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Precaução e consumo.

A aplicação do princípio da precaução nas relações de consumo

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16/10/2011 às 09:21
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4. Conclusão.

Estamos vivendo numa Sociedade Global de Riscos. Essa é uma afirmação irrecusável. É a frase do momento, que tanto preocupa cientistas, pensadores e juristas. A preocupação deriva das conseqüências que essa constatação poderá trazer para a humanidade, já que esses riscos, incalculáveis e incontroláveis, atingem principalmente o meio ambiente e a produção e distribuição de produtos e serviços no mercado de consumo.

Na tentativa de contornar essa situação, o Princípio da Precaução surge como uma das possíveis formas de evitar a ocorrência desses riscos ou, talvez, de evitar a ocorrência dos danos decorrentes desses riscos.

A existência da Precaução como princípio jurídico já é pacífica na doutrina e na jurisprudência. A sua aplicação ao Direito das Relações de Consumo já é um tanto mais conflituosa, já que parte da doutrina não vislumbra referido princípio expressamente contido em nenhum dos dispositivos do diploma consumerista.

Contudo, como desenhado no presente trabalho, o Código de Defesa do Consumidor abarca esse princípio como norte para a contenção dos riscos no mercado de consumo. Apesar de redação confusa, os artigos 8°, 9° e 10 trazem regras de informação e têm como pano de fundo o princípio da precaução.

Assim, no campo do direito do consumidor, deve ser vista com bons olhos a aplicação deste principio às relações oriundas do mercado de consumo, a fim de evitar – seguindo a linha predominante no desenvolvimento dos estudos da responsabilidade civil – a ocorrência de riscos e danos e, ainda, a existência de vítimas irressarcidas.

Ainda que, como dito, não se extraia facilmente a aplicação do Princípio da Precaução das regras estabelecidas pelo Código de Defesa do Consumidos, tal normativo deverá instruir toda a aplicação do referido diploma legal, a fim de que os princípios que já estão nele estampados ganhem em efetividade.

Evitar a ocorrência em concreto dos riscos suportados por essa "sociedade global de riscos" é também questão de política pública. Exigir do fornecedor um completa informação e garantir ao consumidor segurança na aquisição de produtos e serviços é questão de cidadania e de respeito à dignidade da pessoa humana.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BENJAMIN, Antônio Hermann Vasconcelos. MARQUES, Cláudia Lima. BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor. 1 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2008.

BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo – hacia uma nueva modernidad. Barcelona: Paidós, 1998.

CASTRO, Fabiana Maria Martins Gomes de. Sociedade de Risco e o Futuro do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor, n. 44. São Paulo: Revista dos Tribunais.

EBERLIN, Fernando Büscher Von Teschenhausen. Responsabilidade dos fornecedores pelos danos decorrentes dos riscos do desenvolvimento: análise sob a ótima dos princípios gerais da atividade. Revista de Direito do Consumidor, n. 64. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

FILOMENO, José Geraldo Britto Filomeno. Manual de Direitos do Consumidor. 9 ed. São Paulo: Atlas. 2007.

GRINOVER, Ada Pellegrini. BENJAMIM. Antônio Hermann Vasconcelos e. FINK, Daniel Roberto. FILOMENO, José Geraldo Britto Filomeno. WATANABE, Kazuo. NERY JUNIOR, Nelson. DENARI, Zelmo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 9 ed. São Paulo: Forense Universitária. 2007.

HARTMANN, Ivan Alberto Martins. O princípio da precaução e sua aplicação no direito do consumidor: dever de informação. Revista de Direito do Consumidor, n. 70. São Paulo: Revista dos Tribunais.

LEWICHI, Bruno. Princípio da Precaução: impressões sobre o segundo momento. In: MORAES, Maria Celina Bodin de. Princípios do Direito Civil Contemporâneo. São Paulo: Renovar, 2006.

SODRÉ, Marcelo Gomes. MEIRA, Fabíola. CALDEIRA, Patrícia. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 1 ed. São Paulo: editora Verbatim. 2009.


