3.Enquadramento constitucional da prescrição intercorrente na execução fiscal tributária
Conforme esclarecido desde a introdução deste trabalho, como a prescrição em matéria tributária, por disposição constitucional, só pode ser regulada por lei complementar, e não havendo nenhuma norma legal complementar entre aquelas que tratam da prescrição intercorrente, necessário analisar a constitucionalidade de todas as normas regulam a matéria, não havendo como cindir a análise.
Todas as normas que tratam da prescrição intercorrente em matéria tributária devem ser analisadas à luz da Constituição, porque, ao menos em princípio, todas elas padecem de inconstitucionalidade formal.
Apesar da evidente utilidade da prescrição intercorrente, é preciso pontuar, de início, que se trata de um instituto jurídico eventual, de política legislativa, não de uma decorrência lógica da Constituição, do ordenamento jurídico ou do princípio da segurança jurídica.
Há quem busque a origem no instituto em normas do Direito Penal:
"Desde há muito o Direito Penal, quer sua ciência, quer suas normas positivadas reconhece duas formas de prescrição: a prescrição da pretensão punitiva e a prescrição da pretensão executória. Tanto é assim que o Código Penal prevê um prazo de prescrição antes de transitar em julgado a sentença (art. 109) e outro prazo para a prescrição depois desse trânsito em julgado da sentença final condenatória (art. 110).
[...]
O Direito Processual Penal também verifica os efeitos da inércia do titular do direito de ação, ganhando o instituto – que nos é útil na construção do raciocínio – o rótulo de perempção. Magalhães Noronha anota que ‘ela é forma rigorosamente processual de extinção de punibilidade’, asseverando que:
‘A decadência extingue o direito de querela ou representação para a ação pública, por se manter inerte o titular, enquanto a perempção é inércia no processo, é inação no movimentá-lo [09]’"
(BECHO, 2006, p. 52-53)
É preciso prudência ao trazer para o Direito Tributário restrições do Direito Penal: a defesa da liberdade impõe maiores limitações que a defesa da propriedade. Mesmo no âmbito penal, a prescrição no curso do processo vem sofrendo diversas críticas, por se tratar de "uma forma de privilegiar a impunidade" [10].
Em todo caso, no Direito Penal e no Direito Processual Penal, o instituto existe porque é previsto em norma legal expressa e adequada, o que não ocorre no Direito Tributário.
Diferentemente da prescrição ordinária, a prescrição intercorrente é eventual, não cabendo, aliás, na definição tradicional da prescrição, forma de extinção de um direito pelo não exercício da pretensão, dentro de determinado prazo, a partir de um marco inicial fixado na lei. A prescrição pressupõe "a inércia do titular, que não se utiliza da ação existente para defesa de seu direito, no prazo marcado pela lei" (MONTEIRO, 1995, 289).
"É salutar compreender que prescrição é o não exercício do direito de ação dentro de um prazo legal por negligência ou inércia na defesa deste direito pelo seu titular. No Direito Tributário, pode ser entendida como o prazo que a Fazenda Pública detém para propor a execução do crédito tributário que, segundo reza o art. 174 do CTN, extingue-se em cinco anos, salvo as hipóteses arroladas no codex que impedem, suspendem e interrompem este prazo qüinqüenal."
(Valente, 2011, p. 129)
De modo semelhante, a lição de Celso Antonio Bandeira de Mello (2005, p. 985):
"A prescrição, instituto concebido em favor da estabilidade e segurança jurídica (objetivo, este, também compartilhado pela decadência), é segundo entendimento que acolhemos, arrimados em lição de Câmara Leal, a perda da ação judicial, vale dizer, do meio de defesa de uma pretensão jurídica, pela exaustão do prazo legalmente previsto para utilizá-la."
Conforme lição de Silvio Rodrigues (1995, 321), "a prescrição consiste na perda da ação conferida a um direito pelo seu não-exercício num intervalo dado". Perde-se, na verdade, o direito à pretensão, a exigir judicialmente uma determinada e específica prestação jurisdicional. Paulo de Barros Carvalho (2000, p. 463), citando doutrina clássica de Câmara Leal, expõe os elementos indispensáveis para caracterização da prescrição:
"Antonio Luiz da Câmara Leal, numa investigação clássica, arrola quatro elementos integrantes do conceito, ou quatro condições elementares da prescrição:
1ª) existência de uma ação exercitável (actio nata);
2ª) inércia do titular da ação pelo seu não-exercício;
3ª) continuidade dessa inércia durante um certo lapso de tempo;
4ª) ausência de algum fato ou ato, a que a lei atribua eficácia impeditiva, suspensiva ou interruptiva do curso prescricional."
Também partindo das lições de Câmara Leal, e com mais precisão, Eurico Marcos Diniz de Santi (2004, p.232-233) ensina:
"Para CÂMARA LEAL, como a prescrição decorre do não exercício do direito de ação, o exercício da ação impõe a interrupção do prazo de prescrição e faz que a ação perca a 'possibilidade de reviver', pois não há sentido a priori em fazer reviver algo que já foi vivido (exercício da ação) e encontra-se em seu pleno exercício (processo). Ou seja, o exercício do direito de ação faz cessar a prescrição.
[...]
Nesse caso, o que ocorre é que o fator conduta, que é a omissão do direito de ação, é desqualificado pelo exercício da ação, fixando-se, assim, seu termo consumativo. Quando isso ocorre, o fator tempo torna-se irrelevante, deixando de haver um termo temporal da prescrição."
(SANTI, 2004, p. 232-233)
Em resumo, "A prescrição do direito do Fisco corresponde à perda do direito de o Fisco ingressar com o processo fiscal [...]" (SANTI, 2000, P. 39). Não há que se falar em prescrição no curso do processo, prescrição intercorrente, porque, se há processo, a pretensão foi exercida, o direito de ação foi exercido, não havendo como se impedir o exercício de um direito já exercido: "Não pode haver prescrição intercorrente no processo executivo fiscal porque a prescrição extingue o direito de ação, e não o processo, que decorre do exercício do direito de ação" (SANTI, 2000, p. 43).
Na mesma linha:
" A prescrição é usualmente definida pela doutrina como um direito de ação, que se traduz, no âmbito dos créditos fazendários, na possibilidade de ser proposta ação de execução fiscal contra o sujeito passivo. Esse direito tem início, a teor do artigo 174, caput, do CTN, no momento em que ocorre a constituição definitiva do crédito tributário."
(RONCAGLIA; E CAIUBY, 2006, p. 93)
Conforme exposto quando se falou sobre a possibilidade de abandono nas execuções fiscais, a Lei nº 6.830/80 impõe o desenvolvimento do procedimento pelo impulso oficial, conforme artigo 7º e seguintes, até o possível arquivamento, pela não localização de bens penhoráveis pelo artigo 40 – arquivamento sem baixa e sem que se possa falar em prescrição, conforme tese aqui defendida.
O Código de Processo Civil, de forma parecida, impõe o princípio da demanda apenas para o início da relação processual, que, depois de iniciada, passa a ser movida pelo impulso oficial, conforme leitura do seu artigo 262: "O processo civil começa por iniciativa da parte, mas se desenvolve por impulso oficial".
Deste modo, no início, antes da relação processual, incide apenas o princípio da demanda, "Observa-se, pois, a manutenção do juiz como órgão inerte (art. 2º do CPC)"; contudo, exercida a pretensão: "Inova-se na surpreendente paridade da iniciativa oficial e da iniciativa das partes após a formação do processo" (ASSIS, 1997, p. 257).
A prescrição ordinária é instituto que concretiza, de forma primordial, a segurança jurídica.
A prescrição intercorrente, por outro lado, é pautada pela necessidade de otimizar os recursos judiciários, evitando-se o seu dispêndio em processos de solução complexa.
Trata-se de uma opção política, não se podendo dizer que a prescrição intercorrente seja uma decorrência lógica dos valores, normas ou princípios do ordenamento jurídico, tanto que a jurisprudência, que cria normativamente o instituto, controla sua vigência, limitando a aplicação da norma, de acordo com as razões que motivaram a paralisação do processo.
Nos processos de execução comum, o Superior Tribunal de Justiça tem jurisprudência pacífica e antiga entendendo que a suspensão da execução pela não localização de bens suspende, indefinidamente, a prescrição; nada obstante, o ordenamento jurídico também fixar um prazo prescricional definido para a execução comum.
Além das limitações feitas pelo STJ, que admite a suspensão indefinida e sem que se possa falar em prescrição dos processos de execução onde não foram localizados bens penhoráveis, o Tribunal Superior do Trabalho tem súmula afastando a possibilidade de decretação da prescrição intercorrente em matéria trabalhista.
A Súmula nº 114 do TST, publicada em novembro de 1980, dispõe: "É inaplicável na Justiça do Trabalho a prescrição intercorrente". Por outro lado, há súmula do Supremo Tribunal Federal, Súmula nº 327, de dezembro de 1963, autorizando a prescrição intercorrente em matéria trabalhista: "O direito trabalhista admite a prescrição intercorrente".
Apesar dos entendimentos diversos, como, desde que não haja questão constitucional, prevalece a decisão do Tribunal Superior do Trabalho, a súmula do TST, mais recente, é a norma que prevalece na Justiça do Trabalho. Por esta razão, a prescrição intercorrente é inaplicável em matéria trabalhista, conforme decidido reiteradamente pelo Tribunal Superior do Trabalho, citando-se, como exemplo recente, o Recurso de Revista nº 16840-23.2000.5.02.0061 (2011):
"RECURSO DE REVISTA. EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. INAPLICABILIDADE AO PROCESSO DO TRABALHO.
Viola o art. 7º, XXIX, da Constituição Federal, por má aplicação, a decisão que extingue a reclamação trabalhista em fase de execução com base na declaração de prescrição intercorrente, uma vez que, a despeito do período pelo qual o processo esteve arquivado, a previsão de impulso oficial, do art. 878 da CLT, afasta qualquer necessidade de iniciativa do exequente para o efetivo cumprimento da sentença, razão pela qual a prescrição intercorrente não se aplica, a teor da Súmula nº 114 do TST."
O TST, portanto, proíbe a prescrição intercorrente em matéria trabalhista. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, nas execuções comuns, não a proíbe, mas impõe limites a sua aplicação.
A premissa adotada pela jurisprudência, ao analisar as execuções comuns, também é válida para as execuções fiscais. Se a prescrição intercorrente é eventual, é questão de política legislativa, então o instituto poderá existir ou não, sendo regulado de acordo com as normas legais pertinentes.
Nesta linha, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica em afastar a prescrição intercorrente nos procedimentos administrativos exatamente pela ausência de previsão normativa específica, conforme se observa, entre inúmeros outros precedentes, no Recurso Especial 1113959/RJ (2010), destacado ao final:
"O recurso administrativo suspende a exigibilidade do crédito tributário, enquanto perdurar o contencioso administrativo, nos termos do art. 151, III do CTN, desde o lançamento (efetuado concomitantemente com auto de infração), momento em que não se cogita do prazo decadencial, até seu julgamento ou a revisão ex officio, sendo certo que somente a partir da notificação do resultado do recurso ou da sua revisão, tem início a contagem do prazo prescricional, afastando-se a incidência prescrição intercorrente em sede de processo administrativo fiscal, pela ausência de previsão normativa específica."
Se houvesse normas no ordenamento jurídico que, de alguma forma, impusessem a prescrição intercorrente em todos os processos, determinando que as obrigações, mesmo depois de judicialmente exigidas, tivessem que ser extintas depois de certo tempo, então, o Superior Tribunal de Justiça ofenderia estas normas há décadas, com sua jurisprudência consolidada afastando a prescrição intercorrente nas execuções comuns suspensas por ausência de bens.
No particular, ainda que o STJ alterasse sua jurisprudência, adotando a prescrição intercorrente nas execuções comuns suspensas por ausência de bens, o longo período de sua aplicação seria suficiente para demonstrar a força desta conclusão: a eventualidade da prescrição intercorrente.
O Superior Tribunal de Justiça entende que "afronta os princípios informadores do sistema tributário a prescrição indefinida", conforme consignado no Agravo Regimental no Agravo Regimental no Recurso Especial nº 890571/MG (2008). Por outro lado, nas execuções comuns, o mesmo Tribunal, o STJ, admite a possibilidade de "prescrição indefinida", ao entender que não há prescrição quando o processo é suspenso por ausência de bens, situação em que esta suspensão ocorre indefinidamente.
Na verdade, em nenhum dos dois casos, tratar-se-ia de prescrição indefinida, não no sentido originário do termo, porque a pretensão foi exercida, situação que afasta a prescrição, surgida exatamente pela demora no exercício de uma pretensão. O que o STJ admite em um caso e no outro não é a duração indefinida do processo, porque a prescrição, ordinariamente, será, nos dois casos, existente e definida, tendo o credor um prazo determinado para exercer a pretensão. Não se pode falar, em nenhum dos casos, de prescrição indefinida, porque assegurada a prescrição ordinária, mas da incidência, ou não, de um operacional instituto jurídico, a prescrição intercorrente, derivado da prescrição ordinária, mas com ela não se confundindo.
Não se pode dizer que a paralisação do processo por prazo indefinido equivale à imprescritibilidade. Imprescritibilidade é conceito válido quando se estuda a prescrição ordinária, instituto que busca, de forma principal, concretizar o valor segurança jurídica.
A prescrição intercorrente, técnica de controle quantitativo de processos, é eventual, como a jurisprudência, aliás, há muito a considera, negando-lhe vigência em certos âmbitos. Todos os critérios para aplicar a prescrição intercorrente em alguns casos e afastá-la em outros também estão previstos em normas pretorianas.
Além de ser eventual, pontue-se que, em matéria tributária, partindo-se de situações análogas (ainda que os títulos sejam distintos), a prescrição intercorrente é instituto que, na prática, vai prejudicar apenas a Fazenda Pública, não o contribuinte, salvo em situações excepcionais.
Depois de ajuizada a execução fiscal, a demora na satisfação do crédito, considerando o princípio do impulso oficial, é situação pela qual deve ser responsabilizado o devedor, ainda que não haja culpa propriamente dita.
A difícil tarefa de localizar o devedor e os seus bens, localizando-os, penhorá-los e penhorando-os, vendê-los, surge por responsabilidade do devedor, que não paga a dívida nem oferece bens penhoráveis. Pode não existir culpa, o que é eventual, mas há responsabilidade.
