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Quebra do sigilo bancário

01/10/2000 às 00:00
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Verificamos haver opiniões divergentes sobre a questão da quebra do sigilo bancário, quer no que tange à interpretação da sistemática legal ora vigente, quer no que diz respeito à criação de uma sistemática nova. Com relação à sistemática atual, o Supremo Tribunal Federal de certa forma já tem opinião consolidada. Com relação à legislação futura, o Congresso Nacional aparenta estar ainda indefinido, embora já nos dê alguma sinalização. Além de algumas outras considerações, nesse trabalho tentamos evidenciar essas duas tendências aqui apontadas.

A questão do sigilo bancário sob um ângulo histórico recente nos foi apresentada pelo Deputado Federal Mussa Demes, que na Comissão da Reforma Tributária da Câmara assim se manifestou: "recordo muito bem que em 1968 ou 1969, se não me engano, eu já era fiscal do Imposto de Renda e, naquela época, não existiam as dificuldades que vemos hoje com relação ao sigilo. Naquela época, a Constituição não proibia que se pedisse esse tipo de informação aos bancos. Tanto isso é verdade, que, por força de uma portaria do Ministro da Fazenda naquela época, o hoje Deputado Delfim Neto, os fiscais quebravam o sigilo bancário mediante a simples apresentação ao gerente de um banco de um termo de início de ação fiscal elaborado contra qualquer pessoa física ou jurídica."

Sobre o que ocorre no mundo a respeito da questão, temos interessante notícia publicada no "O Estado de São Paulo", de 21 de junho de 2000: "SANTA MARIA DA FEIRA, Portugal - Numa das mais importantes decisões adotadas durante o Conselho Europeu que marca o fim da presidência portuguesa da União Européia (EU), seus 15 países aprovaram ontem o pacote de harmonização fiscal. No ponto mais polêmico, o pacote deverá acabar com o sigilo bancário até 2010. ....foi uma negociação de 12 anos. ........Áustria e Luxemburgo não aceitavam o princípio de acabar com o sigilo bancário. A justificativa austríaca é que este é um princípio que faz parte da Constituição do país há 200 anos. Para aceitar o acordo, o país exigiu a manutenção do sigilo nos bancos austríacos para quem resida no país. "Essa questão não é importante só para a Europa, porque abre caminho para a criação de mecanismos de transparência global no mundo financeiro que são essenciais para a globalização da economia", avaliou Guterres."

No Brasil, pela sistemática atual, a questão fundamental consiste em saber se o sigilo bancário integra o rol da esfera privada da vida dos indivíduos, protegido pela Constituição Federal (inviolabilidade da privacidade e de dados). Vejamos os dispositivos constitucionais que de certa maneira abordam a questão:

Constituição Federal, art. 5º, X, XII e XXXIII, e art. 145, § 1º "Art. 5º ... X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; XXXIII - todos têm o direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;" Art. 145 ... § 1º "Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte."

Nosso ordenamento constitucional prevê a proteção à privacidade como um direito individual da pessoa e em seu art. 145, § 1º, prevê o direito de que dispõe a administração pública de identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte, respeitados os direitos individuais deste; logo, afigura-se nos que não há colisão entre essas normas constitucionais.


Sob o ângulo doutrinário, acerca da questão podemos indicar a obra "CADERNO DE PESQUISAS TRIBUTÁRIAS", vol. 18, a qual cuida dos "Princípios Constitucionais Tributários", Ed. Resenha Tributária, SP, 1993, e traz pronunciamentos de juristas do tomo de HUGO DE BRITO MACHADO, SACHA CALMON NAVARRO COÊLHO, ZELMO DENARI, AURÉLIO PITANGA SEIXAS FILHO, JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO e WAGNER BALERA.

Para alguns, no que concerne à privacidade, a norma constitucional visa proteger a pessoa da publicidade, de devassa indevida na sua vida, no que só lhe diga respeito, e não pode ser entendido em termos absolutos sob pena de inviabilizar a atividade estatal, quando houver do outro lado, o interesse público. Para esses, levando-se a todos os seus extremos a interpretação contrária, até mesmo a atividade policial consistiria em forma de intromissão indevida na privacidade dos indivíduos. Quanto ao inciso XII acima (proteção à comunicação de dados), há entendimento no sentido de que ele impede o acesso à própria ação comunicativa, mas não aos dados comunicados.

A respeito mencionamos também a existência de um parecer da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGNF/CRJN/N º 1.380/94) no sentido de ser possível a quebra do sigilo bancário mesmo em face da atual Constituição.


