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Hedge e derivativos: aspectos jurídicos da internalização do risco

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3. Delimitação epistemológica

Segundo a Lei 6.385, de 7 de dezembro de 1976, com redação dada pela Lei 10.303, de 31 de outubro de 2001, são incluídos como valores mobiliários "os contratos futuros, de opções e outros derivativos, cujos ativos subjacentes sejam valores mobiliários" (artigo 2º, inciso VII) assim como "outros contratos derivativos, independente dos ativos subjacentes" (artigo 2 o, inciso VIII).

Dessa maneira, o inciso VIII considera todos os derivativos como títulos mobiliários, enquanto o inciso VII considera apenas quando o ativo subjacente é um valor mobiliário – como no caso das opções sobre ações ou debêntures. Eduardo Salomão Neto (2005) argumenta que não existem palavras desnecessárias na lei e, portanto, a lógica restritiva do inciso VII deveria prevalecer [15].

O contrário também pode ser alegado, de que a lei não usou palavras desnecessárias, mas repetiu para enfatizar a importância de que todos os derivativos fossem considerados valores mobiliários e, em conseqüência, regulados pela CVM. Por exemplo, os swaps, protagonistas do caso debatido do mau uso dos derivativos, não está incluído no inciso VII. Na prática, não há exigência de registro para swaps não padronizados em âmbito de negociação privada; porém, é necessário registro no caso dos swaps padronizados publicamente oferecidos na Bolsa de Mercadorias e Futuros.


4. Espécies de derivativos

4.1 Operações de swap

A palavra swap [16] significa "troca ou permuta" na língua inglesa e, segundo Stuber (2009), consiste basicamente no contrato de troca de pagamentos periódicos com uma contraparte, como, a troca de pagamentos de rendimentos pré-fixados por pagamentos de rendimentos pós-fixados; ou na troca de um valor mobiliário por outro, com o propósito de melhorar o rendimento, alterar a data de vencimento ou mudar o risco de crédito.

Segundo Salomão Neto (2005) "o termo nasceu nos mercados financeiros para designar precisamente operações envolvendo o intercâmbio de obrigações, independente da precisa qualificação jurídica que assumam". Essa observação é sagaz considerando que não deve haver muita preocupação na precisão jurídica do instituto nos ambientes de origem deste negócio – tais como as mesas de operações de instituições financeiras.

Esse contrato é denominado pela função, ou causa, do negócio [17]. É causa tradicional dos negócios sinalagmáticos a troca de prestações equivalentes; mas, neste caso consiste em uma troca de posições com propósitos particulares, não se contrata o swap para uso ou consumo do bem contratado, mas para assunção do risco inerente aquela posição.

Devido à diversidade de objetos negociados nos contratos de swap – protagonistas inclusive das crises das sociedades abertas com bom desempenho operacional e desastres financeiros por especulações em contratos cambiais – é importante advertir, senão das particularidades, pelo menos da existência dos swaps creditícios (venda do risco de créditos muito usados por instituições financeiras); mútuos cruzados (como na troca de juros fixos por flutuantes); e, dos swaps de reporte (compra de títulos representativos de valor a vista com simultânea retrocessão a termo) que, em ambos os casos, podem estar vinculados a taxas cambiais.

4.2 Contratos de opções

A opção é um instrumento financeiro que confere a seu titular o direito de comprar ou vender um ativo por um determinado preço. Segundo Salomão Neto (2005) é "um negócio jurídico por intermédio do qual uma parte confere a outra o direito de vincular à primeira realização de outro negocio jurídico no futuro, o qual fica dependendo apenas da vontade da parte titular do referido direito de vinculação".

Os contratos de opções podem recair, por exemplo, sobre ações ou mercadorias e garantem a seus detentores o direito de adquirir ou vender – a depender se são opções de compra e venda [18] – os bens referidos por valor pré-definido em uma data futura.

A lógica dos contratos de opções permite, inclusive, que investidores lucrem com a queda de um ativo – como na venda a descoberto de opções de compra em que o preço pactuado for superior ao de mercado no vencimento reduzindo o valor da opção a zero. Ou mesmo, com a aquisição de opções de compra, no caso de valorização do ativo que ganhem muitas vezes mais do que adquirindo o próprio ativo.

De maneira simplificada, o emitente da opção de compra ou venda tem a vantagem de obter de imediato um prêmio em dinheiro pago quando criada a opção. Este valor representa para o adquirente da opção um acréscimo ao preço se houver exercício da opção de compra, e uma diminuição do benefício representado por esse preço se houver exercício da opção de venda.