Na execução contra a Fazenda, não, pois o pagamento ao credor é assegurado pelo procedimento de requisição judicial, não oferecendo margens ao inadimplemento – ainda que alguns entes federativos acabem postergando o cumprimento da requisição judicial, o que não desconfigura a conclusão, pois, mesmo havendo demora, o processo de pagamento é automático, não havendo necessidade de localização e penhora de bens.
Além disso, eventual atraso no pagamento dos valores requisitados não autoriza a fluência do prazo de prescrição intercorrente. Do mesmo modo, não há que se falar em prescrição intercorrente nos casos em que são expedidos precatórios complementares para atualização do precatório principal, tratando-se o todo como obrigação única, conforme jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça (2008), transcrita no Agravo Regimental no Agravo nº 410350/SP:
"ADMINISTRATIVO - PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO - PRECATÓRIO COMPLEMENTAR - PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE - NÃO-INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ - INEXISTÊNCIA DE PRESCRIÇÃO.
1. A decisão agravada negou provimento ao agravo de instrumento, sob o fundamento de que a controvérsia cinge-se à aferição do prazo de prescrição intercorrente, o que importaria reexame fático, daí porque incidiria a Súmula 7/STJ.
2. Não há incidência in casu da Súmula 7/STJ, pois o que se discute é a duração do prazo da prescrição intercorrente na hipótese de expedição de precatório complementar.
3. Todavia, a jurisprudência desta Corte tem se posicionado no sentido de que inexiste prescrição intercorrente na hipótese de expedição de precatório complementar."
Ajuizada uma execução contra a Fazenda Pública em matéria tributária, baseada em título executivo, que deverá ser judicial, o processo tramitará, por impulso oficial, até o pagamento, que é feito pelo ente público por requisição judicial, dispensando-se a difícil tarefa de localizar, penhorar e alienar os bens do executado – situações no âmbito das quais tende a surgir o evento que enseja a paralisação do processo de execução.
Certo que a execução do particular pode padecer de algum vício. Neste caso, não suprido o vício, seria caso de extinção do processo sem julgamento de mérito, não de prescrição; mas, desde que o particular cumpra todos os requisitos formais para execução do título líquido, certo e exigível (quando estará em situação análoga a da Fazenda nas execuções fiscais tributárias, ainda que, neste caso, o título executivo seja extrajudicial, a certidão de dívida ativa), o processo seguirá seu curso regular até o pagamento por expedição de precatório ou requisição de pequeno valor.
Havendo embargos da Fazenda Pública, se o particular fica inerte, a execução poderá ser extinta pela matéria suscitada nos embargos, como também poderia acontecer com a execução fiscal embargada, não havendo que se falar em prescrição intercorrente.
Em razão do impulso oficial da execução, bem como da forma peculiar de pagamento imposta pela Constituição à Fazenda Pública, dispensando-se a atuação concreta do exequente na localização, penhora e alienação de bens, a prescrição intercorrente contra o particular e a favor da Fazenda Pública, desde que cumpridos todos os requisitos formais da execução, dificilmente se configurará.
Partindo de posição análogas, no processo de execução, a prescrição intercorrente em matéria tributária, na prática, atinge apenas o processo movido pela Fazenda Pública, não tendo espaço relevante nas execuções movidas por particulares contra o ente público.
Por esta razão, e considerando a supremacia do interesse público, bem como as prerrogativas da Fazenda e do crédito público, seria justificável e constitucional a opção legislativa que afastasse a aplicação da prescrição intercorrente nas execuções fiscais.
A questão da prescrição é matéria que deve ser discutida dentro da dogmática jurídica, nada obstante eventuais posições ou pretensões pessoais, sociais ou utilitárias do intérprete. Na verdade, até a edição do Código Tributário Nacional, havia até quem defendesse a imprescritibilidade total dos créditos tributários, equiparando-os a bens públicos.
"A prescrição do crédito fazendário dependia de lei especial, referente a cada tributo ou crédito. À sua falta, discutia-se, em tumulto, se era o crédito tributário imprescritível, por equiparar-se bem público (RF, 127:396 e 129:75), e se lhe era aplicável o prazo prescricional do CC (RF, 89:696, 94:169, 9:207 e 178:303; RDA, 1:543; Raul Loureiro, Questões fiscais, p. 273-95).
Quanto ao crédito fiscal de pequeno valor, aplicava-se o art. 178, 7º, II, do CC (p. ex.: RF, 89:212 e 520 e 127:394; RT, 55:90, 176:364, 183:456 e 204:631).
[...]
Com a Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966, que instituiu o CTN, ficou assentado que a prescrição extingue o crédito tributário (art. 156), sendo ela de cinco anos, contados da data da constituição definitiva (art. 174)."
(PACHECO, 1995, p. 297)
A discussão sobre a imprescritibilidade do crédito tributário, no que concerne à prescrição ordinária, foi resolvida pelo Código Tributário Nacional, que impôs o prazo prescricional de cinco anos, a partir da constituição definitiva do crédito. O crédito tributário se sujeita à prescrição, ainda que o ordenamento jurídico não imponha a prescrição intercorrente, sanção que ultrapassa os limites da prescrição ordinária.
Imprescritível o processo de execução fiscal tributária não é, independentemente da previsão, no ordenamento jurídico, da prescrição intercorrente. A prescrição do crédito tributário é determinada de forma expressa pela Constituição, ao dispor que a matéria deve ser regulada – e, se deve ser regulada, é porque deve existir, pelo Código Tributário Nacional.
Não se pode dizer que a ausência da prescrição intercorrente tornaria as dívidas tributárias imprescritíveis e, por isso, inconstitucionais.
A prescrição existe, extinguindo o crédito tributário depois de cinco anos da sua constituição definitiva, o que não se discute, então, existindo ou não a prescrição intercorrente, não há que se falar em imprescritibilidade. Como o CTN determina a prescrição ordinária, o crédito não pode ser tachado de imprescritível. Imprescritibilidade existiria se o direito pudesse ser exercido a qualquer tempo, o que não é o caso, porque o prazo de prescrição ordinária é assegurado pelo ordenamento legal.
A prescrição, em qualquer caso, continuaria existindo, mas, afastada a prescrição intercorrente, caso fosse exercida a pretensão, não haveria mais que se falar em prescrição, o que é razoável e lógico, pois não se pode impedir o exercício de um direito que já foi exercido.
A prescrição ordinária, ao fixar prazo para apresentação da demanda, para o exercício da pretensão, evita uma situação de permanente insegurança para o devedor, que, não existisse a prescrição, ficaria indefinidamente à espera de algum ato de cobrança judicial do credor. Se não houvesse a prescrição, o devedor poderia ser judicialmente coagido ao pagamento a qualquer tempo, em uma eterna situação de dúvida e incerteza.
A prescrição evita a indefinição de uma situação de dúvida, mas, ao mesmo tempo, concede prazo determinado para que o credor apresente a demanda em Juízo, ponderando a segurança jurídica, que é desejada, com outros valores, como a Justiça, porque, salvo em situações excepcionais, é justo que o credor receba o que lhe é devido, e a ordem, já que o cumprimento das obrigações, imposto coercitivamente pelo ordenamento jurídico, é fator de paz, de estabilidade e segurança nas relações sociais.
O Estado, que tem origem no contrato social, impõe, inclusive coativamente, o cumprimento das obrigações, evitando o caos e a desordem que caracterizam a autotutela.
Por outro lado, evita-se que o devedor sujeite-se a uma situação de dúvida e incerteza vitalícia, o que aconteceria se a ação pudesse ser ajuizada a qualquer tempo. Ao determinar um prazo para que o credor apresente-se em Juízo, a prescrição concede ao devedor a certeza de que, não exercido o direito pelo credor tempestivamente, ele não mais poderá ser judicialmente forçado a cumprir a obrigação antes devida. A dúvida sobre o exercício do direto pelo credor tem prazo máximo: o prazo de prescrição.
"Es que em derecho tributário, a diferença de lo que ocurre em el derecho civil, la figura de la prescripcion solo busca tutelar única y exclusivamente el princípio de seguridad jurídica, eliminando prácticamente cualquier fundamentación subjetiva del probable abandono del derecho que la inacción del titular hace presumir."
(TAPIA, 2003, 508)
A prescrição do Direito Civil, para a maioria dos escritores, também está fundamentada no anseio social em não permitir que, passados anos e anos, venham a ser propostas ações, exercidas pretensões, reclamando direitos cujas provas perderam-se no tempo:
"A maioria dos escritores, entretanto, fundamenta o instituto no anseio da sociedade em não permitir que demandas fiquem indefinidamente em aberto; no interesse social em estabelecer um clima de segurança e harmonia, pondo termo à situação litigiosa e evitando que, passados anos e anos, venham a ser propostas ações, reclamando direitos cuja prova de constituição se perdeu no tempo.
Sem a prescrição, o devedor deveria guardar todos os recibos de quaisquer importâncias pagas, caso contrário, a qualquer tempo, ser-lhe-ia exigido novo pagamento, que ele só ilidaria mediante a exibição da quitação. Sem a prescrição, a pessoa deveria se manter em estado de intranqüila atenção, receando sempre um litígio baseado em relações de há muito transcorridas, de prova custosa e difícil, porque não só a documentação de sua constituição poderia se haver extraviado, como a própria memória de maneira como se estabeleceu estaria perdida."
(RODRIGUES, 1995, 321)
A prescrição intercorrente, apesar de utilizar a nomenclatura clássica, "prescrição", foge desta estrutura lógica, teleológica e axiológica.
A segurança jurídica só pode justificar a prescrição intercorrente de forma secundária, porque não é o valor primordial buscado pelo instituto. Até o exercício do direito pelo credor, paira uma situação de dúvida, de incerteza, mas, exercido o direito, o devedor não pode alegar dúvida nem incerteza, pois a situação é certa e segura: o direito foi exercido pelo credor, há um processo judicial que deve durar até que haja o pagamento ou outra forma de extinção, entre aquelas legalmente previstas.
Certo que a duração do processo é incerta, mas a situação em si é certa e perene. A dúvida anterior, se a ação seria ajuizada ou não, não existe mais.
A existência de um processo em tramitação pode ser fator de insegurança psicológica do devedor, mas não de insegurança jurídica. A segurança jurídica está vinculada à noção de previsibilidade.
"Não há porque confundir certeza do direito naquela acepção de índole sintática, com o cânone da segurança jurídica. Aquele é tributo essencial, sem o que não se produz enunciado normativo com sentido deôntico; este último é decorrência de fatores sistêmicos que utilizam o primeiro de modo racional e objetivo, mas dirigido à implantação de um valor específico, qual seja o de coordenar o fluxo das interações inter-humanas, no sentido de propagar no seio da comunidade social o sentimento de previsibilidade quanto aos efeitos jurídicos da regulação da conduta."
(CARVALHO, 2000, p. 147)
Por fim, necessário analisar a pertinência do princípio da segurança jurídica, que, sob o manto de uma argumentação válida, pode esconder artifícios retóricos. A segurança jurídica é princípio que deve ser buscado na dogmática jurídica positiva, com a delimitação que a ele tenha sido conferida pelo Direito posto.
"A segurança jurídica ganha um campo apropriado porém, na análise do direito positivo brasileiro – e só a partir daí. Dito noutros termos: a segurança jurídica é problema de dogmática jurídica. No Brasil, questão de dogmática constitucional (CF, art. 5ª, caput)."
(BORGES, 2008, p. 75)
Esta, conforme Marco Caires Luz (2011), também é a lição de Pontes de Miranda, referindo-se especificamente ao instituto da prescrição, no seu Tratado de direito privado, t. VI, capítulo IV, § 662 (1999), onde defende que o conceito de prescrição se amolda a uma decisão política, sendo instituto que depende do direito positivo.
Fora da dogmática jurídica, o princípio da segurança jurídica, por mais importante que seja, tende a se transformar, pela força que dele deriva, em artifício retórico, justificador de conclusões entimemáticas, uma fresta na argumentação dogmática.
Em todo caso, o afastamento da prescrição ordinária seria, admite-se, uma situação extrema, mas a prescrição intercorrente, que atende a questões de oportunidade e conveniência de controle processual, pode, dependendo da opção legislativa, ser incluída, ou não, como forma de extinção da execução fiscal e da execução comum.
A própria jurisprudência, como visto, em alguns casos, efetivamente exclui a prescrição intercorrente. Da mesma forma que o Superior Tribunal de Justiça afasta a prescrição intercorrente quando a execução comum é suspensa pela não localização de bens penhoráveis e o TST a afasta em matéria trabalhista, é evidente que o legislador pode afastá-la ou limitá-la, adotando-a, ou não, nas execuções fiscais.
Sendo instituto eventual, as normas que o regulam não podem ser justificadas em petição de princípio retórica, algum suposto imperativo categórico ou outros recursos análogos, sendo necessário esclarecer, com precisão e fundamentadamente, a construção hermenêutica na qual o instituto se baseia, pontuando, dogmaticamente, as normas que o autorizam.
3.1.Normas jurisprudenciais
Não se discute a possibilidade da criação de normas pelo Judiciário, e aqui não se está falando apenas de normas individuais, da "lei no caso concreto", mas de normas gerais e abstratas, sendo as súmulas vinculantes paradigmáticas neste sentido.
Na tarefa de interpretar e integrar o ordenamento jurídico, o Judiciário acaba criando normas gerais e abstratas, contudo, dentro do sistema romanista, que é o nosso, onde a norma legal é, por determinação constitucional (artigo 5º, II), fonte de direito primária, a criação de normas jurisprudenciais sofre limitações constitucionais e legais. Consagrado o primado da norma legal, a jurisprudência, ainda que importante, é fonte de direito secundária.
Não sendo a jurisprudência fonte de direito principal, necessário analisar com profundidade as normas jurisprudenciais que tratam da prescrição intercorrente, para avaliar a adequação, validade e constitucionalidade delas.
O Código Tributário Nacional, norma recepcionada com status de lei complementar, seguindo o comando constitucional, regula, com exclusividade, os casos de extinção do crédito tributário:
Art. 156. Extinguem o crédito tributário:
I - o pagamento;
II - a compensação;
III - a transação;
IV - remissão;
V - a prescrição e a decadência;
VI - a conversão de depósito em renda;
VII - o pagamento antecipado e a homologação do lançamento nos termos do disposto no artigo 150 e seus §§ 1º e 4º;
VIII - a consignação em pagamento, nos termos do disposto no § 2º do artigo 164;
IX - a decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória;
X - a decisão judicial passada em julgado.
