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CPI e o sigilo bancário

01/01/2000 às 01:00
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O Supremo Tribunal Federal reconheceu a competência das Comissões Parlamentares de Inquéritos (CPI) para a quebra do sigilo bancário. A decisão da mais alta Corte de Justiça do país prestigia o instrumento de investigação parlamentar, cuja credibilidade mostra-se claudicante. Cabe esperar que as atividades dos parlamentares sejam próprias e inerentes ao âmbito da atribuição constitucional específica, de sorte a não confundir e usurpar as funções da Polícia e do Ministério Público.

A Constituição Federal prevê poderes investigatórios para a CPI (párag.3º do artigo 58) enquanto a Lei Federal 4.594/64 autoriza a CPI requisitar informação bancária dos investigados. A discussão centra-se na fixação dos limites da CPI com relação a tais poderes, bem como em verificar se a norma infraconstitucional de 1964 não contraria a Constituição da República.


Causa preocupação, não há dúvida, a possibilidade do uso indiscriminado e inadequado pelas CPI dessa prerrogativa. No entanto, como nenhuma lesão ou ameaça a direito é excluída da apreciação do Poder Judiciário, a expectativa é no sentido de não estar o Supremo Tribunal Federal adotando o precedente característico dos tribunais de exceção.

Nesse contexto, o sigilo bancário tem sido alvo de discussões e estudos, embora por se colocar na esfera da proteção à intimidade represente proteção natural de qualquer cidadão, além de norma elementar e indispensável de direito individual (artigo 5º, inciso X, XII, e párag. 4º, inc. IV do 60 da CF).

É difícil precisar o surgimento do sigilo, resultando dessa incerteza o entendimento que se liga ao início das atividades bancárias. Se a origem dos bancos tem conotação mística – nascidos que foram dos templos – conforme nos informa MEUNIER (Histoire de la Banque), o mais antigo estabelecimento bancário conhecido foi de Erouk, situado entre o Tigre e o Eufrates, datado de 3400 a 3200 a.C.. Vale observar que as operações bancárias precederam à existência da moeda, desenvolvendo-se inicialmente in natura. A mais antiga referência de sigilo bancário é encontrada no Código de Hamurabi - no qual se mencionava a possibilidade que tinha o banqueiro de desvendar seus arquivos em caso de conflito com o cliente (cf. Nelson Abrão, Sigilo Bancário, ed. RT).

O propósito de manter certa discrição no concernente à posse e disponibilidade de bens materiais, chega a ser geralmente instintivo na natureza humana, quando não para evitar a pretensão do Fisco, ou para fugir de sentimentos menos nobres daqueles inferiormente dotados de bens. A demonstração de riqueza, ostensiva nos primeiros tempos e ainda em lugares culturalmente atrasados, perdeu terreno nos dias atuais até alcançar a pessoa jurídica, onde os detentores das ações não são identificados.

O segredo não deixa de ser uma técnica destinada à captação de recursos, com pleno êxito realizada pelos bancos suíços, daí advindo a credibilidade das instituições financeiras helvéticas. Nos tempos modernos o sistema de conta corrente, créditos e descontos possibilita às pessoas jurídicas e físicas uma parceria com as instituições financeiras, o que explica o valor que os empresários lhe concedem ao sigilo em operações e finanças.

O sigilo bancário, conforme anota o magistrado paulista Sergio Covello, "é no conceito do jurista mexicano Octávio Hernandez o dever jurídico que têm as instituições de crédito e as organizações auxiliares e seus empregados de não revelar nem direta nem indiretamente os dados que cheguem ao seu conhecimento, por razão da atividade que exercem".

Atualmente existem três sistemas legais a respeito do assunto: a) o anglo-saxão, em que o sigilo não encontra amparo legal; b) os dos países da Europa continental – que o contempla em vários diplomas legais e, c) o da Suiça e do Líbano, que o reforçam.

Há aparente contradição no sistema inglês e norte-americano, pois se de um lado nestes países se eleva a garantia das liberdades individuais, de outro se despreza o sigilo bancário. É que se ocorre conflito entre a apuração de fatos (fator social) e a privacidade das pessoas (fator individual), prevalece a primeira. Mais ainda: o relacionamento de clientes e bancos, longe de estabelecê-lo, serve como fonte de informação em favor de terceiros; a indiscrição injustificada, porém, é objeto de sanção. E na Inglaterra os poderes públicos não intervêm no funcionamento dos estabelecimentos privados de crédito, o que debilita a investigação.

Nos países da Europa continental a legislação contempla o sigilo bancário como conseqüência do profissional, e comporta derrogações na esfera penal e em alguns casos na civil, mas comina sanções criminais no caso de violação do sigilo (Cód. Penal francês artigo 378, Cód. Penal italiano art. 622).

A sistemática fortalecida é aquela utilizada na Suíça, decorrente da crise ocorrida em 1931 com o fechamento do Banco de Genebra, que ensejou a edição de lei estabelecendo severas punições de natureza civil e criminal. Tanto a legislação suíça como a libanesa esta surgida em 1956, permitem derrogações em certas hipóteses. A existência das contas numeradas comprova a importância do sigilo nestes países.

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É certo não ser absoluto o segredo, nem sua quebra em determinadas situações significa abuso de poder. Aliás, nenhum direito é absoluto.


Em nosso país as autoridades administrativas e policiais procuram encontrar justificativas para romper o sigilo. A partir de 1964, posto que passássemos a contar com legislação específica, a lei bancária autorizou excepcionar o sigilo frente às autoridades públicas (artigo 38 da Lei nº 4.595/64). O fiel da balança oscila entre a tutela do interesse individual da intimidade, e o real interesse na ordem pública. A ponderação dos limites da proteção individual em confronto com o direito do Estado é tarefa que exige profunda, criteriosa e prudente análise, premissas peculiares ao Poder Judiciário.

A quebra do segredo é exceção. Um dos preceitos mais recomendados aos banqueiros é a guarda nos negócios do cliente com a finalidade de impedir que terceiros tomem conhecimento dos fatos captados pelo banco, no exercício de sua atividade. A abstenção adquire, portanto, relevo econômico. Já a violação é suscetível de provocar danos de ordem material e moral. A troca interbancária de informações a respeito da clientela, sem autorização, contraria a obrigação do sigilo imposta aos bancos.

Curiosamente no Brasil, cujo ordenamento legal é similar ao dos países da Europa continental, o sigilo é rompido toda vez que o gerente ou funcionário do banco telefona ao cliente para indagar sobre o interesse da aplicação do saldo disponível.

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Sobre o autor
Rui Celso Reali Fragoso

presidente do instituto dos advogados de São Paulo (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRAGOSO, Rui Celso Reali. CPI e o sigilo bancário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 38, 1 jan. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/204. Acesso em: 3 mai. 2024.

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