Para o adquirente da opção o contrato pode ser feito a título especulativo, de forma a permitir ganho sobre ativo cujo preço se acredita que subirá ou, cairá; em qualquer caso de variação do valor do ativo, o adquirente da opção terá fixado o preço imediatamente quando da aquisição dela, não sendo economicamente afetado por posteriores flutuações.

As opções de compra para fins especulativos podem ser identificadas por uma característica freqüente: a convenção da faculdade de liquidação pela diferença entre o preço ajustado e o valor de mercado, uma vez que as partes se interessam pela possibilidade de ganho pecuniário e não pela aquisição do bem. Evidentemente, se o preço de exercício da opção for superior ao de mercado, a opção não será exercida, e o direito contratado não terá valor econômico. Nas opções de venda aplica-se a mesma lógica, mas no sentido inverso; a opção só será exercida se o preço de mercado for inferior ao contratado.

Além dos objetivos especulativos, os contratos de opções podem ter a finalidade de hedge, quando o adquirente de uma opção de compra deseja ter segurança de obter um ativo que necessitará por preço pré-determinado, preço que sabe dispor; ou, ao contrário, ao adquirente de opção de venda a segurança de que receberá um valor determinado por suas mercadorias ou ativos em prazo futuro pactuado.

Sobre a natureza jurídica das opções Salomão Neto (2005) cita a doutrina italiana de Francesco Messineo que a considera "cláusula potestativa aposta a um contrato" – inaplicável ao sistema pátrio pela vedação de cláusulas potestativas em contratos pelo artigo 122 do Código Civil vigente. Considerando os dispositivos já citados, é razoável considerar as opções como contratos autônomos, mesmo que de natureza preliminar, cujo objeto é obrigação de fazer (comprar ou vender a certo preço em – ou até – data pactuada); bilaterais e sinalagmáticos, vez que é elemento essencial para sua caracterização a remuneração denominada prêmio a quem se obriga ao negócio futuro. O mesmo autor ao diferenciar as opções dos contratos a termo ainda deixa mais claras essas características:

[...] as opções se diferenciam de um contrato a termo porque este é desde logo um instrumento de compra e venda tendo por objeto coisas a serem compradas e vendidas, enquanto as opções têm por objeto as obrigações de fazer que constatamos, são contratos prevendo obrigações de fazer. (Salomão Neto 2005, p.338)

4.3 Contratos a termo e operações no mercado futuro

As operações em mercados a termo e futuros são operações prontas e acabadas de compra e venda de ativos a serem liquidadas no futuro, com o preço estabelecido desde o inicio. As opções, como visto, não são contratos de compra e venda, mas sim, um negócio que institui direito a apenas uma das partes contra um prêmio, um pagamento, surgindo a faculdade de comprar ou vender, que pode ou não ser exercido, a depender da diferença entre o preço pactuado e o valor de mercado. Salomão Neto (2005) resume está diferença ao afirmar que: "as operações nos mercados a termo e futuros representam obrigações de dar, as opções representam obrigações de fazer".

Contudo, até mesmo a Lei n. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005; como fazia o diploma anterior, Decreto-lei n. 7.661, de 21 de junho de 1945, trazem um dispositivo semelhante as operações a termo e futuro no processo falimentar que assemelha-se as opções, qual seja, a liquidação pela diferença.

Salomão Neto (2005) relembra a lição de Tullio Ascarelli sobre os negócios jurídicos indiretos afirmando que "não se descaracteriza a compra e venda o fato de ser a liquidação diferencial no silêncio das partes, visto que sempre podem de comum acordo avençar a entrega física e pagamento integral do preço". Em realidade não é uma compra e venda com sua finalidade clássica, mas ainda não se descaracteriza por isso.

Diferenciando, os contratos a termo têm caráter isolado e individual, negociados em âmbito privado por partes determinadas; por outro lado, as operações no mercado futuro compreendem operações normalmente sujeitas à intermediação e regulamentação da bolsa ou mercado onde são negociadas. Essa regulamentação significa padronização dos objetos negociados, dos prazos e ajustes diários em relação à variação das cotações de mercado, ficando a parte em desvantagem obrigada a depositar a diferença entre o preço e o valor de mercado diariamente, como ocorre na Bolsa de Mercadorias e Futuros – BM&F.

A maior questão jurídica referente aos contratos a termo e aos contratos futuros ocorre exatamente nas situações em que não há liquidação por diferença, mas sim, dependem da aquisição do ativo contratado para entrega no futuro. O problema é que, eventualmente, a parte vendedora não consegue obter no mercado o que se comprometeu a entregar.

Nestes casos, quando a parte vendedora não honra o contrato por incapacidade de adquirir o bem que se comprometeu a entregar (default), muitas vezes busca defesa no instituto do caso fortuito ou força maior – como expresso no Código Civil vigente em seu artigo 393. Porém, não há razoabilidade neste argumento a não ser que a possibilidade de obtenção seja absoluta, ou seja, que o bem não exista no mercado e não seja possível obter o ativo por preço algum, por mais exorbitante que seja – única situação em que estão previstos os requisitos legais.


