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União estável e seus efeitos criminais

01/10/2001 às 00:00
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Sumário- 1- Introdução ; 2- Dos Dispositivos Atingidos; 3-Das Condições de Aplicação; 4- da Prescrição; 5- Da Presunção de Violência ; 6-Conclusões


1-INTRODUÇÃO

A partir da promulgação da Carta Constitucional de 1988, a relação estável entre duas pessoas do sexo oposto passou a ser reconhecida como entidade familiar com iguais direitos e obrigações ao casamento. Busca-se com este artigo esclarecer alguns pontos na tentativa de contribuir com a compreensão do assunto , tão recente quanto útil às pessoas que estão diretamente preocupadas com o estudo do mesmo.

Consubstancia-se não só na caracterização do objeto de estudo como na coletânea de aspectos legais e jurisprudenciais que acessamos com destaque para o art 226 da CF,apresentando ao final nosso posicionamento sobre o assunto .

Embora pouco tenha se discutido acerca desta situação diversas implicações existem na seara do Direito Penal, repercussões estas em relação ao casamento e consequentemente é de se verificar sua aplicação a novel legislação.

Segundo Pinto Ferreira "União Estável é a união prolongada do homem com a mulher vivendo ou não sob o mesmo teto, sem vínculos pelos laços do casamento, revestindo-se porém, tal união, de algum requisito como a notoriedade, fidelidade da mulher e continuidade do relacionamento sexual".

Guardadas as ressalvas ao conceito no tocante à exclusiva obrigatoriedade de fidelidade da concubina pode-se chegar à idéia que este conceito de forma mais abrangente é o mesmo art. 226 da Constituição Federal :

"In Verbis"

Art. 226.

§ 3º. Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

É digno de observação que sob a denominação de União Estável o instituto jurídico que efetivamente ingressou no ordenamento jurídico pátrio com a promulgação da Constituição Federal de 5 de outubro de 1988, foi o concubinato modificado gramaticalmente mas com suas características anteriores.

Comenta Manoel Gonçalves Ferreira Filho (in Comentários à Constituição Brasileira de 1988, São Paulo, Ed. Saraiva, 1995, pág. 108):

"A Constituição de 1988 é a primeira no Brasil a reconhecer a ´união estável entre o homem e a mulher´ como sendo ´entidade familiar ´. Isso significa que tal união passa a ser considerada como família e assim goze da proteção que a esta der o Estado."

Rodrigo da Cunha Pereira (in Mais um estatuto para a união estável, Belo Horizonte, Jornal do Advogado, OAB-MG, abril de 1997, pág 4) também consigna:

"A família, na contemporaneidade, não é mais singular. É plural. Ela apresenta-se hoje de diversas formas. A CF/ 88, absorvendo estas novas concepções, expressou em seu artigo 226 as diversas formas de constituição de família, casamento, união estável e as famílias mono parentais, isto é, formadas por qualquer dos pais e seus descendentes."

O eminente Juiz de Direito Euclides Benedito de Oliveira, do 2º Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, enclarece (in Nova Regulamentação da União Estável Inovações da Lei 9.278/96, Tribuna da Magistratura, "caderno de doutrina", Associação Pau1ista de Magistrados, junho de 1996, pág. 20):

"A família se constitui não só pelo casamento, mas, também, pela união estável entre homem e mulher. Formal ou informal, com ou sem laços oficiais, é sempre entidade familiar, digna da proteção do Estado. É como dispõe a Constituição Federal de 1988, no seu artigo 226, § 3. Em que constitui essa proteção? Genericamente, pode-se dizer que devem ser estendidas aos participantes da união estável, os antigos concubinos, hoje chamados de ´companheiros´, os mesmos direitos básicos garantidos às pessoas casadas, nos aspectos pessoais -de mútua assistência, criação e educação de filhos como nos aspectos patrimoniais - divisão de bens e de direito à sucessão por morte." Finalmente completamos que entre os direitos garantidos estendem-se inclusive nos aspectos penais .

