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Inflexão imperativa pelo texto constitucional brasileiro

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O Poder Constituinte Originário agregou, ainda que inconscientemente, ao tecido constitucional, além de mecanismos de proteção material e formal, um sistema excepcional de autoplastia, consubstanciado no princípio da inflexão imperativa pelo texto constitucional.

Introdução

A Constituição é interpretada, muitas vezes, a partir de uma plataforma estática, que pouco visualiza os fins traçados pelos princípios fundamentais. Tal "exegese" restritiva, ao sabor de políticas momentâneas e/ou autocráticas, subtrai valores caros ao Estado Democrático, oficializando a hipertrofia da Constituição Simbólica e, por fim, a própria desagregação do sistema jurídico à guisa de um amontoado de frases retóricas e sem vida .

Seria a Lei Suprema mera folha de papel sem objetivo no Estado Democrático, desprovida de mecanismos de autoproteção? Seria permitido desvesti-la de força para operar mutação na seara infraconstitucional? O sistema ordinário se restringiria aos efeitos erga omnes e vinculante do controle concreto e abstrato? Seria, em síntese, destituída de vontade?

O presente trabalho demonstrará que o Poder Constituinte Originário, por mais que tenha sido influenciado pela doutrina estrangeira e, também, pelos fatores reais de poder que dominavam o aspecto político e econômico de 1988, agregou, ainda que inconscientemente, ao tecido constitucional, além de mecanismos de proteção material e formal, um sistema excepcional de autoplastia, consubstanciado no princípio da inflexão imperativa pelo texto constitucional.

Palavras-chave: Autoplastia. Inflexão imperativa pelo texto constitucional brasileiro. Permanência do Estado Democrático. Mutação infraconstitucional.

Introduction

The Constitution is interpreted, often from a static platform, which visualizes the purposes outlined some fundamental principles. Such "exegesis" restrictive policies at the mercy of momentary and / or autocratic, subtract values dear to the Democratic State, making official the hypertrophy of the Constitution Symbolic, and finally, the actual breakdown of the legal system by way of a bunch of rhetorical phrases and without life.

It would be the Supreme Law mere sheet of paper without purpose in a democratic state, devoid of self-protection mechanisms? Would be allowed to undress her power to operate infra mutation in the harvest? The standard system was restricted to the binding effect erga omnes and the control concrete and abstract? It would, in short, devoid of will?

This work demonstrates that the original constituent power, even though it has been influenced by foreign doctrine and also by real factors of power - the dominant political and economic aspects of 1988, he added, albeit unconsciously, to the constitutional fabric, and mechanisms to protect material and formal autoplastic an exceptional system, embodied in the principle of turning the Constitution mandatory.

Keywords: autoplastic. Inflection mandatory by the Constitution of Brasil. Permanence of a democratic state. Mutation infra.


1A ESTRUTURA ALÇADA PELA CONSTITUIÇÃO

Muitos doutrinadores atribuem à norma fundamental natureza pressuposta, haja vista que sintetizaria a unidade de uma pluralidade de normas, ao mesmo tempo em que representa o fundamento de validade de todas elas. Seria uma ficção, um truque da razão jurídica, utilizada como hipótese instrumental de essência lógico-transcendental para fundear a validade da Constituição e, por consequência, todas as normas do ordenamento jurídico [1].

Afere-se, sem muita dificuldade, a natureza de norma hipotética fundamental, verdadeira norma suposta, que muito embora não tenha sido editada por nenhum ato de autoridade, surge do engenho humano, que não está alheio às influências de forças externas. Daí, não obstante a visão de Kelsen sobre a normatividade pura, a palavra Constituição encontra sentido lógico-jurídico (norma fundamental) e jurídico-positivo (fundamento de validade, numa verticalidade hierárquica) [2].

A partir dessa bipartição, a Constituição brasileira adotou, na rigidez, o substrato de sua supremacia, reconhecendo o sentido formal, embora caminhe para adotar um critério misto, como aponta o professor Pedro Lenza [3], ao se referir aos tratados internacionais de direitos humanos, que podem ser incorporados como emendas, desde que obedeçam os requisitos do artigo 5º, parágrafo 3º, da CF/88, incidentes nas relações administrativas extrínsecas e intrínsecas dos Entes Federados.