5. Natureza jurídica dE CERTOS ativos envolvidos

5.1 Ações

A definição da natureza jurídica – categoria ou classificação jurídica – da ação, como título representativo ou de crédito, é um dos maiores pontos de divergência do Direito Mercantil a ponto de Rubens Requião (2003) considerar esta questão um mistério. O problema é iniciado na compreensão entre as diferentes concepções das relações patrimoniais e políticas entre a ação e o acionista.

O crédito expressa inicialmente em suas formas essenciais a venda à prazo e o empréstimo, este instituto é definido como troca no tempo em lugar do espaço, é confiança, fé na solvabilidade, soma posta a disposição, o que o negociante tem a haver. O crédito importa em um ato de fé, de confiança, do credor. Ainda segundo Stuart Mill (apud REQUIÃO, 2003, p. 358) "credito não é mais do que a permissão de usar o capital alheio". Título de crédito, em conseqüência, seria o documento necessário ao exercício no direito nele mencionado.

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Da definição podem ser identificados os três elementos fundamentais do crédito: a) a fidúcia, ou ato de confiança; b) a devolução obrigatória de valor (seja por pagamento ou outra forma de compensação); e, c) o uso do capital por tempo determinado.

Os que combatem a natureza jurídica da ação como título de crédito – como J.X. Carvalho Mendonça (2000) que o caracteriza como título patrimonial de permanência e não de resgate – alegam que há fidúcia na ação, mas que, em regra, não há devolução obrigatória de valor (já que o resgate não é obrigatório ou necessário) ou uso do capital por tempo determinado (vez que o capital da sociedade na maioria dos casos tem caráter permanente).

Superando a categoria do documento, um segundo aspecto relacionado na natureza jurídica das ações é a classificação do direito do acionista com a universalidade de bens sociais. Se as entradas feitas pelos acionistas ao integralizar as ações subscritas no mercado primário constituem ou não operação de crédito.

De forma simplificada, quando se considera que há operação de credito na emissão da ação, então o acionista será credor, mas se não houver operação de crédito a relação será majoritariamente patrimonial (sob a sociedade e não contra a sociedade) e, em decorrência, subsidiariamente pessoal vez que existem direitos políticos não patrimoniais derivados da condição de sócio, como o direito de fiscalizar. Desta maneira, a ação seria título representativo patrimonial e não de crédito.

5.2 Commodities

Commodity é um termo de língua inglesa que significa mercadoria. O termo no plural commodities é utilizado para designar ativos padronizados de origem primária nas transações nas bolsas de mercadorias. Usada como referência aos produtos de base em estado bruto, matérias-primas, ou com pequeno grau de industrialização, de qualidade quase uniforme, ofertados em grandes quantidades e por diferentes produtores. Estes produtos usualmente cultivados ou de extração mineral, podem ser estocados por determinado período sem perda significativa de qualidade.

A importância econômica das commodities, como objeto de muitos contratos de derivativos, é que são produzidos e, ao mesmo tempo, comprados por diversas indústrias; obtendo precificação e liquidez global e, conseqüentemente, impacto significativo nos fluxos financeiros nacionais e transnacionais. Como a economia de grandes indústrias e até de países dependem diretamente dessas cotações, os contratos de derivativos dessas commodities surgiram como uma forma proteção aos agentes econômicos contra perdas provocadas pela volatilidade nas cotações dos produtos de base.

São exemplos de commodities: a) recursos agrícolas, como o café, o gado e a soja; b) recursos minerais, como petróleo; c) recursos financeiros, como reais, dólares ou euros; d) ou recursos energéticos.

A última e mais recente modalidade de commodity é aquela que traz mais inovações no campo jurídico: as commodities ambientais, como os créditos de carbono. Para começar, elas foram criadas por uma norma – à saber, o artigo 12 do Protocolo de Quioto à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. O referido artigo, composto de 10 parágrafos, cria o mecanismo de desenvolvimento [19] limpo e define as formas de criação, certificação e aquisição destes créditos.

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Sobre o autor
Renato Amoedo Nadier Rodrigues

Graduado em Direito (UFBA) e Engenharia de Produção Civil (UNEB); Mestre em Direito Privado e Econômico (UFBA); e doutorando do Programa de Pós Graduação em Administração (Finanças Estratégicas) da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, Renato Amoedo Nadier. Hedge e derivativos: aspectos jurídicos da internalização do risco. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3031, 19 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20250. Acesso em: 24 abr. 2024.

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