No dia 13.05.1996 foi publicada no DOU, Seção I, a L. 9.278/96, regulando o § 3º do art. 226 da Carta Magna. Trata a mencionada lei de questão de fundamental importância nos relacionamentos interpessoais conforme o novo dispositivo legal , uma vez que estabelece as circunstâncias para reconhecimento da união estável entre aqueles que não sejam ligados pelos laços matrimoniais .

Estipula o art. 1º da mencionada Lei; " É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família."

O casamento por sua vez " na terminologia jurídica , designa o contrato solene que, gerando a sociedade conjugal ou formando a união legítima entre o homem e a mulher, vem estabelecer os deveres e obrigações recíprocas, que se atribuem a cada um dos cônjuges, seja uma relação a eles, considerando em si, seja em relação aos filhos que se possam gerar desta união."

Assim sendo, resta observar os efeitos do casamento na interpretação de dispositivos do Código Penal nas relações de licitude excepcional e isenção de culpabilidade.

Contudo é de bom alvitre antes de partirmos para esta análise, observarmos a faculdade do juiz em aplicar a analogia a teor do que preconiza o art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil ( Dec. Lei 4657/42):

"In Verbis"

Art. 4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

Assim sendo, resta facultado ao juiz a interpretação analógica da lei ao caso concreto, quando esta interpretação venha de alguma forma favorecer ao réu, "In bonnam parte", cumprindo se mensurar quais os casos que esta interpretação efetivamente atende aos interesses do acusado.


2- DOS DISPOSITIVOS ATINGIDOS:

Recorrendo-se à Hermenêutica , a interpretação anterior deve ser vista à luz dos dispositivos abaixo transcritos como atinentes à matéria restando identificar de fato em quais deve ser aplicada a interpretação analógica como forma de realizar justiça :

Na Parte Geral identificamos entre as circunstâncias agravantes :

" Art. 61.....

II - ter o agente cometido o crime:

e) contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge;"

Em assim concebendo não se aplicam os dispositivos em comento porquanto não se admite interpretação extensiva com evidente prejuízo ao agente.

Dando seguimento a análise, identificamos no TÍTULO VIII, referente a EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE, especialmente nos incisos VI e VII do art. 107 o seguinte :

" Extingue-se a punibilidade:

VII - pelo casamento do agente com a vítima, nos crimes contra os costumes, definidos nos Capítulos I, II e III do Título VI da Parte Especial deste Código;

VIII - pelo casamento da vítima com terceiro, nos crimes referidos no inciso anterior, se cometidos sem violência real ou grave ameaça e desde que a ofendida não requeira o prosseguimento do inquérito policial ou da ação penal no prazo de 60 (sessenta) dias a contar da celebração;"

Nestas duas hipóteses é de se aplicar a extinção da punibilidade , isto porque:

As causas extintivas de punibilidade acima descritas, fazem menção ao casamento da vítima como requisito para a extinção da punibilidade nos crimes praticados sem violência ou grave ameaça. Considerando esta assertiva questionamos: Os efeitos de extinção da punibilidade são extensivos aos concubinos e/ou conviventes em União Estável ?

Ora se a lei maior, secundada pela legislação ordinária , já se manifestaram no sentido de equiparar as mencionadas uniões estáveis ao casamento, não há como se excluir sua aplicação a esfera penal.

Respeitadas as argumentações em contrário, outro não pode ser o entendimento, considerando para isto a lacuna da previsão normativa e a semelhança significativa da matriz constitucional , entre a situação presente e a situação não regrada. É perfeitamente possível a interpretação analógica desde que favorável ao réu.

Evidentemente que numa visão atual da sociedade, não há espaço para posicionamentos de forma contrária ao reconhecimento da equiparação, posto que se à época da promulgação do Código era de se reconhecer no concubinato um desvalor social, passada esta metade de século, que corresponde a alguns séculos na história da humanidade, não existe mais espaço para negar-se a equiparação da União Estável ao Casamento.

