RESUMO
Trata-se de artigo científico em que são estudados e discutidos os conceitos e fundamentos constitucionais dos institutos da estabilidade no serviço público e da eficiência como princípio da Administração Pública.
Palavras-chave: Estabilidade. Eficiência. Serviço Público. Gestão.
1 INTRODUÇÃO
A prestação do serviço público no Brasil parece ser falha, lenta e difícil. Os usuários diretos, assim como os próprios integrantes e gestores, tecem inúmeras críticas ao sistema, todavia, a solução não se mostra aparente.
A burocracia, a falta de estímulos dos servidores e a falta de treinamento contribuem para a morosidade e a ineficiência. Atividades que na iniciativa privada levariam minutos, na Administração tomam dias, quando conseguem ser realizadas.
Ao leigo pode parecer que falta aos gestores públicos vontade de realizar, mas o fato é que, no serviço público, só a vontade e o conhecimento individuais não realizam. Os chefes, por melhor intencionados que sejam, enfrentam dificuldades ímpares decorrentes de falta de estímulo funcional e de treinamento prático e teórico dos servidores, da sensação de impunidade que assola o funcionalismo e da falta de comprometimento com a missão pública.
Surge, portanto, uma das questões norteadoras deste artigo: é possível melhorar a gestão da Administração Pública e a prestação de serviços?
Na busca da resposta, o artigo trabalha em identificar a origem do problema, que se inicia na contratação de pessoal. Ora, se na iniciativa privada há inúmeras etapas de análise de currículo, testes, dinâmicas de grupo e entrevistas, antes da contratação, e mesmo após o profissional permanece em constante avaliação de desempenho, o oposto ocorre no serviço público.
A Constituição Federal exige o concurso público de provas ou provas e títulos para a contratação de servidores. Há, por óbvio, inúmeras vantagens no sistema, mas o fato é que o concurso público sujeita a Administração a contratações de pessoas sem as habilidades práticas, psicológicas ou volitivas necessárias para as funções. Muitas vezes os candidatos são atraídos pela noção de estabilidade e pelo senso comum de pouco trabalho ou cobrança.
Nessa seara, mais um desafio aos gestores públicos: como conciliar a independência garantida pela estabilidade e pela exigência dos concursos públicos com o princípio da eficiência e com os novos nortes da gestão coorporativa?
Os artigos 37 e 41 da Constituição da República são a fonte legal do objeto de estudo e discussão deste artigo. São essenciais para a pesquisa a correta noção dos princípios fundamentais da Administração Pública, principalmente a eficiência, a moralidade e a impessoalidade. Além dos princípios, o instituto da estabilidade no serviço público, trazido pelo artigo 41, traz conseqüências muito significativas para o funcionamento e gestão dos serviços públicos, assim, são tópicos importantes a serem esmiuçados.
O objetivo geral do trabalho é investigar a relação entre a forma de contratação e a estabilidade com a ineficiência na prestação dos serviços públicos e as dificuldades de gestão coorporativa focada na melhoria.
Os objetivos específicos são descrever a história do serviço público no Brasil, explicar o conceito de concurso público, suas finalidades e características, conceituar a estabilidade e a gestão coorporativa, exemplificar dificuldades práticas de gestão na Administração Pública e buscar alternativas para a manutenção da independência administrativa conciliada com a melhoria da eficácia dos serviços públicos.
O estudo do tema visa a identificar a relação entre a obrigatoriedade do concurso público e o perfil médio de ineficiência do serviço prestado ao cidadão. O tema se mostra importante, em seu primeiro momento, para entender os motivos que levaram o constituinte originário a exigir o concurso público para ingresso nos quadros da Administração, assim como prever a estabilidade do servidor após três anos.
Em uma segunda etapa, após o estudo histórico e conceitual, o objetivo passará a ser identificar as exigências trazidas pelo princípio da eficiência da Administração e pelas modernas noções de gestão, buscando analisar as vantagens e desvantagens dos institutos trazidos pela Constituição e traçar caminhos alternativos para a melhoria da prestação de serviços públicos.
Por fim, a metodologia empregada foi a junção da escolha e análise bibliográfica, principalmente quanto aos conceitos e aspectos históricos, a relatos obtidos em entrevistas com gestores públicos.
