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A eqüidade no Direito do Trabalho

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01/10/2001 às 00:00
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Sumário: 1. Introdução. Significado gramatical de eqüidade; 2. Considerações acerca do conceito jurídico de eqüidade; 3. O problema das lacunas do direito: 3.1. Corrente da plenitude hermética do Direito; 3.2. Corrente da incompletude aberta do Direito; 4. A eqüidade na hermenêutica jurídica (aplicação, interpretação e integração das normas): 4.1. Hipóteses legais de decisão por eqüidade; 4.2. A eqüidade como meio supletivo de interpretação e integração das normas; 5. Análise do art. 127 do Código de Processo Civil; 6. Exemplo de decisões por eqüidade no Direito do Trabalho brasileiro; 7. Exemplo de lacunas no Direito do Trabalho brasileiro: decisões tomando a eqüidade como meio supletivo; 8. Conclusões e Advertência; Notas; Bibliografia


1. Introdução. Significado gramatical de eqüidade:

Discorrer acerca da equidade não é tarefa das mais fáceis para o estudioso do Direito, eis que tal vocábulo possui múltiplos significados, ensejando diversas interpretações.

A título ilustrativo, vejamos, por exemplo, a definição de Aurélio Buarque de Holanda:

"eqüidade. [Do lat. aequitate] S. f. 1. Disposição de reconhecer igualmente o direito de cada um. 2. Conjunto de princípios imutáveis de justiça que induzem o juiz a um critério de moderação e de igualdade, ainda que em detrimento do direito objetivo. 3. Sentimento de justiça avesso a um critério de julgamento ou tratamento rigoroso e estritamente legal. 4. Igualdade, retidão, equanimidade."(1)

Como se verifica, as diversas acepções gramaticais do termo já seriam suficientes para demonstrar a enorme complexidade da discussão acerca da equidade, notadamente se encarada sob uma ótica leiga.

Entretanto, como se não bastasse, diversas controvérsias surgem quando da utilização jurídica do termo, seja no campo das relações de direito material, seja no âmbito da apreciação de lides pelo poder judiciário.

Veremos, portanto, cada um destes problemas separadamente de modo a buscarmos uma visão sistemática do que seja equidade, notadamente no Direito do Trabalho, que é o objeto de nosso estudo.

Antes, porém, faz-se mister dissertar sobre alguns temas de Filosofia e Teoria Geral do Direito para que nossas conclusões não sejam precipitadas, nem levianas.


2. Considerações acerca do conceito jurídico de eqüidade

A tarefa de conceituar um instituto jurídico é sempre da mais árduas, tendo em vista a enorme gama de peculiaridades que o envolve normalmente.

Desta forma, preferimos nos socorrer de grandes mestres da filosofia e do direito de forma a obtermos um maior cabedal de conhecimentos para o desenvolvimento da matéria.

A noção original de eqüidade surge na Grécia antiga, com Aristóteles, na "Ética a Nicômaco", na qual afirmava que "o eqüitativo, embora seja melhor que uma simples espécie de justiça, é em si mesmo justo, e não é por ser especificamente diferente da justiça que ele é melhor do que o justo. A justiça e a eqüidade são portanto a mesma coisa, embora a eqüidade seja melhor. O que cria o problema é o fato de o eqüitativo ser justo, mas não o justo segundo a lei, e sim um corretivo da justiça legal. A razão é que toda lei é de ordem geral, mas não é possível fazer uma afirmação universal que seja correta em relação a certos casos particulares. Nestes casos, então, em que é necessário estabelecer regras gerais, mas não é possível fazê-lo completamente, a lei leva em consideração a maioria dos casos, embora não ignore a possibilidade de falha decorrente desta circunstância. E nem por isto a lei é menos correta, pois a falha não é da lei nem do legislador, e sim da natureza do caso particular, pois a natureza da conduta é essencialmente irregular. Quando a lei estabelece uma regra geral, e aparece em sua aplicação um caso não previsto por esta regra, então é correto, onde o legislador é omisso e falhou por excesso de simplificação, suprir a omissão, dizendo o que o próprio legislador diria se estivesse presente, e o que teria incluído em sua lei se houvesse previsto o caso em questão. Por isso o eqüitativo é justo, e melhor que uma simples espécie de justiça, embora não seja melhor que a justiça irrestrita (mas é melhor que o erro oriundo da natureza irrestrita de seus ditames). Então o eqüitativo é, por sua natureza, uma correção da lei onde esta é omissa devido à sua generalidade. De fato, a lei não prevê todas as situações porque é impossível estabelecer uma lei a propósito de algumas delas, de tal forma que às vezes se torna necessário recorrer a um decreto. Com efeito, quando uma situação é indefinida a regra também tem de ser indefinida, como acontece com a régua de chumbo usada pelos construtores em Lesbos; a régua se adapta à forma da pedra e não é rígida, e o decreto se adapta aos fatos de maneira idêntica"(2).