À guisa de ilustração, infere-se a delineação da Constituição Federal na forma de três círculos concêntricos, numerados de dentro para fora, representando o Estado Democrático de Direito: o primeiro concentra o núcleo fundamental; o segundo detém a competência da União, onde trilham o Executivo, o Legislativo e o Judiciário federal, zelando, de forma harmônica, pela manutenção de seus deveres constitucionais; o terceiro detém a competência dos Estados, onde trilham, outrossim, os três Poderes, zelando, também, de forma harmônica, pela manutenção de seus deveres magnos.

Já os Municípios, situam-se na mesma Faixa dos Estados, pois, muito embora alçados à categoria de entes federais, possuem como atribuição a descentralização e aplicação das políticas sociais dos demais entes, no limite territorial da municipalidade, ressalvada a sua obrigação política e social.

Nessa trilha, os preceitos fundamentais começam a ser interpretados de forma ampliativa, buscando de certa forma a completude do sistema normativo e sua absorção nas competências horizontais, e às vezes comuns, dos entes federativos. A respeito Walter Claudius Rothenburg [4] assevera que a interpretação deve buscar a leitura mais favorável, privilegiando uma eficácia irradiante. Mas, como compatibilizar tal ímpeto constitucional com a inflexão imperativa, latente no inciso XLIV, do artigo 5º, ou a ratio deste dispositivo com a individualização da pena, prevista, também, no seu inciso XLVI, face à estrutura do Estado, ou ao direito à vida, do inciso XLVII ?


2A DEFESA DA ESTRUTURA CONSTITUCIONAL A PARTIR DA ULTRA ATIVIDADE DO SEU TEXTO

Ao contrário da Constituição Portuguesa, que não defere à lei ou à Constituição a permissão de cerceamento da vida[5], o Texto Magno brasileiro, em razão dos precedentes históricos dos regimes totalitários, permite a proteção não só do núcleo constitucional, mas, também, das demais competências e atribuições dos círculos concêntricos de Poder, graduando tal desejo de proteção em atividades condicionadas (ADIn pela via difusa e remédios constitucionais, ADIn pela via concentrada – interventiva e de controle abstrato – e o estado de sítio) e incondicionadas (estado de defesa ), até chegar na pena capital.

Decorre daí a modulação dos efeitos ex tunc e ex nunc das ações diretas e declaratórias de constitucionalidade, bem como o poder de dar concretude ao texto constitucional, mediante o provimento não só do mandado de injunção[7], mas às ações constitucionais para restabelecer a harmonia e independência, bem como forçar o ente federativo relapso a cumprir o postulado da dignidade da pessoa humana, consubstanciado no mínimo existencial[6] (direito à renda mínima, saúde, educação fundamental e acesso à justiça). Esse é o aspecto que deve iluminar a interpretação da norma [8].

Nesse passo, encontram constitucionalidade as leis penais temporárias e excepcionais que deverão disciplinar condutas praticadas durante sua vigência, ainda que não deflagrem mais efeitos, atuando, assim, de forma ultra ativa [9], em decorrência de fundamentação constitucional, porquanto se a lei pode punir qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais, cabe a essa mesma lei disciplinar, outrossim, ainda que mais gravosa à liberdade, a pena adequada à conduta, porquanto a natureza dessa liberdade passa pela necessária integração do indivíduo na comunidade (Innentheorie) [10].


3A INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DA NATUREZA DOS INCISOS XLIII E XLIV, DO ARTIGO 5º DA CF/88 EM FACE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS.

Percebe-se que o Constituinte Originário preocupou-se em manter hígida as obrigações e competências dos círculos concêntricos das esferas Estaduais e da União, levando em conta o instrumento adequado a restrição de direito fundamental. De fato, a mesma simetria foi observada, no que tange aos incisos em análise, porquanto, e de forma lógica, estão elencados um após o outro:

a) o inciso XLIII demanda a observação de que os crimes de tráfico, tortura e terrorismo, praticados de forma individual ou em associação, por ação ou omissão, na forma da lei, serão insuscetíveis de fiança, graça ou anistia.

b) o inciso XLIV determina que a ação de grupos armados (comando vermelho e primeiro comando da capital), grupos civis (multidão que intenta invadir o palácio da alvorada para depor o presidente) ou militares (insurgência de tropas militares) será inafiançável e imprescritível, se atentar contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.

