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A aplicabilidade da Lei nº 8.429/92 aos agentes políticos

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3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

De todo o exposto, percebe-se que existem quatro entendimentos divergentes acerca da aplicabilidade da Lei 8.429/92 aos agentes políticos.

O STJ, em 2009, no RESP. 1.034.51-CE, decidiu que apenas as autoridades com foro de prerrogativa de função para o processo e julgamento por crime de responsabilidade, elencadas na CFRB/88 não se submetem è Lei 8.429/92. Assim, o Presidente e o Vice-Presidente da República, os Ministros de Estado os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União, juízes estaduais e do Distrito Federal e Territórios, bem como os membros do Ministério Público, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais; juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho, conforme arts. 52, I e II, c/c 96, III, c/c 102, I, "c", c/c 105, I, "a" c/c 108, I, a, todos da CFRB/88.

Fora estas hipóteses, todos os demais agentes políticos respondem por improbidade administrativa conforme a Lei 8.429/92. Ou seja, não há antinomia entre a lei 8.429/92 e o Decreto- Lei 201/67, vale dizer, tanto o prefeito quanto o vereador podem responder pela lei 8.429/92.

Este entendimento acima foi posterior ao entendimento de 2006, no RESP 456649/MG, onde se estabeleceu que Prefeitos e Vereadores também têm diploma específico, qual seja, o Decreto- Lei 201/67 que prevê punição de delitos de responsabilidade, por isto, não respondem pela lei 8.429/92.

Por um terceiro entendimento, o Decreto-Lei 201/67 prevê crime de responsabilidade apenas para o Prefeito, rezando que o Vereador pode responder por crime de improbidade, conforme art. 1 º c/c art. 7º, I, Decreto – Lei 201/67. Ocorre que a CF prevê que o Presidente da Câmara dos Deputados (que pode ser um Vereador), pode responder por crime de responsabilidade nas hipóteses previstas no art. 29§ 3º, CFRB/88. Assim, quando a Câmara Municipal gastar mais de setenta por cento de sua receita com folha de pagamento, incluído o gasto com o subsídio de seus Vereadores, o Presidente da Câmara Municipal estaria cometendo crime de responsabilidade. Em suma, por este entendimento, o Prefeito não se submeteria ao regime da lei 8.429/92. Já o vereador estaria sujeito ao regime da lei 8.429/92, salvo se fosse o Presidente da Câmara dos Deputados e violasse o art. 29§3º, CF, pois neste caso, estaria submetido ao regime do crime de responsabilidade.

Não obstante os entendimentos acima, parece que o melhor entendimento, é o que defende que todos os agentes políticos se submetem ao regime da lei 8429/92. Não há falar em bis in idem, pois a Lei de improbidade e a Lei de responsabilidade trazem sanções diversas que podem até mesmo serem cumuladas. Da mesma forma, ocorreria quanto ao Decreto–Lei 201/1950, que, para os prefeitos, prevê sanções que poderiam ser cumuladas com as sanções da Lei 8.429/92, discussão esta que nem sequer existe para os Vereadores, já que, como visto, o Decreto- Lei 201/1950 sequer define crimes de responsabilidade dos vereadores, que, por isto, se submetem à Lei 8.429/92.

Deve-se ressalvar a questão da competência para declarar a perda do mandato dos agentes políticos já que, como visto, ainda que estes agentes respondam pela Lei 8429/92, o juiz de primeiro grau não teria competência para declarar a perda do mandato destes agentes, caso contrário, haveria uma subversão da sistemática prevista constitucionalmente, pois eventual destituição, por exemplo, do Ministro de Estado, é uma modalidade de punição típica do elenco dos mecanismos de controle e aferição da responsabilidade política no sistema presidencial de governo.

Porém, a ausência de competência do juiz de primeiro grau para determinar a perda do mandato destes agentes políticos não será óbice para que o juiz estabeleça as determinadas sanções previstas na Lei 8.429/92, dentre elas, a sanção de suspensão dos direitos políticos dos agentes políticos, hipótese em que, após o trânsito em julgado da decisão, caberá ao órgão competente apenas declarar a perda do mandato do agente político.