Conforme ressalta Wagner D. Giglio, comentando trechos da "Ética a Nicômaco", em brilhante artigo sobre a equidade: "Nota-se a preocupação do preceptor de Alexandre em equacionar as relações entre o Direito e a Justiça, entre o legal e o ético, colocando a eqüidade no plano ideal de uma justiça intuitiva, natural e humana, superior e mais perfeita do que a norma jurídica. A eqüidade corresponderia o justo aperfeiçoado, à Justiça ideal, e sua missão seria suprir as omissões da lei e orientar o intérprete na correção das injustiças."(3)

Na doutrina moderna, diversos autores tratam desta questão, sendo a eqüidade tida como "princípio geral do Direito, o mais geral de todos" (...), "ponte por excelência entre a Justiça e a Lei" (...) e "fonte de standards jurídicos" por José Martins Catharino(4); "a justiça do juiz, em contraposição à lei, justiça do legislador", por Carnelutti, citado por Délio Maranhão(5); como "al sentimento di giustizia della generalitá dei cittadini nel tempo e nel luogo in cui avviene la decisione", por Luigi De Litala(6); como "a idéia do justo" que "abranda o rigor do texto" e "aquece a frieza da lei", pelo Ministro Mozart Victor Russomano(7); como "la justicia del caso concreto" que "sirve para corrigir a la justicia", adaptando-a, não sendo "un princípio ni una fórmula general derivada de la idea de justicia, sino un procedimiento y un resultado: Es la armonia entre lo general y lo particular", por Mário De La Cueva(8); e como correspondente "ao sentimento de justiça que deve influenciar o legislador na elaboração da lei e o juiz na sua interpretação", por Arnaldo Lopes Sussekind(9), entre outros ilustres juristas.

Saliente-se, porém, que estes conceitos variam de acordo com a posição de cada doutrinador acerca do problema das funções da eqüidade no Direito.

Mas que funções são estas?

É o que veremos no decorrer do presente estudo.


3. O problema das lacunas do direito

Um aspecto extremamente relevante antes da enunciação das funções da equidade é a discussão acerca da problemática da existência ou não das lacunas no Direito.

De maneira didática e, por isto mesmo, sintética, podemos classificar as teorias acerca desta problemática em duas correntes básicas: a) os que defendem a inexistência de lacunas no ordenamento jurídico, por considerarem-no uma plenitude hermética; e b) os que defendem a concepção do ordenamento jurídico como um sistema aberto e incompleto;

Vejamos cada uma destas correntes separadamente, de modo a possibilitar uma descrição imparcial do problema, bem como as funções da equidade em cada uma das posições doutrinárias:

3.1. Corrente da plenitude hermética do Direito

Esta corrente, cujos maiores expoentes são Hans Kelsen e Carlos Cossio, nega a existência de lacunas no sistema jurídico, colocando a sua completude como uma exigência lógica de um ideal racional.

É de se ressaltar, porém, que ambos os jusfilósofos, apesar de desenvolverem seu raciocínio de maneira distinta, acabam se baseando num princípio ontológico do direito, enunciado expressamente pelo pensador argentino que consiste na constatação de que "tudo que não está juridicamente proibido, está juridicamente facultado".