Percorrendo a partir deste instante a Parte Especial do Código Penal, entendemos não haver mais aplicação da regra de interpretação analógica a não ser nas hipóteses de isenção de culpabilidade previstas no art. 181 e 348 do mesmo diploma, adiante comentadas :

Art. 133. Abandono de incapaz

Art. 148. Sequestro

Art. 235. Bigamia

Art. 236. Induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento .

Art. 237. Conhecimento prévio de impedimento

Art. 238. Simulação de autoridade para celebração de casamento

Art. 239. Simulação de casamento

Art. 240. Adultério

Art. 244. Abandono Material

Em todas estas hipóteses não pode nem deve ser aplicada a interpretação analógica, uma vez que passaria a transformar crimes próprios em crimes comuns e assim sendo estaria fugindo ao princípio da reserva legal.

Ficam ressalvadas as duas hipóteses abaixo transcritas, causas excludentes de culpabilidade, posto que em ambos os casos o agente beneficia-se pelo fato da norma ser aplicada de maneira analógica conforme restará patenteado:

"Art. 181. É isento de pena quem comete qualquer dos crimes previstos neste título, em prejuízo:

I - do cônjuge, na constância da sociedade conjugal"

Nesta primeira hipótese, não resta a menor dúvida de que pela natureza jurídica da União Estável, o companheiro que comete algum dos delitos contra o patrimônio, milita em seu favor a mesma presunção do individuo casado.

"Art. 348. Auxiliar a subtrair-se à ação de autoridade pública autor de crime a que é cominada pena de reclusão.

Pena - detenção, de 1 (um) a 6 (seis)meses, e multa.

§ 2º. Se quem presta o auxílio é ascendente, descendente, cônjuge ou irmão do criminoso, fica isento de pena."

Na análise destes pontos é de se observar em quais a interpretação analógica pode se beneficiar o réu, isto porque:

" nullum crimen,nulla poena sine praevia lege."

Dicção esta que está esculpida no art. 1º do Código Penal.

" Art. 1º. Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação."

Em sendo assim, cumpre observar se a norma tem ou não caráter incriminador, conforme afirma com propriedade EUCLIDES BENEDITO DE OLIVEIRA, in IOB, Jurisprudência, n. 22/97: "É preciso fazer a distinção entre normas incriminadoras e normas não incriminadoras. Aquelas que cuidam das condutas puníveis e das penas que lhe são aplicáveis. A Segunda categoria de normas estabelece excludentes da figura delituosa, atenuantes, causas de diminuição da pena ou mesmo de sua dispensa. Em face do princípio da legalidade estrita, não podem ser supridas ou suplementadas as normas penais incriminadoras, ainda que apresentem falhas ou omissões em seus descritivos. As não incriminadoras, porém, pelo seu caráter benéfico, ensejam a integração da norma por outros recursos da ciência jurídica, a fim de que se atinja o seu efetivo alcance na casuística judicial.

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São critérios de integração da norma jurídica, como prevê o artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil (igualmente aplicável ao ramo penal), a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito. Não se trata de fontes do direito, mas de instrumentos de auto-integração da lei, a fim de suprir suas eventuais falhas. Inadimissível, conforme já ressaltado, a invocação de tais recursos para redefinir crimes ou aplicar sanções não constantes expressamente do texto legal. Mas perfeitamente admissível que sirvam de meio à correta aplicação do direito punitivo em caráter benéfico, quando o texto frio da lei não seja explícito em relação a uma situação análoga..."

Isto posto, não resta dúvida que acaso a norma venha causar algum prejuízo ao réu, deve ser mitigada sua aplicação.


3- DAS CONDIÇÕES DE APLICAÇÃO

Considerando toda a problemática que se estabelece na analise destas situações, se faz necessário estabelecer as condições de aplicabilidade destes dispositivos.

A primeira conforme já foi aventado está relacionada com o benefício que a aplicação ou não do dispositivo trará ao agente.

