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Igualdade de direitos: uma noção da adoção por casais homoafetivos

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Adoção como um caminho para constituição de famílias homoafetivas.

Outro tipo de constituição familiar milenar é a adoção, sua prática já era observada entre os gregos, passando ao Estado romano, a Idade Média e assim sucessivamente até chegar à contemporaneidade. Na Grécia a adoção possuía um importante papel social, no Estado Romano a adoção "era amplamente utilizada para prover a falta de filhos (...)" (LÔBO, 2005, p. 146), na idade média, porém, a adoção não foi vista com bons olhos, como se podia perceber no direito canônico que desconhecia a adoção pelo receio de que este pudesse vir a fraudar as normas que proibiam o reconhecimento de filhos adulterinos e incestuosos e para que também não viesse a suprir o casamento e a constituição de uma família legítima como descreve Leitinho (2008), citando Arnold Wald.

No novo modelo familiar homoafetivo a adoção se mostra de extrema importância, uma vez que, há uma impossibilidade biológica para que estes casais venham a constituir filhos entre si e desta maneira chegar a uma família plena (BRYM, 2009, p. 382). Não há impedimento para a adoção homossexual, porém até pouco tempo esta só podia ser realizada individualmente por um dos parceiros sem que fosse preciso ocultar a sua orientação sexual. Como bem observa Maria Berenice Dias "O curioso é que não se questiona ao pretendente se ele mantém relacionamento homoafetivo. Não é feito o estudo social com o parceiro do candidato, deixando-se de atentar para o fato de que a criança viverá em lar formado por pessoas do mesmo sexo". A adoção é um meio assistencial pelo qual se pode continuar uma família, proteger uma criança, lhe dar conforto e segurança. Apesar de ser uma prática milenar a evolução social dos últimos anos tem valorizado o instituto da adoção, sob a perspectiva de que é importante para o bem-estar da criança e do adolescente estar inserida em uma família onde o que se prevaleça seja não somente os laços familiares, mas principalmente os laços afetivos. Os casais homoafetivos estão mais do que preparados para amar os seus filhos adotivos, e lhes proporcionarem um desenvolvimento saudável, independentemente da opção sexual do casal adotando. O que deveria ser, portanto, uma saída para que estes casais constituam famílias, no Brasil se tornou um entrave, frente à falta de legislação tanto sobre a união homossexual, quanto a adoção pelos mesmos e pelo motivo de que ainda hoje a adoção por pares homossexuais é encarada com muito preconceito pela sociedade, como se o fato de ser homossexual fosse algo anormal, que poderia influenciar na educação e no desenvolvimento psicológico e sexual da criança, o que não pode ser comprovado, já que não se possui estudos profundos sobre o tema.

Como cita Maria Berenice Dias (2007, p.), a restrição da adoção por gays ou lésbicas não mais se justifica, visto que o que se deve observar para o deferimento de um processo de adoção é que este "apresente reais vantagens para o adotando e se fundamente em motivos legítimos". Portanto, percebe-se que a adoção, independentemente do sexo do casal adotando, é mais benéfica para a criança do que a manutenção da mesma em orfanatos e instituições que lhe privem da convivência familiar. A proibição da adoção nada mais é que a exteriorização de um preconceito que não mais cabe na sociedade contemporânea.


A adoção diante da Constituição e leis infraconstitucionais.

Muitos dos entraves encontrados pelos casais homoafetivos quanto à adoção não devem ser atribuídos somente à falta de leis sobre o tema, pelo menos em parte, uma vez que nossos legisladores6 e principalmente a sociedade são movidos também por motivos de cunho religioso7, a igreja há muito tempo proíbe este tipo de união e repugna a adoção de filhos por casais do mesmo sexo, pois considera que este tipo de família impede a propagação do homem e da fé cristã além de atentar contra a moral e os bons costumes. O preconceito e a homofobia estão enraizados de tal forma em nossa sociedade que, esta acaba por considerar normal que uma parcela da mesma não tenha capacidade para exercer plenos direitos, principalmente se o que esta sendo julgado é um processo de adoção. Mexer com esses direitos não é uma questão fácil e podem custar muito àqueles que os defendem. Há os que ainda argumentem que a adoção homoafetiva prejudica o desenvolvimento da criança, no tocante a sua sexualidade8e seu desenvolvimento psicológico, porém não há estudos que comprovem tais danos, o que há de se defender é o principio máximo do interesse do adotado, ou seja, da criança, pois é esta quem necessitará de conforto, carinho, proteção e de uma vida digna, enfim, de uma convivência familiar (Art. 227, Const.).

