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Nepotismo e a administração pública

07/10/2011 às 09:01
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A prática do nepotismo vem sendo duramente combatida, sendo ainda necessário o engajamento de todos os poderes constituídos para afastá-la totalmente de nosso cotidiano.

O presente artigo visa acalorar o debate sobre o instituto do nepotismo e sua relação imediata com a Administração Pública, de forma que a discussão acadêmica esteja voltada ao aperfeiçoamento do Sistema Jurídico brasileiro, sob o prisma dos direitos fundamentais e os compromissos firmados pela República Federativa do Brasil.

Sumário. 1.NEPOTISMO. Conceito e evolução histórica. 2.A Administração Pública e a Accountability. 3.A Administração Pública e o cargo de livre nomeação e exoneração. 4.O nepotismo e o Poder Judiciário. 5.Conclusão.


1.NEPOTISMO. Conceito e evolução histórica.

Etimologicamente, a palavra "Nepotismo" nasce do latim nepos [01], que, por sua vez, significa neto ou descendente. Trata-se de expressão utilizada para designar o favorecimento de parentes (ou amigos íntimos) para exercer cargo ou função pública, sem a devida competência para tanto, notadamente, em detrimento de pessoas capacitadas.

Historicamente, a referida expressão (nepotismo) aplicava-se no âmbito exclusivo da igreja, em que o Papa indicava parentes, especialmente sobrinhos, para ocupar cargos que ostentavam privilégios [02].

Atualmente, entende-se por nepotismo o ato de favorecer pessoas, por laços de parentesco ou amizade, na contratação para cargos da Administração pública,


2,A Administração Pública e a Accountability.

A prática do nepotismo fere de morte os princípios constitucionais da eficiência, moralidade e impessoalidade, previstos expressamente na Constituição Federal em seu artigo 37, senão veja-se:

"CF/88. Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:" (Grifado)

O conteúdo normativo do dispositivo acima transcrito revela-se em vetores de otimização, para o qual o seu alto significado orienta tanto os agentes políticos quanto o próprio administrado. Quer-se dizer que os princípios crivados com a cláusula petrea formam um conjunto limitadores do abuso do Estado e de seus agentes, bem como permitem uma prestação de contas à sociedade.

Tal característica, qual seja, a de multifuncionalidade, é intrínseca aos direitos fundamentais [03] de forma possuem faces de direito de defesa e direito de prestações.

Os direitos fundamentais foram vistos, à época do constitucionalismo de matriz liberal-burguesa, apenas como o direito do particular impedir a ingerência do Poder Público em sua esfera jurídica, ou seja, como direitos de defesa. Porém, o que importa, aqui, são os chamados direitos a prestações, ligados às novas funções do Estado diante da sociedade. É justamente em relação aos direitos a prestações que existe alguma diferença entre as classificações [04].

A função de defesa impede ingerências do Estado nas hipóteses em que o Texto Magno impede tal possibilidade mesmo prevendo exceções, tal como o direito à privacidade (artigo 5º, X), em que a regra é a sua preservação e em hipóteses excepcionalíssimas é dado ao Poder Público o direito de quebrá-la, conforme julgado do Supremo Tribunal Federal abaixo transcrito. Veja-se:

"Escuta ambiental e exploração de local. Captação de sinais óticos e acústicos. Escritório de advocacia. Ingresso da autoridade policial, no período noturno, para instalação de equipamento. Medidas autorizadas por decisão judicial. Invasão de domicílio. Não caracterização. (...) Inteligência do art. 5º, X e XI, da CF; art. 150, § 4º, III, do CP; e art. 7º, II, da Lei 8.906/1994. (...) Não opera a inviolabilidade do escritório de advocacia, quando o próprio advogado seja suspeito da prática de crime, sobretudo concebido e consumado no âmbito desse local de trabalho, sob pretexto de exercício da profissão." (Inq 2.424, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 26-11-2008, Plenário, DJE de 26-3-2010.) (Grifado).

Por sua vez, o direito de prestações permite ao cidadão fiscalizar o Estado acerca do gerenciamento da máquina pública, incluindo a gestão de recursos públicos, assim como exigir do Estado uma atitude positiva, concretizando-se um direito que lhe assiste.

Essa exigência é denominada de Accountability [05].

A accountability é um conjunto de regras e princípios (normas) que asseguram a eficiente e eficaz prestação do serviço público, culminando-se num governo responsável.

Essa eficiência e eficácia depende logicamente do agente público que assume a função pública.

Em regra, o acesso ao serviço público ocorre com a regular aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, na forma do artigo 37, II, da CF/88. Veja-se:

"CF/88. Art. 37...

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;" (Grifado).

É certo que o processo democrático exige que a Administração Pública aborte qualquer idéia de pessoalidade, de forma que o Administrador está gerindo coisa pública (res publica) e não coisa própria.

O princípio da finalidade impõe ao administrador que sua atuação vise sempre ao objetivo da norma, cingindo-se a ela [06].

O concurso público é, em tese, um processo democrático de acesso aos cargos públicos porque se permite àqueles que preencherem as condições do respectivo edital de convocação, respeitados critérios objetivos de avaliação, disputarem a tão sonhada vaga.

Por óbvio, o preenchimento da vaga deve ser dado àquele que merecê-la. Defini-se merecimento, neste caso, aquele que, em igualdade de condições, apresentou melhor desempenho no certame.

