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A separação judicial após a Emenda Constitucional nº 66

09/11/2011 às 14:54
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Se um determinado casal pretende, simplesmente, suspender, por algum tempo, os deveres conjugais, formalizando as condições de tal suspensão, sem, todavia, romper definitivamente o vínculo conjugal, parece que é a separação o único meio hábil a viabilizar a pacificação social, em tal situação.

Resumo

Trata do instituto da separação judicial, após o advento da Emenda Constitucional 66. Parte de uma análise perfunctória das distinções de objeto entre separação e divórcio. Refere as principais tendências doutrinárias de análise da possibilidade jurídica da separação judicial, na nova ordem jurídica. Analisa o tema sob as perspectivas estritamente jurídica e política, para tentar demonstrar a manutenção do instituto no ordenamento jurídico brasileiro.

Palavras chave: casamento, separação, divórcio

Abstract

It deals with the institute of the judicial separation, after the advent of Brazilian Constitutional Emendation 66. It initiates with a summarized analysis of the object distinctions between separation and divorce. It relates the main trends doctrinal of analysis of the legal possibility of the judicial separation, in the new legal order. It analyzes the subject under the strict legal and politics perspectives, to try to demonstrate the maintenance of the institute in the Brazilian legal system.

Key words: marriage, separation, divorce.


1 INTRODUÇÃO

Com o advento da Emenda Constitucional 66, em julho de 2010, suprimiu-se o requisito anteriormente vigente de que se observasse uma separação judicial, por mais de um ano, ou uma separação de fato, por mais de dois anos, para que possa o casamento ser dissolvido pelo divórcio.

A justificativa do respectivo Projeto de Emenda Constitucional fazia referência a uma intenção de se extinguir totalmente os processos de separação judicial.

Assim, houve doutrinadores que entenderam que a reforma constitucional em questão revogou completamente os dispositivos legais que tratavam, até então, da separação judicial. Por via de consequência, passou-se a defender a ideia de que seria juridicamente impossível o pedido de separação judicial.

O resumido estudo que ora se apresenta tem o escopo de analisar, perfunctoriamente, as principais distinções entre a separação e o divórcio, e investigar a eventual possibilidade jurídica do pedido de separação judicial, após o advento da Emenda Constitucional 66.


2 Algumas Distinções entre Separação e Divórcio.

É corrente a impressão de que a separação, há muito tempo, não representava muito mais do que um requisito necessário à viabilização do divórcio.

Uma análise mais detida do tema, contudo, salvo melhor juízo, revela que separação e divórcio são institutos jurídicos que têm objetos sensivelmente diversos.

Segundo a observação perspicaz de Câmara (2008, p. 499),

"o procedimento de separação consensual pode ser definido como o procedimento adequado para os casos em que os cônjuges pretendam obter a homologação de um negócio jurídico bilateral, destinado a desfazer a sociedade conjugal, mantendo-se íntegro, porém, o vínculo matrimonial".

A respeito da sentença proferida em tais casos, esclarece o autor que "[...] modifica a relação jurídica matrimonial (mas não a extingue), pondo fim aos deveres de coabitação e de fidelidade recíproca, bem como ao regime de bens do casamento" (CÂMARA, 2008, p. 502).

Nas palavras de Gagliano (2010, p. 8),

"[...] a separação judicial é instituto menos profundo do que o divórcio. Com ela, dissolve-se, tão-somente, a sociedade conjugal, ou seja, põe-se fim a determinados deveres decorrentes do casamento como o de coabitação e o de fidelidade recíproca, facultando-se também, em seu bojo, realizar-se a partilha patrimonial".

É possível referir, de forma mais específica, enfim, que

"a separação judicial tem por escopo pôr fim à sociedade conjugal, originando as consequências previstas nos arts. 1.575 e 1.576 do CC, a saber: (a) separação de corpos; (b) partilha de bens; (c) afastamento dos deveres de co-habitação; (d) afastamento do dever de fidelidade recíproca; (e) término do regime de bens, remanescendo o vínculo matrimonial, o dever de guarda e de educação dos filhos [...]" (MONTENEGRO FILHO, 2007, p. 479).

Em suma, em que pese o fato de a separação ter sido alçada, pelo ordenamento jurídico que vigia até a Emenda Constitucional 66, à qualidade de requisito geral para o divórcio, os dois institutos sempre tiveram objeto claramente diverso, prestando-se a separação à suspensão dos deveres conjugais e o divórcio à dissolução do vínculo conjugal, propriamente dito.