Mas levando-se em conta a premissa de que quem diz o direito é o Poder Judiciário, o mais importante aqui é trazer o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria, o que passamos a fazer:

"Esta Eg. Corte vem decidindo no sentido da ilegalidade da quebra do sigilo bancário mediante simples procedimento administrativo fiscal, face a garantia constitucional da inviolabilidade dos direitos individuais, exceto quando houve relevante interesse público e por decisão do Poder Judiciário, guardião dos direitos do cidadão. Recurso não conhecido." (RESP 114760/DF ; RECURSO ESPECIAL (1996/0075244-3) DJ :23/08/1999 PG:00095 Min. FRANCISCO PECANHA MARTINS SEGUNDA TURMA)

"A norma inscrita no inc. VIII, do art. 129, da C.F., não autoriza ao Ministério Público, sem a interferência da autoridade judiciária, quebrar o sigilo bancário de alguém. Se se tem presente que o sigilo bancário é espécie de direito à privacidade, que a C.F. consagra, art. 5º, X, somente autorização expressa da Constituição legitimaria o Ministério Público a promover, diretamente e sem a intervenção da autoridade judiciária, a quebra do sigilo bancário de qualquer pessoa." (RECURSO EXTRAORDINARIO CRIMINAL Relator Ministro CARLOS VELLOSO , DJ -28-05-99 PP-00024 EMENT VOL-01952-07 PP-01303)

"Considera-se ilícita a prova obtida em decorrência da quebra do sigilo bancário sem autorização judicial, ensejando o trancamento da ação penal, cuja denúncia foi nela exclusivamente baseada. II. O sigilo fiscal não se equipara ao sigilo bancário e nem o absorve.(DJ:17/02/1999 PG:00152 Min. GILSON DIPP (1111) 03/12/1998 T5 - QUINTA TURMA) De se notar que, salvo melhor juízo, nessa linha adotada pelo Supremo conclui-se que a quebra do sigilo bancário do tipo exigido para adesão ao REFIS colide com os mandamentos da Constituição.


É sabido que através de Comissão Parlamentar de Inquérito o Congresso Nacional atualmente também pode efetuar a quebra do sigilo bancário.

O Projeto de Emenda Constitucional que trata da Reforma Tributária contempla o seguinte texto: "Art. 145" "§ 5º A lei complementar estabelecerá a forma e os critérios a serem observados e indicará as autoridades tributárias que poderão requisitar, às instituições financeiras, informações sobre as operações dos contribuintes." Em concomitância à elaboração desse texto, que nos parece sinalizar pretender que o fisco possa requisitar diretamente informações sem a participação do Poder Judiciário, ocorreram as seguintes discussões referentes ao tema na Comissão da Reforma Tributária da Câmara dos Deputados:

"O problema do sigilo bancário é algo muito questionado nesta Casa. Há os que acham que o sigilo deve ser quebrado, e há os que acham que não, pois acreditam que é cláusula pétrea inserida na Constituição." (Nesse particular, acrescemos que conforme artigo 60, parágrafo 4 º da Constituição Federal, "não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:...........IV – os direitos e garantias individuais.)"

            "E no que tange à questão do sigilo bancário da pessoa física, sacraliza-se esse falso direito individual de sigilo, de privacidade. Trata-se de uma falsa privacidade, porque ele tem permitido acobertar pessoas que sonegam impostos. Estão cometendo crimes hediondos, porque são elas as causadoras do déficit público, são elas que levam os Estados, os Municípios e o próprio Governo da União a pagarem salários indecentes aos seus servidores, são os responsáveis por não termos equipamentos nos hospitais , nas escolas etc.. Talvez devêssemos avançar em proteção aos bons contribuintes, no sentido de essas operações tornarem-se arriscadas, e punirmos pesadamente os sonegadores."

            "Voltando ao caso do sigilo bancário e fiscal, o mais importante é que, na PEC da Previdência, esse assunto constava do texto encaminhado pelo Governo e foi literalmente abandonado por esta Casa. Até brinco muito no sentido de que, às vezes, falar de sigilo bancário e fiscal no Congresso Nacional é falar de corda em casa de enforcado. As coisas são incompatíveis; causam um frisson muito grande. Isso é comum nos países evoluídos. A modernidade também tem de chegar quando da cobrança daquilo que pertence à sociedade."

