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É inconstitucional o art. 8º do Decreto nº 3.931/01?

10/11/2011 às 16:36
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Seria salutar a criação de mais um inciso no art. 24 da Lei nº 8.666/93, pelo qual se faria dispensável a licitação no caso de adesão à ata de registro de preços, ratificando a prática da carona.

Segundo Marçal Justen Filho, a resposta é positiva. Assim, o autor afirma que:

O princípio da isonomia impõe que todos os potenciais interessados tomem ciência da extensão das contratações que a Administração pretende realizar. Não é possível que uma licitação aparentemente irrelevante, que não desperta atenção e competição entre os empresários do setor, seja transformada em uma fonte inesgotável de contratações para o licitante que a venceu.

O princípio da economicidade acarreta vedação a licitações cuja indeterminação de limites afugenta os empresários sérios e responsáveis. A ausência de fixação de limites máximos representará um risco muito sério para interessados cuja capacidade de fornecimento for restrita e delimitada.

Bem por isso e tal como adiante se exporá, é ilegal e descabida a inovação trazida pelo Decreto nº 4.342/2002, ao incluir um novo § 3º para o art. 8º, admitindo a possibilidade de contratações que superem 100% os quantitativos máximos previstos no ato convocatório. Esse dispositivo é radicalmente incompatível com a ordem jurídica infringe o princípio da vinculação ao ato convocatório. É indefensável realizar contratações além dos limites previstos no ato convocatório, excluídas hipóteses de cunho excepcional disciplinadas na própria Lei. Regra regulamentar não poderia inovar esse elenco. [01]

Data venia, o Decreto acertou em desburocratizar o processo administrativo de maneira simples e eficiente. Tal fato premia o fornecedor que demonstrou no certame licitatório promovido por um órgão público que o seu produto é o mais vantajoso para a Administração Pública. A posição de inconstitucionalidade do art. 8º está focada principalmente no § 3º: "As aquisições ou contratações adicionais a que se refere este artigo não poderão exceder, por órgão ou entidade, a cem por cento dos quantitativos registrados na Ata de Registro de Preços". O fornecedor poderá vender seu produto sem limite, ou seja, se registra 100 computadores, ele poderá vender 10.000 computadores (ou até infinitamente mais) para outras entidades que solicitarem "carona" para o órgão gerenciador, limitado, é claro, a 100 computadores para cada órgão "caroneiro". Dessa sorte, esse procedimento fere o princípio constitucional da isonomia, pois se, no momento do processo licitatório, os fornecedores soubessem que venderiam 10.000 computadores, e não 100, conforme previsto no instrumento convocatório, poder-se-ia fomentar a competitividade e obter um preço menor pela economia de escala. Tal argumento é válido se fosse verdade absoluta a economia de escala. Porém, no registro de preços não existe economia de escala. Nesse sentido:

Já numa licitação de Registro de Preços, os interessados não formulam propostas unitárias de contratação, elaboradas em função de quantidades exatas. As propostas definem a qualidade do produto e o preço unitário, mas as quantidades a serem adquiridas e a ocasião em que ocorrerá a aquisição dependerão das conveniências da Administração. Uma vez decidida a contratar, a Administração verificará se os preços registrados são compatíveis com os praticados no mercado. Em caso positivo, realizará as aquisições com eficiência, rapidez e segurança. [02] (Grifamos.)

Nesse diapasão, o jurista Joel de Menezes Niebuhr:

Inicialmente, em vez de o licitante oferecer preço para todo quantitativo previsto no edital, ele o faz em relação à unidade ou para lote predefinido pela Administração. Por exemplo, o edital visa à compra de cem pneus. O licitante não cota preço para cem pneus. Ele cota preço para um pneu ou para um lote, supõe-se, com quatro pneus. [03] (Grifamos.)

