade na política na tentativa de se impedir aos indivíduos de vida moral desabonadora o acesso ao registro de candidatura e, com isso, afastá-los das urnas e da vida pública. A lei contém também instrumentos para fiscalização das condutas de candidatos e de apoiadores em campanhas eleitorais, visando coibir os eventuais excessos e preservar a vontade do eleitor, punindo as práticas de abuso do poder econômico e político e da corrupção e captação ilícita de sufrágio.

Diga-se de passagem, o princípio da moralidade do art. 14, § 9º, e art. 37, caput, da Constituição, por direcionar a um comportamento conforme os valores considerados relevantes à sociedade, está mais voltado às questões éticas que morais propriamente ditas. Isso porque a moral condiz aos valores subjetivos em que cada um, em sua individualidade, constrói com base em sua vivência inserto num ambiente histórico-cultural em um determinado tempo. Diferentemente, a ética discute e problematiza o comportamento humano quando inserido em uma comunidade, a qual serve de direcionamento que possibilite o convívio social.

3.3.1 Considerações Críticas sobre o Princípio da Moralidade

O artigo 37 da Constituição Federal nos fornece as diretrizes principiológicas que norteiam a atividade da administração pública, quais sejam, os princípios da legalidade, da impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Assim, os atos administrativos praticados pelo Estado, por meio de seus agentes, deverão se pautar, enquanto exercentes de suas atribuições, em tais princípios com o fim de se alcançar os fins a que se destinam, ou seja, a persecução do interesse público.

No tocante ao princípio da Moralidade, segundo Hely Lopes Meirelles (2004, p.89), citando Welter:

A moralidade administrativa não se confunde com a moralidade comum; ela é composta por regras de boa administração, ou seja: pelo conjunto das regras finais e disciplinares suscitadas não só pela distinção entre o Bem e o Mal, mas também pela idéia geral de administração e pela idéia de função administrativa.

Sendo assim, a moralidade administrativa constitui em pressuposto de validade de todo ato da Administração Pública. A moralidade do ato administrativo, juntamente com a sua legalidade e finalidade, além da sua adequação aos demais princípios, constitui pressuposto de validade sem o qual toda atividade pública será ilegítima.

No entanto, durante um julgamento do Tribunas Superior Eleitoral, na qual se decidia a aplicabilidade do artigo 366 do Código Eleitoral ao caso de uma servidora da Justiça Eleitoral que fora reeleita prefeita do município de Moita Bonita, no Sergipe (TSE. RESPE 29.769-SE, Relator Ministro Marcelo Ribeiro, 2009), foi suscitado pela Ministra Cármen Lúcia que a norma busca alcançar uma moralidade cuja amplitude vai além daquela prevista no artigo 14, § 9º, e 37 da Constituição Federal:

Penso, também, que o Ministro Marcelo Ribeiro dá um tom que é extremamente consentâneo com os princípios constitucionais.

O que se quer com uma norma como essa norma? Moralizar o processo inteiro, tanto o processo eleitoral quanto a administração pública, e muito mais a administração que diz respeito ao Poder Judiciário que cuida das eleições.

Então, não é possível imaginar que um cidadão comum tenha que conviver com qualquer desconfiança. Temos o direito de dormir em paz pensando que temos direito a um governo honesto, a uma justiça honesta, e que isso acontece.

Então, a norma como essa é exatamente para evitar que as instituições do Judiciário – e muito mais do Judiciário Eleitoral –, que precisam de passar, de viver a experiência da moralidade, passem por uma dúvida. Não é que este ou aquele, ou esta servidora teria qualquer conduta incompatível com a moralidade; é que não basta ser honesto no cargo público; é preciso parecer para que a outra pessoa tenha segurança de que as instituições funcionam a contento.

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As normas contidas no Código Eleitoral devem ser interpretadas segundo os preceitos constitucionais vigentes, sendo requisito necessário para que tenha validade em nosso ordenamento. Assim, à luz da Constituição da República, o que se deveria buscar com a aplicação do artigo 366 é resguardar a moralidade administrativa, no sentido de se evitar que o servidor público eleitoral utilize-se das prerrogativas de suas funções em proveito próprio ou de seus correligionários.

