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As políticas de drogas do Brasil e da Holanda.

Experiências comparadas e a perspectiva de mudança

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EXPERIÊNCIAS COMPARADAS E A PERSPECTIVA DE MUDANÇA

É notável a presença cada vez maior das drogas na comunidade internacional. Seus efeitos nocivos têm sido progressivamente evidenciados na perturbação da ordem pública, na criminalidade urbana, na saúde pública e em todos os extratos sociais. Várias são as iniciativas governamentais para lidar com o problema. A análise das medidas e leis sobre drogas no Brasil e na Holanda mostram o quanto as políticas desses dois países diferenciaram-se no decorrer da história.

Dentre as diversas formas pelas quais se busca entender e aprimorar a política nacional sobre drogas, este trabalho pretende usar o Direito comparado como meio de estabelecer uma crítica construtiva a respeito da legislação nacional sobre esse assunto.

A comparação permite também uma melhor compreensão do fenômeno jurídico nas suas particularidades e generalidades, além de permitir, pela verificação de bons resultados num país, a adoção de instituto semelhante no direito interno ou de igual tratamento legal de determinada matéria. [12]

A política holandesa, em se tratando de drogas, mostra-se mais inovadora, flexível e apta a perceber a complexidade constitutiva do uso de substâncias entorpecentes. Essa é exatamente uma das críticas feitas à política brasileira: há simplificação no tratamento legal dessas substâncias. Não há distinção, no Brasil, entre drogas leves e pesadas, ou entre traficantes de grandes quantidades e os chamados "mulas", que traficam poucos gramas.

Em um estudo conduzido pelas pesquisadoras Luciana Boiteux (UFRJ) e Ela Wiecko de Castilho (UnB) é evidenciada essa simplificação de tratamento entre pequenos e grandes traficantes. As autoras mostram que alguns dos critérios que a lei usa para a diminuição da pena podem ser subjetivos e influenciados por preconceitos e estereótipos dos juízes. "A aplicação da causa de diminuição de pena é restrita aos réus primários, de bons antecedentes, que não se dediquem às atividades criminosas nem integrem organização criminosa" (BOITEUX; CASTILHO, 2009, p. 101). Segundo Boiteux e Castilho, os dois primeiros critérios de redução de pena são objetivos e aferíveis. O problema, porém, está nos dois últimos. Não existe um conceito definido de dedicação às atividades criminosas nem de integração à organização criminosa. Nesse aspecto, entra a mencionada possibilidade de um julgamento subjetivo.

A resistência de aplicação advém não somente de fundamentos dogmáticos (materiais e processuais), mas também da conjugação, de um lado, da ausência de parâmetros objetivos de aferição dos requisitos da minorante – deficiência legislativa – e, de outro, da persistência de uma visão preconceituosa, inadequada e estereotipada, do traficante de drogas. [13]

Como dito, a lei brasileira prescinde, também, da distinção entre drogas leves e pesadas. Essa diferenciação, presente na lei holandesa de maneira clara, permite que se julgue de forma menos simplista tanto usuários quanto traficantes. Isso é essencial já que, como os danos causados por essas drogas são diferentes, as atitudes do governo também devem sê-lo. Pode-se ilustrar esse fato, por exemplo, com a diferença da potencialidade de dano entre uma pessoa que porta uma faca e uma que porta uma metralhadora. Na Holanda, as drogas do gênero cannabis, como maconha e haxixe, são consideradas drogas leves, já que seus danos são menores, enquanto que drogas como heroína e cocaína são consideradas pesadas, já que podem causar danos mais expressivos.

Prevendo em lei as diferenças explicitadas, o governo holandês torna-se capaz de se dirigir a cada tipo de usuário de uma maneira melhor. Um exemplo é o caso da permissão da venda de pequenas quantidades de maconha em coffee shops, e da liberação da posse de até 5 gramas para uso pessoal. Em contrapartida, mesmo os dependentes de drogas pesadas, cuja venda é proibida, recebem a atenção do governo por meio de políticas que visam à redução de danos, como a testagem de pílulas de ecstasy. Como não há tal diferenciação na lei brasileira, usuários de maconha e de crack são tratados, legalmente, da mesma forma, o que simplifica o problema e dificulta uma abordagem mais eficiente.

No Brasil, também há carência de políticas que visem à redução de prejuízos imediatos causados pelo uso dessas substâncias. Por mais que, por exemplo, exista a troca de seringas na rede pública de saúde brasileira, inclusive em certas penitenciárias, a legislação de drogas holandesa mostra-se mais avançada nesse quesito. Ela reconhece que o uso de drogas pesadas é uma realidade, e o enfrenta por meio de medidas como a implantação de salas de uso, testagem de pílulas e prescrição médica de heroína, reduzindo danos à sociedade e ao próprio usuário. Essas são algumas políticas que, mediante adaptações, poderiam ser adotadas no Brasil.