Observa-se que, no SRP, a Administração não é obrigada a contratar, ou seja, pode comprar uma unidade (ou até nenhuma unidade) e pode comprar as cem unidades de pneus. Exemplificando melhor, supõe-se uma licitação de 200.000 sacos de cimento de 50 kg e, no decorrer da validade da ata de registro de preços, adquirem-se apenas cinco sacos de cimento. Será que o fornecedor não iria sair no prejuízo? Pode-se estimar que o fornecedor deve ter uma perspectiva de vender pelo menos 25% do quantitativo definido no edital. Infelizmente, essa prática do carona não está sendo aceita pela maioria dos doutrinadores, e o TCU se pronunciou no Acórdão nº 1.487/2007, Plenário:

7. Referindo-se à regra inserta no art. 8º, § 3º, do Decreto nº 3.931, de 19 de setembro de 2001, que permite a cada órgão que aderir à Ata, individualmente, contratar até 100% dos quantitativos ali registrados. No caso em concreto sob exame, a 4ª Secex faz um exercício de raciocínio em que demonstra a possibilidade real de a empresa vencedora do citado Pregão 16/2005 ter firmado contratos com os 62 órgãos que aderiram à ata, na ordem de aproximadamente 2 bilhões de reais, sendo que, inicialmente, sagrou-se vencedora de um único certame licitatório para prestação de serviços no valor de R$ 32,0 milhões. Está claro que essa situação é incompatível com a orientação constitucional que preconiza a competitividade e a observância da isonomia na realização das licitações públicas.

8. Para além da temática principio lógica que, por si só já reclamaria a adoção de providências corretivas, também não pode deixar de ser considerada que, num cenário desses, a Administração perde na economia de escala, na medida em que, se a licitação fosse destinada inicialmente à contratação de serviços em montante bem superior ao demandado pelo órgão inicial, certamente os licitantes teriam condições de oferecer maiores vantagens de preço em suas propostas. (Grifamos.)

A crítica do TCU a respeito do carona fez o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão criar a Intenção de Registro de Preços (IRP), porém, até o presente momento, não respondeu ao Tribunal de Contas sobre a limitação do carona. O jurista Joel de Menezes Niebuhr critica essa figura:

Ocorre que a figura da adesão à ata de registro de preços não encontra qualquer resquício de amparo legal. Ela foi criada de forma independente e autônoma, por meio de regulamento administrativo, do Decreto Federal nº 3.931/2001. Neste sentido, é forçoso afirmar que o Presidente da República, ao criar a figura da adesão à ata de registro de preços sem qualquer amparo legal, excedeu as suas competências constitucionais (inciso IV do artigo 84 da Constituição Federal), violando abertamente o princípio da legalidade.

O agravo que a adesão à ata de registro de preços impinge à legalidade não é de ordem substancial, mas formal. O carona não vulnera a legalidade em razão do que ele implica ou dispõe, mas porque foi criado de modo inválido, incompatível com o inciso IV do artigo 84 da Constituição Federal. Melhor explicando, a forma como o carona em si implica e dispõe. O que a adesão à ata de registro de preços em si implica e dispõe viola outros princípios, não o da legalidade. Para que a adesão à ata de registro de preços não mais ferisse a legalidade, bastaria que ele encontrasse guarida em lei; que a lei tratasse dele, ainda que de modo geral, remetendo detalhes ao regulamento administrativo. Agora, não é constitucionalmente admissível que regulamento administrativo, um Decreto da lavra do Presidente da República, crie o instituto da adesão à ata de registro de preços sem qualquer lastro legal, inovando a ordem jurídica por meio da outorga autônoma de competência aos agentes administrativos, com repercussões de monta na esfera jurídica de terceiros.

Quem poderia, em tese, criar a adesão à ata de registro de preços é o Poder Legislativo, através de lei, em obediência ao princípio da legalidade. O carona jamais poderia ser criado, como malgrado foi, pelo Presidente da República, através de mero regulamento administrativo. No Estado Democrático de Direito não se deve governar por decreto, mas por lei, conforme preceitua o princípio da legalidade, festejado de modo contundente e irrefutável pela Constituição Federal. [04] (Grifamos.)

No intuito de provar a legalidade da figura do carona, reporta-se à Constituição Federal, in verbis:

Art. 37A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...)

XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. (Grifamos.)

E, ainda, a própria legislação das licitações e contratos, a Lei nº 8.666/93, in verbis:

Art. 15 As compras, sempre que possível, deverão:

II - ser processadas através de sistema de registro de preços;

III - submeter-se às condições de aquisição e pagamento semelhantes às do setor privado;

IV - ser subdivididas em tantas parcelas quantas necessárias para aproveitar as peculiaridades do mercado, visando economicidade;

V - balizar-se pelos preços praticados no âmbito dos órgãos e entidades da Administração Pública.

§ 1º O registro de preços será precedido de ampla pesquisa de mercado.