XI – a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei.
O CTN impõe, ainda, a reserva legal (conforme a Constituição, trata-se de reserva de lei complementar) para todas as hipóteses de extinção de créditos tributários:
Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:
[...]
VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.
O Código também prevê sua atribuição privativa para dispor sobre os casos de extinção, modificação, suspensão da exigibilidade e exclusão do crédito tributário, conforme artigo 141:
Art. 141. O crédito tributário regularmente constituído somente se modifica ou extingue, ou tem sua exigibilidade suspensa ou excluída, nos casos previstos nesta Lei, fora dos quais não podem ser dispensadas, sob pena de responsabilidade funcional na forma da lei, a sua efetivação ou as respectivas garantias.
No direito tributário, a prescrição extingue o próprio crédito, repercutindo de forma direta na relação de direito material. A prescrição tributária é matéria tratada exclusivamente por lei complementar. O CTN, para todos os efeitos, lei complementar de normas gerais, determina, de forma expressa, que o crédito tributário "somente se modifica ou extingue" nos casos previstos nele previstos. No rol exaustivo das causas que extinguem ou modificam o crédito tributário do CTN não consta a prescrição intercorrente, o que suscita dúvidas sobre a aplicabilidade do instituto.
Segundo orientação jurisprudencial, a prescrição intercorrente é derivada da prescrição ordinária do CTN, aplicada em hipótese não prevista no artigo 174, mas dele decorrente. Antes da inclusão legal da prescrição intercorrente no ordenamento jurídico, quando a Lei nº 6.830/80, em sua redação original, afastava a aplicação do instituto, permitindo a suspensão dos processos indefinidamente pela não localização de bens penhoráveis, a jurisprudência entendia que o CTN, norma complementar, não poderia ser alterado por lei ordinária, razão pela qual a norma do artigo 40 que previa a suspensão da prescrição com a suspensão do processo não teria aplicação.
Em outras palavras, como, na redação original, a Lei nº 6.830/80 não autorizava a prescrição intercorrente nos casos de suspensão do processo pela não localização de bens penhoráveis, o STJ, conforme leitura do Agravo Regimental no Recurso Especial nº 439560/RO (2003), entendia que: "A aplicação do art. 40 da Lei nº 6.830/80 (LEF) se sujeita aos limites impostos pelo art. 174 do CTN. Assim, após o transcurso do prazo qüinqüenal sem a manifestação da Fazenda Pública, impõe-se a decretação da prescrição intercorrente".
Transcreve-se, para exemplificar, as ementas, respectivamente, do Agravo Regimental no Recurso Especial nº 418162/RO (2002) e do Recurso Especial nº 255118/RS (2000), alguns dos precedentes expressamente citados pelo STJ quando elaborada a Súmula nº 214 ("Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual inicia-se o prazo da prescrição qüinqüenal intercorrente."):
"TRIBUTÁRIO - EXECUÇÃO FISCAL - PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE - LEI DE EXECUÇÕES FISCAIS - CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL - PREVALÊNCIA DAS DISPOSIÇÕES RECEPCIONADAS COM STATUS DE LEI COMPLEMENTAR – PRECEDENTES.
1. Pacificou-se no STJ o entendimento de que o artigo 40 da Lei de Execução Fiscal deve ser interpretado harmonicamente com o disposto no artigo 174 do CTN, que deve prevalecer em caso de colidência entre as referidas leis. Isto porque é princípio de Direito Público que a prescrição e a decadência tributárias são matérias reservadas à lei complementar, segundo prescreve o artigo 146, III, "b" da CF.
2. Em conseqüência, o artigo 40 da Lei nº 6.830/80 por não prevalecer sobre o CTN sofre os limites impostos pelo artigo 174 do referido Ordenamento Tributário. Assim, após o transcurso de um qüinqüênio, marcado pela contumácia fazendária, impõe-se a decretação da prescrição intercorrente, consoante entendimento sumulado.
3. Ausência de motivos suficientes para a modificação do julgado. Manutenção da decisão agravada.
4. Agravo Regimental desprovido."
"EXECUÇÃO FISCAL - PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE - ARTIGO 40 DA LEI Nº.6.830/80 E ARTIGO 174 DO CTN.
O artigo 40 da Lei nº 6.830/80 deve ser interpretado em harmonia com o disposto no artigo 174 do CTN.
Após o transcurso de 05 (cinco) anos sem manifestação da exeqüente, deve ser decretada a prescrição.
Recurso improvido."
O STJ, nos precedentes citados, chama atenção para a reserva de lei complementar no tratamento da prescrição em matéria tributária, concluindo, com acerto, que a Lei nº 6.830/80 não poderia alterar normas do Código Tributário Nacional. No desenvolvimento do raciocínio, o STJ conclui pela aplicação da prescrição intercorrente, nada obstante a norma da Lei nº 6.830/80 que a afastava, pela supremacia das normas do CTN na matéria.
O problema deste raciocínio é que o STJ aceita como válida uma premissa que não está comprovado nem explicada, pressupondo que o CTN autoriza a prescrição intercorrente.
O CTN não autoriza nem trata da prescrição intercorrente, sequer permitindo, depois da interrupção da prescrição pelo despacho que determina a citação, o reinício do prazo prescricional contra a Fazenda Pública. A norma jurisprudencial está baseada em uma petição de princípio, ao assumir como verdadeira, o tratamento da prescrição intercorrente pelo CTN, uma premissa que é não o é, porque a prescrição intercorrente em matéria tributária não é autorizada nem regulada pela lei tributária de normas gerais.
No particular, as restrições ao poder soberano de criar e cobrar tributos não se presumem. Quando existente alguma limitação, quando há alguma concessão, necessário que seja inferida diretamente dos textos normativos constitucionais e legais, não sendo lícito presumir, salvo disposição normativa literal, que o Estado limitou sua autoridade soberana de criar e cobrar tributos.
A prescrição intercorrente, portanto, só poderia ser aplicada se prevista em norma legal complementar clara e expressa.
Embora a prescrição intercorrente não possa ser suposta nem presumida, a construção hermenêutica jurisprudencial que a fundamenta não é suficientemente explicitada nem explicada, problema que é preciso enfrentar até mesmo em antigos precedentes do Supremo Tribunal Federal, como no Recurso Extraordinário nº 106217/SP (1986), que o STJ e a doutrina, pela repetição, tornaram clássico no assunto:
"Execução fiscal. A interpretação dada, pelo acórdão recorrido, ao art. 40 da Lei nº 6.830-80, recusando a suspensão da prescrição por tempo indefinido, é a única susceptível de torná-lo compatível com a norma do art. 174, parágrafo único, do Código Tributário Nacional, a cujas disposições gerais é reconhecida a hierarquia de lei complementar."
O recurso extraordinário citado tinha por objeto a análise da redação originária do artigo 40 da Lei nº 6.830/80, que impedia a fluência da prescrição enquanto o processo estivesse suspenso pela não localização do devedor ou de bens penhoráveis. O clássico precedente é baseado em uma premissa normativa supostamente extraída do Código Tributário Nacional, mas que, efetivamente, nele não se encontra. No inteiro teor do precedente citado, depois de citar doutrinadores que também não explicitam em que parte do CTN está autorizada ou regulada a prescrição intercorrente, a decisão conclui:
"Assim, a aplicação dada, pelo acórdão recorrido, ao art. 40 da Lei de Execuções Fiscais é a única susceptível de torná-lo compatível como preceito insculpido no art. 174, parágrafo único, do Código Tributário Nacional , e que, mesmo sendo mais recente, não se pode sobrepor, e, segundo o qual a citação interrompe a prescrição, sem o condão de suspendê-lo por prazo indeterminado."
A doutrina citada no acórdão suscita, sem fazer o enquadramento normativo, um princípio geral segundo o qual não poderia haver obrigações patrimoniais imprescritíveis, bem como a supremacia do CTN, que, no caso, não teria nenhuma norma determinando a suspensão da prescrição pela suspensão da execução fiscal em razão não localização de bens penhoráveis.
De fato, o Código não autoriza a suspensão da prescrição pela suspensão do processo de execução, mas a questão é que o CTN não prevê, em nenhuma situação, a prescrição intercorrente, o que torna irrelevante a discussão sobre a suspensão do prazo: se esta espécie de prescrição não é autorizada, não há que se especular sobre suas eventuais causas de suspensão ou interrupção. Esta questão, crucial, não foi devidamente enfrentada no clássico precedente do Supremo Tribunal Federal.
Neste ponto, necessário expor a dificuldade de refutar a tese jurisprudencial dominante. Em primeiro lugar, a construção hermenêutica que autoriza a construção jurisprudencial é implícita, pois dizer que o artigo 174 impõe a prescrição intercorrente é afirmação insuficiente, já que, do enunciado normativo deste artigo, não se consegue, à primeira vista, extrair norma que confirme a conclusão.
Dizer que a norma está no CTN e não mostrar onde, é dizer nada; da mesma forma, de nada adiantam frases com forte força retórica, como "as obrigações nascem para extinguir-se" ou "o objetivo do processo é trazer a paz social", sem a necessária sustentação normativa e enquadramento específico. Também é inútil a transcrição de precedentes que sustentam os mesmos argumentos com palavras diversas, e, às vezes, com as mesmas palavras. O argumento de autoridade, mesmo repetido à exaustão, é insuficiente.
A construção hermenêutica que justifica a prescrição intercorrente, derivando-a do CTN, repito, é implícita. Esta a primeira dificuldade, porque necessário refutar a conclusão, sem conhecimento efetivo da construção argumentativa que a embasa. Há outra dificuldade, comum a todas as análises negativas, já que demonstrar a omissão, cientificamente, tende a ser mais difícil que a demonstração do fato.
Por fim, não se olvidam as dificuldades surgidas ao enfrentar, frontalmente, sem rodeios, posições jurisprudenciais consolidadas, separando o que é argumento de autoridade e o que é, de fato, motivação válida, argumentação científica.
"Há verdadeiro fanatismo pelos acórdãos: dentre os freqüentadores do pretório, são muitos os que se rebelam contra uma doutrina; ao passo que rareiam os que ousam discutir um julgado, salvo por dever de ofício, quando pleiteiam a reforma do mesmo (2) [11]. Citado um aresto, a parte contrária não se atreve a atacá-lo de frente; prefere ladeá-lo, procurar convencer que não se aplica à hipótese em apreço, versara sobre caso diferente (3) [12]."
(MAXIMILIANO, 1995, p. 181)
Apesar destas dificuldades, ainda que os defensores da tese não demonstrem como ela deriva do Código Tributário Nacional, necessário demonstrar, explicitamente, que do CTN ela não deriva.
A fundamentação da prescrição intercorrente baseia-se em premissa pressuposta, que, data venia, não é nem pode ser comprovada, pois o artigo 174 trata apenas da prescrição ordinária. Repete-se, mais uma vez, o enunciado normativo:
Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva.
Parágrafo único. A prescrição se interrompe:
I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal;
II - pelo protesto judicial;
III - por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;
IV - por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor.
Não há, neste artigo nem em todo o CTN, uma única norma que pressuponha a contagem da prescrição no curso de um processo judicial. O fundamento normativo pode ser buscado em outras normas, mas não no artigo 174 do CTN, porque dele não pode ser extraído.
A única norma que autoriza a prescrição intercorrente do crédito tributário, a Lei nº 11.051, de 29 de dezembro de 2004, que alterou a redação original da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, é norma legal ordinária, padecendo, portanto, de inconstitucionalidade formal, o que será discutido no próximo tópico.
Certo que, no Código Civil, há norma expressa determinando o retorno da fluência do prazo de prescrição interrompido, a partir do ato que a interrompeu ou do último ato do processo no qual foi interrompida:
Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á:
[...]
Parágrafo único. A prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do processo para a interromper.
No Código Civil anterior, a mesma norma estava enunciada no artigo 173: "A prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último do processo para a interromper".
Em matéria tributária, o CTN, quando trata da ação anulatória do crédito, determina de forma expressa que a prescrição, interrompida pela ação judicial, volta a correr:
Art. 169. Prescreve em dois anos a ação anulatória da decisão administrativa que denegar a restituição.
Parágrafo único. O prazo de prescrição é interrompido pelo início da ação judicial, recomeçando o seu curso, por metade, a partir da data da intimação validamente feita ao representante judicial da Fazenda Pública interessada.
Por outro lado, ao tratar do crédito tributário, o Código determina que a prescrição do se interrompe com o despacho que ordena a citação, não trazendo nenhuma norma que autorize o reinício da contagem do prazo prescricional.
A norma que impõe o reinício do prazo, apenas para o particular, o parágrafo único do artigo 169, ao determinar que o prazo de prescrição interrompido pelo início da ação judicial, pelo exercício da pretensão, recomeça o seu curso a partir da data da intimação validamente feita ao representante judicial da Fazenda Pública interessada, é alvo de críticas severas da doutrina e da jurisprudência.
Paulo de Barros Carvalho (2000, p. 325) entende que a norma é inconstitucional por violar o artigo 5ª, XXXV, da Constituição, não havendo, de ordinário, como se ofertar a prestação jurisdicional em período tão curto.
Hugo de Brito Machado (2006, p. 222) também se manifesta pela inconstitucionalidade da norma:
Assim, a norma albergada pelo parágrafo único do art. 169 do CTN padece de dupla inconstitucionalidade. A primeira porque, tal como a norma da cabeça daquele artigo, fere a isonomia. E a segunda porque contraria flagrantemente a garantia de jurisdição, inviabilizando inteiramente a prestação jurisdicional buscada pelo contribuinte para satisfazer seu direito à restituição de tributo que tenha pago indevidamente.
Para Sacha Calmon Navarro Coelho (2002, p. 45), a norma fere o princípio da isonomia, ao tratar da prescrição intercorrente do processo, e não da ação, punindo o autor de forma objetiva, pela simples passagem do tempo.
Fato é que doutrina e jurisprudência repelem qualquer interpretação do enunciado normativo que conclua pela imposição de um prazo para duração do processo, não sendo lícito nem intelectualmente honesto tentar estender os seus termos ao processo de execução fiscal.
A melhor interpretação do enunciado normativo, contudo, focada na norma legal, não nas interpretações doutrinárias, conduz à conclusão que repele a prescrição intercorrente, no sentido estrito, também na ação anulatória. Ora, o enunciado normativo, ao se referir à "intimação" validamente feita ao representante judicial da Fazenda Pública como momento de reinício do prazo prescricional, trata, ao que parece, da intimação referente à última decisão do processo. A Fazenda é intimada da decisão final do processo e, a partir de tal momento, reinicia-se o prazo prescricional.