Apesar das críticas à política brasileira, ela apresenta vários aspectos positivos e, em alguns casos, similares ou até mais desenvolvidos que a legislação holandesa. Os dois países, por exemplo, possuem um sistema de informação telefônico sobre drogas, que auxilia a população interessada no assunto. Além disso, ambas as políticas sobre o uso de entorpecentes são voltadas, fundamentalmente, para a realidade dos usuários. Isso fica claro na democratização do processo de criação, em 2006, da nova lei brasileira sobre drogas e no esquema bottom-up holandês (da base para o topo, quer dizer, as políticas consideram, primeiramente, o dependente).

Outro aspecto que mostra o avanço das políticas do Brasil é o reconhecimento da grande chance de ineficácia dos tratamentos compulsórios, ou seja, na lei brasileira, diferentemente da holandesa, esse tipo de tratamento não é mais usado pelo governo. Cabe ressaltar, também, que na lei brasileira a figura do financiador do tráfico é prevista desde a reformulação de 2006.

Com a nova incriminação, percebemos uma exceção pluralista à teoria monista (art. 29 do CP), agora se punindo duas pessoas, que concorrem para o mesmo crime, com penas diversas (o traficante, pelo art. 33 ou 34; e o que sustenta o crime, pelo art. 36). [14]

Apesar de, algumas vezes, neste trabalho, ter sido tomada por base a política holandesa sobre drogas, vale destacar que ela também apresenta fragilidades. Muitos problemas são enfrentados pelos holandeses, a exemplo da grande produção de ectasy, das fontes desconhecidas de suprimento de drogas nas coffee shops e do turismo de drogas. Esse tipo de turismo, em especial, é um grande problema, o que justifica o fato de não existirem coffee shops em diversas cidades fronteiriças da Holanda.

Outro problema é a crítica internacional à política liberal holandesa. Muitos países não concordam com, por exemplo, a legalização da cannabis, mesmo que em condições restritas. Na União Europeia, a crítica é grande, já que outros países veem a legislação holandesa, nesse e em outros aspectos, como um fator que dificulta a promulgação de uma constituição única. A Holanda responde mostrando que o problema das drogas é levado muito a sério e que, na atualidade, necessita-se de uma política sobre o assunto que seja pragmática e flexível, com soluções inovadoras. O país prova, com dados de pesquisas, que o uso de maconha, por exemplo, não foi aumentado e é, inclusive, menor que em outros países europeus. Além disso, ressalta a importância e eficácia do programa de redução de danos, que já salvou muitas vidas.


CONCLUSÃO

O Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa define droga como "medicamento ou substância entorpecente, alucinógena, excitante, etc. (como, p. ex., a maconha, a cocaína), ingeridos, em geral, com o fito de alterar transitoriamente a personalidade." A análise de como essas substâncias são tratadas pelo Brasil e pela Holanda foi o objetivo deste trabalho. Uma rápida perspectiva histórica e um aprofundamento maior da legislação atual de cada país permitiram que uma comparação fosse feita e que se entendessem os pontos fortes e fracos de cada uma das políticas.

A legislação brasileira seguiu as tendências internacionais quando teve que formular suas leis sobre drogas. Iniciou com restrições a algumas substâncias e atingiu o ápice de proibição e da punição do usuário com a lei 6368/1976. Uma mudança radical, porém, aconteceu em 2006. A legislação, mais moderna, avançada, tentou entender a nova sociedade e mudou a forma de o Estado tratar as drogas. Agora, por exemplo, portar drogas para uso próprio não é crime passível de ser punido com privação de liberdade.

A Holanda seguiu caminhos diversos para tratar do mesmo problema. Iniciou seu histórico de leis sobre drogas de maneira conturbada: o país foi, de certa forma, obrigado a proibir o comércio de ópio, esse que, à época, ainda lhe trazia lucros. Em 1976, porém, inova ao promulgar a atual lei de drogas que, apesar da idade, continua adequada à sociedade holandesa. A lei separa drogas pesadas e leves e, assim, trata diferentemente maconha e cocaína, por exemplo. Busca ser mais branda com as drogas leves, permitindo, inclusive, sua venda. Restringe ao máximo as drogas pesadas, porém reconhece que elas existem e, por isso, protege o usuário dos danos que ele pode gerar a si mesmo e à sociedade. Para isso, faz uso da testagem de pílulas, da prescrição de heroína, das salas de uso, entre outros.