§ 2º Os preços registrados serão publicados trimestralmente para orientação da Administração, na imprensa oficial.

§ 3º O sistema de registro de preços será regulamentado por decreto, atendidas as peculiaridades regionais, observadas as seguintes condições:

I - seleção feita mediante concorrência;

II - estipulação prévia do sistema de controle e atualização dos preços registrados;

III - validade do registro não superior a um ano.

§ 4º A existência de preços registrados não obriga a Administração a firmar as contratações que deles poderão advir, ficando-lhe facultada a utilização de outros meios, respeitada a legislação relativa às licitações, sendo assegurado ao beneficiário do registro preferência em igualdade de condições.

§ 5º O sistema de controle originado no quadro geral de preços, quando possível, deverá ser informatizado.

§ 6º Qualquer cidadão é parte legítima para impugnar preço constante do quadro geral em razão de incompatibilidade desse com o preço vigente no mercado. (Grifamos.)

A Constituição Federal é taxativa no sentido de que a Administração Pública deve ser eficiente, e, ainda, a Lei nº 8.666/93 utiliza mecanismo de controle para assegurar a contratação pública com economicidade. Sabe-se que o particular pode adquirir sem burocracia as mais diversas necessidades mediante pagamento à vista, a prazo, cheque pré-datado, nota promissória, etc. Todavia, quando chega à Administração Pública, parece tudo mais difícil, afinal, a licitação demanda tempo e dinheiro, e os produtos ofertados pelos licitantes muitas vezes não atendem à necessidade da Administração ou atendem de modo precário. O carona é totalmente compatível com o inc. III do art. 15 da Lei nº 8.666/93 e a Constituição Federal.

A economia de escala só teria guarida se a Administração Pública fosse obrigada a adquirir o objeto licitado, e, ainda, caso prospere a economia de escala, podemos, numa simples observação, verificar a falta dessa economia quando existem inúmeros pregões de material de expediente, limpeza e informática dos mais diversos órgãos públicos que individualmente não realizam SRP. Cada órgão realiza individualmente sua licitação, que, na grande maioria, tem itens comuns. Dessa feita, o Governo tem um prejuízo considerável. O argumento da economia de escala poderia fomentar a possibilidade de vários órgãos públicos se unirem para proceder à licitação conjunta sem ser obrigatoriamente SRP, ou seja, haveria a aquisição dos quantitativos dos itens licitados na sua totalidade, ressalvados os casos de acréscimos ou supressões previstos no § 1º do art. 65 da Lei nº 8.666/93. Nesse caso, haveria efetivamente economia de escala e toda crítica feita pela doutrina e jurisprudência no que tange a esse quesito estaria correta. Todavia, não há possibilidade de fazer uma licitação conjunta sem ser registro de preços, por falta de amparo legal e porque o sistema Comprasnet não disponibiliza ferramenta pra tal.

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Cabe destacar a propaganda do Governo Federal sobre licitação de telefonia:

15/12/2008 - GOVERNO FEDERAL REDUZ A QUASE METADE OS CUSTOS COM SERVIÇOS DE TELEFONIA

Os órgãos do Governo Federal, em Brasília, vão pagar em média 41,74% a menos para a prestação de serviços de telefonia a partir do próximo ano. A redução anual de R$ 10,5 milhões no valor das tarifas foi possível graças à primeira licitação conjunta já realizada na Administração Pública Federal para a prestação desse tipo de serviço.

O governo obteve uma redução de 35,41% no preço dos serviços locais, de 37,31% nos serviços de Longa Distância Nacional e de 52,49% na modalidade Longa Distância Internacional. Dezoito ministérios participaram do pregão eletrônico, coordenado pela Subsecretaria de Planejamento, Orçamento, e Administração do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, para a contratação de serviços de telefonia nessa três modalidades.

Considerando este primeiro conjunto de órgãos, haverá uma economia anual de aproximadamente R$ 10,5 milhões. Como a licitação foi realizada utilizando o Sistema de Registro de Preços, outros órgãos poderão aderir à Ata de Registro de Preços e pagar preços reduzidos pelos serviços da mesma maneira que os demais ministérios participantes do processo.

Até então, cada órgão fazia licitações e contratos individuais que oferecem menos vantagens à Administração Pública com relação às compras feitas em escala.