Encarado neste sentido, o sistema jurídico não poderia admitir a existência de lacunas, eis que o mesmo seria uno, pleno e harmônico, pelo que toda controvérsia teria necessariamente uma solução.

Para Hans Kelsen, a questão das lacunas se constituiria num problema de jurisdição, ou seja, que o Estado-Juiz resolveria simplesmente através dos seus órgãos competentes.

Sendo assim, apesar de não admitir a existência de "lacunas" no sistema jurídico, Kelsen, conforme ensina Maria Helena Diniz, "reconhece a importância da teoria das lacunas no âmbito da jurisdição, como um limite ao poder normativo do magistrado. Considerando a ´lacuna´ como uma ficção utilizada pelo legislador com a finalidade de restringir o poder de interpretação e de integração conferido aos tribunais, quando estes constatam a falta de uma determinada norma, na ordem jurídica, para resolver certo caso, ´falta essa determinada com base num juízo de valor ético-político subjetivo, que é apresentada como impossibilidade lógica da aplicação dessa ordem jurídica´.

A doutrina tradicional, nos casos não previstos, reconhece que o juiz pode decidi-los, segundo sua livre apreciação, quando entender que a aplicação da ordem jurídica vigente, conforme sua concepção ético-política, é insatisfatória no caso sub judice. Foi, portanto, para não aceitar a competência legislativa dos juízes e tribunais, que se construiu a ficção da existência de ´lacunas´, substituindo-se assim a razão ético-política subjetiva (a aplicação da norma geral estabelecida pelo legislador levaria a conseqüências insatisfatórias) pela razão lógico-objetiva (o direito possui lacunas, ou seja, há casos não previstos em normas gerais).

Para Kelsen, portanto, ´a existência de uma lacuna só é presumida quando a ausência de uma norma jurídica é considerada pelo órgão aplicador do direito como indesejável do ponto de vista da política jurídica e, por isso, a aplicação - logicamente possível - do direito vigente é afetada por esta razão político-jurídica, por ser considerada pelo órgão aplicador do direito como não eqüitativa ou desacertada. Porém, a aplicação da ordem jurídica vigente pode ser havida como não eqüitativa ou desacertada, não apenas quando esta não contenha uma norma geral que imponha ao demandado ou acusado uma determinada obrigação, mas também quando ela contenha uma tal norma. O fato (anterior à reforma de 1984) da ordem jurídica não conter qualquer norma que estabeleça pena para o furto de energia elétrica pode ser considerado tão iníquo ou desacertado como o fato de uma ordem jurídica conter norma que é de aplicar tanto ao roubo acompanhado de homicídio como à hipótese de um filho matar o pai que sofre de doença incurável, a pedido deste. Lacuna, no sentido de inaplicabilidade lógica do direito vigente, tampouco existe num caso como no outro´. Deveras, considerar o furto de energia elétrica, não previsto em lei, como um comportamento juridicamente permitido, é uma iniqüidade. Por isso, entender as lacunas como uma ´ficção´ permite ao juiz não aplicar tal norma, que conduziria a resultados injustos. Daí a importância do nosso art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, que, na doutrina kelseniana, funcionaria como um controle ao poder do magistrado. Convém repetir: o legislador ´recorre à ficção de que a ordem jurídica vigente, em certos casos, não pode ser aplicada - não por uma razão ético-política subjetiva, mas por uma razão lógico-objetiva - de que o juiz somente pode fazer de legislador quando o direito apresentar uma lacuna´, tendendo, com isso, a limitar a hipertrofia da função judicial.

Admitindo, assim, a existência de lacunas axiológicas ou políticas, no caso de um comportamento proibido pelo sistema, mas desejável, por razões de política jurídica, pelo juiz que passará a aceitá-lo, propondo uma outra norma que o tornasse permitido; ou na hipótese de uma conduta regulada negativamente, sendo permitida, mas que, por razões políticas, o magistrado julgue que deva ser regulado de modo positivo"(10).