2 O SERVIÇO PÚBLICO NO BRASIL
2.1 HISTÓRICO
O país surgiu como colônia extrativista de Portugal. Àquela época, portanto, não há que se cogitar em prestação de serviços públicos, já que o Poder Público só se apresentava para recolher riquezas, sem qualquer contraprestação ou responsabilidade.
Com a vinda da família real para o Brasil, surgiu o Brasil império e a estrutura pública foi forçosamente iniciada. Naquele momento, as funções eram distribuídas por confiança pelo Imperador, numa espécie de delegação, uma vez que o poder concentrava-se na figura do Imperador. Vejamos as palavras da Dra. Marlene Figueira [01]:
Nos primórdios do Brasil Império, o desempenho das funções públicas acontecia através de delegação da autoridade, por tratar-se de modalidade de confiança. Não era observado o interesse do Estado, mas a vontade do Imperador, autoridade máxima daquele período. No entanto, a Constituição do Império já fazia constar em seu bojo a questão dos talentos e virtudes do candidato a ocupar a vaga.
O concurso público surgiu no país com a Constituição de 1934. Era exigido para os cargos iniciais dos que fossem organizados em carreira. O instituto tomou a forma atual na Constituição de 1967, sendo exigido para todos os cargos públicos, exceto os de livre provimento e exoneração, chamados cargos em comissão.
2.2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
O artigo 37 da Constituição da República rege o seguinte:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
(...)
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
Como se depreende do caput há cinco princípios previstos expressamente no artigo para vinculação das atividades públicas. Há vários outros ao longo do texto constitucional, vale mencionar, assim como alguns implícitos.
Vejamos as palavras do Dr. Eliziogerber de Freitas [02]:
O concurso público é meio técnico posto à disposição da Administração Pública para obter-se moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos da lei.
Na realização do concurso público, está a Administração Pública jungida aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, devendo, portanto, o edital ou regulamento do concurso observar tais princípios, especialmente o princípio da publicidade e da legalidade.
Analisemos aqueles que têm ingerência direta na questão da contratação de servidores públicos.
2.2.1 MORALIDADE
Trata-se de conceito controverso. Alguns preceituam ser uma legalidade substancial, outros a boa-fé e outros, ainda, a razoabilidade em consonância com o interesse público. Não há consenso. Seguem as palavras do Dr. Fernando Garcia [03]:
Concepções assim tão variadas em relação a aspectos essenciais da própria definição da moralidade administrativa só poderiam conduzir a uma jurisprudência vacilante e a um Poder Judiciário desconfiado na sua aplicação. Muitos dos precedentes que tratam do assunto utilizam o princípio da moralidade administrativa como elogio da Constituição ou da lei, ou o aplicam de maneira secundária para resolver a questão controvertida, uma vez que há regra legal explícita; é o que ocorre, por exemplo, quando se fala em "princípio moralizador do concurso público" ou quando se afirma que a proibição de acumular empregos (art. 99 da Carta de 1.969) é derivada da moralidade administrativa ou que se deve a questões de moralidade administrativa a fixação da remuneração dos vereadores em cada legislatura para vigorar na subseqüente (art. 29, V, da Constituição, em sua redação original), evitando a legislação em causa própria.
Na jurisprudência brasileira, a moralidade administrativa enfrenta basicamente três correntes. Para a primeira, a moralidade serve para justificar o controle judicial do desvio de poder, portanto, será contrário à moralidade se for impossível ou ineficiente ou, ainda, se houver desvio de finalidade.
A segunda corrente vincula a moralidade à razoabilidade e ao interesse público. A terceira corrente, por sua vez, adstringe a moralidade ao dever de boa-fé.
2.2.2 PUBLICIDADE
Busca conferir transparência aos atos da Administração. Não é sinônimo de publicação, pois esta é o simples fato de estar estampado do Diário Oficial. Nas palavras do professor José Afonso da Silva [04]:
A publicidade sempre foi tida como um princípio administrativo, porque se entende que o Poder Público, por ser público, deve agir com a maior transparência possível, a fim de que os administrados tenham, a toda hora, conhecimento do que os administradores estão fazendo.
Trata de dar conhecimento em sentido amplo e pleno dos atos administrativos e também de suas consequências. Nas palavras de Hely Lopes Meirelles [05]:
Enfim, a publicidade, como princípio da administração pública abrange toda a atuação estatal, não só sob o aspecto da divulgação oficial de seus atos, como também de propiciação de conhecimento da conduta interna de seus agentes...