Os serviços nas modalidades local e longa distância nacional, no valor de R$ 17,9 milhões, serão prestados pela GVT. Já os serviços de longa distância internacional no valor de total de R$ 424,7 mil serão fornecidos pela Brasil Telecom. Esses valores significam uma economia média de 41,74% em relação ao preço anual pago pelo Governo Federal para os dezoito órgãos que era de R$ 28,9 milhões, nas três modalidades.

A redução de preços foi obtida graças a disputa de preços propiciada pelo pregão eletrônico e cuja sessão pública pôde ser acompanhada em tempo real pela sociedade por meio do portal www.comprasnet.gov.br. Esse é o Portal de Compras onde são registradas e realizadas as compras eletrônicas do Governo Federal.

Inicialmente, cerca de 30 mil ramais telefônicos estão abrangidos por essa licitação e a numeração dos mesmos será alterada a partir de janeiro. As mudanças vão respeitar o término dos contratos atualmente em vigor em cada órgão.

Essa iniciativa foi viabilizada pela Infovia Brasília que integrou a infra-estrutura de telefonia dos órgãos federais localizados na capital federal. Já estão interligados por fibra óptica 70 prédios da Administração Pública Federal que contam também com os serviços de interconexão de redes, acesso à internet e vídeo-conferência possibilitados pela Infovia. (fonte: www.comprasnet.gov.br, acesso em 17/10/2009 às 19h e 20min.) (Grifamos.)

Se qualquer órgão público do Distrito Federal fosse impedido de aderir à ata de registro de preços do caso supracitado, indubitavelmente o órgão "caroneiro" faria uma licitação e contrataria com preço superior o serviço de telefonia. Será que a Administração Pública é compelida a realizar a licitação, sabendo previamente que é mais vantajoso utilizar-se do carona?

Ressaltamos que o órgão público (que representa a figura do Estado) procedeu à licitação exigida na CF/88, ou seja, houve todo o trâmite administrativo legal para chegar ao vencedor do certame. Se outro órgão público tem a mesma necessidade do órgão que procedeu à licitação, deve a CF/88 obrigar a "repetição" da licitação, pautada no princípio da isonomia, se os licitantes sabem de antemão que o Decreto nº 3.931/01 permite a possibilidade do carona. Vale ressaltar que o "caroneiro" deve provar a economicidade e a eficiência da contratação via carona, consoante determina o art. 8º do Decreto nº 3.931/01:

A Ata de Registro de Preços, durante sua vigência, poderá ser utilizada por qualquer órgão ou entidade da Administração que não tenha participado do certame licitatório, mediante prévia consulta ao órgão gerenciador, desde que devidamente comprovada a vantagem. (Grifamos.)

Ademais, o carona permite ao administrador público conhecer de antemão três requisitos essenciais para a contratação pública: (a) qualidade do fornecedor; (b) qualidade do objeto; e (c) preço do objeto. Não adianta pensar na licitação como fim em si mesmo, deve-se ter em mente o propósito maior, qual seja, satisfazer a necessidade pública: (1) não adianta ter um produto excelente com um preço baixo se o fornecedor não entrega o produto; (2) não adianta ter um produto ruim com preço adequado; (3) e adianta muito menos ter um fornecedor excelente, com produto excelente, mas com um preço exorbitante. O carona permite ao agente público saber antecipadamente todos esses requisitos. Tal possibilidade não pode ser vislumbrada quando o órgão público realiza a licitação, muitas vezes o fator sorte é essencial para um resultado meramente satisfatório.

Partindo para um exemplo prático, um órgão público necessita de tinta para pintura e existem no Brasil três marcas mais conhecidas: Renner, Coral e Suvinil. Ocorre que na licitação surgem algumas marcas de qualidade duvidosa, que além de não serem conhecidas pelo público em geral, atesta-se que na maioria das vezes são de uma qualidade inferior à das marcas mais tradicionais. Como é difícil indicar tecnicamente a marca, ou até mesmo se valer da padronização, a Administração Pública pode aderir ao carona no qual o produto tenha preço abaixo do mercado, pode analisar previamente se o fornecedor entrega no prazo e, principalmente, se o produto atende à sua necessidade qualitativamente.