Percebe-se a maneira diferente como cada país decidiu lidar com a questão das drogas. Existe, porém, uma política melhor que a outra? O Brasil, certamente, pode aprender muito com a Holanda, por exemplo, na separação entre drogas leves e pesadas. Não há, no entanto, uma supremacia holandesa, mas sim aspectos a serem aprendidos com a política daquele país. Algumas atitudes liberais da Holanda cabem sim à legislação brasileira, entretanto é claro que uma implantação imediata não faria sentido. É necessária que seja despertada na sociedade a visão de que, por exemplo, o Estado pode permitir a venda de maconha. Não há, em grande escala, manifestações populares organizadas para que ocorra uma maior liberalização. Além disso, é imprescindível que o governo crie uma estrutura que garanta a segurança do usuário e o respeito à ordem pública, estabelecendo de onde viriam as drogas legais, em quais estabelecimentos essas poderiam ser vendidas, melhorando e ampliando a rede pública de saúde para tratamento de dependentes, entre outros. Essa perspectiva de aprimoramento e avanço, e todos os questionamentos colocados a partir da experiência com o Direito comparado, são essenciais na discussão constante sobre o grande problema das drogas e sobre as medidas mais eficientes para enfrentá-lo.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BRANCO; A. P. U. A.; DUARTE, P. C. A. V.. Legislação Brasileira Sobre Drogas. In: Legislação e Políticas Públicas Sobre Drogas no Brasil. Brasília, 2010, p. 27.

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BRASIL, Lei n.º 11.343, de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. Diário Oficial da União de 24 de agosto de 2006.

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DOLIN, Benjamin. National Drug Policy: The Netherlands. Prepared For The Senate Special Committee On Illegal Drugs. Canadá, 2001.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2ª edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

GOMES, Luiz Flávio. Lei de Drogas Comentada: Lei 11.343, de 23.08.2006. 2ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

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Notas

  1. TAVARES, 2006, p. 79.
  2. RODRIGUES, 2004, p.07.
  3. BRANCO; DUARTE, 2010, p. 27.
  4. Em 2008, o nome da Secretaria Nacional Antidrogas foi alterado para Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas.
  5. Tradução livre dos autores Borges e Duarte de: In the middle of the 19th century […] the use of opiates was not yet taboo. The different remedies were readily available and cheap.
  6. Tradução livre dos autores Borges e Duarte de: Until well into the 20th century, the profits from opium were too substantial to permit any form of general prohibition.
  7. COHEN, 2004, p.03. Tradução livre dos autores Borges e Duarte de: The basic assumption underlying this concept is that one kind of drug user (of e.g. heroin) will 'contaminate' another kind of drug user (of e.g. cannabis) when the two kinds of drug use are forced into one marginalised user sub culture […].
  8. Tradução livre dos autores Borges e Duarte de: This programme is currently being used by 64-73% of Dutch secondary schools and it is estimated that at least 350000 high school students receive this intervention each year.
  9. VAN AMEIJDEN, 1992, 236-242. Tradução livre dos autores Borges e Duarte de: One of the program's objectives was harm reduction. This approach recognizes that many drug users fail to abstain totally, and it tries to reduce the risk that injection drug users pose to themselves and others.
  10. BUNING; COUTINHO; VAN BRUSSEL, 1986; 1:1435. Tradução livre dos autores Borges e Duarte de: A second objective was to provide anonymous, accessible service, which has become part of a low-threshold approach.
  11. BERRIDGE, 2009, p. 820. Tradução livre dos autores Borges e Duarte de: The prescription of heroin is now recognized in some European countries as the optimal treatment for patients for whom options are running out and in whom methadone maintenance has not worked, and it keeps the user in contact with drug services.
  12. POLETTI, 1996, p. 45.
  13. BOITEUX; CASTILHO, 2009, p. 105
  14. GOMES, 2007, p. 208
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Sobre os autores
Arthur Vieira Duarte

Graduando em Direito pela Universidade de Brasília. Assistente Técnico da Superintendência-Geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica.

Frederico Alencar Monteiro Borges

Graduando em Direito pela Universidade de Brasília - UnB.Estagiário do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios - TJDFT

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DUARTE, Arthur Vieira ; BORGES, Frederico Alencar Monteiro. As políticas de drogas do Brasil e da Holanda.: Experiências comparadas e a perspectiva de mudança. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3037, 25 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20286. Acesso em: 22 nov. 2024.

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