Trata-se, aliás, de um dos princípios norteadores da prescrição: o prazo interrompido pelo início de um processo fica impedido de retomar o seu prazo enquanto o processo continuar tramitando.
Aliás, se o CTN determinasse o reinício do prazo contra o particular, a partir da primeira comunicação da demanda ao representante da Fazenda Pública, nomearia corretamente tal ato, denominando-o "citação", não mencionando, como o faz, "intimação". Além de respeitar a interpretação literal, porque a intimação é ato processual diferente da citação, a conclusão aqui defendida compatibiliza a norma do parágrafo único com preceitos interpretativos gerais da prescrição.
Então, conclui-se que o CTN não autoriza a recontagem do prazo, contra o particular, na ação anulatória, a partir da citação do representante da Fazenda Pública. O prazo prescricional reinicia-se a partir da intimação do último ato do processo, o que pode envolver duas situações: o prazo para execução do julgado, caso o particular tenha o seu pedido na ação julgado procedente; e o prazo para exercício de nova pretensão, caso a ação anulatória seja extinta sem julgamento do mérito.
Necessário esclarecer, ainda, que se está falando, aqui, em processo de conhecimento, onde a prescrição intercorrente sofre os temperamentos já expostos neste trabalho.
Ainda que se entenda que a norma determina a recontagem da prescrição a partir da citação da Fazenda Pública, o que não parece ser a melhor interpretação, mesmo assim, não caberia estendê-la à execução fiscal tributária, primeiro, porque o CTN impõe sua aplicação apenas ao particular na ação anulatória, não à Fazenda Pública na execução fiscal, e as pretensões, as qualidades dos entes e os interesses envolvidos, em cada um destes casos, são distintos; depois, porque a interpretação mais rígida do enunciado normativo é afastada por toda doutrina e jurisprudência, que a declaram inconstitucional, não havendo que se falar em estender ou ampliar uma interpretação consensualmente tida por inconstitucional; por fim, porque esta extensão implicaria na criação de novas normas gerais sobre prescrição tributária, o que só pode ser feito por lei complementar.
O CTN, portanto, não autorizando, ao menos de forma expressa, sequer o reinício da prescrição interrompida contra a Fazenda Pública, como o faz o Código Civil, é ainda mais incisivo no afastamento da prescrição intercorrente.
Retoma-se, então, ao Código Tributário Nacional, às normas que tratam da prescrição do crédito tributário, principalmente aquelas derivadas do enunciado normativo do artigo 174, que são utilizadas, pela doutrina e jurisprudência, como autorizadoras da prescrição intercorrente, nada obstante a literalidade dos enunciados normativos rechaçar esta conclusão.
Neste ponto, perscrutando as construções lógicas da jurisprudência, teríamos que suscitar se a interpretação extensiva ou a analogia, com os citados limites sofridos por esta no Direito Tributário, justificariam a conclusão jurisprudencial.
A interpretação extensiva não é adequada, porque o legislador disse exatamente o que pretendia dizer, tratou apenas o que pretendia tratar: a prescrição ordinária. Basta, em interpretação sistemática, analisar as demais normas do Código Tributário Nacional para se concluir que todo o sistema é construído com base em apenas uma espécie de prescrição, a ordinária, a prescrição que ocorre antes do ajuizamento da execução fiscal, antes do exercício da pretensão, a prescrição que, pode-se dizer, é a tradicional.
Sobre as formas de integração da legislação tributária, o artigo 108 do Código Tributário Nacional determina, diante das lacunas da lei, a utilização, sucessiva, da analogia, dos princípios gerais do direito tributário, dos princípios gerais de direito público e, enfim, da equidade.
Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada:
I - a analogia;
II - os princípios gerais de direito tributário;
III - os princípios gerais de direito público;
IV - a eqüidade.
Trata-se de norma voltada, expressamente, apenas à autoridade administrativa. Contudo, deve ser seguida por todos os intérpretes da legislação tributária, porque descreve e hierarquiza o modo pelo qual deve ser preenchida, quando pertinente e possível, eventual lacuna. Contudo, a analogia permitida pelo artigo 108, inciso I, do CTN, é excepcional, não cabendo a sua utilização em matérias sujeitas ao princípio da legalidade.
A norma do artigo 108, que permite excepcionalmente o uso da analogia, deve ser interpretada em conjunto com o artigo 111, também do CTN:
Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:
I - suspensão ou exclusão do crédito tributário;
II - outorga de isenção;
III - dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias.
Apesar de a lei mencionar apenas suspensão e exclusão do crédito tributário, é evidente que, neste caso, alcança também a extinção, bastando a aplicação da interpretação extensiva para se chegar a esta conclusão. Nas matérias tratadas pelo artigo 111, ainda que se possa recorrer a outros métodos de interpretação, deve prevalecer a que mais guarde semelhança com a interpretação literal (COELHO, 1999, p. 469).
E não há que se defender que, na dúvida, prevaleceria a interpretação mais favorável ao contribuinte, carecendo tal conclusão de sustentação, já que, quando tal princípio deve ser aplicado, o CTN o determina de forma expressa, conforme se observa no artigo 112, que trata das infrações à legislação tributária.
Art. 112. A lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto:
I - à capitulação legal do fato;
II - à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão dos seus efeitos;
III - à autoria, imputabilidade, ou punibilidade;
IV - à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação.
Em todo caso, não seria, nem em tese, caso de aplicação da analogia, que implicaria a extensão da mesma norma jurídica a uma situação nela não prevista. A norma que autoriza a prescrição intercorrente não é a mesma que autoriza a prescrição ordinária, o que, por si, afasta a alegação de analogia. A principal norma que trata da prescrição ordinária impõe a extinção do crédito tributário em razão do não exercício da pretensão, do não ajuizamento da execução fiscal, no prazo de cinco anos, a partir da constituição definitiva do crédito tributário. A prescrição intercorrente impõe a extinção do crédito por alguma situação gerada no curso de uma execução fiscal já ajuizada: apesar da conclusão ser a mesma, extinção do crédito, as normas são distintas. Trata-se de dois institutos com objetivos distintos, ainda que parecidos, pautados, primordialmente, em valores diferentes, conforme explicado. A analogia é dispensável porque não há lacuna. O sistema tributário atual simplesmente afasta a prescrição intercorrente como forma de extinção do crédito tributário.
A analogia só é aplicável quando existente uma lacuna, não quando a lei poderia ter criado uma norma específica, mas assim não o fez. Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário nº 130552/DF (1991), assim decidiu:
"Sucede, porém, que só se aplica a analogia quando, na lei, haja lacuna e não o que os alemães denominam ‘silêncio eloquente’ (beredtes Schweigen), que é o silêncio que traduz que a hipótese contemplada é a única a que se aplica o preceito legal, não se admitindo, portanto, aí o emprego da analogia"
Além disso, como se trata de matéria sujeito ao princípio da legalidade, prescrição tributária, extinção de obrigações, a utilização da analogia estaria, por esta razão, vedada. Ainda, as normas que tratam da extinção do crédito tributário devem ter interpretação literal, segundo orientação do artigo 111 do Código Tributário Nacional, não cabendo a utilização da analogia. No particular, "Não é lícito por de lado a natureza da lei, nem o ramo do Direito a que pertence a regra tomada por base no processo analógico" (MAXIMILIANO, 1995, p. 212).
O Código Tributário Nacional, onde estão as normas gerais em matéria tributária, regulou todos os contornos básicos da prescrição ordinária, não tratando da prescrição intercorrente, ainda que o pudesse ter feito. O Código criou todo um sistema de prescrição do crédito tributário que repudia a prescrição intercorrente, não havendo como se defender que há uma lacuna na lei.
Pode-se entender que a escolha do Código não foi a melhor, pode-se discordar, por outros critérios, dos seus termos, mas, dogmaticamente, deve-se reconhecer que lacuna não há, o CTN não tratou da prescrição intercorrente porque assim não o pretendeu, não havendo nele autorização para a extinção do crédito tributário pela paralisação do processo de execução fiscal.
A prescrição intercorrente criada pela jurisprudência, ao final, não consegue ser justificada pela analogia, recurso hermenêutico insuficiente no caso, embasando-se em uma série de normas jurisprudenciais de caráter genérico que, baseadas em uma premissa não comprovada (ainda que operacional), alteram, revogam e criam normas legais complementares – formalmente, nos dois primeiros casos, e, no terceiro, materialmente.
Concluir que, por fixar a prescrição ordinária, concedendo um prazo para o exercício da pretensão, para ajuizamento da execução fiscal, o CTN autoriza que a prescrição volte a correr depois do ajuizamento da ação, no mesmo processo em que foi interrompida, é pressupor uma conclusão que não decorre da premissa.
O CTN não autoriza a prescrição intercorrente nem esta decorre logicamente de suas normas. O Código realmente afasta a prescrição ordinária indefinida, mas não a intercorrente, que apenas por definição doutrinária moderna pode ser chamada de prescrição; a lei de normas gerais fixa um prazo para o exercício da pretensão, mas não impõe um prazo para conclusão do processo; o CTN pune o ente público que demora a ajuizar a execução fiscal, assegurando ao devedor que, não ajuizada no prazo determinado, o crédito estará extinto, mas não pune nem autoriza punição em caso de demora da conclusão da execução.
Não se pode ler no CTN o que nele não está escrito, independente das conclusões questionáveis de precedentes judiciais repetidos sem um maior aprofundamento dogmático. As normas do CTN não tratam, sequer perfunctoriamente, da contagem do prazo de prescrição no âmbito de uma execução fiscal em andamento.
O Ministro Ari Pargendler, em voto vencido no Recurso Especial nº 38297/SP (1996), concluiu no mesmo sentido, defendendo a inexistência de conflito entre a redação originária do artigo 40 da Lei nº 6.830/80, que determinava a não fluência do prazo prescricional durante o arquivamento da execução em razão da não localização de bens, e o artigo 174 do Código Tributário Nacional, que trata apenas da prescrição ordinária:
"A aplicação desse dispositivo nada tem a ver com o artigo 174 do Código Tributário Nacional, que diz respeito ao prazo que o credor tem para ajuizar a execução fiscal; o artigo 40 da Lei nº 6.830, de 1980, disciplinou hipótese diversa, aquela em que a execução já foi ajuizada, abolindo a chamada prescrição intercorrente, que havia sido criada pelo direito pretoriano."
Todo o tratamento da prescrição no CTN pressupõe um crédito tributário constituído, mas não executado, podendo-se dizer que a prescrição se origina do não exercício da pretensão, do não ajuizamento da execução fiscal de um crédito tributário exigível, no prazo legal, de cinco anos, contados da constituição definitiva do crédito.
Para o CTN, só há que se falar prescrição antes do exercício da pretensão, do ajuizamento da execução fiscal – ou, de forma mais precisa, do despacho que ordena a citação.
"A prescrição opera-se na relação entre Fisco e Estado-juiz, e só pode ocorrer depois da constituição do crédito e antes do processo de execução fiscal. No direito tributário, onde a matéria da prescrição é colocada de forma expressa e objetiva, afigura-se renitente absurdo aceitar a prescrição como modalidade extintiva do processo executivo, pretendendo implementar a "paz social entre os litigantes" ou "estabilizar a relação jurídica entre as partes interessadas, afastando o conflito", com tem sustentado o STJ. A prescrição em direito tributário não tem o fim de extinguir o processo, consuma-se no exercício do direito de ação."
(SANTI, 2000, p. 43)
O Código Tributário Nacional, norma complementar nacional que visa dar uniformidade e segurança ao tratamento da decadência e da prescrição, cuida de todas as normas gerais sobre prescrição tributária. O tratamento do instituto, sistematicamente e em bloco, admite e regula apenas a prescrição ordinária. Por não autorizar a prescrição intercorrente, o CTN não tem uma norma sequer que trate deste instituto, razão pela qual todas as normas gerais sobre prescrição intercorrente, sem exceção, foram criadas pela jurisprudência (antes da vigência da Lei nº 11.051, de 29 de dezembro de 2004), conforme será exposto.
Se a prescrição intercorrente não está no CTN, então todas as conclusões que até o momento a justificaram normativamente estão equivocadas, porque baseadas em premissas falsas. O fundamento normativo da prescrição intercorrente não está no CTN e não pode ser buscado em norma ordinária, porque o tratamento do instituto é reservado à lei complementar.
O instituto, na verdade, foi criado e disciplinado, em todos os seus aspectos, por normas jurisprudenciais, não existindo o alegado fundamento legal, que é apenas suposto, não comprovado.
Ainda que fosse caso de analogia ou interpretação extensiva, e não o é, conforme explicado, mas, mesmo que o fosse, a aplicação destes recursos hermenêuticos conduziria, necessariamente, à edição de normas gerais em matéria de prescrição tributária por veículos constitucionalmente inadequados, normas jurisprudenciais, quando a matéria, por disposição constitucional expressa, é reservada à lei complementar.
Em outras palavras, como o CTN não trata da prescrição intercorrente, a criação deste instituto passaria necessariamente pela instituição de suas normas gerais. Como estas normas gerais só podem ser criadas por norma legal complementar, também por esta razão estaria vedada a aplicação da analogia e da interpretação extensiva.
A Constituição Federal enrijeceu ainda mais o princípio da legalidade em matéria tributária, exigindo lei complementar específica para a fixação de normas gerais tributárias, especialmente no tocante à prescrição, conforme artigo 146, III, a. Não se trata apenas do princípio da reserva de lei formal e material, mas do princípio da reserva de lei complementar.
"[...] a prescrição do crédito tributário está imerso num regime jurídico próprio e específico, que começa pelo art.146 da CF de 1988, que reserva ao monopólio da lei complementar estabelecer normas gerais em matéria tributária especificamente sobre prescrição."
(LIMA JUNIOR, 2010, p. 95)
Conforme exposto, a Constituição de 1967 já determinava a reserva de lei complementar para tratamento das normas gerais em matéria tributária, mas não citava expressamente, como o fez a Constituição de 1988, as normas relativas à prescrição. Assim dispunha o artigo 19, § 1º, da Constituição: "§ 1º - Lei complementar estabelecerá normas gerais de direito tributário, disporá sobre os conflitos de competência tributária entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e regulará as limitações constitucionais do poder tributário".