No segundo instante para a configuração e aplicação da União Estável à esfera penal mister se faz explicitar e demonstrar de maneira convincente a existência da prova real da caracterização desta união.

A prova real consiste na demonstração de forma inbubitável e inequívoca que o agente satisfaz a todas as condições estabelecidas em lei para configuração da União, quais sejam, o lapso temporal da união, seja esta duradoura, pública e contínua, entre pessoas do sexo oposto com objetivo de constituição de família."

Afaste-se desta forma todas as condutas proibitivas restando a análise dos seguintes temas:


4-DA PRESCRIÇÃO

Para analisarmos a questão da prescrição que trata o art 107 do Codex, é de se observar que esta só poderá ser reconhecida nos crimes contra os costumes praticados sem violência ou grave ameaça, sendo necessário uma análise mais apurada da presunção de violência.


5- DA PRESUNÇÃO DE VIOLENCIA.

O Titulo VI da Parte Especial do Código Penal trata dos Crimes contra os costumes, restando o entendimento que as entrelinhas da expressão costumes, conglobam a expressão bons costumes, que " é aquela parte da moralidade pública referente as relações sexuais ".

O eminente Penalista Italiano Maggiore , in Diritto Penale, Bologna, v.2, t.2, p.541, pontificou que : " Moralidade Pública é a consciência de um povo em um determinado momento histórico: e precisamente o seu modo de entender e distinguir o bem e o mal, o honesto e o desonesto."

No mesmo título, outro aspecto a ser observado é a presunção de violência de que trata o art. 224 do Código Penal, posto que presume-se a violência, quando o agente pratica: " ato constrangedor, irresistível, o qual torna a vítima, por suas características físicas e psíquicas, vulnerável, submissa, subjugada, pelo agente".

Considerando-se que a promulgação do Código Penal data dos idos de 1.940, onde os conceitos de pureza, virgindade e casamento eram considerados de estrema importância e se fazia necessário proteger a inocência das adolescentes em uma época de educação repressora da sexualidade. Naquele momento histórico, em meio a segunda grande guerra, o legislador pretendeu proteger as jovens ingênuas e sonhadoras, prisioneiras dos mitos do amor e ignorantes das nuances da sexualidade.

Contudo passada esta metade de século, quando já é possível "Clonar" animais, instante que determina avanços jamais vistos na história da humanidade, na atualidade, a mulher, pós anos sessenta e sob a influência da revolução sexual, avançou em muito nas questões da sexualidade.

Os meios de comunicação, até mesmo pelos avanços tecnológicos, são responsáveis pela divulgação maciça de informações, mormente apelativas, que contribuem para aflorar cada vez mais cedo os instintos sexuais, já tão prematuros, não estabelecendo qualquer tipo de censura ou critério para filtrar o conteúdo das mensagens repassadas para a sociedade, fazendo com que, as adolescentes cedam cada vez mais cedo aos jogos sexuais impostos por uma mídia sem freios e sem limites.