2.2.3 LEGALIDADE
O princípio da legalidade é, além de uma obrigação, uma garantia a todos os administradores e administrados. Isso porque a subsunção aos critérios legais facilita em demasiado a decisão quando o ato é vinculado. Nas palavras do Dr. Bittencourt [06]:
O Princípio da Legalidade é uma das maiores garantias dos administradores frente o Poder Público. Ele representa integral subordinação do Poder Público à previsão legal, visto que, os agentes da Administração Pública devem atuar sempre conforme a lei. Nas relações de Direito Privado é lícito fazer tudo o que a lei não proíbe, com base no Princípio da Autonomia da Vontade. Já com relação à Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza, isto está expresso no caput do artigo 37 da Constituição Federal de 1988. Assim, o administrador público não pode, mediante mero ato administrativo, conceder direitos, estabelecer obrigações ou impor proibições aos cidadãos. A criação de um novo tributo, por exemplo, dependerá de lei.
2.2.4 IMPESSOALIDADE
Significa que os atos emanados da Administração Pública devam ser oriundos do ente ou órgão de que o agente faça parte e, ainda, devem ser dirigidos à coletividade, sem privilégios ou restrições específicas relacionadas a características individuais. Vejamos as palavras do Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello [07]:
No princípio da impessoalidade se traduz a idéia de que a Administração tem que tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa e muito menos interesses sectários, de facções ou grupos de qualquer espécie. O princípio em causa é senão o próprio princípio da igualdade ou isonomia
2.2.5 EFICIÊNCIA
Especialmente importante para este artigo, em que busca-se a relação entre o concurso público, a garantia da estabilidade e a qualidade da prestação dos serviços públicos, a eficiência foi deixada para uma análise mais aprofundada.
A eficiência era um princípio implícito até a alteração trazida pela Emenda Constitucional 19. Trata-se de óbvia consequência dos princípios da legalidade e finalidade, mas, em razão de sua importância, foi necessário explicitá-lo.
É conceito econômico que se relaciona à qualidade dos atos administrativos, uma vez que determina que os custos e os benefícios sejam avaliados antes de qualquer medida. Buscam-se os melhores resultados com os menores custos possíveis.
Nas atividades dos servidores que não geram recursos, mas prestam serviços públicos, a eficiência impõe celeridade, perfeição e rendimento funcional, com racionalidade e aproveitamento máximo dos recursos. Nas palavras do Dr. Meirelles [08]:
Dever de eficiência é o que se impõe a todo agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros.
Vejamos o que diz o Prof. Cardozo [09]:
Ser eficiente, portanto, exige primeiro da Administração Pública o aproveitamento máximo de tudo aquilo que a coletividade possui, em todos os níveis, ao longo da realização de suas atividades. Significa racionalidade e aproveitamento máximo das potencialidades existentes. Mas não só. Em seu sentido jurídico, a expressão, que consideramos correta, também deve abarcar a idéia de eficácia da prestação, ou de resultados da atividade realizada. Uma atuação estatal só será juridicamente eficiente quando seu resultado quantitativo e qualitativo for satisfatório, levando-se em conta o universo possível de atendimento das necessidades existentes e os meios disponíveis.
(...)
Desse modo, pode-se definir esse princípio como sendo aquele que determina aos órgãos e pessoas da Administração Direta e Indireta que, na busca das finalidades estabelecidas pela ordem jurídica, tenham uma ação instrumental adequada, constituída pelo aproveitamento maximizado e racional dos recursos humanos, materiais, técnicos e financeiros disponíveis, de modo que possa alcançar o melhor resultado quantitativo e qualitativo possível, em face das necessidades públicas existentes.
3 CONCURSO PÚBLICO
Como transcrito no início deste artigo, o concurso público de provas ou provas e títulos é exigência constitucional para a investidura em cargos efetivos da Administração Pública. Excepcionam-se apenas os cargos em comissão, que se caracterizam por serem de livre nomeação e exoneração sem a possibilidade de carreira, portanto.