Não se deve julgar se a religião gera o preconceito ou se este encontra bases fortes naquela, o que se deve é refletir se os valores predominantes atualmente em nossa sociedade condizem com a realidade social em que vivemos, ou seja, uma sociedade plural. O Brasil como um Estado laico e garantidor dos Direitos Fundamentais, não pode usar a recusa da Igreja quanto a condição dos casais homossexuais nem o preconceito social impedirem que estes grupos tenham seus direitos cumpridos através de leis, "alguns parlamentares repudiam o reconhecimento de tais uniões com base no discurso religioso, outros por medo de não serem eleitos em razão da causa que defendem, ou mesmo pelo pavor de serem identificados como homossexual" e os mesmos devem parar de "tratar o assunto da homossexualidade como tabu, e não como questão de cidadania e inclusão, os fatos sociais falam mais alto que a resistência e o preconceito." (PEREIRA, 2010, p. 2). Foca-se aqui a necessidade de leis que venham a regulamentar a união homossexual e a adoção homoafetiva, uma vez que, está claramente perceptível que uma família é formada tanto por laços psicológicos e afetivos quanto pelo parentesco real.

O que falta a sociedade brasileira e aos nossos parlamentares é o respeito e reconhecimento pelo modelo alternativo de família, e a partir de tais posições, efetivar a regulamentação do tema para que as crianças possam ver os seus sonhos de pertencer a uma família realizados, independentemente do modelo. O que se deve observar é que se todos são iguais perante a lei, retirando a máxima "tratar os desiguais desigualmente", então o que se deve prevalecer no meio social é a igualdade, no entanto, diante das discussões já estabelecidas aqui, fica evidente que a falta de legislação específica sobre assunto só gera insegurança social quanto ao cumprimento dos princípios constitucionais, por muitas vezes, excluindo os direitos dos homossexuais.

A Constituição Cidadã de 1988 dispõe sobre a adoção no art. 227, caput dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão". E logo após nos parágrafos 5º e 6º "adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros" e "os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação".

Como se pode observar no dispositivo acima o processo de adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei. Atualmente quem regulamenta esse processo é a Lei nº 12.010, de três de agosto de 2009 que alterou os dispositivos do Código Civil e o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA, Lei nº 8.069/90). Outra observação importante deste artigo é o princípio de igualdade entre os filhos, independente de ser ele biológico ou não, o que mostra que o texto dar um valor de extrema importância à relação de afetividade no núcleo familiar, tal dispositivo vigora porque na sociedade brasileira e no direito brasileiro, perduraram durante muito tempo o principio da desigualdade (LÔBO, 2005, p. 144), uma clara visão de que antes os filhos adotivos diferiam dos filhos legítimos. O conceito de adoção moderna possui forma diferenciada onde se visa primeiro o bem-estar da criança ou do adolescente e não mais somente a sua inserção em uma família, é preciso que no convívio existam laços familiares e afetivos próximos e pessoas capazes de amá-las como se fossem seus pais verdadeiros independente da opção sexual do casal adotando.

No Brasil após toda a evolução legislativa quanto ao instituto da adoção, casais homoafetivos continuam desamparados legalmente no que diz respeito à constituição de uma família plena. O art. 1.622 do Código Civil de 2002 colocava que "Ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem marido e mulher". Com esse texto prevalecia a adoção monoparental, em que somente um dos parceiros de uma relação homossexual adotava a criança, esta ficando a mercê de todos os direitos civis referente ao segundo "pai" ou "mãe". Felizmente a Lei nº. 12.010 de 3 de agosto de 2009 veio a revogar os art. 1.620 à 1629 do referido dispositivo e fica prevalecendo o texto do ECA, logicamente que respeitando as leis maiores que são o Código Civil Brasileiro e a Constituição Federal de 1988. A adoção, via de regra, acontece por meio de sentença judicial, estipulado no ECA, art. 47, caput, tendo essa Lei uma subseção dedicada somente a este aspecto, que compreende desde o art. 39 ao 52. Se pertinente salientar que, em nenhum momento o referido dispositivo impõe que a criança ou adolescente seja adotada por um casal heterossexual, o que se tornou tema de estudo no sentido da validação da adoção por casais homoafetivos. Em seu art. 42, caput o ECA diz: "Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil.", nesse trecho podemos ver que qualquer brasileiro que seja capaz dos atos da vida civil poderá adotar uma criança, sendo ele hetero ou homossexual, casado, vivendo situação de união estável ou solteiro; posteriormente o mesmo artigo em seu § 2º afirma: "Para adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família". Analisando o referido dispositivo podemos afirmar que, com o reconhecimento da união estável entre casais homossexuais pela justiça brasileira em sua maior esfera, nada mais justo que a partir da data da decisão não existam mais limitações para adoção de crianças pelos referidos casais, possibilitando a estes constituírem núcleo familiar dentro da sociedade.


Uma nova perspectiva sobre a adoção por casais do mesmo sexo e as decisões dos tribunais.

Pode-se observar neste estudo que a jurisprudência, ou seja, as decisões reiteradas dos tribunais brasileiros têm evoluído nos últimos anos, antes timidamente, agora algo público e notório. É certo que a partir do dia 05 de maio de 2011 os tribunais que antes vinham decidindo de forma diversa a questão da adoção entre pessoas do mesmo sexo deverão agora, com a decisão do STF, elaborar jurisprudências com referências positivas quanto à união estável homoafetiva e conseqüentemente a adoção entre pares homossexuais.