Quanto à Carlos Cossio, por entender que o Direito não é a norma, mas sim a conduta humana em sua interferência intersubjetiva relacionada a valores, não haveria que se falar em lacunas ontológicas no sistema jurídico, eis que o mesmo consistiria num "contínuo de licitudes e descontínuo de ilicitudes", estando toda conduta humana regulada pelo Direito, pelo que o exato entendimento da interpretação jurídica não é o da análise da norma, mas sim da conduta (esta sim seu objeto de estudo, através da norma ou mediante a norma).

Desta forma, enunciando o princípio ontológico já adredemente apontado (tudo que não está juridicamente proibido, está juridicamente permitido), Cossio acredita resolver o problema lógico da plenitude hermética da ordem jurídica, eis que a própria conduta do juiz é direito, haja vista estar também normada.

Lembrando, novamente, Maria Helena Diniz, a "lacuna da lei, para a Egologia, é atinente à interpretação, pretendendo evitar que a lei se projete no domínio do absurdo, enquanto a lacuna do direito refere-se a uma solução injusta, como a regulamentação da propriedade segundo o Código de Napoleão, chamada a reger o problema da eletricidade. Carlos Cossio não admite a coexistência de duas plenitudes; apenas existem problemas estimativos que se apresentam, não como dois elementos distintos, mas independentes"(11).

Os partidários de tal corrente, portanto, descartam somente a existência de lacunas ontológicas, aceitando, porém, a possibilidade de lacunas axiológicas, pois há hipóteses em que o modo como alguma relação está regulada pode ser tal que, à maneira como atualmente a comunidade está vivenciando os valores jurídicos, esse modo de regular possa parecer injusto (o que é, evidentemente, uma questão de valor).

Neste aspecto, vale a pena transcrever as lições de Antônio Luís Machado Neto, um dos maiores estudiosos brasileiros do Egologismo, para quem "há casos em que a lei proporciona ao juiz apenas um critério ou orientação geral, tais os critérios de boa-fé, bons costumes, atentado ao pudor, etc., em que o julgador terá de completar o sentido da norma através do preenchimento do contéudo concreto que a comunidade, atualmente, atribui a tais conceitos genéricos.

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Outros casos há, que, embora possam estar incluídos no conceito geral de lacunas axiológicas, têm caráter especial. Tais são, por exemplo, quando a norma é omissa, seja porque o problema, ao sobrevir a lei, não estava bastante amadurecido, seja porque a solução não foi prevista, seja porque a questão não foi praticamente suscitada até a superveniência da norma.

Um caso análogo é quando a norma existente manifesta-se inaplicável por abranger casos ou conseqüências que o legislador não teria contemplado se uma coisa ou outra houvesse conhecido. Lacunas axiológicas, mais uma vez; pois, não há negar, que logicamente a matéria estava regulada, embora dessa forma insuficiente e vivenciada como injusta."(12)

Nestes casos, caracterizados pelos defensores desta corrente como lacunas axiológicas, caberia ao intérprete e, especialmente, ao julgador, a tarefa de integrar a norma, integração esta que se daria, principalmente, pela analogia, mas também pelos princípios gerais do direito e pela eqüidade;

3.2. Corrente da incompletude aberta do Direito

A outra corrente, que defende a existência de lacunas no ordenamento jurídico, cujo maior expoente brasileiro é o Prof. Miguel Reale, revela o direito como uma realidade complexa, contendo diversas dimensões, não somente normativas, mas também fáticas e axiológicas, surgindo um critério de avaliação em que "os fatos e as situações jurídicas devem ser entendidos como um entrelaçamento entre a realidade viva e as significações do direito, no sentido de que ambas se prendem uma a outra"(13).