É necessário ressaltar que, quando são mencionados cargos efetivos que necessitam de concurso público, refere-se aos servidores estatais, espécie do gênero agente público. Analisemos o conceito trazido pelo Dr. Mello [10]:
Aqueles que entretêm com o Estado e suas entidades da Administração indireta (...) relação de trabalho de natureza profissional e caráter não eventual sob vínculo de dependência.
As empresas públicas e sociedades de economia mista são denominadas entidades paraestatais. Elas são pessoas jurídicas de direito privado, mas têm seu regime jurídico derrogado pelo direito público, o que implica dizer que têm natureza híbrida. Tal natureza as inclui na necessidade de contratação através de concursos públicos e de obediência à Lei de licitações. Os contratados das entidades paraestatais estão incluídos na categoria dos servidores estatais e são denominados servidores empregados, ou empregados públicos.
Os demais servidores estatais são servidores públicos propriamente ditos, aqueles contratados pela Administração direta do Executivo, das entidades da Administração indireta vinculadas ao regime de Direito Público (autarquias e fundações), do Poder Judiciário, e da esfera administrativa do Poder Legislativo. Exercem atividade típica de Estado e são necessariamente abrangidos pelo regime estatutário.
Vejamos as palavras do Dr. Mello [11] sobre os diferentes regimes jurídicos aplicáveis às espécies de servidores explanadas acima:
Nas relações contratuais, como se sabe, direitos e obrigações recíprocos, constituídos nos termos e na ocasião da avença, são unilateralmente imutáveis e passam a integrar de imediato o patrimônio jurídico das partes, gerando, desde logo, direitos adquiridos em relação a eles. Diversamente, no liame de função pública, composto sob égide estatutária, o Estado, ressalvadas as pertinentes disposições constitucionais impeditivas, deterá o poder de alterar legislativamente o regime jurídico dos seus servidores, inexistindo a garantia de que continuarão sempre disciplinados pelas disposições vigentes quando de seu ingresso. Então, benefícios e vantagens, dantes previstos, podem ser ulteriormente suprimidos. Bem por isto, os direitos que deles derivem não se incorporam ao patrimônio jurídico do servidor (firmando-se como direitos adquiridos), do mesmo modo que nele se integrariam se a relação fosse contratual.
A Constituição da República, em seus artigos 39 e 41, traz características marcantes e diferenciadoras dos regimes de contratação dos servidores estatais. Sobre o regime estatutário, o Prof. Mello [12] diz o seguinte:
Tal regime, atributivo de proteções peculiares aos providos em cargo público, almeja, para benefício de uma ação impessoal do Estado – o que é uma garantia para todos os administrados –, ensejar aos servidores condições propícias a um desempenho técnico isento, imparcial e obediente tão-só a diretrizes político-administrativas inspiradas no interesse público, embargando, destarte, o perigo de que, por falta de segurança, os agentes administrativos possam ser manejados pelos transitórios governantes em proveito de objetivos pessoais, sectários ou político-partidários – que é, notoriamente, a inclinação habitual dos que ocupam a direção superior do País. A estabilidade para os concursados, após três anos de exercício, a reintegração (quando a demissão haja sido ilegal), a disponibilidade remunerada (no caso de extinção do cargo) e a peculiar aposentadoria que se lhes defere consistem em benefícios outorgados aos titulares dos cargos, mas não para regalo destes e sim para propiciar, em favor do interesse público e dos administrados, uma atuação impessoal do Poder Público.
O Dr. José dos Santos Carvalho Filho [13] complementa acerca do regime estatutário:
Duas são as características do regime estatutário. A primeira é a da pluralidade normativa, indicando que os estatutos funcionais são múltiplos. Cada pessoa da federação, desde que adote o regime estatutário para os seus servidores, precisa ter a lei estatutária para que possa identificar a disciplina da relação jurídica funcional entre as partes. Há, pois, estatutos funcionais federal, estaduais, distrital e municipais, cada um deles autônomo em relação aos demais, porquanto a autonomia dessas pessoas federativas implica, necessariamente, o poder de organizar seus serviços e seus servidores. (...) A outra característica concernente à natureza da relação jurídica estatutária. Essa relação não tem natureza contratual, ou seja, inexiste contrato entre o Poder Público e o servidor estatutário.
Feita a diferenciação entre os regimes, ainda que de forma sumária, podemos passar à análise da estabilidade, como terceiro ponto importante para a análise e conclusão a que se propõe este artigo.