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Muitos juristas têm se posicionado em artigos referentes ao tema, a exemplo do Ilustríssimo Pereira (2010.p.2) em seu artigo "Famílias Homoafetivas"que já defendia a idéia de um núcleo familiar formado por pessoas do mesmo sexo e disse ser "inacreditável como a discussão deste assunto continua sendo tabu". O reconhecimento da legalidade da união homoafetiva como entidade familiar está definida. A votação é considerada histórica, faltando apenas ao legislativo preencher a ‘lacuna normativa’. Este vácuo legislativo é acentuado por Maria Berenice Dias (2010), e esta ainda coloca que devido a essa lacuna normativa, a "Justiça acaba negando direitos, como se a falta de uma norma legal significasse ausência de direitos".

Pode-se agora aguardar decisões favoráveis sobre adoção por casais do mesmo sexo e que, se não o preconceito, pelo menos a falta de amparo legal perca essa guerra. Estes novos núcleos familiares começam a ter os seus direitos definidos com a decisão do Supremo, validando assim um anseio social e de todos os que torcem pela justiça. Até bem pouco tempo este panorama não podia ser observado, mas os avanços jurídico-científicos em torno das uniões homoafetivas fazem perceber a viabilidade de ser deferido um pedido de adoção a duas pessoas do mesmo sexo, seja feita por gays ou lésbicas, sem que haja qualquer demonstração de preconceito. A justiça não deve mais negar a possibilidade de filiação quando os pais são do mesmo sexo.

O primeiro grande julgado que revelou uma mudança nos Tribunais brasileiros ocorreu em 2006 quando em uma decisão inédita o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por unanimidade, reconheceu o direito à adoção a um casal formado por pessoas do mesmo sexo, portanto o julgado foi de acordo com princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da igualdade e outros decorrentes como disse Leitinho Campos10.

Existem também sentenças já transitadas em julgado no Rio Grande do Sul11, São Paulo12e Rio de janeiro13 que habilitaram e deferiram a adoção a ambos os parc eiros.Esse tipo de decisão mostra que a justiça está deixando o preconceito de lado e cedendo o direito a casais homoafetivos de constituírem família pelo instituto da adoção, garantindo os princípios constitucionais de igualdade, liberdade e dignidade da pessoa humana.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo de uma temática tão atual e que está em pleno desenvolvimento conceitual visa esclarecer o tema e as dúvidas referentes aos direitos daqueles que buscam um amparo legislativo para que possam desenvolver plenamente seus direitos constitucionais, e desta forma, se insiram de maneira definitiva na construção de um núcleo social, a família. Para tanto ainda, são necessários muitos avanços no campo legislativo/judicial através de leis ou decisões que reconheçam os direitos constitucionais dos homossexuais e dos casais formados pelos mesmos e que concedam a estes casais o acesso a todos os benefícios que advém da união homoafetiva. No campo social, alguns progressos estão sendo fomentados, através de uma conscientização coletiva feita por campanhas de conscientização e movimentos em apoio, para desmistificar a homossexualidade e erradicar o preconceito, seja ele por motivo moral ou religioso, que se tem contra estas pessoas e principalmente quanto ao relacionamento mantido por estes.

Pode-se dizer que se trata de um caminho árduo e longo, mas que depois de alguns pequenos passos começa a acelerar o seu caminhar na busca de uma aceitação e de uma igualdade de todos dentro da sociedade. Neste sentido, tanto os legisladores brasileiros quanto a sociedade civil tem se mobilizado e se movimentado quanto ao tema, a exemplo do reconhecimento da união estável homoafetiva pela instância máxima do direito brasileiro o STF, e por mobilizações cada vez mais frequentes em prol da diversidade sexual que podem ser vistas em paradas gays, folhetos informativos, dentre outros meios que nos fazem acreditar que apesar de toda dificuldade há de chegar o tempo em que lacunas legislativas serão preenchidas e todas as famílias alternativas advindas da união de pessoas do mesmo sexo passarão a fazer parte efetivamente da sociedade.

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Sobre os autores
Rafael Santana da Silva

Graduando em Direito da Universidade Tiradentes.

Jader Danilo Ferreira dos Santos Santana

Graduando do Curso de Direito da Universidade Tiradentes.

Vicente Cordeiro dos Santos Netto

Graduando do Curso de Direito da Universidade Tiradentes

Rafael Vital Aguiar

Graduando do Curso de Direito da Universidade Tiradentes.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Rafael Santana ; SANTANA, Jader Danilo Ferreira Santos et al. Igualdade de direitos: uma noção da adoção por casais homoafetivos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3032, 20 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20235. Acesso em: 19 abr. 2024.

Mais informações

Orientadora: Maria Balbina de Carvalho Menezes, Professora, Mestra em Administração e Planejamento, Especialista em Políticas Públicas, Membro dos Grupos de Pesquisa e GPGFOP/UNIT.

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