Este posicionamento nega o princípio ontológico do Direito ("Tudo que não está juridicamente proibido, está juridicamente permitido), proposto por Carlos Cossio, porque, segundo o entendimento da Professora Maria Helena Diniz, "esse princípio não constitui uma norma jurídico-positiva, não conferindo, portanto, direitos e obrigações a ninguém, sendo, assim, um mero enunciado lógico, inferido da análise do sistema normativo. Considerado sob o prisma da linguagem, seria uma metalinguagem, porquanto se dirige à linguagem-objeto, sendo, nesse sentido, uma proposição descritiva, formal ou lógica, isto é, analítica, posto que não se refere ao mundo fático." Desta forma, conclui a ilustre jurista, isto "vem a comprovar, uma vez mais, a falta de normatividade do referido dogma. Com isso, essas teorias fracassam no empenho de sustentar que todo o sistema jurídico é uno, completo, independente e sem lacunas, pois concebem o direito sob uma perspectiva estática"(14).

Sob esta ótica, o sistema normativo é dinâmico e aberto, havendo, portanto, possibilidades para a existência das lacunas, pois é impossível para o legislador prever todas as hipóteses fáticas de aplicabilidade da norma, não havendo solução expressa neste caso.

Diante deste posicionamento, cabe ao intérprete da norma suprir este "vazio normativo", valendo-se de regras de interpretação, integração e aplicação das normas, socorrendo-se de meios supletivos, a saber, a analogia, o costume, os princípios gerais de direito e, o que nos interessa, a eqüidade.

Sem tomar uma posição definitiva acerca do acertamento de um ou outro posicionamento, vale a pena ressaltar que a equidade, em ambas as correntes descritas, tem, portanto, uma função bastante importante no estudo da hermenêutica jurídica (aplicação, interpretação e integração das normas), como veremos no próximo ponto:


4. A equidade na hermenêutica jurídica (aplicação, interpretação e integração das normas)

Como já vimos no tópico anterior, a hermenêutica jurídica implica em diversas regras de interpretação, integração e aplicação das normas, em que são utilizados, como meios supletivos, a analogia, o costume, os princípios gerais de direito e a eqüidade

Por não se tratarem de objeto do presente estudo, não abordaremos os demais meios supletivos, limitando-nos à discussão e análise acerca da eqüidade.

Voltando ao que foi exposto no primeiro tópico deste estudo, vemos que a eqüidade pode ser definida como "igualdade, retidão, equanimidade", ou seja, a eqüidade, no seu sentido original, equivale à própria noção de justiça, vale dizer, o ideal a ser atingido tanto pelo legislador, quanto pela aplicador da norma, pois não há como se conceber, do ponto de vista lógico, um direito injusto.

Desta forma, a eqüidade não é somente um simples método ou técnica de interpretação, mas sim um pressuposto lógico da atividade interpretativa, haja vista que, se a finalidade do Direito é a realização concreta da Justiça, toda interpretação de suas normas deve respeitar esse fundamento teleológico (isto é, ser eqüitativa, tender para o justo).

Lembrando, novamente, o primoroso artigo de Wagner D. Giglio, "não é livre o julgador para, fazendo abstração de métodos e técnicas, descumprindo preceitos legais que os impõem, interpretar normas jurídicas por eqüidade, baseado exclusivamente em sua noção intuitiva e subjetiva do que seja justo; deve, isto sim, pautar sua pesquisa naqueles métodos e técnicas para apreender, dentro da mais rigorosa lógica jurídica, a finalidade do preceito legal, a sua razão de ser precípua, o seu objetivo último, ou seja, interpretá-lo a partir do pressuposto fundamental de que toda a norma jurídica tende à justa composição das relações sociais. A isto chamamos, por amor à síntese, interpretar com eqüidade."(15)

Em outras palavras, devemos ter em mente que há uma distinção básica entre o que seja decidir por eqüidade e decidir com eqüidade: no primeiro caso, o julgador está livre de quaisquer "amarras técnicas" para decidir o caso apresentado para sua apreciação, enquanto, no segundo caso, trata-se de uma característica de todo o julgador que se propõe a decidir com justiça (conceito subjetivo - é verdade - porém, universal).

Mas - pergunta um leitor mais crítico - isto não seria apenas um mero jogo de palavras, sem nenhuma aplicabilidade prática?

De modo algum - respondemos - e provaremos isto analisando, separadamente, hipóteses legais concretas de decisão somente por eqüidade, como veremos a seguir:

4.1. Hipóteses legais de decisão por eqüidade:

Existem, no vigente ordenamento jurídico brasileiro, diversas hipóteses legais de decisão por eqüidade.

