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Atos administrativos gerais da Previdência Social em favor do segurado.

Força de lei perante o Poder Judiciário

08/11/2011 às 10:52
Leia nesta página:

O INSS deve ser mais criterioso na produção de atos normativos a fim de respeitar os limites da legalidade, bem como deve qualificar o pessoal para a correta e limitada aplicação de atos normativos a fim de não aplicar em contrariedade à legislação previdenciária.

1.Introdução

A Legislação previdenciária ordinária possui mandamentos abstratos e pouco detalhados para a aplicação cotidiana. O Poder Executivo então emana inúmeros atos para normatizar detalhadamente a correta aplicação da legislação.

Entretanto, há uma incorreta avaliação pelos operadores do direito previdenciário sobre a força legal e a natureza jurídica desses atos, sendo que no âmbito administrativo eles são supervalorizados e no âmbito judicial são desconsiderados sem qualquer critério técnico. Isso gera situações de injustiça e imensa insegurança jurídica, motivo pelo qual entendemos pertinentes estas breves considerações.


2.Dos critérios para aplicação do ato normativo com a mesma força de lei

O Poder Legislativo é detentor principal do poder de legislar, entretanto, cabe à Administração expedir normas que complementem, detalhem e institua procedimentos para a correta aplicação das leis, a isto a doutrina denomina Poder Regulamentar da Administração.

São denominados pela doutrina atos administrativos normativos, os atos que tem caráter geral e abstrato e que visam a correta aplicação da lei. Esses atos, para ter força e normatividade de lei devem atender os seguintes requisitos:

  1. Atenderem a reserva legal, ou seja, não tratarem de matéria tratada e instituída por lei, mas apenas se limitar a complementar e aperfeiçoar o mandamento legal e os casos de omissão;

  2. Serem gerais e abstratas;

  3. São apenas normas em sentido material, pois se, mesmo sob aparência de norma, individualizam situações e impõe aos administrados ônus e encargos específicos são considerados de efeitos concretos e, portanto, nulos [1];

Respeitando os requisitos acima, esses atos normativos tem força de lei e devem ser respeitados pelos administrados e pela administração, sendo equiparadas as leis para fins de controle judicial. Do contrário, tais atos devem ser considerados inválidos, sem produzirem efeito jurídico algum.


3.Da aplicação de atos normativos inválidos pelo INSS

O Ministério da Previdência Social, o INSS e o Ministério do Trabalho e Emprego emanam cotidianamente atos normativos com regramentos gerais para normatizar e uniformizar a aplicação da legislação previdenciária e trabalhista. Os principais atos utilizados são:

  • Instruções, Instruções Normativas, Instruções Normativas Conjuntas;

  • Normas Regulamentadoras (NR’s);

  • Orientações Normativas;

  • Pareceres, Portarias, Provimentos, Recomendações e Resoluções.

Esses atos normativos gerais instituem regras de caráter complementar às leis e respeitam os requisitos elencados no item 2, portanto, geralmente tem força normativa.

Ocorre que algumas normas emitidas pela Administração Previdenciária extrapolam os limites da reserva legal, ou até mesmo suprimem direitos conferidos pela legislação aos segurados. Direitos básicos são muitas vezes usurpados sem qualquer disposição legal em contrário.

De acordo com Hely Lopes Meirelles:

Atos administrativos normativos são aqueles que contêm um comando geral do Executivo, visando a correta aplicação da lei. O objetivo imediato de tais atos é explicitar a norma legal a ser observada pela Administração e pelos Administrados. Esses atos expressam em minúcia o mandamento abstrato da lei, e o fazem com a mesma normatividade da regra legislativa, embora sejam manifestações tipicamente administrativas.

Tais atos, conquanto normalmente estabeleçam regras gerais e abstratas de conduta, não são leis em sentido formal, por isso estão necessariamente subordinados aos limites jurídicos definidos na lei formal. São leis apenas em sentido material, vale dizer, provimentos executivos com conteúdo de lei. Esses atos, por serem gerais e abstratos, têm a mesma normatividade da lei e a ela se equiparam para fins de controle judicial, mas quando, sob a aparência de norma, individualizam situações e impõe encargos específicos aos administrados, são considerados de efeitos concretos e podem ser atacados e invalidados direta e imediatamente por via judicial comum, ou por mandato de segurança (...). [2]

Isto posto, cabe avaliar que não há qualquer filtro na aplicação destes atos normativos, que são emanados pela administração previdenciária e tem aplicação imediata, mesmo que estes atos sejam ilegais ou inválidos.