3 Possibilidade Jurídica da Separação após a Emenda Constitucional 66.

Não há grandes dificuldades em se depreender dos termos do artigo 226, § 6º, da Constituição Federal, com a redação determinada pela Emenda Constitucional 66, de julho de 2010, que se passou a admitir o divórcio direto – tanto pela via consensual, quanto pela litigiosa – independentemente da observância de um prévio período de separação judicial ou de fato.

Instalou-se, contudo, desde o advento da referida Emenda Constitucional, uma relevante controvérsia doutrinária, no que diz respeito à possibilidade jurídica de se formular em juízo um pedido de simples separação, e não de divórcio.

A mesma controvérsia atinge os casos em que se admitia a realização de separação por escritura pública, na forma do art. 1.124-A, introduzido no Código de Processo Civil por força da Lei 11.441, de janeiro de 2007.

Assim, por exemplo, Gagliano (2010, p. 9) entende que

"[...] a partir da promulgação da Emenda, desapareceria de nosso sistema o instituto da separação judicial e toda a legislação, que o regulava, sucumbiria, por conseqüência, sem eficácia, por conta de uma inequívoca não-recepção ou inconstitucionalidade superveniente", e chega a afirmar que "se, por equívoco ou desconhecimento, após o advento da nova Emenda, um tabelião lavrar escritura de separação, esta não terá validade jurídica, por conta da supressão do instituto em nosso ordenamento, configurando nítida hipótese de nulidade absoluta do acordo por impossibilidade jurídica do objeto [...]" (GAGLIANO, 2010, p. 12).

A mesma opinião é partilhada por Traldi (2010), para quem "[...] a Emenda Constitucional nº 66/2010 suprimiu do nosso sistema jurídico o instituto da separação (judicial e extrajudicial)".

Para uma primeira corrente doutrinária, assim, os dispositivos legais que tratam da separação teriam sido, com o advento da Emenda Constitucional 66, automaticamente revogados, passando a vigorar um cenário em que alguém que formula em juízo uma pretensão de simples separação é carecedor de ação, por impossibilidade jurídica do pedido.

Destaque-se, aliás, que parte da doutrina já propalava, mesmo antes do advento da Emenda Constitucional em questão que seria, supostamente, injustificada a manutenção do instituto da separação no sistema jurídico (ARAUJO JÚNIOR, 2008, p. 54).

Nunca é demais, todavia, ressaltar que não se pode confundir a análise jurídica do ordenamento jurídico em vigor com a avaliação política desse mesmo ordenamento (ANTUNES, 2009) – tema de destacada importância, mas que fica excluído dos limites deste resumido estudo.

É importante salientar, de qualquer forma, que para uma segunda corrente doutrinária, a Emenda Constitucional em questão não teria, absolutamente, revogado os dispositivos legais que tratam da separação, e, assim, o instituto continuaria em pleno vigor.

Na síntese feliz de Marques (2010), a este respeito,

"[...] a reforma em tela nada mais fez do que facilitar a dissolução do matrimônio, deixando de condicionar o divórcio à prévia separação judicial ou de fato.

O constituinte reformador nada disse sobre a dissolução da sociedade conjugal – matéria, aliás, estranha ao texto constitucional desde sempre, pois, como visto, as Constituições limitaram-se a disciplinar a (in)dissolubilidade do casamento. Com isso, não se pode dizer que a supressão dos requisitos do divórcio venha a afetar a coexistência da separação judicial.

Em outras palavras, a Emenda nº 66 não excluiu a possibilidade de separação judicial (litigiosa ou consensual); apenas – e isso resta claro da redação de sua epígrafe - disciplinou de forma diversa o instituto do divórcio.

E não poderia ser diferente, visto que se trata de dois institutos diversos, sendo um equívoco, data venia, tratar a separação judicial como um minus em relação ao divórcio. Tanto é assim que os referidos institutos sempre foram independentes um do outro – admitindo-se, outrora, haver separação judicial sem divórcio e divórcio sem a prévia separação judicial.

Com isso, não se pode dizer que a abolição dos requisitos temporais do divórcio, de modo a facilitá-lo, tenha posto fim à separação judicial".

Em suma, afirma o autor que "permanece o regramento infraconstitucional da separação judicial, quer por não haver incompatibilidade, quer por se vislumbrar perfeitamente possível que um casal pretenda dissolver o vínculo matrimonial, sem colocar fim, definitivamente, ao casamento" (MARQUES, 2010).