Em magnânime decisão o Magistrado Baiano Carlos Roberto Santos Araújo, Juiz da Vara Criminal Distrital de Periperi), julgando o processo 1975/92, no qual figura como autora a Justiça Pública e réu C. N. da S., assim fundamentou sua sentença: "Neste feito ficou demonstrado ser a vítima menor de quatorze anos, o que induz presunção de violência, segundo o artigo 224, letra a, do Código Penal. Ficou também demomonstrado haver réu mantido com ela conjunção carnal. Presumida a violência, demonstrada a conjunção, estaríamos em frente do crime de estrupo, na forma do artigo 213, do citado diploma legal. Tal dispositivo afirma ser crime constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça. Entenda-se que o elemento fundamental deste delito é a violência ou grave ameaça. No caso em questão, simplesmente a violência, que é presumida quando a vítima tem menos de quatorze anos, situação etária esta comprovada nos autos. Entretanto, nos dias atuais, deve se fazer um exame mais aprofundado do conceito de presunção de violência, ou seja, o ato constrangedor, irresistível, o qual torna a vítima, por suas características físicas e psíquicas, vulnerável, submissa, subjugada, pelo agente. O Código Penal promulgado em 1.940, pretendia proteger a inocência das adolescentes em uma época de educação em uma época de educação repressora da sexualidade. Naqueles idos a moça adolescente, produto de uma cultura pelo paternalismo, pelas relações conservadoras, feudais, agrárias, religiosas era, ao que tudo indica, ingênua sonhadora, prisioneira dos mitos do amor e ignorante das nuances da sexualidade. Não tomava iniciativa de ordem afetiva, muito menos sexual. muito menos, ainda, erótica. Abordada pelo homem era, de fato, por ele envolvida a vítima de seu poder de sugestão não conseguia lhe avaliar as intensões. Podia-se supor fosse ela realmente vítima de uma coação psicológica, o que era uma forma de violência. Esta era a violência que o Código presuma. Por outro lado, nos termos atuais, a mulher, depois da revolução sexual das últimas décadas, deixou de ser ingênua e, em grande maioria, aos quatorze anos são bem mais precoces e experientes nas coisas do amor do que homens amadurecidos. Não se pretende com isto fazer tábula rasa da presunção de violência, ainda hoje mantida pela lei. Deve-se porém, observar que a presunção referida não é absoluta, ou seja, não é "iuri el iure". Ela é sim, "iuris tantum", ou seja, não prevalece desde que se prove efetivamente a sua ausência."

De igual modo se orienta a jurisprudência:

"Nos crimes sexuais, secretos pela própria natureza, a palavra da ofendida para gozar da presunção de veracidade necessita ser verossímil, coerente e escusada no seu bom comportamento anterior." RT 436/325

" Confessada ou demonstrada a aquiescência da mulher e exsurgindo da prova dos autos a aparência, física e mental, de tratar-se de pessoa com idade superior aos 14 anos, impõe-se a conclusão sobre a ausência de configuração do tipo penal.(Habeas Corpus nº 73.662-9 - MG - 2ª T - Relator: Marco Aurélio; Paciente: Márcio Luiz de Carvalho; Impetrantes: Paulo Adhemar Prince Xavier e outro; Coator: TJMG.Supremo Tribunal Federal)

Portanto, é de se ver que já não socorre à sociedade os rigores de um Código ultrapassado, anacrônico e, em algumas passagens, até descabido, porque não acompanhou a verdadeira revolução comportamental assistida pelos hoje mais idosos. Com certeza, o conceito de liberdade é tão discrepante daquele de outrora que só seria comparado aos que norteavam antigamente a noção de libertinagem, anarquia, cinismo e desfaçatez. Alfim, cabe uma pergunta que, de tão óbvia, transparente à primeira vista como que desnecessária, conquanto ainda não devidamente respondida: a sociedade envelhece; as leis, não? Ora, enrijecida a legislação - que, ao invés de obnubilar a evolução dos costumes, deveria acompanhá-la, dessa forma protegendo-a -, cabe ao intérprete da lei o papel de arrefecer tanta austeridade, flexibilizando, sob o ângulo literal, o texto normativo, tornando-o, destarte, adequando e oportuno, sem o que o argumento da segurança transmuda-se em sofisma e servirá, ao reverso, ao reverso, ao despotismo inexorável dos arquiconservadores de plantão, nunca a uma sociedade que se quer global, ágil e avançada - tecnológica, social e espiritualmente.

Consoante ensina MAGALHÃES NORONHA, a presunção inscrita na letra a do art. 224 do CP é relativa, podendo ser excluída pela suposição equivocada do agente de que a vítima tem idade superior a quatorze anos: "Se o agente está convicto, se crê sinceramente que a vítima é maior de quatorze anos não ocorre a presunção. Não existe crime, porque age de boa-fé" (Direito Penal, 4ª ed., vol. 3/221).