A imensa maioria do quadro de pessoal da autarquia previdenciária tem ensino fundamental e médio, e mesmo os quadros que tem nível superior, poucos têm conhecimento jurídico. Nas Agências da Previdência Social a decisão dos milhares de processos de benefícios que ingressam são analisados e concluídos por servidores sem conhecimento jurídico e sem treinamento técnico, sendo que a insegurança reina entre os servidores.

A aplicação dos atos normativos inválidos é recorrente no INSS, sendo que a ilegalidade reina, pois a ordem é a aplicação das instruções normativas mesmo em contrariedade a lei. Existindo dúvida entre o texto legal e a instrução normativa a decisão é sempre contraria ao segurado.

Os reflexos destas fragilidades que acometem a administração previdenciária se sentem no Poder Judiciário, sendo que atualmente o INSS é o maior litigante do país. [3]

A administração previdenciária deve ser mais criteriosa na expedição de atos normativos evitando invadir a prerrogativa do Poder Legislativo, especialmente quando a normativa restringe ou suprimi qualquer direito dos segurados, o que não cabe ao Poder Executivo.


4. Da inafastabilidade dos atos normativos em favor do segurado na esfera judicial

Os atos normativos, além de especificar e detalhar o que na lei é mais geral, expressam uma posição definitiva do Poder Executivo em relação à determinada questão jurídica material ou procedimental, a qual será aplicada a todos os segurados.

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Respeitados os requisitos do item 2, e sendo o ato normativo favorável ao segurado, o ato terá normatividade de lei e equiparação a ela.

Mesmo inexistindo na legislação ordinária qualquer manifestação em relação aquele determinado ponto firmado em ato normativo, jamais poderá a autarquia previdenciária como parte no processo argüir em sentido contrário. Nesse caso, estaria sendo afrontado o principio da igualdade e o principio da impessoalidade, já que para todos os demais segurados estaria vigendo uma regra e para aquele segurado em litígio o INSS estaria tentando impor regra diversa.

A argüição em sentido contrário ainda estaria configurando uma afronta a própria normativa administrativa, sujeitando o procurador, enquanto servidor, a aplicação de processo administrativo disciplinar e consequente penalidade.

Cabe ainda, neste caso, o pedido de aplicação de multa por litigância de má-fé, em favor do segurado, em observância do disposto no art. 17 do Código de Processo Civil, que deverá ser apreciado pelo juiz da causa.

Levada a questão ao Poder Judiciário, não pode o juiz afastar a aplicação daquele ato normativo que tem força de lei e tendo em vista que se trata de fato incontroverso. Só poderá o juiz afastar o entendimento se houver contrariedade ao texto legal ou em caso de o Poder Executivo extrapolar a reserva legal. Em suma, só pode afastar a aplicação do ato normativo se ele infringir os requisitos do item 2.

É recorrente a não observação desta inafastabilidade pelo juízo, especialmente nos Juizados Especiais Federais, entretanto, a decisão contrária ao ato normativo geral gera imensa insegurança jurídica. Ocorre atualmente de o INSS indeferir um benefício por um motivo qualquer, sendo que este motivo vem a ser superado em juízo, entretanto, o processo é julgado improcedente porque o juízo tem entendimento divergente do ato normativo geral da administração previdenciária.

Matéria recente em que o tema foi exaustivamente tratado foi a insurgência das empresas quanto a aplicação das Normas Regulamentadoras, as NR’s expedidas pelo Ministério do Trabalho, que impunham fortes normativas referentes a segurança e saúde do trabalhador. Neste caso o STF julgou no seguinte sentido:

O inciso II do artigo 22 da Lei nº 8.212/1991, na redação dada pela Lei nº 9.528/1997, fixou com precisão a hipótese de incidência (fato gerador), a base de cálculo, a alíquota e os contribuintes do Seguro de Acidentes do Trabalho - SAT , satisfazendo ao princípio da reserva legal (artigo 97 do Código Tributário Nacional). O princípio da estrita legalidade diz respeito a fato gerador, alíquota e base de cálculo, nada mais. O regulamento, como ato geral, atende perfeitamente à necessidade de fiel cumprimento da lei no sentido de pormenorizar as condições de enquadramento de uma atividade ser de risco leve, médio e grave, tomando como elementos para a classificação a natureza preponderante da empresa e o resultado das estatísticas em matéria de acidente do trabalho. O regulamento não impõe dever, obrigação, limitação ou restrição porque tudo está previsto na lei regulamentada (fato gerador, base de cálculo e alíquota). O que ficou submetido ao critério técnico do Executivo, e não ao arbítrio, foi a determinação dos graus de risco das empresas com base em estatística de acidentes do trabalho, tarefa que obviamente o legislador não poderia desempenhar. Trata-se de situação de fato não só mutável mas que a lei busca modificar, incentivando os investimentos em segurança do trabalho, sendo em conseqüência necessário revisar periodicamente aquelas tabelas. A lei nem sempre há de ser exaustiva. Em situações o legislador é forçado a editar normas "em branco", cujo conteúdo final é deixado a outro foco de poder, sem que nisso se entreveja qualquer delegação legislativa. No caso, os decretos que se seguiram à edição das Leis 8.212 e 9.528, nada modificaram, nada tocaram quanto aos elementos essenciais à hipótese de incidência, base de cálculo e alíquota, limitaram-se a conceituar atividade preponderante da empresa e grau de risco, no que não desbordaram das leis em função das quais foram expedidos, o que os legitima (artigo 99 do Código Tributário Nacional).

RESP 200701656323 RESP - RECURSO ESPECIAL – 973436 RELATOR: JOSÉ DELGADO STJ PRIMEIRA TURMA.

A decisão do STJ é no mesmo sentido do nosso posicionamento, sendo que visando a proteção a saúde e segurança aos trabalhadores, segurados do INSS, o que está em conformidade com a norma legal, julgou correta a aplicação do caráter extra fiscal do Seguro Acidentes de Trabalho (SAT).


5. Conclusão

Os atos normativos gerais emanados pela administração previdenciária, quando não extrapolarem a reserva legal e não restringirem ou suprimirem direitos dos segurados garantidos por lei, têm normatividade de lei e devem ser observados pelo administrado e pela administração.

A autarquia previdenciária deve ser mais criteriosa na produção de atos normativos a fim de respeitar os limites da legalidade, bem como deve qualificar o pessoal para a correta e limitada aplicação de atos normativos a fim de não aplicar em contrariedade à legislação previdenciária.

No âmbito do judiciário, o procurador do INSS jamais poderá alegar contra o segurado qualquer argumento contrário ao disposto nas instruções normativas e demais atos normativos, sob pena de estar agindo em contrariedade à normativa da autarquia que deve se submeter, sendo passível responsabilização via processo disciplinar. Da mesma forma, é cabível o pedido de aplicação de multa por litigância de má-fé em favor do segurado, nos termos do art. 17, CPC.

Por fim, o juiz jamais poderá julgar em contrariedade a ato normativo geral com conteúdo favorável ao segurado se o ato normativo respeitar a reserva legal, pois, não cabe a ele afrontar as decisões da administração, já que fazem parte do poder regulamentar do Poder Executivo.


Notas

  1. MEIRELLES, Hely Lopes. DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO. 37ª Edição. MALHEIROS. 2011.

  2. MEIRELLES, Hely Lopes. DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO. 37ª Edição. MALHEIROS. 2011. P183

  3. De acordo com o Conselho Nacional de Justiça, o INSS é disparado o maior réu do país (e um dos maiores do mundo) sendo que chega a possuir 22,3% das ações entre os 100 maiores litigantes. Na Justiça Federal alcança 43,12% dos processos dos 100 maiores litigantes, sendo que em quase 70% é réu. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/13874-inss-lidera-numero-de-litigios-na-justica

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Sobre o autor
Eduardo Koetz

Professor e Advogado. Especialista em Direito Previdenciário e Gestão e Marketing Jurídico Digital. Pós-graduado em Direito Trabalhista pela UFRGS e em Direito Tributário ESMAFE/RS. CEO da ADVBOX.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KOETZ, Eduardo. Atos administrativos gerais da Previdência Social em favor do segurado.: Força de lei perante o Poder Judiciário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3051, 8 nov. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20362. Acesso em: 2 nov. 2024.

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