Nesse aspecto, a Administração deve observar primeiramente a vantagem da utilização da ata de registro de preços, mormente se está dentro do preço de mercado. Segundo, se a ata atende à necessidade da Administração Pública, por que obrigá-la a proceder à licitação, que demanda tempo e dinheiro, em detrimento aos princípios constitucionais da eficiência e da economicidade, e ainda do princípio da razoabilidade, evitando, dessa forma, o fracionamento da despesa ou até mesmo o uso inadequado da emergência para dispensar uma licitação?

O fornecedor que se sentir lesado com a prática do carona, por ferir o princípio da isonomia, poderá ter maior venda se for o vencedor da licitação de registro de preços e usufruir de maior lucro na prática do carona, se for um bom fornecedor, é claro. O carona é uma ferramenta que fomenta a prática sadia do bom vendedor, que venderá se o seu produto for de qualidade e com preços atraentes.

Para subsidiar a legalidade do carona:

A simples legalidade estrita da atuação estatal passou a se considerar insuficiente a título de legitimação do direito. Neste sentido, o sistema não seria legítimo se apenas cumpridas pelo Estado as regras legais que lhe integram, sendo necessária a ampliação da legalidade para a noção da juridicidade, em cujo bojo inserem-se valores como eficiência, moralidade, segurança jurídica e proporcionalidade. A regra legal torna-se apenas um dos elementos definidores da noção de juridicidade que, além de abranger a conformidade dos atos com tais regras, exige que sua produção (a destes atos) observe – não contrarie – os princípios gerais de Direito previstos explícita ou implicitamente na Constituição.

Destarte, atualmente quando se fala que, segundo o princípio da legalidade, o administrador público somente pode agir se a lei expressamente o autoriza, entenda-se lei como toda norma jurídica, princípios constitucionais explícitos ou implícitos, princípios gerais de direito, regras legais, normas administrativas (decretos, portarias, instruções normativas, etc.). [05] (Grifamos.)

O Direito deve acompanhar os anseios da sociedade. Não se estaria discutindo o carona se ele não existisse. O resultado da utilização dessa ferramenta foi significativamente positivo.

Não se pode admitir que o País deva aguardar o Legislativo para ratificar o carona nem que o presidente da República, que é o representante do Poder Executivo e, por conseguinte o maior interessado, deva se omitir na melhoria do processo de contratação pública. O Decreto nº 3.931/01, principalmente no seu art. 8º, acertou em fomentar a eficiência do Estado pautado nos princípios constitucionais, mormente nos princípios da legalidade (juridicidade) e da eficiência.

Para os críticos do carona, cabe recordar que quase todas as críticas sobre a legalidade do pregão foram superadas quando foi promulgada a Lei nº 10.520/02. É nessa linha que se espera que o Legislativo promulgue uma lei para "legalizar" de uma vez por todas a figura do carona, visto que essa prática administrativa se mostrou eficiente. Seria salutar a criação de mais um inciso no art. 24 da Lei nº 8.666/93, pelo qual se faria dispensável a licitação no caso de adesão à ata de registro de preços, ratificando a prática da carona.

Todavia, infelizmente, o Poder Legislativo está muito aquém do esperado. Afinal, há 142 dispositivos da Constituição que, após 20 anos de espera, ainda não foram regulamentados, conforme reportagem da revista Época. [06] Não é difícil concluir que os agentes públicos não estão sendo atendidos nas mais diversas necessidades de melhoria legislativa que a sociedade almeja. Nesse sentido, o Poder Executivo é o mais prejudicado devido à necessidade de fazer a máquina pública funcionar.

A Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, mais conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), no parágrafo único do art. 11, diz ser vedada a transferência voluntária para o ente que não observe a instituição, a previsão e a efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação. Se for efetivamente aplicada a LRF, a União seria prejudicada, pois o inc. VII do art. 153 da Constituição Federal até hoje não foi regulamentado, in verbis:

Art. 153 Compete à União instituir impostos sobre:

I - importação de produtos estrangeiros;

II - exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados;

III - renda e proventos de qualquer natureza;

IV - produtos industrializados;

V - operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários;

VI - propriedade territorial rural;

VII - grandes fortunas, nos termos de lei complementar. (Grifamos.)

Se a União for cobrar das demais esferas de governo (estaduais e municipais) a aplicação da LRF, os órgãos públicos federais seriam impedidos de receber transferências voluntárias, pois a União é a primeira a descumprir a Lei supramencionada, sendo agravante o fato por se tratar de matéria constitucional.