O tema é por demais controverso, ante a repercussão geral instaurada no RE 601384 RG / RS, cujo Relator é o Min. Marco Aurélio. Contudo, no que pertine aos incisos XLIII e XLIV, imerso na tese de adequada proteção dos círculos concêntricos que delineiam a estrutura constitucional, é possível aplicar a lição de Alexy [11], onde a colisão dos direitos fundamentais deve ser considerada, segundo a teoria dos princípios (Theorie der Grundrechte), mediante o postulado da ponderação, impedindo o esvaziamento dos direitos fundamentais sem introduzir uma rigidez excessiva.

O direito à liberdade (lato sensu, onde se insere, mormente penas mais brandas) em contraste com a natureza autoplástica do incisos XLIII e XLIV em baila, haja vista a magnitude deletéria dos delitos mencionados por elas, que não raro incidem nos objetivos insertos no inciso IV, do artigo 3º, da CF/88 – eis que, para o desenvolvimento nacional, o dever à saúde, como bem difuso, é de obediência compulsória – , e nos princípios sensíveis das alíneas "a" e "b", do inciso VII, do artigo 34, da CF/88, demanda a análise de que o simples fato de estar inserida na dignidade da pessoa humana não lhe determina o caráter de direito absoluto, está sujeita a restrição, resguardando-se, contudo, o mínimo existencial (a essência da própria regra).

De fato, mormente a liberdade e a vida, além de outros direitos e princípios constitucionais, como expressão da dignidade humana, podem ser realizados em diferentes graus[12], o que suscita a indagação sobre a legitimação da restrição. A resposta está na ponderação, que corresponde ao terceiro subprincípio do postulado da proporcionalidade no direito constitucional alemão. Segundo Gilmar Mendes: "o primeiro é o postulado da adequação do meio utilizado para a persecução do fim desejado. O segundo é o postulado da necessidade desse meio. O meio não é necessário se se dispõe de um mais suave ou menos restritivo"[13].

Nesse sentido, se alguém for preso em flagrante por suposta prática dos crimes de tráfico e associação para o tráfico de entorpecentes e houver decisão judicial devidamente motivada em elementos concretos para manter a cautelar não haverá a possibilidade de liberdade provisória, tese defendia em julgados mais recentes pelos Ministros Gilmar Ferreira Mendes (HC 105929 / SP) e Ricardo Lewandowski (HC 107430 / AC). Isto porque os direitos individuais enquanto direitos de hierarquia constitucional somente podem ser limitados por expressa disposição do Poder Constituinte Originário ou mediante lei ordinária promulgada com fundamento imediato na própria Constituição.

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Nesse passo, ainda, verifica-se perfeita sintonia entre o artigo 44 da Lei nº 11.343/2006 e a graduação da proteção autoplástica constitucional. Assim, a Constituição prevê que, na vigência do estado de defesa, poderão ser estabelecidas restrições especiais aos direitos de reunião, de sigilo de correspondência e de comunicações telegráficas e telefônicas (art. 136, §1º, inciso I, alíneas "a" a "c"). Mais amplas ainda são as restrições previstas durante o estado de sítio, que envolvam a liberdade de locomoção, o sigilo das comunicações, a liberdade de comunicação em geral (prestação de informação, imprensa, radiodifusão e televisão), o direito de reunião, a inviolabilidade do domicílio e o direito de propriedade (CF/88, artigo 39), chegando a ápice, o próprio cerceamento da vida (artigo 5º, inciso XLVIII, alínea "a").


4A CONSTITUCIONALIDADE DA VEDAÇÃO DE CONVERSÃO DAS PENAS DA LEI Nº 11.343/2006 EM RESTRITIVAS DE DIREITO, EM DECORRÊNCIA DA PROTEÇÃO AUTOPLÁSTICA CONSTITUCIONAL PELOS INCISOS XLIII E XLIV, DO ARTIGO 5º DA CF/88.