Segundo Celso Antônio Bandeira de Melo (2006, p. 115):

De acordo com o princípio da moralidade administrativa, a Administração e seus agentes têm de atuar na conformidade de princípios éticos. Violá-los implicará violação ao próprio Direito, configurando ilicitude que as sujeita a conduta viciada da invalidação, porquanto tal princípio assumiu foros de pauta jurídica, na conformidade do art. 37 da Constituição. Compreende-se, em seu âmbito, como é evidente, os chamados princípios da lealdade e boa-fé, (...). Segundo os cânones da lealdade e da boa-fé, a Administração haverá de proceder em relação aos administrados com sinceridade e lhaneza, sendo-lhe interdito qualquer comportamento astucioso, eivado de malícia, produzido de maneira a confundir, dificultar ou minimizar o exercício de direitos por parte dos cidadãos.

Por outro lado, a Lei Fundamental deverá proteger a moralidade para o exercício de mandato considerada a vida pregressa do candidato, conforme previsão de seu artigo 14, § 9º, com redação dada pela Lei Complementar nº 4, de 1994. O fim a que se destina a norma é afastar a falta de ética ao processo eleitoral por parte dos candidatos.

Desta feita, deve-se entender que a moralidade no processo eleitoral, conforme preceituado no artigo 14, § 9º, da Lei Fundamental, é diversa da moralidade adstrita às atividades desempenhadas pela administração pública, conforme previsto no artigo 37 da Carta da República, não podendo, por isso, atribuir àquela a mesma qualidade desta. Conforme dito por José Jairo Gomes (2010, p. 50), "no âmbito dos direitos políticos, o princípio da moralidade inscrito no artigo 14, § 9º, da Constituição conduz a ética para dentro do jogo eleitoral". Com isso, no âmbito do processo eleitoral, a conduta ética esperada deve partir do cidadão-candidato, que deverá apresentar, perante seus eleitores, uma postura íntegra para o desempenho de suas funções políticas.

Assim, a moralidade objetiva, prevista constitucionalmente e direcionada tanto aos agentes políticos quanto aos agentes públicos no exercício de suas atribuições, não poder ser confundida com a moralidade subjetiva, esta partindo das concepções pessoais dos eleitores sobre o modo de agir do servidor público da Justiça Eleitoral enquanto candidato a cargos políticos, pois, segundo Hauriou, citado por Meirelles (2004, p. 89):

A moral comum é imposta ao homem para sua conduta externa; a moral administrativa é imposta ao agente público para sua conduta interna, segundo as exigências da instituição a que serve e a finalidade de sua ação: o bem comum.

3.4 O Princípio da Isonomia

Trata-se de um princípio jurídico disposto pela Constituição da República Federativa do Brasil, assentado no art. 5º, caput, que diz que "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)", independentemente da riqueza ou prestígio destes, informando a todos os ramos do Direito.

Alguns juristas construíram duas diferenciações no entendimento deste princípio: o da igualdade na lei, a qual é destinada ao legislador, ou ao próprio Executivo, que, na elaboração das leis, atos normativos, e medidas provisórias, não poderão fazer nenhuma discriminação. E o da igualdade perante a lei, que se traduz na exigência de que os Poderes Executivo e Judiciário, na aplicação da lei, não façam qualquer discriminação. No entanto, essa diferença é dita como desnecessárias, pois, conforme José Afonso da Silva, "a doutrina como a jurisprudência já firmaram há muito a orientação de que a igualdade perante a lei tem o sentido que, no exterior, se dá expressão igualdade na lei, ou seja: o princípio tem como destinatários tanto o legislador como os aplicadores da lei" (MENDES, 2008).

A aplicação do princípio poderá ser relativizado de acordo com o caso concreto. Doutrina e jurisprudência já assentam que a igualdade jurídica consiste em assegurar às pessoas de situações iguais os mesmos direitos, prerrogativas e vantagens, com as obrigações correspondentes, o que significa "tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida em que eles se desigualam", visando, sempre, o equilíbrio entre todos.