Entre elas, podemos elencar, por exemplo, a previsão do art. 20 do Código de Processo Civil, no que diz respeito à fixação de honorários nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, nas em que não houver condenação ou em qeu for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas ou não, em que se delega ao prudente arbítrio do julgador a estipulação do quantum debeatur.

Outra hipótese é a constante do art. 1.075, IV, que prevê expressamente, quando da estipulação de um juízo arbitral, que o compromisso poderá conter "a autorização aos árbitros para julgarem por eqüidade, fora das regras e formas de direito".

Clarríssima, ainda, é a hipótese do art. 1.109, que diz, que nos procedimentos de jurisdição voluntária, o "juiz decidirá o pedido no prazo de 10 (dez) dias; não é. porém, obrigado a observar critério de legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução que reputar mais conveniente ou oportuna." (grifos nossos)

Em todos estes casos, é facultado expressamente que o julgador pode valer-se de seus próprios critérios de justiça, quando vai decidir, não estando adstrito às regras ou métodos de interpretação pré-estabelecidos.

Podemos, inclusive, afirmar que, nesta oportunidade, o julgador deixa de ser juiz - aplicador de regras estatais rígidas - para ser árbitro (que é diferente de arbitrário - ressalte-se), vinculado somente à sua consciência e percepção da justiça, naquele caso concreto, segundo sua própria racionalização do problema.

Conforme ensina Tércio Sampaio Ferraz, o "juízo por eqüidade, na falta de norma positiva, é o recurso a uma espécie de intuição, no concreto, das exigências da justiça enquanto igualdade proporcional. O intérprete deve, porém, sempre buscar uma racionalização desta intuição, mediante uma análise das considerações práticas dos efeitos presumíveis das soluções encontradas, o que exige juízos empíricos e de valor, os quais aparecem fundidos na expressão juízo por eqüidade."(16)

Reconhecidos tais exemplos como de juízo por equidade, vejamos, agora, a questão da utilização da equidade como meio supletivo para suprir eventuais lacunas do Direito:

4.2. A eqüidade como meio supletivo de interpretação e integração das normas:

Conforme ensina Luís Recaséns Siches, "El problema de la equidad no es propiamente el de "corregir la ley" al aplicarla a determinados casos particulares. Nos se trata de "corregir la ley". Se trata de otra cosa: se trata de "interpretarla razonablemente" (...) "Es un dislate enorme pensar em la posibilidad de una interpretación literal. Uno puede comprender que a algunos legisladores, imbuidos por una embriaguez de poder, se les haya ocurrido ordenar tal interpretación. Lo cual, por otra parte, resulta por completo irrelevante, carece de toda consecuencia jurídica, porque el legislador, por absolutos que sean los poderes que se le hayan conferido, no puede en ningún caso definir sobre el método de interpretación de sus mandatos. El legislador podrá ordenar la conducta que considere justa, conveniente y oportuna, mediante normas generales. A esto es lo que se pueden extender sus poderes. Em cambio, esencial y necessariamente está fuera de su poder el definir y regular algo que no cabe jamás incluir dentro del concepto de legislación: el regular el método de interpretación de las normas generales que él emite. Pero, en fin, a veces, los legisladores, embriagados de petulancia, sueñan en lo imposible. La cosa no tiene, no debiera tener practicamente ninguna importancia, porque se trata de um ensueño, sin sentido, al que ningún juez sensato puede ocurrirsele prestar atención. (...) Ahora bien, es sabido que las palabras cobran sua auténtico sentido solo dentro de dos contextos: dentro del contexto de la frase, pero sobre todo dentro del contexto real al que la frase se refire, es decir con referencia a la situación y a la intencionalidad mentadas em la frase"(17)