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal:

"Em conclusão de julgamento, o Plenário, por maioria, concedeu mandado de segurança impetrado contra ato omissivo do procurador-geral da República e da procuradora-geral da Justiça Militar, consistente na negativa de nomeação da impetrante, aprovada em concurso público para o cargo de promotor da Justiça Militar, não obstante a existência de dois cargos vagos (...). Prevaleceu o voto proferido pela Min. Cármen Lúcia que reputou haver direito líquido e certo da impetrante de ser nomeada, asseverando existir, à época da impetração, cargo vago nos quadros do órgão e necessidade de seu provimento, o que não ocorrera em razão de ilegalidade e abuso de poder por parte da segunda autoridade tida por coatora. (...) Entendeu que essa autoridade teria incorrido em ilegalidade, haja vista a ofensa ao princípio da impessoalidade, eis que não se dera a nomeação por questões pessoais, bem como agido com abuso de poder, porquanto deixara de cumprir, pelo personalismo, e não por necessidade ou conveniência do serviço público, a atribuição que lhe fora conferida." (MS 24.660, Rel. p/ o ac. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 3-2-2011, Plenário, Informativo 614. Vide: RE 227.480, Rel. p/ o ac. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 16-9-2008, Primeira Turma, DJE de 21-8-2009.) (Grifado).

Conclui-se que o concurso público é um meio de se evitar o nepotismo porque o processo de seleção é aberto à população, não conferindo discricionariedade de indicação de cargos públicos.

A essência da accountability exige que o concurso público seja regra.


3.A Administração Pública e o cargo de livre nomeação e exoneração.

Como dito alhures, a regra de acesso ao cargo público é o concurso de provas ou de provas e títulos. Todavia, o próprio artigo 37, inciso II, da CF/88, prevê a ressalvada das nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração. Assim vejamos:

"CF/88. Art. 37...

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração" (Grifado).

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Conceituam-se os cargos em Comissão como aqueles destinados ao livre provimento e exoneração, de caráter provisório, destinando-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento, podendo recair ou não em servidor do Estado. Os Cargos em Comissão devem der preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei [07].

Na hipótese, sempre existirá um mínimo de discricionariedade na indicação do agente público para ocupação do cargo em comissão, uma vez que tal relação de indicação é de confiança do gestor.

Dado esse mínimo de discricionariedade, o ato de nepotismo poderá ocorrer.

Com efeito, se cabe ao Administrador a livre nomeação e exoneração do cargo e comissão, somente ele poderá avaliar seus critérios de confiança.

Assim, somente com a análise do caso concreto é que se poderá aferir se houve ou não a prática do nepotismo na indicação de um agente para ocupação do cargo em comissão, cabendo essa espinhosa tarefa, notadamente, ao Poder Judiciário.


4.O nepotismo e o Poder Judiciário.

Infelizmente, essa prática foi e ainda é utilizada em todo o serviço público, porém, vem sendo combatida pela decisão de nossos Tribunais.

Com intuito de combater a prática do nepotismo, em 2005, o Conselho nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público editaram, cada um resolução que proibiu a prática de nepotismo em todo o Poder Judiciário e Ministério Público.

A Resolução 07/2005, do CNJ, foi objeto da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº12, a qual foi julgada procedente, passando a proibição ter caráter constitucional.

Tão somente em 2008 o Supremo editou a Súmula Vinculante nº 13, que expandiu a proibição do nepotismo para todos os poderes, que assim dispõe:

"A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal".

Com a edição dessa súmula ficou consolidada a proibição de contratação de parente em linha reta ou colateral, consanguíneo ou por afinidade, até o terceiro grau, para cargos de comissão, de confiança ou função gratificada, bem como a proibição das denominadas contratações cruzadas.

Apesar do avanço da súmula o Supremo não proibiu a contratação de primos, vez que se trata de parentes de quarto grau, sendo inadmitidos pela súmula os parentes até o terceiro grau.

Ademais, a própria Suprema Corte admite exceções. Nos seus recentes julgados, vem admitindo a possibilidade de contratações de parentes para os chamados cargos políticos do Poder Executivo, sendo o caso dos Ministros e dos Secretários – vide informativo 524, STF.


5.Conclusão.

Conclui-se que a prática do nepotismo vem sendo duramente combatida, sendo ainda necessário o engajamento de todos os Poderes Constituídos (artigo 2º da Constituição Federal) para afastá-la totalmente de nosso cotidiano.

Cabe à sociedade como um todo exigir e cobrar dos Administradores Públicos a seriedade que a condução dos negócios públicos requer, sob pena de caracterização de quebra do voto de confiança que cada cidadão deposita de boa-fé na Administração Pública.

Todavia, as conseqüências dessa quebra de confiança é assunto para um próximo artigo.


Notas

  1. Cardinale, Hyginus Eugene. 1976. The Holy See and the International Order. Maclean-Hunter Press. p. 133.
  2. Burckhardt, Jacob, and Middlemore, Samuel George Chetwynd. 1892. The Civilisation of the Renaissance in Italy. Sonnenschein. p. 107.
  3. http://jus.com.br/revista/texto/5281/o-direito-a-tutela-jurisdicional-efetiva-na-perspectiva-da-teoria-dos-direitos-fundamentais. Luiz Guilherme Marinoni. Acesso em 05/10/2011.
  4. Idem.
  5. PASCOAL, Valdecir. Direito Financeiro e Controle Externo. 7ª ed, São Paulo: ed Elsevier, 2009.
  6. Lopes, Carla Patrícia Frade Nogueira & Sampaio, Marília de Ávila e Silva. Curso Básico de Direito Administrativo, Ed. Brasília Jurídica, 2002.
  7. http://www.portaldoservidor.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=35. Acesso em 05/10/2011.
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Sobre o autor
Rodrigo Leventi Guimarães

Promotor de Justiça na Comarca de Buritis (RO). Pós-graduado em Direito Público. Membro do Instituto Rondoniense de Direito Eleitoral - IDERO.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUIMARÃES, Rodrigo Leventi. Nepotismo e a administração pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3019, 7 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20157. Acesso em: 22 dez. 2024.

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