Neste sentido, pronuncia-se, também, Pinto (2010), que salienta, ainda, que a separação:

"[...] a) nunca foi tratada na constituição, salvo como mera referência ao prazo de um ano do divórcio conversão, tanto antes quanto após a EC 66/2010; b) não põe fim ao casamento, mas apenas à sociedade conjugal, e c) permite o restabelecimento da união conjugal rompida, sem necessidade de novo casamento".

Assim também entende Rosa (2010), para quem,

"[...] a separação não constitui mais condição para a realização do divórcio. Contudo, a separação permanece no ordenamento jurídico, como opção aos cônjuges que não têm interesse na manutenção da sociedade conjugal, mas que por qualquer razão também não desejam dissolver o vínculo matrimonial pelo divórcio".

O cerne da questão parece estar na definição dos limites da própria Emenda Constitucional, quando alterou a redação do art. 226, § 6º, da Constituição Federal, para fazer com que a separação deixasse de ser requisito geral para a concessão do divórcio – e os limites na interpretação do texto constitucional são tema de destacada importância (ANTUNES e BELLINETTI, 2009), cujo tratamento em profundidade também fica excluído dos estreitos limites do estudo que ora se apresenta.

De qualquer forma, parece possível distinguir que, se, de um lado, é bem verdade que a justificativa do Projeto de Emenda Constitucional – da lavra do Deputado Federal Antonio Carlos Biscaia, ainda em 2005 – fez referência clara à sugestão do Instituto Brasileiro de Direito de Família de que não mais se justificaria a sobrevivência do instituto da separação; de outro, é também verdade que o próprio texto da Emenda Constitucional em questão não fez qualquer alusão, ainda que indireta, à extinção do referido instituto.

Como as justificativas de projetos de leis, em geral, e de emendas constitucionais, em particular, não têm caráter normativo, não se poderia concluir, assim, salvo melhor juízo, em uma análise estritamente jurídica do ordenamento jurídico, que a Emenda Constitucional 66 teria retirado o instituto da separação do sistema.

Assim, sob o prisma estritamente jurídico, continuaria plenamente possível a formulação, em juízo, do pedido de separação – e continuaria igualmente possível a realização de separação por escritura pública, nos moldes do art. 1.124-A, do Código de Processo Civil.

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Sob o prisma político, também, parece possível afirmar que haveria boas razões para manutenção do instituto da separação.

Destaque-se, por exemplo, conforme observa Câmara (2008, p. 503), que a "[...] reconciliação sumária não será possível se os cônjuges já se tiverem divorciado, caso em que o vínculo matrimonial já não mais existirá, e a única forma de as partes voltarem a se vincular matrimonialmente é casando-se novamente".

Se um determinado casal pretende, simplesmente, suspender, por algum tempo, os deveres conjugais, formalizando as condições de tal suspensão, sem, todavia, romper definitivamente o vínculo conjugal, parece que é a separação o único meio hábil a viabilizar a pacificação social, em tal situação.

É, sob o ponto de vista político, salutar que a Emenda Constitucional 66 tenha vindo viabilizar o divórcio direto, sem a necessidade de prévia separação; mas parece igualmente salutar que não tenha extinguido o instituto da separação – como, aliás, efetivamente não fez.


Conclusões

Em que pese o fato de a separação ter figurado, durante décadas, como requisito geral para a concessão de divórcio, os dois institutos tiveram, sempre, objetos bastante distintos.

Enquanto a separação, de um lado, simplesmente suspende uma série de deveres conjugais, o divórcio, a seu turno, dissolve definitivamente o vínculo conjugal.

Com o advento da Emenda Constitucional 66, a separação deixou de ser um requisito geral para o divórcio, mas parece possível depreender, do texto da própria norma em questão, que não houve, de qualquer forma, revogação do instituto da separação, que continua, assim, sendo juridicamente possível, para todos os efeitos.


REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Sobre o autor
Thiago Caversan Antunes

Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), Especialista em Direito Civil e Processo Civil (UEL) e Mestre em Direito Negocial (UEL). Doutor em Direito pela Universidade de Marília (UNIMAR). Professor do curso de graduação em Direito da Universidade Positivo (UP Londrina), e de diversos cursos de pós-graduação. Membro da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPro) e da Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE). Autor de livros e artigos científicos. Atua como advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANTUNES, Thiago Caversan. A separação judicial após a Emenda Constitucional nº 66. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3052, 9 nov. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20390. Acesso em: 28 mar. 2024.

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