Também a igualdade já se pôs como um valor fundamental da pessoa humana, ligado à igualdade substancial de todos os homens. Em relação à igualdade é preciso, também, uma reformulação da própria concepção. Realmente, o individualismo exacerbado afirmou a liberdade como um valor, mas limitou-se a considerá-la um direito, sem se preocupar em convertê-la numa possibilidade. Em consequência, também a igualdade foi apenas formal, pois os desníveis sociais profundos, mantidos em nome da liberdade, e a impossibilidade prática de acesso aos bens produzidos pela sociedade tornavam impossível, para muitos, o próprio exercício dos direitos formalmente assegurados. A reação a essa desigualdade foi também desastrosa, pois partiu de uma concepção mecânica e estratificada da igualdade, impondo, praticamente, o cerceamento da liberdade para que fosse mantida. A concepção da igualdade como igualdade de possibilidades corrige essas distorções, pois admite a existência de relativas desigualdades, decorrentes da diferença de mérito individual, aferindo-se este através da contribuição de cada um à sociedade. O que não se admite é a desigualdade no ponto de partida, que assegura tudo a alguns, desde a melhor condição econômica até o melhor preparo intelectual, negando tudo a outros, mantendo os primeiros uma situação de privilégio mesmo que sejam socialmente inúteis ou negativos (DALLARI, 2007).

Entretanto, cabe salientar que tal distinção não possui base constitucional, uma vez que não há previsão de relativização do princípio em questão, uma vez que o artigo 3º da Constituição da República, em seu inciso IV, prevê, como objetivo fundamental da República, "promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação" e o artigo 5º do mesmo diploma prescreve, em seu caput, que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)".

Tem-se, ainda, que a igualdade encontra-se intimamente ligada à dignidade da pessoa humana, conforme citação a seguir:

De acordo com o professor Ingo Wolfgang Sarlet, o princípio da igualdade "encontra-se diretamente ancorado na dignidade da pessoa humana, não sendo por outro motivo que a Declaração Universal da ONU consagrou que todos os seres humanos são iguais em dignidade e direitos. Assim, constitui pressuposto essencial para o respeito da dignidade da pessoa humana a garantia da isonomia de todos os seres humanos, que, portanto, não podem ser submetidos a tratamento discriminatório e arbitrário, razão pela qual não podem ser toleradas a escravidão, a discriminação racial, perseguições por motivo de religião, sexo, enfim, toa e qualquer ofensa ao princípio isonômico na sua dupla dimensão formal e material" (SARLET apud SILVA, 2003).

A conceituação de tal princípio tem conteúdo historicamente variável. A doutrina tradicional preconizou que o conteúdo de tal preceito seria o de dar tratamento diverso para pessoas desiguais; entretanto, não precisou ou esclareceu em que circunstâncias e em que medida seria constitucionalmente admissível que a lei desigualasse, com um posicionamento que é praticamente igual a máxima de Aristóteles, para o qual o princípio da igualdade consistiria em "tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida em que eles se desigualam". Isso porque o filósofo grego, em sua obra "A Política", acreditava que "a cidade-modelo não deverá jamais admitir o artesão no número de seus cidadãos. Isto porque a virtude política, que é a sabedoria para mandar e obedecer, só pertence àqueles que não têm necessidade de trabalhar para viver (...)" (DALLARI, 2007).

Conforme se pode extrair do fragmento citado, o conceito de igualdade no mundo grego de Aristóteles estava intimamente vinculado à virtude, qualidade que se apresentava apenas a uma parte do povo e que era necessária à participação da gestão da cidade.

Resta-nos, ainda, uma rápida ponderação a respeito do tema. A igualdade deve ser tratada em consonância com o princípio democrático no sentido da afirmação do equivalente ao governo de todo o povo, neste se incluindo, porém, uma parcela muito mais ampla dos habitantes do Estado, e não naquela democracia idealizada pela emergente classe burguesa, a partir do século XVIII, com o fim de se ascenderem politicamente frente ao enfraquecimento do Absolutismo e que convocava as massas apenas para serem "usadas" como instrumento de manobras às suas aspirações.

Assim, as considerações apresentadas por Rui Barbosa, durante seu discurso como paraninfo dos formandos da turma de 1920 da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo, fora feita em uma época em que imperava a doutrina liberal, que ajustou o conceito de igualdade de maneira a justificar os privilégios de uma classe que, durante toda a República Velha, utilizou-se da máquina estatal como meio para a realização de seus próprios interesses. A participação popular, nesse contexto, limitava-se apenas a legitimar, por meio de sufrágios forçados e duvidosos, a eleição dos representantes das elites dominantes daquela época.

Por isso, tal discurso não pode ser utilizado para justificar a implementação de uma igualdade que desiguala em um Estado que se diz Democrático de Direito.