Notas

  1. Ulrich Beck, nascido em 15 de maio de 1944, é um sociólogo alemão que leciona na Universidade de Munique e na London School of Economics. (fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ulrich_Beck)
  2. É a conseqüência de um ato ou evento, sob o qual não se poderia ter qualquer controle. Mesmos assim, o risco deve ser controlado e evitado.
  3. Entendimento extraído da leitura da introdução e do primeiro capítulo da obra "Sociedade do Risco e Direito Penal", de Marta Rodriguez de Assis Machado.
  4. Zigmunt Bauman é um dos sociólogos mais respeitados da atualidade. Com extensa produção intelectual, tem se destacado como um dos pensadores mais clarividentes do nosso tempo. Professor emérito de sociologia das universidades de Leeds e Varsóvia. (fonte: O Mal-Estar da Pós-Modernidade, do próprio citado).
  5. Programa "Invenção do Contemporâneo" – Kygmunt Bauman e a Pós Modernidade", TV Cultura RS n.° 80583 NTSC DVD: Único.
  6. Ao que é fascinante, em se tratando do princípio da precaução, é acompanhar a evolução de um conjunto de idéias constitutivas de uma nova atitude intelectual e mora, quando elas penetram o campo das normas sociais e dos ordenamentos jurídicos. (O. GORDARD. O princípio da precaução frente ao dilema da tradução jurídica das demandas sociais – lições de método decorrentes do caso da vaca louca, in M D Varella e A.F.B. Platiau (orgs.), Princípio da precaução, Belo Horizonte, Del Rey, 2004, p. 157 in LEWICKI, op. cit.)
  7. Esse discurso foi conhecido como consumer Bill of rigths message.
  8. É certo que esta preocupação vem na linha de preocupações mais antigas, como as de proteger os mais fracos, a parte débil da relação contratual, e de zelar pela segurança das pessoas. Mas com a ‘sociedade de consumo’ dos nossos dias tornou-se imperioso reagir de modo específico e organizado contra práticas e técnicas de utilização sistemática, tendo por denominador comum a defesa do consumidor, isto é, a defesa de quem é vítima de tais práticas ou técnicas, de quem está a mercê, pela sua situação de dependência ou de debilidade (econômica, técnica, jurídica, cultural ou outra), da organização econômica da sociedade". (MONTEIRO, Antonio Pinto Harmonização Legislativa e Protecção do Consumidor: a propósito do Anteprojeto do Código do Consumidor português. In: TEPEDINO, Gustavo. Direito Civil Contemporâneo: novos problemas às luz da legalidade constitucional. São Paulo: Atlas, 2008)
  9. BENJAMIN, Antônio Hermann Vasconcelos. MARQUES, Cláudia Lima. BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor. 1 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2008.
  10. Há quem diga, como Gregório Assagra de Almeida, na sua Tese de Doutorado, que deu origem à obra "Direito Material Coletivo" (Del Rey), que haveria, na atualidade duas espécies de direitos, ante o surgimento dos interesses metaindividuais: os direitos individuais e os direitos coletivos. Nas palavras do Professor Doutor, "levando-se em consideração os planos da efetivação de direitos ou é relativa ao direito individual ou ao direito coletivo" (ALMEIDA, Gregório Assagra. Direito Material Coletivo. Del Rey, 2008).
  11. SILVA, João Calvão. Responsabilidade Civil do Produtor. Coimbra: Almedina. 1990.
  12. A evolução registrada nos últimos anos é de proteção crescente do consumidor. Essa proteção acrescida resulta sobretudo da confluência do movimento de acesso à justiça e do consumerismo, a fazer ressaltar, por um lado, a inadequação ou o envelhecimento do direito comum tradicional, em face das profundas transformações econômicas, sociais, técnicas e tecnológicas, pela insuficiência da proteção indireta do contraente débil e ‘profano’, e a evidenciar, por outro lado, a necessidade de estender a proteção direta através de medidas legislativas especiais que tutelem imediata e principalmente os interesses do consumidor. (SILVA, João Calvão, ibid).
  13. Muito tempo depois do surgimento do movimento consumerista é que o Estado Brasileiro resolveu trazer ao texto constitucional da ideia de proteção e defesa do consumidor, elevando-a à categoria de direito e garantia fundamental. A partir disso, dá-se o surgimento das associações de defesa dos consumidores, como resultantes da livre iniciativa ou do impulso do Estado. No primeiro caso, pode-se dar como exemplo o IDEC e a PROTESTE. No segundo, em evidência hoje estão do DPDC, subordinado à Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça e a Fundação PROCON de São Paulo.
  14. MARQUES, op. cit., p. 27
  15. De inicio, a defesa do consumidor estava ausente dos textos comunitários, pois a versão inicial (1957) do Tratado de Roma não lhe fazia referência. Foi só a partir de 1975, com a Resolução do Conselho, que adotou um ‘Programa preliminar da CEE para uma política de proteção e de informação dos consumidores’, que se terá iniciado a política de defesa do consumidor, depois prosseguida através de várias outras resoluções. Mas faltavam um fundamento jurídico para esta política comunitária, o qual passou a existir com a entrada em vigor do Ato Único, que introduziu no Tratado de Roma o art. 100 A (hoje, art. 95), tornando-se a proteção do consumidor um objetivo específico da Comunidade. Presentemente, após revisões operadas pelo Tratado de Maastricht de 1992 e pelo Tratado de Amesterdão de 1997, é o art. 153 do Tratado que logo no seu n.º 1 enuncia os direitos do consumidor à proteção da saúde, da segurança e dos interesses econômicos, à informação, à educação e á organização dos seus interesses." (MONTEIRO, op. cit.)
  16. "É preciso referir que, de acordo, com a técnica legislativa adotada no direito brasileiro, não existe no CDC uma definição específica sobre o que seja relação de consumo. Optou o legislador nacional por conceituar os sujeitos da relação, consumidor e fornecedor, assim como seu objeto, produto ou serviço. No caso, são considerados conceitos relacionais e dependentes. Só existirá um consumidor se também existir um fornecedor, bem como um produto ou serviço. Os conceitos em questão não se sustentam por si mesmos, nem podem ser tomados isoladamente. Ao contrário, as definições são dependentes umas das outras, devendo estar presentes para ensejar a aplicação do CDC." (MIRAGEM, Bruno. Direito do Consumidor. Revista dos Tribunais, p. 80).
  17. SODRE, Marcelo. Objetivos, princípios e deveres da Politica Nacional das Relaçoes de Consumo: a interpretação do artigo 4° do CDC, in Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, editora Verbatin, capitulo II, p. 35/48, São Paulo, 2009.
  18. CAVALIERI FILHO, op. cit., p. 458.
  19. MIRAGEM, Bruno. Direito do Consumidor. 1 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
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Sobre o autor
Luiz Fernando Afonso

Advogado em São Paulo; especialista em Direito Constitucional pelo IBDC e ESDC; especialista em Direito das Relações de Consumo pelo COGEAE/PUC-SP; mestrando em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AFONSO, Luiz Fernando. Precaução e consumo.: A aplicação do princípio da precaução nas relações de consumo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3028, 16 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20248. Acesso em: 25 abr. 2024.

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