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26/08/1789, por seu artigo 4º, define, não só a idéia de limites dos direitos naturais, mas também a necessidade de intervenção legislativa para a sua fixação:

"A liberdade consiste em poder fazer tudo aquilo que não prejudique outrem: assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão os que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela lei".

No presente ponto de exegese, depreende-se que o âmbito de proteção dos incisos suscitados, cujo conceito ou instituto jurídico reclama densificação, veste-se de reserva legal simples, espécie de restrição constitucional indireta, perseguindo determinado objetivo ou o atendimento de específico requisito expressamente definido na Constituição. Nesse sentido, harmonizam-se a parte final dos artigos 33,§4º e 44, da Lei nº 11.343/2006, que negam a aplicação das medidas restritivas de direito aos delitos de tráfico ilícito de entorpecentes.

Contudo, o Min. Ayres Britto, analisando o habeas corpus nº 97.256/RS, ponderando a restrição referida com a garantia à individualização da pena, estabelecida no artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição da República, argumentou que " por todo o período de vigência da Lei nº 6.368/76, revogada pela Lei nº 11.343/06, e mesmo o advento da Lei nº 8.072/90, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal se manteve firme no sentido de admitir a conversão da pena privativa de liberdade em pena restritiva de direitos", concluindo que a proibição nela estabelecida não encontra suporte no sistema de comandos da Constituição Federal.

Em sua visão, entende que o Texto Magno, ao habilitar a lei na tarefa de completar a lista dos crimes hediondos, a ela impôs um limite material: a não concessão dos benefícios da fiança, da graça e da anistia para os que incidirem em tais delitos. Ademais, como principal argumento expôs que "o que se tem como próprio do capítulo versante sobre direitos e garantias individuais – historicamente oponíveis ao Estado, inclusive ao Estado-legislador – é ampliar a esfera de liberdade das pessoas naturais. Não é estreitar ou por qualquer modo encurtar esse espaço de movimentação humana. tanto é assim que toda a nominata dos direitos e garantias constitucionais do indivíduo é expressamente circundada pelo que se convencionou chamar de cláusula pétrea (inciso IV do §4º do art. 60 da CF)".

Equivocou-se o brilhante ministro, talvez influenciado pela doutrina do não menos ilustre professor Luiz Flávio Gomes [14], pois, insista-se: o Poder Constituinte graduou na Constituição Federal medidas autoplásticas com precisão cirúrgica, podendo restringir ou aumentar direitos e princípios [15], utilizando-se da teoria do limite dos limites, derivado do postulado alemão da proporcionalidade, responsável por alterar profundamente o preceito contido artigo 19, inciso II, da Lei Fundamental alemã e o artigo 18, inciso, III, da Constituição portuguesa de 1976, sem, todavia, ultrapassar o mínimo existencial (latu sensu, a essência da própria regra – Institutgarantien).

Ademais, é da lavra do próprio Supremo Tribunal Federal que "as limitações materiais ao poder constituinte de reforma que o art. 60, § 4º, da CF enumera não significam a intangibilidade literal da respectiva disciplina na Constituição originária, mas apenas a proteção do núcleo essencial dos princípios e institutos cuja preservação nelas se protege"[16]. Cabe, ainda a lição do Ministro Eros Grau : "Não se interpreta a Constituição em tiras, aos pedaços. A interpretação de qualquer norma da Constituição impõe ao intérprete, sempre, em qualquer circunstância, o caminhar pelo percurso que se projeta a partir dela – da norma até a Constituição. Uma norma jurídica isolada, destacada, desprendida do sistema jurídico, não expressa significado normativo nenhum"[17].

Em âmbito infraconstitucional, a vedação à conversão em penas restritivas de direito pelos artigos 33, §4ºe 44 da Lei nº 11.343/2006, não esvaziam o conteúdo do direito fundamental, mantendo hígido o princípio da proteção do núcleo essencial, porquanto seguindo o raciocínio do Ministro Ayres Britto, mutatis mutandi, se a constituição não proibiu a discricionariedade de a lei conceder penas restritivas de direito aos delitos de tráfico, também não determinou, expressamente a sua concessão. Isto tem uma razão óbvia, repita-se: o instituto jurídico reclama densificação, perseguindo determinado objetivo ou o atendimento de específico requisito expressamente definido na Constituição.