Como as normas reguladoras da prescrição tributária não eram expressamente citadas na Constituição, discutia-se a abrangência destas normas constitucionais, havendo quem limitasse a sua aplicabilidade, sustentando, em conclusão, a constitucionalidade das normas ordinárias reguladoras da prescrição tributária anteriores à Constituição de 1988, principalmente as normas da Lei nº 6.830/80.
Neste sentido, a decisão do Ministro Ari Pargendler, que ficou vencido, no Recurso Especial nº 38297/SP (1996), onde, depois de esclarecer que não existia conflito entre a redação original do artigo 40 da Lei nº 6.830/80 e o artigo 174 do Código Tributário Nacional, defendeu que, mesmo se houvesse o conflito, prevaleceriam as normas da Lei nº 6.830/80 (lei, cronologicamente, posterior ao CTN):
"Não há, por isso, qualquer conflito entre ambos os dispositivos legais; se houvesse, prevaleceria o artigo 40 da Lei nº 6.830, de 1980, porque à época da publicação desta, a prescrição da ação de cobrança do crédito tributário não constituía matéria própria de normas gerais de direito tributário, natureza que só passou a ter com a promulgação da Constituição Federal de 1988, cujo artigo 146, III, letra "b", então, incluiu a prescrição entre as matérias reservadas à lei complementar."
A tese, contudo, não prosperou na jurisprudência, principalmente do Supremo Tribunal Federal, que não admite a regulação da prescrição tributária por norma que não seja legal complementar desde a vigência da Constituição de 1967.
A Constituição Federal de 1988, nesta linha de interpretação, apenas esclareceu o que já estava previsto na Constituição de 1967: o monopólio da lei complementar para estabelecer normas gerais em matéria de prescrição tributária.
"Portanto, as regras sobre prescrição no Direito Tributário, tanto no que diz respeito aos prazos como no que tange à contagem desse prazo peremptório, devem observar impreterivelmente o veículo da LC, emanar do Congresso Nacional mediante aprovação por maioria absoluta, nos termos do art. 69 da Carta Constitucional. É um regime jurídico singular, porquanto somente no Direito Tributário há essa afetação das regras prescricionais à edição da LC. Em nenhum outro ramo do Direito brasileiro, seja do Direito Civil, Administrativo, Penal, Ambiental, do Consumidor etc., ocorrer essa afetação, o que revela a rigidez imposta pela CF de 1988 ao instituto da prescrição dentro do Sistema Tributário Nacional."
(LIMA JUNIOR, 2010, p. 95)
Assim, todas as normas gerais que tratem da prescrição tributária devem ser criadas, de forma privativa, por lei complementar. O campo das normas gerais em matéria tributária é esclarecido pela doutrina e delimitado, de forma rígida, pelo Supremo Tribunal Federal.
"Melhor esclarecendo, a lei complementar poderá determinar – como de fato determinou (art. 156, V, do CTN) – que a decadência e a prescrição são causas extintivas de obrigações tributárias. Poderá, ainda, estabelecer – como de fato estabeleceu (arts. 173 e 174 do CTN) – o dies a quo destes fenômenos jurídicos, não de modo a contraria o sistema jurídico, mas a prestigiá-lo. Poderá, igualmente, elencar – como de fato elencou (arts. 151 e 174, parágrafo único, do CTN) – as causas impeditivas, suspensivas e interruptivas da prescrição tributária."
(CARRAZA, 2001, p. 766)
O Superior Tribunal de Justiça, na Arguição de Inconstitucionalidade no Recurso Especial nº 616348/MG (2007), declarou, por ofensa à reserva de lei complementar, a inconstitucionalidade da norma da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, que tratava de prescrição tributária, esclarecendo, em voto do Ministro César Rocha o alcance da expressão constitucional "normas gerais":
"Comungo do entendimento do em. Ministro Teori Albino Zavascki, também no que se refere ao significado da expressão "normas gerais sobre prescrição e decadência", quando afirma que essas "normas gerais" são aquelas que estipulam os prazos de prescrição e decadência, o início e fim de sua contagem, bem como suas causas suspensivas e interruptivas, questões, algumas dessas, que foram reguladas no art. 45 da Lei 8.212/91 e que, todavia, devem ser objeto de lei complementar."
O Ministro deixa claro que "o início e fim" da contagem do prazo prescricional são questões contidas na expressão "normas gerais". Em conclusão, a delimitação de ambos deve ser feita, de forma privativa, por lei complementar.
No Recurso Extraordinário nº 560626/RS, o Supremo, no voto do Ministro Gilmar Mendes, também teceu esclarecimentos sobre o alcance da expressão constitucional:
"No ponto, a recorrente argumenta que cabe à lei complementar apenas a função de traçar diretrizes gerais quanto à prescrição e à decadência tributárias, com apoio no magistério de Roque Carrazza (in Curso de Direito Constitucional Tributário, 19ª ed. Malheiros, 2003, páginas 816/817).
Isto é, nem todas as normas pertinentes à prescrição e decadência seriam normas gerais, mas tão somente aquelas que regulam o método pelo qual os prazos de decadência e prescrição são contados, que dispõem sobre as hipóteses de interrupção de prescrição e que fixam regras a respeito do reinício de seu curso.
Nesse sentido, a fixação dos prazos prescricionais e decadenciais dependeriam de lei da própria entidade tributante, já que seriam assuntos de peculiar interesse das pessoas políticas, não de lei complementar.
Esta conclusão, entretanto, retira da norma geral seu âmbito e força de atuação.
Com efeito, retirar do âmbito da lei complementar a definição dos prazos e a possibilidade de definir as hipóteses de suspensão e interrupção da prescrição e da decadência é subtrair a própria efetividade da reserva constitucional.
Ora, o núcleo das normas sobre extinção temporal do crédito tributário reside precisamente nos prazos para o exercício do direito e nos fatores que possam interferir na sua fluência.
[...]
A Constituição não definiu normas gerais de Direito Tributário, porém adotou expressão utilizada no próprio Código Tributário Nacional, lei em vigor quando da sua edição.
Nesse contexto, é razoável presumir que o constituinte acolheu a disciplina do CTN, inclusive referindo-se expressamente à prescrição e à decadência: "especialmente sobre (...) prescrição e decadência tributários".
[...]
Se a Constituição não determinou o conceito da norma geral de Direito Tributário, no mínimo fixou-lhe a função: estabelecer preceitos que devam ser seguidos em âmbito nacional, que ultrapassem a competência do Congresso Nacional para ditar o direito positivo federal.
Trata-se de normas com maior espectro, a serem seguidas por todas as esferas políticas com competência tributária de maneira uniforme, seja por direta incidência sobre as relações jurídico-tributárias, seja como fator delimitador da edição da legislação ordinária em matéria fiscal.
E a fixação de prazos decadenciais e prescricionais, a definição da sua forma de fluência são questões que exigem tratamento uniforme em âmbito nacional."
No mesmo processo, o Ministro Marco Aurélio pontuou:
"De minha parte, Presidente, estou convencido de que o artigo 146 da Constituição Federal, quando remete à lei complementar a disciplina da decadência e da prescrição, o faz em relação a todos os elementos dos dois institutos. E sabemos que o prazo, o termo, inicial do prazo, e o período a ser observado configuram substância dos institutos decadência e prescrição. Não podemos cogitar de decadência ou prescrição se não houver balizamento temporal."
Humberto Ávila (2008, p. 108), ao discorrer sobre a lei complementar de normas gerais tributárias, especificamente sobre prescrição e decadência, esclarece que estes institutos circulam em torno do prazo: "seu início, seu final, sua suspensão, modificação ou interrupção".
Eurico Marcos Diniz de Santi (2000, p. 39) leciona:
"As normas gerais e abstratas de decadência e prescrição do direito do Fisco e de decadência e prescrição do direito do contribuinte devem ser introduzidas por lei complementar, o que implica definir nesse veículo normativo a hipótese (determinando o prazo, seu termo inicial e eventuais circunstâncias suspensivas e interruptivas que conformam esse fato temporal) e o conseqüente (extinção do direito de lançar, do crédito ou do direito de ação)."
Do exposto, pode-se concluir que doutrina e jurisprudência, em consenso, incluem o termo inicial e as circunstâncias interruptivas da prescrição entre as normas gerais. Em conclusão, somente a lei complementar pode fixar o marco inicial do prazo prescricional, bem como as causas interruptivas deste prazo.
Neste passo, necessário apontar, de forma específica, quais as normas gerais em matéria tributária criadas pela jurisprudência, invadindo matéria reservada exclusivamente à lei complementar.
Primeiro, a norma jurisprudencial estabelece que a prescrição, depois de interrompida pelo despacho que ordena a citação (ou pela citação, antes da Lei Complementar nº 118, de 9 de fevereiro de 2005), mas antes de concluído o processo originado pelo evento interruptivo, volta a correr.
Trata-se efetivamente de uma norma geral em matéria tributária, que autoriza o início da contagem do prazo prescricional interrompido, ainda no âmbito do processo nascido em consequência do exercício da pretensão, que o interrompeu.
Conforme citado, não há norma legal complementar que autorize o início da contagem do prazo prescricional dentro do mesmo processo no qual foi interrompido: foi a jurisprudência que criou uma norma geral de direito tributário autorizando o início deste prazo.
A segunda norma geral em matéria tributária criada pela jurisprudência é aquela que fixa o marco inicial para contagem do prazo, pressupondo a norma geral inicial, que autoriza a abertura deste prazo no âmbito do processo onde a prescrição ordinária foi interrompida.
O Código Tributário Nacional fixa, com precisão, o marco inicial da prescrição ordinária, delimitando o momento em que a inércia tem relevância para fins jurídicos: "Não é difícil concluir que não se pode falar em curso da prescrição enquanto não se verificar a inércia do titular da ação e esta foi localizada no CTN, no instante da constituição definitiva do crédito [...]" (VIEIRA, 1997, p. 79).
Como o CTN não tratou da prescrição intercorrente, não fixou seu marco inicial. A jurisprudência teve que selecionar um momento, dentro do processo, a partir do qual se iniciaria o prazo de prescrição intercorrente.
Neste ponto, diversos marcos se apresentam como possíveis, cabendo a escolha de um ou mais entre eles, como o despacho que ordena a citação; a própria citação; o término do processo onde foi interrompida a prescrição (situação onde o prazo reaberto seria de prescrição ordinária, não intercorrente em sentido estrito); o arquivamento dos autos por ausência de bens ou pela inércia do exequente; o despacho que ordena o arquivamento dos autos pela não localização de bens ou do devedor, depois de transcorrida a suspensão do processo por um ano (marco inicial fixado na prescrição intercorrente legal); o não cumprimento de determinado ato essencial para o prosseguimento do feito (marco inicial ordinário para contagem da prescrição intercorrente na execução comum), o último ato do processo, do juiz ou da parte (desde que se entenda que a prescrição exige apenas o evento objetivo passagem do tempo), entre outros.
Não existe, portanto, um marco inicial evidente para o início do prazo de prescrição intercorrente. Nenhum destes marcos iniciais, legais, jurisprudenciais ou teóricos, são óbvios.
Aliás, na execução comum, o despacho que ordena a suspensão do processo por ausência de bens, artigo 791, III, CPC, suspende o curso de prescrição, conforme jurisprudência reiterada do STJ, quando, na norma legal que trata da prescrição intercorrente nas execuções fiscais, é condição para que se apresente o seu marco inicial.
Enfim, entre diversos marcos iniciais possíveis, a jurisprudência, mais uma vez criando norma geral em matéria tributária, fixou um ponto de partida flexível e incerto: o ato omissivo da Fazenda Pública, evento que depende, na prática, das circunstâncias do caso peculiar (criando uma situação concreta que dificilmente será controlada pelo Superior Tribunal de Justiça, porque, para o Tribunal, esta análise passa pela rediscussão de fatos e provas, questões vedadas em sede de recurso especial); ou o último ato do processo, do juiz ou da parte, seja ele qual for, conforme jurisprudência que vem se formando, consubstanciada em alguns citados precedentes do Tribunal Regional Federal da 4º Região.
Deste modo, se a Fazenda Pública deixa de se manifestar nos autos, começa a correr o prazo de prescricional, que, obviamente, pode ser interrompido pelas causas de interrupção previstas no CTN.
Em qualquer caso, além dos eventos interruptivos do CTN, as normas gerais sobre prescrição tributária criadas pela jurisprudência aceitam, no processo de execução fiscal, mais um marco interruptivo (ou, dependendo do caso, alguns marcos interruptivos) da prescrição, nascido como consequência da admissão do flexível marco inicial de contagem do prazo: a interrupção da prescrição intercorrente pela conduta ativa ou útil do exequente.
A prescrição intercorrente, que começa a ser contada da omissão do exequente ou do último ato do processo, é interrompida a cada nova manifestação da Fazenda Pública nos autos – alguns precedente, como exposto, exigem que esta movimentação seja útil.
Também neste ponto, diversos atos processuais, isoladamente ou combinados, do juiz e das partes, poderiam ser escolhidos como eventos interruptivos da prescrição: qualquer ato processual da Fazenda Pública; apenas os atos processuais da Fazenda Pública nos quais fosse requerida diligência processual; determinado ato do juiz, deferindo pedido da Fazenda Pública, de diligência ou mesmo de suspensão do processo (o que dependeria dos contornos da norma legal específica) – nestes casos, observe-se que, apesar da prescrição ordinária pressupor o exercício da pretensão, ato da parte, só é interrompida depois de um ato judicial, o despacho inicial; um ato processual específico, como a citação efetiva, a penhora de bens ou o cumprimento de determinadas diligências; qualquer ato do réu no processo, mesmo não representando reconhecimento do débito (caso reconhecesse, o ato seria interruptivo de prescrição segundo norma atual do CTN), entre outros.
As normas jurisprudenciais ainda tratam esta questão com vagueza, mas o fato é que reconhecem diversas das causas acima como interruptivas da prescrição, nenhuma delas prevista em norma jurídica adequada: lei complementar..
Deste modo, a prescrição intercorrente flui e é interrompida diversas vezes no processo de execução fiscal. A partir de uma conduta omissiva da Fazenda Pública ou do último ato do processo, a prescrição intercorrente começa a correr, mas, voltando o ente público a atuar na execução fiscal de forma ativa ou útil, tem-se por interrompida a prescrição, que, contudo, pode recomeçar a fluir, no caso de nova omissão ou nova paralisação do feito.