Também HELENO CLÁUDIO FRAGOSO, em "Lições de Direito Penal", afirma que a presunção em comento não é absoluto, "pois o erro plenamente justificado sobre a idade da vítima excluir a aplicação de tal presunção".

Dito isto é de se concluir que a presunção de violência prevista no art. 224 do CP cede à realidade, em razão da abrupta modificação de costumes havida nesta metade de século. Portanto, é fácil concluir-se que o Código Penal vigente, desatende as necessidades mais elementares da sociedade, principalmente no concernente a questões como da presunção de violência .


6- CONCLUSÕES:

1. A união estável tem plena aplicação e equiparação ao casamento nos efeitos penais pela aplicação da analogia no que possa beneficiar ao réu.

2. Nas condutas incriminadoras , em razão do princípio de legalidade, não pode ser admitida a interpretação analógica contrária aos interesses do réu sob pena de ser violado o inciso XXXIX do art. 5º da Carta Constitucional.

3. Aplica-se a analogia na hipótese de exclusão de ilicitude prevista no art. 181 do Código Penal.

4. A presunção de violência descrita na alínea a) do art. 224, do Codex, cede à realidade, devendo ser desconsiderada em função da idade, em atendimento ao contexto social vivido neste momento histórico.

5. Ficam salvaguardadas as outras hipóteses do mesmo artigo em função da sua natureza jurídica e social, donde é de se presumir realmente a violência.

6. Se o agente passa a conviver sob a forma de união estável com a vítima, extingue-se a punibilidade em função da interpretação analógica do art. 107, VII do Código Penal c/c art. 226, § 3º da Constituição Federal.

7. De igual forma deve ser interpretado o inciso VIII do art. 107 do Diploma Substantivo Penal, se a vítima não requerer o prosseguimento da ação, no prazo de 60 dias, após a configuração plena da situação alegada.

8. Aplica-se a mesma argumentação em relação a equiparação da União Estável ao Casamento, ao disposto no Capítulo VII do título II, da Parte Especial do Código Penal(Isenção de pena do Cônjuge, na constância do casamento, § 1º, art. 181 CP.


BIBLIOGRAFIA

Araújo, Carlos Roberto Santos, Juiz da Vara Criminal Distrital de Periperi,"Sentença processo 1975/92, Autora Justiça Pública X Réu Clarisvaldo Nunes da Silva"

Capez, Fernando, "Curso de Direito Penal", Editora Saraiva, São Paulo , 2000.

Ferreira Filho, Manoel Gonçalves," Comentários à Constituição Brasileira de 1988", São Paulo, Ed. Saraiva, 1995.

Fragoso, Heleno Cláudio, "Lições de Direito Penal", Direito Penal, 4ª ed., vol. 3/221.

Maggiore , "Diritto Penale", Bologna, v.2, t.2.,

Mirabete, Julio Fabrine, " Manual de Direito Penal", Editora Athas , São Paulo, 1989.

Pereira, Rodrigo da Cunha , "Mais um estatuto para a união estável", Belo Horizonte, Jornal do Advogado, OAB-MG, abril de 1997.

Prado, Luiz Regis, "Curso de Direito Penal Brasileiro", Editora Revista dos Tribunais ,1999

Oliveira, Euclides Benedito de, "Nova regulamentação da união estável". Inovações da Lei 9.278, de 10/ -5196, Tribuna da Magistratura, "caderno de doutrina", Associação Pau1ista de Magistrados, junho de 1996.

_______, in IOB, Jurisprudência, n. 22/97:

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Sobre o autor
Luiz Augusto Coutinho

advogado criminalista em Salvador (BA), especialista em Direito Público pela UFPE, mestre em direito público pela UEFS/UFPE, vice-presidente da Associação Baiana dos Advogados Criminais, coordenador do Núcleo de Direito Penal da FABAC, professor de Direito Penal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COUTINHO, Luiz Augusto. União estável e seus efeitos criminais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2029. Acesso em: 26 abr. 2024.

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