Determina o artigo 144 da Constituição Federal que a segurança pública é dever do Estado, enquanto representante dos administrados, direito e responsabilidade de todos (incluindo os três Poderes), é exercida para a preservação da ordem pública (que em sentido latu e stritu pertence a ordem constitucional e ao Estado Democrático) e da incolumidade das pessoas (direito de não ser alvo de vício ou do tráfico) e do patrimônio (proteção contra o vandalismo, mormente, das facções criminosas), mediante combate repressivo pela autoridade competente, que seguirá a lei.

Com efeito, o Código Penal, ao disciplinar as hipóteses de cabimento da substituição da pena, fixou diretrizes a serem observadas pelo juiz no momento da sua aplicação, determinando, no seu artigo 44, que as penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: "I - aplicada a pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo; II – o réu não for reincidente em crime doloso; III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente".

Nessa linha, onde vicejam argumentos do Ministro Joaquim Barbosa [18], percebe-se que a substituição não cabe em qualquer crime, pois, a aplicação de penas alternativas, regulada por lei, insere-se na reserva legal simples, espécie de restrição constitucional indireta, que delimita o direito constitucional à individualização da pena. De fato, ante o princípio do paralelismo das formas, a vedação à substituição da pena nos casos de crimes cometidos com violência ou grave ameaça nunca foi considerado inconstitucional, e há crimes menos graves do que o tráfico de drogas que incidem nesta proibição, a título de exemplo: crime de lesão corporal grave, roubo simples, bem como a reincidência específica.

Não é outra a intelecção do artigo 5º, inciso XLVI, da CF/88, ao mencionar que cabe à lei regular a individualização da pena e adotar, entre outras, as penas das alíneas ali previstas, dentre elas: a privação ou restrição da liberdade. Diante do teor extremamente amplo deste dispositivo, a individualização da pena só restaria prejudicada, se fosse obstruída totalmente a aplicação da lei ao juiz sentenciante ou, sem motivo legal, agravada a execução e cumprimento da pena ao condenado. Saliente-se, nesse ponto, que a vedação legal à substituição da pena na hipótese do crime de tráfico de drogas cuida, apenas, de uma diminuição ponderada e legal na aplicação pelo Juízo do benefício constitucional, mediante aplicação dos três postulados dimensionados pelo direito constitucional alemão.

Assim, verifica-se que a negativa da substituição atende ao desejo do primeiro postulado, ante a adequação do meio utilizado para a persecução do resultado, porquê se insere dentro da graduação de autoplastia constitucional, na mesma linha de projeção que permite medida excepcional – em caso hipotético: a extradição do naturalizado por envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes, ainda que casado e tenha filhos [19]; do mesmo modo caminha na mesma linda do segundo postulado, por ser meio necessário, haja vista que a ratio normativa é a mesma do regime disciplinar diferenciado, que na lição de Nucci foi criado para: "atender as necessidades prementes de combate ao crime organizado e aos líderes de facções que, dentro dos presídios brasileiros, continuam a atuar na condução dos negócios criminosos fora do cárcere, além de incitarem seus comparsas soltos à prática de atos delituosos graves de todos os tipos" [20]; por fim, também, é consonante com o terceiro postulado, eis que proporcional, pois trata o tráfico de drogas de forma mais gravosa, considerando o crime dentro da realidade social do país, sem incidir no direito penal do inimigo[21], eis que legal e retrospectivo (atingindo as condutas em desarmonia com a lei vigente à época).

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Sobre o autor
Éverton Luis Pinheiro da Silva

Supervisor de Gabinete do Sub-Procurador Geral da República Dr. Wagner Mathias, com atuação na PGR.Especialista em Direito Penal pela ESMP/SP.Graduando-se pela Uniasselvi, em Direito Constitucional. Aprovado nos Concursos de Delegado Civil - MT, Defensor Público do Estado de Pernambuco e Analista do MPU.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Éverton Luis Pinheiro. Inflexão imperativa pelo texto constitucional brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3016, 4 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20130. Acesso em: 25 abr. 2024.

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