Sobre esta interrupção, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, na Apelação Cível nº 1998.72.06.000289-8 (2008), analisando a desídia da exequente como fator autorizador da prescrição intercorrente, assim concluiu: "Isso porque considera-se interrompida a prescrição, após o ajuizamento da ação, a cada impulso útil praticado pela demandante com vistas à efetiva solução do processo."
A manifestação da Fazenda Pública no processo interrompe a prescrição, o que é lógico é razoável, mas tal razoabilidade não tira da norma jurisprudencial sua natureza, pois, ao fixar mais uma hipótese de interrupção da prescrição tributária, deve ser considerada norma geral em matéria tributária, conforme jurisprudência e doutrina majoritárias – talvez até consensuais.
Como a série de pontos de partida e de interrupção da prescrição são indefinidos, cria-se uma situação inusitada: o ponto de partida da prescrição intercorrente jurisprudencial só é efetivamente fixado quando a prescrição é declarada. Até então, não se poder dizer, com precisão, se a prescrição intercorrente está correndo, ou não, o que depende da análise pessoal de cada magistrado, diante das circunstancialidades processuais. Só quando o processo é extinto por prescrição intercorrente, fixando o magistrado o momento a partir do qual ela começou a correr e as situações processuais que a interromperam, é que são pontuados os marcos prescricionais.
E não se pode dizer que a omissão da Fazenda Pública restou caracterizada à evidência em determinado momento, porque é o magistrado que, no final, vai decidir em qual momento restou configurou a omissão e quais diligências, pedidos ou solicitações da Fazenda Pública tiveram, ou não, o condão de interromper a prescrição.
Trata-se de situação de evidente insegurança jurídica, pois a jurisprudência cria um marco inicial de fluência do prazo de prescrição que só é conhecido de forma precisa quando a prescrição já se consumou!
Além disso, conforme citado, o Superior Tribunal de Justiça não analisa, nos casos concretos, a atuação judicial na fixação dos marcos de prescrição, sob a alegação, em princípio, pertinente, de que esta análise envolve reanálise de fatos e provas.
A necessidade de criação de tantas normas gerais pela jurisprudência reforça a tese de que o Código Tributário Nacional não autoriza a prescrição intercorrente. Se o instituto fosse autorizado pelo CTN, certamente tais pontos, essenciais para a sua aplicação, teriam sido regulados pelo próprio Código Tributário Nacional.
Dos enunciados normativos do Código Tributário Nacional, pode-se extrair uma norma que impõe a extinção do crédito tributário se a Fazenda Pública não exercer a pretensão executiva, fazendo com que o magistrado profira o despacho inicial, em cinco anos, a contar da constituição definitiva do crédito, podendo este prazo ser interrompido por situações específicas previstas no próprio Código.
A jurisprudência cria novas normas gerais em matéria tributária, impondo a extinção do crédito fiscal por uma situação surgida depois de exercida a pretensão (cujo não exercício é a única espécie de omissão que enseja a prescrição do CTN), em um processo de execução ainda em tramitação, no âmbito do qual a prescrição foi inicialmente interrompida, caso, a partir do surgimento desta situação, que pode estar relacionada a um ato omissivo do exequente ou à mera paralisação do processo, seja ultrapassado o prazo de cinco anos.
O prazo, depois de aberto, pode ser interrompido pelas causas interruptivas da prescrição previstas no CTN e, ainda, por alguns eventos ocorridos nos autos, como condutas ativas da Fazenda exequente (alguns magistrados exigem que sejam "úteis"), entre outras, dependendo das circunstâncias de cada caso.
Eis, enfim, as normas gerais criadas pela jurisprudência para tratar da prescrição intercorrente em matéria tributária, que fixam marcos indefinidos e inseguros, bem como novos marcos de interrupção, invadindo matéria reservada à lei complementar, em ofensa direta à Constituição.
Ressalte-se a importância que estas normas gerais em matéria tributária, reservadas à lei complementar, têm no sistema jurídico, alcançando todos os entes federativos, o que torna ainda mais grave a regulação da matéria por normas jurisprudenciais. Referindo-se ao conjunto de normas gerais em matéria tributária exigido pela Constituição Federal por meio de lei complementar, José Souto Maior Borges (2008, p. 69) esclarece:
"A lei complementar de normas gerais prevalece não só sobre as normas de direito estadual e municipal, mas também de direito federal. Há portanto uma relação sintática hierárquica que se resolve pela aplicação da regra: ‘direito nacional corta direito federal, estadual e municipal’.
Neste ponto, em um país de tradição romanista, se nem o legislador ordinário pode regular determinada matéria, por sua natureza especial conferida pela Constituição, o Judiciário, com mais propriedade, também não poderia, principalmente no âmbito do Direito Tributário.
"No direito tributário, centrado no princípio da legalidade, a lei exerce o papel de maior importância. Outros atos, sem a estatura da lei, podem atuar apenas em assuntos periféricos da tributação (como a aprovação de formulários de prestação de informações, de guias de recolhimento etc.).
A doutrina e a jurisprudência exercem, também no campo tributário, o trabalho construtivo do direito que lhes cabe noutros setores da ciência jurídica, embora com limites menos largos de atuação, em virtude precisamente do princípio da estrita legalidade dos tributos"
(AMARO, 2008, p. 165)
A jurisprudência, principalmente no Direito Tributário, é fonte de direito secundária, não podendo regular matérias sujeitas ao princípio da legalidade.
"Quais são as fontes formais do Direito Tributário?
De acordo com a Constituição e o Sistema Tributário Nacional são a Constituição, as emendas à Constituição, as leis complementares desta, os tratados e as convenções internacionais, as leis ordinárias, as leis delegadas, as medidas provisórias convertidas em lei, os decretos legislativos e as resoluções (CF, arts. 59, 62,5ª,§ 2º).
Como fontes formais secundárias temos ainda as normas complementares, a jurisprudência e a doutrina que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes."
(NOGUEIRA, 1993, p. 50)
A construção hermenêutica que defende a prescrição intercorrente na execução comum, apesar de também questionável, é mais plausível que aquela que a estende às execuções fiscais tributárias. Em primeiro lugar, pelas normas específicas que tratam da prescrição no Direito Civil e no Direito Tributário, questão já exposta.
Além disso, o tratamento da prescrição no Direito Privado, fazendo-se uma interpretação sistêmica do ordenamento, deve ser feito por normas legais, contudo, tal necessidade não está explícita na Constituição. Não há dúvidas de que se trata de decorrência lógica, mas é certo que não há norma expressa.
No Direito Tributário, a Constituição exige, expressamente, lei formal para tratar destas questões, e, para conceder ainda mais segurança, exige que esta lei seja complementar, norma legal com procedimento de criação específico, mais rígido que aquele pelo qual passa a lei ordinária.
As normas gerais sobre prescrição tributária criadas pela jurisprudência são inconstitucionais, por tratarem de matéria reservada à lei complementar, e toda decisão que as aplicar deve ser corrigida, inclusive, por meio de recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal. A lei complementar de normas gerais tributárias não pode ser alterada pelo Judiciário.
Falando sobre a abrangência das normas gerais de Direito Tributário, da impossibilidade do tratamento do prazo de decadência e prescrição por norma distinta da lei complementar nacional, Humberto Ávila (2008, p. 110) esclarece:
"Pois bem, a Constituição, no que se refere às matérias carecedoras de uniformidade, foi contundente: nos "princípios gerais"do Sistema Tributário Nacional, aplicáveis, indistintamente a todos os entes federados, ela reservou à lei complementar a competência para estabelecer normas gerais, especialmente sobre prescrição e decadência.
[...]
Isso significa, em outras palavras, que a Constituição, nesse assunto, foi categórica: somente uma lei nacional pode estabelecer regras de prescrição e decadência. A Constituição bem poderia ter deixado para o plano concreto a ponderação horizontal entre os princípios da uniformidade e da autonomia federativas. Ela, no entanto, preferiu regrar abstratamente essa relação, indicando, desde já, as matérias a serem obrigatoriamente reguladas por lei complementar, sem prever qualquer exceção a essa regra."
E não se pode dizer que a prescrição intercorrente é decorrência lógica do nosso ordenamento jurídico, da Constituição ou das normas processuais, conforme já explicado. Dado este caráter eventual, e como a prescrição em matéria tributária deve ser regulada apenas por lei complementar, cabe apenas ao legislador complementar, se for o caso, autorizar e regular esta espécie de extinção do crédito tributário, não cabendo ao Judiciário fazer a escolha que o legislador complementar não o fez.
Não se justifica que a reserva legal complementar seja invadida por normas jurisprudenciais, que não são adequadas ao tratamento da matéria.
As normas jurisprudenciais não nascem da interpretação do CTN, que não estatui nenhuma delas. De fato, as normas pretorianas alteram os enunciados normativos do Código Tributário, o que só poderia ser feito, conforme mandamento constitucional, por formalmente lei complementar.
Além de invadir a reserva de lei complementar, as normas jurisprudenciais também ofendem cláusula pétrea, a separação de poderes, prevista no artigo 2º da Constituição Federal.
O Judiciário, ao editar normas de atribuição privativa do Legislativo, exerce uma função que não é nem poderia ser dele, usurpando uma atribuição que caracteriza a função legislativa: a edição de normas legais (apesar de, formalmente, jurisprudenciais, as normas tratam de matéria submetida expressamente ao princípio da legalidade).
"Em um sistema democrático, onde haja divisão de poderes e onde vigorem os princípios da legalidade e da isonomia, somente pode haver uma ordem jurídica (Unicidade), a sentença não pode criar direitos subjetivos e será sempre um ato meramente intelectivo."
(LIMA, 1997, p. 94)
Portanto, a criação pretoriana descumpre, ao mesmo tempo, o princípio da separação de poderes e a reserva legal complementar, apesar da determinação impositiva da Constituição Federal nos dois casos. Estas normas formalmente legislativas são criadas na seara tributária, limitando o direito soberano do Estado de criar e cobrar tributos, onde nenhuma restrição se presume, salvo aquelas da Constituição e do Código Tributário Nacional.
A jurisprudência presume uma restrição ao poder de tributar, uma liberalidade do Estado ao contribuinte, que não deriva do CTN nem se encontra em nenhuma regra legal complementar positiva.
"Não se presume o intuito de o intuito de abrir mão de direitos inerentes à autoridade suprema. A outorga deve ser feita em termos claros, irretorquíveis; ficar provada à evidência, e se não estender além das hipóteses figuradas no texto; jamais será inferida de fatos que não indiquem irresistivelmente a existência da concessão ou de um brocardo que a envolva. No caso, não tem cabimento o brocardo célebre; na dúvida, se decide contra as isenções totais ou parciais, e a favor do fisco; ou melhor, presume-se não haver o Estado aberto mão da sua autoridade para exigir tributos."
(MAXIMILIANO, 1995, p. 334)
A jurisprudência, invadindo matéria reservada à lei complementar, cria normas gerais em matéria tributária que limitam o poder de cobrar tributos de todos os entes federativos: da União, de todos os Estados, do Distrito Federal e de todos os Municípios.
Além disso, voltando ao princípio da segurança jurídica, deve-se reconhecer que a jurisprudência o descumpre na matéria, prejudicando os entes públicos.
E não há que se falar em limitar a validade pessoal do princípio, que também deve beneficiar o ente público.
Em certos âmbitos, é possível que uma norma limite este princípio para o ente público, mas tal limitação deve ser expressa, porque a fundamentação que o justifica não depende da qualidade da pessoa eventualmente favorecida ou beneficiada.
Não existindo diferenciação expressa, o princípio deve beneficiar todas as pessoas, inclusive as pessoas jurídicas de direito público. Não há situação jurídica que fundamente eventual tratamento discriminatório no caso. O Estado também é sujeito de direitos.
Não se pode tratar o Estado, que se apresenta sobre múltiplos enfoques, indistintamente. Deve ser verificada a posição do Estado em cada situação jurídica concreta. Para exemplificar, em um único processo judicial, o mesmo ente federativo pode se apresentar em todos os pólos subjetivos, como autor e réu (como exemplo, Ministério Público Federal e Advocacia-Geral da União), e, ainda, na posição de terceiro imparcial, o Estado-juiz.
O Estado se apresenta de distintas formas, dependendo das situações jurídicas concretas, não sendo possível, salvo nas relações internacionais, analisá-lo de forma uma. No plano interno, o Estado apresenta-se como autor das leis, sujeito passivo delas e, em caso de conflito, o ente que vai dirimi-lo. É o mesmo Estado, mas em posições jurídicas distintas.
Alegar que o Estado, por fazer as leis, não estaria protegido pelo princípio da segurança jurídica, além de ser afirmação sem respaldo normativo, ignora a complexidade com que se apresenta o Estado nas relações jurídicas. Levar esta afirmação ao extremo, tornaria inviável o Poder Judiciário como é estruturado, afinal, é o Estado que julga os conflitos em que o próprio Estado litiga contra o particular.
Ocorre que o Judiciário, mesmo sendo parte do aparato estatal, está estruturado e dotado de legitimidade para julgar. Por outro lado, o Estado-administrador, sujeito concreto da atuação legislativa, também é, assim como o particular, jurisdicionado do Estado-juiz, estando submetido, portanto, aos atos legislativos e judiciários, devendo ter as mesmas garantias ofertadas ao particular, salvo quando exista relevante fundamentação para a discriminação, dentro de critérios razoáveis.
A paridade de armas deve ser garantida a todos os jurisdicionados, sujeitos estatais e particulares, havendo, é certo, diferenciações normativas que amenizam a desigualdade entre estes entes, não que as aprofundam.
A segurança jurídica é aplicável aos entes públicos, à Administração Pública. O administrador público deve ter segurança (estabilidade e previsibilidade) ao planejar e efetivar os respectivos atos de gestão, evitando-se um gerenciamento administrativo imprevisível e caótico, com evidente prejuízo ao interesse público.
A administração de recursos e interesses públicos deve ser efetivada com um mínimo de segurança e previsibilidade jurídica. Daí a importância do princípio da legalidade na imposição de ônus e deveres, circunscrevendo os limites da atuação administrativa e judicial.
É preciso reconhecer que " [...] la seguridad jurídica también se presenta como um modo de protección de la sociedad en su conjunto; por ejemplo, em la atribución de prerrogativas, que se evidencian em la presunción de legitimidad de los actos administrativos [...]" (MORDEGLIA, 2003, p. 206).