A aplicação draconiana da legislação, sem pautar-se nos princípios constitucionais, pode gerar prejuízos significativos na Administração Pública. Dessa feita, não há como pensar em dano ao erário ou crime por não ter procedido ao certame licitatório quando se fala do carona, pois o pensamento do gestor público deve ser sempre pautado pelo interesse da sociedade, que urge por resultados rápidos e eficazes das necessidades cada vez maiores no mundo, que muda sempre e o tempo todo.


CONCLUSÃO

O interesse fundamental na produção deste artigo ocorreu em razão do desafio da abordagem inovadora do carona, também devido às transformações que vêm tomando forma no bojo da Administração Pública, especialmente em decorrência da globalização econômica e da necessidade de que o Estado passe a atuar gerencialmente e com eficiência, da maneira como fazem as grandes corporações na esfera privada.

Diante de todo esse quadro, surge a preocupação em garantir a preservação dos bens e interesses públicos. Afinal, os gestores públicos atuam em nome e em favor de toda a sociedade. Assim, procuraram-se as fundamentações jurídicas que assegurem legalidade aos processos administrativos que revolucionam a gestão pública, sempre com o espírito voltado para proteger o direito público e as instituições públicas, discutindo mecanismos lícitos, seguros e éticos dos quais essas instituições podem se valer.

Dessa forma, analisamos a figura do carona e sua importância dentro da sociedade atual. Esse sistema tem representado na sua aplicação prática, grande crescimento da produtividade e celeridade dos processos licitatórios, fato que certamente refletirá de forma positiva em nossas atividades administrativas, gerando elogios no que tange à contratação de serviços e aquisição de produtos necessários para os órgãos públicos.

A atraente participação do carona, tanto para o fornecedor quanto para a entidade pública, representa enorme avanço na mentalidade dos gestores públicos, em especial no tocante ao reconhecimento da necessidade de progressos e melhorias nas instituições públicas.

Esperamos ter contribuído com o aprendizado de cada um que teve contato com este artigo, bem como ter lançado uma semente passível de ser regada e iluminada por novas ideias, para que, assim, possamos germinar e dar origem a outras formas de processos no âmbito jurídico, mais aperfeiçoados, a fim de reduzir a burocracia em nosso País.


REFERÊNCIAS

CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de direito administrativo. Juspodivm, 2008.

Comprasnet – Portal de Compras do Governo Federal. Disponível em: <www.comprasnet.gov.br>. Acesso em: out. 2009.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006.

FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Sistema de registro de preços e pregão. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2005.

_____. Contratação direta sem licitação.7. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2007.

_____. Vade mecum de licitações e contratos. Belo Horizonte: Fórum, 2004.

FIGUEIREDO, Lucia Valle. Curso de direito administrativo. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

GUIMARÃES, Edgar; NIEBUHR, Joel de Menezes. Registro de preços: aspectos práticos e jurídicos. Belo Horizonte: Fórum, 2008.

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 9. ed. São Paulo: Dialética, 2002.

_____. Pregão – Comentários à legislação do pregão comum e eletrônico. 4. ed. São Paulo: Dialética, 2005.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres; DOTTI, Marinês Restelatto. Políticas públicas nas licitações e contratações administrativas. Belo Horizonte: Fórum, 2009.

Revista Época, Editora Globo, n. 539, p. 74, 15 set. 2008.

TCU – Tribunal de Contas da União. Disponível em: <http://portal2.tcu.gov.br/TCU>. Acesso em: set. 2009.


Notas

1 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 9. ed. São Paulo: Dialética, 2002. p. 162-163.

2 Ibid., p. 155.

3 GUIMARÃES, Edgar; NIEBUHR, Joel de Menezes. Registro de preços: aspectos práticos e jurídicos. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 22.

4 Ibid., p. 113-115.

5 CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de direito administrativo. Juspodivm, 2008. p. 53.

6Revista Época, Editora Globo, n. 539, p. 74, 15 set. 2008.

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Sobre o autor
Josevan Duarte Magalhães

Bacharel em Logística. Bacharel em Direito. Especialista em Direito Público. Mestre em Direito pela Universidade Pablo de Olavide (Sevilha - Espanha).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAGALHÃES, Josevan Duarte. É inconstitucional o art. 8º do Decreto nº 3.931/01?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3053, 10 nov. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20412. Acesso em: 22 nov. 2024.

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