Diferentemente, se o juiz não estabelecer a sanção de suspensão dos direitos políticos, tendo em vista o princípio da proporcionalidade, na hipótese de o ato praticado pelo agente não ser grave o suficiente a ponto de ser determinada a suspensão dos seus direitos políticos, caberá ao órgão competente, decidir (e não apenas declarar) a perda do mandato do agente, pois, neste caso, a conduta do agente pode não ter sido grave a ponto de ter seus direitos políticos suspensos, mas o órgão competente pode entender que a sanção de perda do mandato é proporcional à conduta ímproba perpetrada. Ressalte-se, porém, que o juiz de primeiro grau não teria competência para esta sanção de perda do cargo do agente político.

É de se frisar que, no que tange ao Governador de Estado especificamente, firmou-se o entendimento no Superior Tribunal de Justiça que, em razão destes terem foro especial por prerrogativa de função nos crimes comuns (perante o STJ) e de responsabilidade (perante a Assembléia Legislativa), norma infraconstitucional não poderia atribuir a juiz de primeiro grau o julgamento de ação de improbidade administrativa, com possível aplicação da pena de perda do seu cargo.

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Por este motivo, por simetria com o que ocorre em relação aos crimes comuns (CF, art.105, I, a), para a Corte Superior, há, em casos tais, competência implícita complementar do Superior Tribunal de Justiça para o julgamento da Ação de Improbidade Administrativa contra o Governador de Estado.

Este, porém, não é o único caso em que a jurisprudência confere foro especial por prerrogativa de função aos agentes políticos que respondem por em ação de improbidade administrativa. Em outra ocasião, o STF decidiu que os Ministros do STF não poderiam ser julgados por juízes de primeiro grau, sendo o próprio STF competente para processar e julgar seus próprios Ministros neste caso.

Vale deixar assente que este entendimento não tem fundamento legal, tendo em vista que em 2002 o legislador ordinário até buscou estabelecer foro especial por prerrogativa de função para as ações de improbidade administrativa, através da Lei 10.628/2002, que acrescentando os parágrafos 1º e 2º ao artigo 84 do Código de Processo Penal estabeleceu, em síntese, que a ação de improbidade deveria ser proposta perante o Tribunal competente para processar e julgar o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública.

Ocorre que, como visto, em 2005, o STF declarou a inconstitucionalidade deste dispositivo ao argumento de que o legislador ordinário não poderia ter acrescentado a ação de improbidade, que não tem natureza penal, ao rol das competências originárias do STF estabelecidas pela Constituição Federal.

Por este motivo, se pode aduzir que a decisão proferida pelo STF, na QO 3211-0, é no mínimo contraditória, pois vai de encontro ao entendimento da própria corte. O mesmo se diga em relação à decisão proferida pelo STJ em 2010 na RCL 2790/SC que conferiu foro especial para o Governador, única e exclusivamente em virtude daquela decisão proferida pelo STF. Ora, se aquela é contraditória, esta também o é, e por isto, não se sustentam.

Por todo o exposto, pode-se afirmar que, para todos os efeitos, não há foro especial por prerrogativa de função para a ação de improbidade administrativa.


REFERÊNCIAS

CARVALHO FILHO, José Dos Santos, Manual de Direito Administrativo, 17 ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa. 3 ed., rev. e amp. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 27 ed. Rio de Janeiro: Malheiros, 2002.

MOURA DE ANDRADE, Flávia Cristina; SANTOS PAVIONE, Lucas Dos. Improbidade Administrativa. Coleção Leis Especiais Para Concursos, Vol. 23. Salvador: Juspodivm, 2010.

ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo, Tutela De Direitos Coletivos e Tutela Coletiva de Direitos, 3 ed. São Paulo: RT, 2008.


Notas

  1. CARVALHO FILHO, José Dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 17 ed., Rio de janeiro: Lumen Juris, 2006, p.512.
  2. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 27 ed., Rio de Janeiro: Malheiros, Pag. 74
  3. CARVALHO FILHO, José Dos Santos, Manual de Direito Administrativo, 17 ed., Rio de janeiro: Lumen Juris, 2006, p.69.
  4. ZAVASCKI, Teori Albino, Processo Coletivo, Tutela de Direitos Coletivos e Tutela Coletiva De Direitos, 3 ed.,São Paulo: RT, p. 126
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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORBA, Raphael Soares Moreira Cesar. A aplicabilidade da Lei nº 8.429/92 aos agentes políticos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3058, 15 nov. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20416. Acesso em: 19 abr. 2024.

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