Deve-se reconhecer que o ente público, depois de constituído definitivamente o crédito tributário, tem a seu favor um ato jurídico perfeito, o crédito constituído. Como consequência legal deste crédito tributário constituído, tem o ente público o direito de cobrá-lo. Estas categorias jurídicas, depois de concretizadas, mesmo em favor do ente público, devem ser resguardas, só podendo ser alteradas por normas legais editadas de acordo com a Constituição.
As normas jurisprudenciais, ao extinguir direitos dos entes públicos, acabam modificando situações jurídicas consolidadas, sem que exista o necessário respaldo constitucional e legal. Neste ponto, necessário esclarecer, mais uma vez, o que é, juridicamente, a segurança, que exige a previsibilidade e calculabilidade com relação aos efeitos jurídicos dos atos (MORDEGLIA, 2003, p. 207).
"A noção de segurança jurídica, com valor inerente à vida em sociedade, desdobra-se em 2 (duas) vertentes. A segurança pode ser encarada como:
a) manutenção do status quo, sem possibilidade de se alterar situação já consolidada;
b) garantia de previsibilidade, permitindo que as pessoas possam planejar e se organizar, levando em conta as possíveis decisões a serem tomadas em casos concretos pelos juízes e tribunais."
(CUNHA, 2006, p. 122)
Transcreve-se lição de teor semelhante:
"A certeza do direito, sem a qual não pode haver uma regular previsibilidade das decisões dos tribunais, é na verdade condição evidente e indispensável para que cada um possa ajuizar das conseqüências dos seus actos, saber quais os bens que a ordem jurídica lhe garante, traçar e executar os seus planos de futuro"
(ANDRADE, 1978, p. 54)
Em lição mais abrangente, tem-se que:
"2.7. Com efeito, de um lado, o princípio da segurança jurídica impõe a realização das idéias de intelegibilidade, confiabilidade e previsibilidade do ordenamento jurídico: para que ele seja inteligível, as suas normas devem ser acessíveis, abrangentes e suficientemente determinadas; para que ele seja confiável, as suas normas devem ser estáveis; e para que ele seja previsível, as suas normas devem ser antecipáveis (ARNAULD, Andréas Von. Rechtssicherheit. Tubingen: Mohr Siebeck,2006, pp. 39, 64 e 103.).
2.8. Sendo assim, as normas referentes aos institutos da prescrição e da decadência só poderão ser havidas como realizadoras do princípio da segurança jurídica se garantirem acessibilidade, abrangência, compreensibilidade, estabilidade e previsibilidade do ordenamento jurídico.
[...]
Abrangente (ubershaubar) é a legislação extensa nos seus aspectos materiais, subjetivos e espaciais, isto é, que abrange um sem-número de sujeitos e de casos num âmbito espacial igualmente amplo.
[...]
Suficientemente determinada (hinreichend bestimmt) é a legislação capaz de fornecer elementos mínimos de orientação ao destinatário.
[...]
Estável (stabil) é a legislação com elevado grau de permanência e de continuidade, isto é, aquela que não muda constantemente e arbitrariamente.
[...]
Previsível (voraussehbar) é a legislação cujo conteúdo e efeitos podem ser em larga medida antecipáveis."
(Ávila, 2008, p. 108-109).
A segurança jurídica é abalada pelas confusas normas jurisprudenciais, que geram situação de dúvida e incerteza para o ente público, ao instituir uma forma de extinção de direito não prevista na norma jurídica adequada, lei complementar, em regulação difusa e confusa, à margem do princípio da estrita legalidade, em desacordo a Constituição e com os ditames da segurança jurídica.
"Não é demais lembrar que o princípio da segurança das relações jurídicas está intimamente ligado ao princípio da estrita legalidade, que impõe, notadamente em sua vertente material (tipicidade), que as normas sejam claras e estabeleçam expressamente os comandos a serem seguidos pelos jurisdicionados."
(RONCAGLIA; E CAIUBY, 2006, p. 95)
A segurança jurídica, deste modo, está vinculada ao princípio da legalidade, com as restrições a ele impostas pela Constituição.
"Habrá seguridad jurídica cuando el acto de determinación sea ‘regular’, es decir, ajustado a uma norma aplicable. Por el contrario, se introducirá la arbitrariedad en la medida en que el acto sea ‘irregular’, es decir, cuando confronta con el derecho vigente."
(ARROYO, 2003, p. 229)
A jurisprudência efetivamente cria uma nova espécie de extinção do crédito tributário, denominada prescrição intercorrente, impondo ao sujeito de direito a imposição mais severa do Direito Tributário, a extinção do crédito, independente de norma legal autorizadora, em ofensa ao princípio constitucional da reserva de lei complementar e ao próprio Código Tributário Nacional que, no artigo 97, determina que somente a lei pode estabelecer hipótese de extinção do crédito tributário, e, no artigo 141, determina que o crédito tributário somente se modifica ou extingue nos casos previstos no próprio Código, "fora dos quais não podem ser dispensadas, sob pena de responsabilidade funcional na forma da lei, a sua efetivação ou as respectivas garantias".
Apesar da ilegalidade e da inconstitucionalidade que se delineiam, as normas jurisprudenciais continuam sendo aplicadas, pela utilidade manifesta e em razão da celeridade, que virou princípio máximo do plexo axiológico jurídico, o que acaba afastando a possibilidade de uma análise detida e aprofundada das normas jurídicas em aplicação.
A propensão do operador do direito é seguir os trâmites e cânones que até então vêm sendo seguidos e respeitados, sem tempo para reflexão nem oportunidade para repensar ou propor uma linha de pensamento alternativa.
3.2. Normas legais
Conforme exposto na introdução deste trabalho, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, na Apelação Cível nº 0004671-46.2003.404.7200/SC (2010), ao analisar a constitucionalidade da Lei nº 11.051, de 29 de dezembro de 2004, enfocando a questão da reserva legal complementar, arguiu, em 25 de maio de 2010, e acolheu parcialmente, em 27 de agosto de 2010, incidente de arguição de inconstitucionalidade, para, sem redução de texto, e limitando os seus efeitos às execuções de dívidas tributárias, conferir interpretação conforme a Constituição às normas legais, fixando como termo de início do prazo de prescrição intercorrente o despacho que determina a suspensão (artigo 40, caput, da 6.830, de 22 de setembro de 1980):
"TRIBUTÁRIO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. ARTIGO 40 DA LEI Nº 6.830/80. SUSPENSÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL. TERMO INICIAL. ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE ACOLHIDA EM PARTE.
1. Tanto a Constituição de 1967 como a de 1988 conferiram apenas à lei complementar estabelecer normas gerais de direito tributário, nas quais se insere a prescrição.
2. A Lei nº 5.172/66 (Código Tributário Nacional) foi recepcionada como lei complementar pelas Constituições de 1967 e 1988. Em seu artigo 174, cuidou exaustivamente da prescrição dos créditos tributários, fixando prazo de cinco anos e arrolando todas as hipóteses em que este se interrompe. Não tratou, porém, acerca da suspensão do lapso prescricional.
3. Não poderia o artigo 40 da Lei nº 6.830/80 instituir hipótese de suspensão do prazo prescricional, invadindo espaço reservado pela Constituição à lei complementar.
4. Da interpretação conjunta do caput e do § 4º do artigo 40 da Lei nº 6.830/80, depreende-se que o início do prazo prescricional intercorrente apenas se dá após o arquivamento, que, de acordo com o parágrafo segundo do mesmo artigo, é determinado após um ano de suspensão. Assim, em primeiro lugar, não corre prescrição no primeiro ano (artigo 40, caput) e, em segundo, chega-se a um prazo total de seis anos para que se consume a prescrição intercorrente, o que contraria o disposto no CTN.
5. Acolhido em parte o incidente de argüição de inconstitucionalidade do § 4º e caput do artigo 40 da Lei nº 6.830/80 para, sem redução de texto, limitar seus efeitos às execuções de dívidas tributárias e, nesse limite, conferir-lhes interpretação conforme à Constituição, fixando como termo de início do prazo de prescrição intercorrente o despacho que determina a suspensão (artigo 40, caput)."
A questão discutida no TRF-4 chegou ao Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário nº 636562/SC (2011), que reconheceu a repercussão geral do tema, estando a matéria de mérito pendente de julgamento:
A inconstitucionalidade da norma legal que delimitou o marco inicial de contagem da prescrição intercorrente, equivocadamente entendida como causa de interrupção da prescrição, já era apontada por parte da doutrina antes da decisão do TRF-4:
"A Lei de nº 11.051, de 29-12-2004, que cuida de contribuições sociais, pelo seu artigo 6º veio, sorrateiramente, introduzir matéria estranha à ementa da lei, acrescentando o § 4º ao art. 40 da Lei de Execução Fiscal, Lei nº 6.830/80, nos seguintes termos: § 4º. Se da decisão, que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato.
[...]
Uma leitura apressada e isolada do § 4º indevidamente enxertado pode parecer uma virtude legislativa. Porém, no fundo, esse parágrafo encerra uma manobra legislativa para tentar sepultar a jurisprudência favorável ao contribuinte, que se formou em torno da prescrição intercorrente.
Na verdade, o esperto legislador, para driblar a jurisprudência que não admite a suspensão da prescrição, nem sua interrupção fora das hipóteses elencadas no parágrafo único do art. 174 do CTN, acrescentou, sorrateiramente, ao art. 40 supra transcrito um parágrafo aparentemente favorável ao contribuinte. Acontece que esse artigo, bem como seus parágrafos preexistentes padecem do insanável vício da inconstitucionalidade.
De fato, tanto o caput, como seus parágrafos não foram recepcionados pela Carta Política de 1988, que submeteu a disciplina da prescrição à lei complementar, nos expressos termos do art. 146, II, b, in verbis:
Art. 146 – Cabe à lei complementar:
III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários.
E o Código Tributário Nacional, lei materialmente complementar, dispõe em seu art. 174:
Art. 174 – A ação para cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva.
Parágrafo único. A prescrição se interrompe:
I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal;
II – pelo protesto judicial;
III – por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;
IV – por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor.
Como se depreende dos dispositivos transcritos, o CTN não reconhece a figura da suspensão da prescrição motivada pela não localização do devedor ou de seus bens. Nem sua interrupção ante a não localização do réu ou de seus bens.
[...]
Dessa forma, o astuto legislador, aparentemente, a pretexto de espancar dúvidas, introduziu um parágrafo no seio de uma norma inconstitucional, repelida pela jurisprudência, com o fito de procrastinar a contagem do prazo de prescrição intercorrente, que, agora, teria como termo inicial a data da decisão que ordenar o arquivamento dos autos, por ter decorrido prazo máximo de um ano sem citação do executado ou localização de seus bens.
[...]
Na realidade, equivale ressuscitar o crédito tributário extinto pela prescrição, por via de artifício legislativo.
Ocorre que, essa forma de conceder sobrevida às execuções fiscais natimortas implica inovação do art. 174 do CTN, o que só seria possível mediante edição de lei complementar. Disso resulta que o art. 6º da lei sob comento, que introduziu o § 4º ao art. 40 da LERF, é inconstitucional por inobservância do quorum qualificado previsto no art. 69 da CF."
(HARADA, 2007)
Aponte-se que nem doutrina nem jurisprudência suscitaram a inconstitucionalidade da prescrição intercorrente, instituto que envolve diversas normas gerais em matéria de prescrição tributária não previstas em lei complementar; questionando, contudo, seletivamente, apenas a constitucionalidade do marco inicial previsto na norma legal.
A questão é que, se uma norma não pode fixar o marco inicial da prescrição intercorrente, também não poderia ter criado o instituto. Trata-se de ponto não analisado pelo TRF-4 nem pela doutrina especializada: se a denominada "interrupção" ou "suspensão" da prescrição intercorrente por um ano, porque disciplinada em norma legal ordinária, e não em lei complementar, é, por isso, inconstitucional, pelas mesmas razões, tratamento normativo equivocado, todas as demais normas que tratam da prescrição intercorrente na Lei nº 11.051/2004, que alterou o artigo 40 da Lei nº 6.830/80, também padecem de inconstitucionalidade.
As hipóteses de prescrição e decadência, em matéria tributária, são reservadas à lei complementar, não se admitindo, para tratar destas matérias, a legislação ordinária.
O Código Tributário Nacional, é certo, não autoriza a interrupção da prescrição quando suspensa a execução fiscal pela não localização de bens penhoráveis, conforme se percebe da leitura das causas de interrupção do artigo 174. E o CTN não reconhece esta forma de "interrupção" da prescrição intercorrente simplesmente porque o Código não trata da prescrição intercorrente, não havendo como determinar a suspensão ou interrupção de um prazo de prescrição que, para o Código, não existe.
Ora, se a "a norma contida no § 4º do artigo 40 da LEF implica em inovação do art. 174 do CTN, o que só seria possível mediante edição de Lei Complementar", sendo, portanto, inconstitucional, a mesma conclusão é válida para as demais normas do artigo 40 que tratam da prescrição intercorrente, todas normas ordinárias que, irregularmente, inovaram em matéria reservada pela Constituição à lei complementar.
Como lei ordinária não pode fixar o marco inicial de contagem do prazo de prescrição, a inconstitucionalidade parcial declarada pelo TRF-4 (e, em outras palavras, repetida no título deste trabalho) é conclusão defensável; ainda que as premissas e a construção argumentativa utilizadas sejam questionáveis, porque insuficientes, ao limitar, sem qualquer justificativa, o objeto de estudo, fatiando o enquadramento constitucional da prescrição intercorrente, com a seleção das normas cuja constitucionalidade é suscitada e analisada.
A análise das normas constitucionais, e da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, impõe seja declarada a inconstitucionalidade de todas as normas legais ordinárias que regulam a prescrição intercorrente em matéria tributária. Às normas gerais sobre prescrição, no Direito Tributário, é imposto o princípio da reserva de lei complementar.
"O princípio da legalidade abrange na verdade uma área muito ampla, na qual somente a lei pode estabelecer normas obrigatórias (CF/88, art. 5º). E parte dessa área é reservada à lei complementar, por vários dispositivos da Constituição, mas não existe uma reserva de lei ordinária. Existem na verdade duas reservas, uma dentro da outra. A reserva de lei, área maior, na qual as normas inferiores não podem se intrometer. E reserva de lei complementar, na qual normas inferiores não podem penetrar por força do limite mais amplo, e lei ordinária também não pode penetrar, por força do limite mais restrito."