3.5 A Cidadania e o Direito do Servidor Eleitoral

Cidadania tem origem etimológica no latim civitas, significando "cidade". Designa um estatuto de pertença de um indivíduo a uma comunidade politicamente articulada e que lhe atribui um conjunto de direitos e obrigações.

"A cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo. Quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo social" (DALLARI, 1998).

A cidadania, conforme prescrita no art. 1º, II, da Constituição da República, apresenta um sentido mais amplo do que o de titular de direitos políticos. Qualifica os participantes da vida do Estado, o reconhecimento do indivíduo como pessoa integrada na sociedade estatal (art. 5º, LXXVII). Significa aí, também, que o funcionamento do Estado estará submetido à vontade popular. E aí o termo conexiona-se com o conceito de soberania popular (parágrafo único do art. 1º), com os direitos políticos (art. 14) e com o conceito de dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), com os objetivos da educação (art. 205), como base e meta essencial do regime democrático (SILVA, 1998).

Uma vez que tenha sido elencado como fundamento da República, o exercício da cidadania não pode sofrer embaraços, tanto que a Lei Fundamental garante, em seu artigo 5º, LXXVII, a gratuidade das ações de habeas corpus e habeas data e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania, tendo sido regulamentado pela Lei nº 9.265/96.

Segundo Cármem Lúcia Antunes Rocha, citada por Costa (2002, p. 33):

Nessa Lei Fundamental de 1988, a cidadania significa o status constitucional assegurado ao indivíduo de ser titular do direito à participação ativa na formação da vontade nacional, na concretização dessa vontade transformada em Direito definidor, tanto na institucionalização do Poder quanto da limitação das liberdades públicas, e no controle das ações do poder.

A cidadania comporta, genericamente, três dimensões:

1.Civil. Direitos inerentes à liberdade individual, liberdade de expressão e de pensamento; direito de propriedade e de conclusão de contratos; direito à justiça;

2.Política. Direito de participação no exercício do poder político, como eleito ou eleitor, no conjunto das instituições de autoridade pública;

3.Social. Conjunto de direitos relativos ao bem-estar econômico e social, desde a segurança até ao direito de partilhar do nível de vida segundo os padrões prevalecentes na sociedade.

Interessa-nos a dimensão política, uma vez que cidadão é aquele, detentor dos direitos políticos, que participa politicamente da vida política do país, seja escolhendo os governantes, seja sendo escolhido para ocupar cargos políticos-eletivos (GOMES, 2010).

E, segundo José Afonso da Silva (1998, p. 346):

"a cidadania qualifica os participantes da vida do Estado, é atributo das pessoas integradas na sociedade estatal, atributo político decorrente do direito de participar no governo e direito de ser ouvido pela representação política. Cidadão, no direito brasileiro, é o indivíduo que seja titular dos direitos políticos de votar e ser votado e suas conseqüências".

Ainda, segundo José Jairo Gomes, o alistamento eleitoral é fator de determinação da cidadania do indivíduo, uma vez que deferido, este é integrado ao corpo de eleitores, podendo exercer direitos políticos, votar e ser votado.

Não havendo alistamento, não é possível que o indivíduo exerça direitos políticos, já que, não tendo título de eleitor, seu nome não figurará no rol de eleitores de nenhuma seção eleitoral, tampouco constará da urna eletrônica. Por isso, tem-se dito que o alistamento eleitoral constitui pressuposto objetivo da cidadania, sem o qual não é possível a concretização da soberania popular (GOMES, 2010).

Ao contrário, a inalistabilidade impede que a cidadania se constitua. O inalistável não pode exercer direitos políticos, pois lhe falta capacidade eleitoral ativa e passivo. A Constituição trata de elencar as situações em que isso ocorre, em seu art. 14, § 2º, quais sejam: os estrangeiros e os conscritos enquanto em período de serviço militar obrigatório.

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Sobre o autor
Vinícius Nunes Conrado

Contador formado pela UFMG, Técnico Judiciário do TRE-MG. Atualmente, cursando Direito na PUCMINAS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CONRADO, Vinícius Nunes. A exclusão política do servidor da Justiça Eleitoral e as razões pelas quais não houve a recepção do artigo 366 do Código Eleitoral Brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3015, 3 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20127. Acesso em: 22 nov. 2024.

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