Floriano Correa Vaz da Silva, em elucidativo trabalho específico sobre a equidade, busca sintetizar o pensamento de Recaséns Siches da seguinte maneira: "equidade não é apenas um dos meios de interpretação, mas sim o meio de interpretação, aquele que engloba e sintetiza e permeia todos os meios de interpretação, aquele que constitui - ou deve constituir - o único meio de interpretação, não apenas do direito do trabalho, mas de todos os ramos do direito, de todo o direito." (...) "Recaséns Siches entende que, mesmo sendo a lógica tradicional um instrumento indispensável para criar a norma individualizada da sentença do Direito, não é a mesma suficiente ao trabalho do jurista. Para compreender e interpretar de modo justo o conteúdo das disposições jurídicas, para criar a norma individualizada da sentença judicial ou da decisão administrativa, para elaborar as leis, para interpretar as leis em relação com os casos concretos e singulares, é necessário exercitar "el logos de lo humano, la lógica de lo razonable y de la razón vital e histórica(18)

Desta forma, podemos entender que a eqüidade significa, para o brilhante jusfilósofo espanhol, radicado no México, a busca da interpretação mais razoável da norma para o caso em apreciação.

Baseado neste raciocínio, podemos afirmar que, quando o jurista se defronta com uma lacuna do direito, seja ela axiológica (para os que defendem a plenitude hermética do sistema jurídica), seja ela ontológica (para os que professam o direito como um sistema aberto e dinâmico), deve a mesma ser suprida através dum processo de integração da norma, que pode se dar, como já vimos, pela utilização, como meios supletivos, da analogia, do costume, dos princípios gerais de direito e, finalmente, da eqüidade.

Conforme ensina a Professora Maria Helena Diniz, pela "eqüidade ponderam-se, compreendem-se e estimam-se os resultados práticos que a aplicação da norma produziria em determinadas situações fáticas. Se o resultado prático concorda com as valorações que inspiram a norma, em que se funda, tal norma deverá ser aplicada. Se, ao contrário, a norma aplicável a um caso singular produzir efeitos que viriam a contradizer as valorações, conforme as quais se modela a ordem jurídica, então, indubitavelmente, tal norma não deve ser aplicada a esse caso concreto. (...) A eqüidade seria uma válvula de segurança que possibilita aliviar a tensão e antinomia entre a norma e a realidade, a revolta dos fatos contra os códigos."(19)

Desta forma, quando houver a contradição entre a norma posta expressamente e a realidade, gerando uma lacuna ou antinomia, pode a eqüidade ser utilizada de forma a encontrar o equilíbrio entre a norma, o fato e o valor, aplicando o direito ao caso concreto.

Não se trata, entretanto, de se (re)inventar o direito, mas sim de adequar a norma - a letra fria da lei - à realidade regulada, de acordo com os valores da sociedade e as regras e métodos de interpretação.

Após esta exposição, e visando esclarecer eventuais dúvidas, podemos classificar, segundo nosso posicionamento e dos ilustres juristas mencionados, as decisões que se valem da eqüidade de 03 (três) formas distintas:

a) Decisão com eqüidade: é toda decisão que se pretende estar de acordo com o direito, enquanto ideal supremo de justiça;

b) Decisão por eqüidade: é toda decisão que tem por base a consciência e percepção de justiça do julgador, que não precisa estar preso a regras de direito positivo e métodos pré-estabelecidos de interpretação;

c) Decisão utilizando-se a eqüidade como meio supletivo de integração e interpretação de normas: é toda decisão proferida no sentido de encontrar o equilíbrio entre norma, fato e valor (aplicação do direito ao caso concreto), na hipótese de constatação de uma contradição entre a norma posta e a realidade, gerando uma lacuna;

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Sobre o autor
Rodolfo Pamplona Filho

juiz do Trabalho na Bahia, professor titular de Direito Civil e Direito Processual do Trabalho da Universidade Salvador (UNIFACS), coordenador do Curso de Especialização Lato Sensu em Direito Civil da UNIFACS, mestre e doutor em Direito do Trabalho pela PUC/SP, especialista em Direito Civil pela Fundação Faculdade de Direito da Bahia

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAMPLONA FILHO, Rodolfo. A eqüidade no Direito do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2026. Acesso em: 12 out. 2024.

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