            "Isso pode ser resolvido assim a proposta de quebra do sigilo bancário que, insisto e volto a repetir, deveria ser feito por lei complementar, para que tenhamos um quorum mais representativo. Com o objetivo de dar proteção maior à própria sociedade brasileira, devem ser um pouco mais cuidadosos em relação a um assunto que mereceu, na Constituição de 1988, até mesmo em comando constitucional."

            "Não é razoável imaginar que alguém possa fazer uma fiscalização, em matéria de renda de pessoa física, sem ter acesso a informações bancárias do cidadão. Menos razoável imaginar que todas as vezes em que se inicia um procedimento de fiscalização, há de se pedir autorização judicial. Isso representa literalmente uma proteção para aquelas pessoas que querem esconder-se atrás do sigilo bancário. Nas situações em que para fins fiscais foi aberto o sigilo bancário de um contribuinte, não se encontrou nenhuma evidência que resultasse na beatificação do contribuinte, em hipótese alguma: encontrou-se sempre evidências contrárias. Assim, esse seria um elemento indispensável para quem está trabalhando na fiscalização"

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Também a respeito já se manifestou o Presidente Fernando Henrique Cardoso, nos seguintes termos, conforme notícia de 22 de dezembro de 1999 de "O Estado de São Paulo": ( o Presidente)"reclamou, porém, que "há muitos interesses" e que "arrancar do Congresso algumas decisões é uma luta". Mencionou o caso da quebra do sigilo bancário como exemplo. Disse que "sempre aparece alguém" para observar que a iniciativa vai ferir seu direito e que é inconstitucional. "Tem de respeitar a privacidade, mas quando há indícios veementes, não é possível que não se tenha um instrumento", sublinhou."

Atualmente tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei Complementar n º 220, de 1998, que trata da quebra do sigilo bancário. Conforme texto originário do Senado, " Art. 6 º. As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.".

Como visto, essa redação cria enormes facilidades para a quebra do sigilo bancário de forma unilateral por parte da fiscalização. Mas na Câmara, a Comissão de Constituição e Justiça e de Redação criou substitutivo ao projeto original, "mantida a concepção inicial de que somente o Poder Judiciário e o Poder Legislativo Federal poderão levantar o sigilo bancário, por força do que determina a Constituição Federal." Se aceitas as modificações da Câmara, a redação original desse projeto passara a ser a seguinte: Art. 1 º, parágrafo 2 º: "O sigilo bancário somente poderá ser quebrado pela autoridade judicial competente ou pelo Poder Legislativo Federal, nos termos do disposto nos parágrafos 1 º e 2 º do art. 5 º desta lei." E nos termos desses parágrafos, que trata da hipótese prevista para o Poder Legislativo Federal, as comissões parlamentares de inquérito, no exercício de sua competência constitucional e legal de ampla investigação, obterão as informações e documentos diretamente, desde que a solicitação seja previamente aprovada pelo Plenário da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Plenário de suas respectivas comissões parlamentares de inquérito. No caso da quebra por autoridade judicial, esta deverá decidir em até setenta e duas horas. Transcorrido esse prazo sem a sua manifestação, poderá ser reiterado o pedido ao Presidente do Tribunal respectivo, que terá igual prazo para deliberar.

Em nossa opinião, a quebra do sigilo bancário indiscutivelmente se constitui em um ato de violência contra o cidadão, por invadir sua privacidade. Mas, por outro lado, na linha adotada pelo Supremo Tribunal Federal, em face de relevante interesse público, justifica-se a sua aplicação. É forçoso também reconhecer que, em função da má distribuição de rendas desse nosso país, os ricos e poderosos cada dia se tornam mais ricos e mais poderosos, o que nos faz pensar na conveniência da criação de uma outra força para contrabalançar esse grande poder, de forma a prevenir o perigo nele implícito. E essa outra força somente pode ser o próprio Estado. Mas como nada é perfeito nesse mundo e principalmente nesse nosso, mister se faz criar também limites ao poder que se possa atribuir ao Estado, de maneira que se evite também a possibilidade desse vir a ser prepotente e arbitrário, como sói acontecer, sendo de bom alvitre a intervenção de um outro poder para de certa forma fiscalizar os seus atos. Assim, podemos concluir estar sendo bem conduzida até o presente momento a proposta legislativa para regular a quebra do sigilo bancário no Brasil.

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Sobre o autor
Zenobio Simões de Melo

advogado no Paraná

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO, Zenobio Simões. Quebra do sigilo bancário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 46, 1 out. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/203. Acesso em: 27 dez. 2024.

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