(MACHADO, 2005, p. 65)
A relação entre lei ordinária e complementar, para a maior parte da doutrina e também para a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, não é hierárquica, mas material, tendo, cada uma delas, distintos campos materiais de atuação. Nada obstante exista doutrina respeitada (MACHADO, 2005, p. 51-79) defendendo a hierarquia entre lei complementar e ordinária [13], com prevalência hierárquica da primeira, o Supremo Tribunal Federal firmou jurisprudência afastando a suposta hierarquia, concluindo pela distinção entre as espécies legais com base na amplitude material definida pela Constituição, entendimento consagrado no Recurso Extraordinário nº 377457/PR (2008):
"Contribuição social sobre o faturamento - COFINS (CF, art. 195, I). 2. Revogação pelo art. 56 da Lei 9.430/96 da isenção concedida às sociedades civis de profissão regulamentada pelo art. 6º, II, da Lei Complementar 70/91. Legitimidade. 3. Inexistência de relação hierárquica entre lei ordinária e lei complementar. Questão exclusivamente constitucional, relacionada à distribuição material entre as espécies legais. Precedentes. 4. A LC 70/91 é apenas formalmente complementar, mas materialmente ordinária, com relação aos dispositivos concernentes à contribuição social por ela instituída. ADC 1, Rel. Moreira Alves, RTJ 156/721. 5. Recurso extraordinário conhecido mas negado provimento."
A distinção entre a lei ordinária e lei complementar se faz pela análise conjugada do procedimento formal de elaboração, incluindo distintos percentuais mínimos para aprovação parlamentar, maioria simples e qualificada, e da matéria regulada pela lei.
"A tessitura da discriminação constitucional de competências legislativas, na sua especificação, corresponde a uma arquitetônica admirável. A lei complementar tributária resulta de dois requisitos, a saber: (a) formal: o quorum da maioria absoluta do Congresso Nacional; b) material: deve ser a lei complementar circunscrita a determinadas matérias, com exclusão de outras."
(Borges, 2010, p. 73)
Apesar de não existir hierarquia entre as duas espécies legais, cada uma deve regular apenas as matérias reservadas ao seu âmbito de atuação. Se uma norma legal segue o procedimento legislativo de lei complementar, mas trata de matéria não reservada pela Constituição à regulação por esta espécie legal, a norma será, formalmente, lei ordinária, pela ausência do requisito material. Conclusão distinta ocorre quando determinada matéria, reservada privativamente à lei complementar pela Constituição, é regulada por lei formalmente ordinária, caso em que a lei ordinária será inválida, pela manifesta inconstitucionalidade.
"Em relação à lei complementar, é muito comum dizer-se: "Legislação complementar é hierarquicamente superior à legislação ordinária". Isso, a meu ver, é um tanto despautério. Na realidade, trata-se de um problema de competência. Tanto é um problema de competência – e todos nós sabemos que isso, hoje, é tranqüilo – que por lei complementar, quando trata de matéria para a qual a Constituição não exige lei complementar, se entende aqueles dispositivos que são de lei ordinária. O inverso é que não pode, porque, aí, haverá invasão de competência, tendo em vista que o processo mais complexo, porque há a exigência da maioria absoluta para a aprovação de lei complementar. Então, é um problema puramente de competência."
(ALVES, 2000, p. 27)
As matérias reservadas pela Constituição ao tratamento por lei complementar devem ser votadas por maioria absoluta do Congresso Nacional, respeitando, desde o início, o procedimento legislativo específico de formação de uma lei complementar (lei complementar no sentido formal). Não se tratando, formalmente, de lei complementar, a norma legal que regula matéria privativa de tratamento por esta espécie normativa padece de inconstitucionalidade formal.
"Se tiver sido objeto de deliberação e aprovação congressual, por maioria simples, matéria de lei complementar, desconsiderada pois a exigência de aprovação por maioria absoluta, a sua inconstitucionalidade será procedimental, tanto quanto seja possível manipular o conceito tradicional de lei inconstitucional."
(Borges, 2008, p. 72)
Então, mesmo que não exista hierarquia entre lei complementar e ordinária, o campo material específico da primeira, bem como o seu requisito formal mais rígido, impedem que lei ordinária trate de campos materiais reservados à lei complementar. A Constituição, ao exigir o tratamento por lei complementar para algumas matérias selecionadas pelo Constituinte como especialmente relevantes, exigindo, por isso, a aprovação por maioria parlamentar absoluta, impõe uma legitimidade especial ao ato normativo regulador.
"A exigência da maioria a absoluta do Congresso para a aprovação das leis complementares tem um significado normativo implícito que uma análise mais refinada logo revela. Com efeito, essa exigência de maioria absoluta não é ditada por mero arbítrio do legislador constituinte, simples capricho seu, totalmente discricionário na sua formulação. É reversamente um fator de maior adensamento em legitimidade do ato legislativo. Requisito exigível para a votação e aprovação de matérias versadas em lei complementar, porque o constituinte as considerou superlativamente relevantes. A avaliação é exclusiva do constituinte, mas a motivação do ato constituinte – regime constitucional procedimental da lei complementar – é, sob esse prisma, clara."
(Borges, 2008, p. 69)
Como a Constituição seleciona materialmente uma parte do Direito Tributário, normas gerais, incluindo expressamente aquelas que tratam da prescrição, e impõe o seu tratamento por lei complementar, a regulação da prescrição intercorrente, modalidade de extinção do crédito tributário, por lei ordinária é inconstitucional, e a inconstitucionalidade é total, não apenas do ponto de partida fixado na lei – que, aliás, é bem mais técnico e preciso que o incerto ponto de partida fixado na norma jurisprudencial.
O Supremo Tribunal Federal tem jurisprudência pacífica vedando qualquer burla à reserva de lei complementar, evitando que matérias reservadas pela Constituição à lei complementar sejam reguladas por lei ordinária.
No Recurso Extraordinário nº 560626/RS, também citado no tópico anterior, o Supremo Tribunal Federal, no voto do Ministro Gilmar Mendes esclareceu sua orientação rígida na matéria:
"PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA TRIBUTÁRIAS. MATÉRIAS RESERVADAS A LEI COMPLEMENTAR. DISCIPLINA NO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. NATUREZA TRIBUTÁRIA DAS CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURIDADE SOCIAL. INCONSTITUCIONALIDADE DOS ARTS. 45 E 46 DA LEI 8.212/91 E DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 5º DO DECRETO-LEI 1.569/77. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO PROVIDO. MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE.
I. PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA TRIBUTÁRIAS. RESERVA DE LEI COMPLEMENTAR. As normas relativas à prescrição e à decadência tributárias têm natureza de normas gerais de direito tributário, cuja disciplina é reservada a lei complementar, tanto sob a Constituição pretérita (art. 18, § 1º, da CF de 1967/69) quanto sob a Constituição atual (art. 146, III, b, da CF de 1988). Interpretação que preserva a força normativa da Constituição, que prevê disciplina homogênea, em âmbito nacional, da prescrição, decadência, obrigação e crédito tributários. Permitir regulação distinta sobre esses temas, pelos diversos entes da federação, implicaria prejuízo à vedação de tratamento desigual entre contribuintes em situação equivalente e à segurança jurídica.
II. DISCIPLINA PREVISTA NO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. O Código Tributário Nacional (Lei 5.172/1966), promulgado como lei ordinária e recebido como lei complementar pelas Constituições de 1967/69 e 1988, disciplina a prescrição e a decadência tributárias.
III. NATUREZA TRIBUTÁRIA DAS CONTRIBUIÇÕES. As contribuições, inclusive as previdenciárias, têm natureza tributária e se submetem ao regime jurídico-tributário previsto na Constituição. Interpretação do art. 149 da CF de 1988. Precedentes.
IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO PROVIDO. Inconstitucionalidade dos arts. 45 e 46 da Lei 8.212/91, por violação do art. 146, III, b, da Constituição de 1988, e do parágrafo ú nico do art. 5º do Decreto-lei 1.569/77, em face do § 1º do art. 18 da Constituição de 1967/69."
No mesmo precedente, o STF desfaz confusão de certa parte da doutrina (SILVA, 2010, p. 115), afastando a alegação de que a prescrição no curso do processo teria natureza processual, concluindo, com acerto, que tais normas têm sempre natureza material, já que são causas de extinção de direitos da Fazenda Pública, o que não se confunde com a autorização do seu reconhecimento de ofício ao magistrado, esta última, sim, norma de caráter processual:
"Por outro lado, também deve ser afastada a alegação de que a norma que estabelece as situações de interrupção ou suspensão da prescrição na pendência do processo é de natureza processual e que por isso não poderia ter sido reconhecida a prescrição, já que a matéria não estaria sob a reserva da lei complementar.
Normas que disponham sobre prescrição ou decadência sempre são de direito substantivo, porque esta é a natureza de tais institutos. Segundo Ives Gandra da Silva Martins, eles "anulam de forma definitiva um direito substantivo e a dimensão de seu exercício" (in Revista Dialética de Direito Processual, v. 2, p. 118).
Em conseqüência, quando fixam prazos decadenciais e prescricionais, quando estabelecem seus critérios de fluência, tais normas alcançam o próprio direito material que é discutido, seja para estabelecer situações de extinção, seja para definir casos de inexigibilidade, sendo certo que, em Direito Tributário, ambos os institutos levam à extinção de direitos para a Fazenda Pública.
A decadência extingue o direito de constituição do crédito; a prescrição, o direito de cobrar o crédito já constituído.
Não se pode atribuir às normas correspondentes, portanto, a natureza de leis processuais, confundindo-as, v.g., com a norma que trata da possibilidade de reconhecimento de ofício da prescrição. Esta sim, de natureza instrumental, a definir os limites de atuação do magistrado no processo."
A norma processual introduzida pela Lei de nº 11.051/2004 é apenas aquela que permite o reconhecimento da prescrição de ofício. As demais normas são de direito material, introduzindo legalmente e delimitando o marco inicial de uma nova forma de extinção do crédito tributário, a prescrição intercorrente, autorizada pela jurisprudência, mas não pelo CTN, invadindo, em todos os casos, matéria reservada à lei complementar.
O precedente citado foi um daqueles que ensejou a edição da Súmula Vinculante nº 8, do Supremo Tribunal Federal: "São inconstitucionais o parágrafo único do artigo 5º do Decreto-Lei nº 1.569/1977 e os artigos 45 e 46 da Lei nº 8.212/1991, que tratam de prescrição e decadência de crédito tributário." A súmula, além de vedar a criação de prazo prescricional, também proibiu a fixação de evento suspensivo da prescrição por lei ordinária, julgando inconstitucional o parágrafo único do artigo 5º do Decreto-Lei nº 1.569, de 8 de agosto de 1977, enunciado normativo com a seguinte redação:
Art 5º Sem prejuízo da incidência da atualização monetária e dos juros de mora, bem como da exigência da prova de quitação para com a Fazenda Nacional, o Ministro da Fazenda poderá determinar a não inscrição como Dívida Ativa da União ou a sustação da cobrança judicial dos débitos de comprovada inexequibilidade e de reduzido valor.
Parágrafo único - A aplicação do disposto neste artigo suspende a prescrição dos créditos a que se refere.
O Supremo Tribunal Federal entendeu que a norma do artigo 5º, parágrafo único, do Decreto-Lei nº 1.569/77, norma com status de lei ordinária, ao determinar hipótese de suspensão do prazo prescricional, nos casos nela expostos, para a cobrança judicial de créditos tributários, teria tratado de matéria reservada à lei complementar. A norma, com status de lei ordinária, não poderia instituir hipótese de suspensão do prazo prescricional, invadindo matéria reservada à lei complementar pela Constituição de 1967, que vigorava na época da sua edição, e pela Constituição de 1988.
O Superior Tribunal de Justiça também tem entendimento rígido na matéria, exigindo o cumprimento, com rigor, da reserva de lei complementar imposta pela Constituição. Na Arguição de Inconstitucionalidade no Agravo De Instrumento nº 1037765/SP (2011), o STJ acolheu parcialmente o incidente, declarando a inconstitucionalidade do art. 2º, § 3º, e do art. 8º, § 2º, da Lei 6.830/80:
Art. 8º - O executado será citado para, no prazo de 5 (cinco) dias, pagar a dívida com os juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, ou garantir a execução, observadas as seguintes normas:
(...)
§ 2º - O despacho do Juiz, que ordenar a citação, interrompe a prescrição.
Art. 2º - Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não
tributária na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.
[...]
§ 3º - A inscrição, que se constitui no ato de controle administrativo da legalidade, será feita pelo órgão competente para apurar a liquidez e certeza do crédito e suspenderá a prescrição, para todos os efeitos de direito, por 180 dias, ou até a distribuição da execução fiscal, se esta ocorrer antes de findo aquele prazo.
O STJ julgou inconstitucionais as normas citadas no tocante à suspensão da prescrição tributária, por tratarem de matéria reservada à lei complementar:
"CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE DOS ARTIGOS 2º, § 3º, E 8º, § 2º, DA LEI 6.830/80. PRESCRIÇÃO. RESERVA DE LEI COMPLEMENTAR.
1. Tanto no regime constitucional atual (CF/88, art. 146, III, b), quanto no regime constitucional anterior (art. 18, § 1º da EC 01/69), as normas sobre prescrição e decadência de crédito tributário estão sob reserva de lei complementar. Precedentes do STF e do STJ.
2. Assim, são ilegítimas, em relação aos créditos tributários, as normas estabelecidas no § 2º, do art. 8º e do § 3º do art. 2º da Lei 6.830/80, que, por decorrerem de lei ordinária, não podiam dispor em contrário às disposições anteriores, previstas em lei complementar.
3. Incidente acolhido."
Portanto, aplicando-se a jurisprudência reiterada do STF e do STJ, que exigem rigorosamente o cumprimento da reserva de lei complementar, na hipótese de outra espécie normativa tratar da prescrição intercorrente, modalidade de extinção do crédito tributário (e o Código Tributário Nacional, como exposto no tópico anterior, não trata da extinção do crédito tributário por qualquer outra modalidade de prescrição distinta da ordinária, que é a única por ele regulada), resta impossibilitada a extinção da execução fiscal tributária pela prescrição consumada no curso do processo.
A tese apresentada neste trabalho, conta, na doutrina, com outros defensores, como Eugenia Maria Nascimento Freire, em artigo denominado "Prescrição intercorrente no direito tributário":
"No caso em tela, observa-se a existência de uma inconstitucionalidade imediata, na medida em que o órgão legislativo criou regra jurídica fora de sua competência específica, em uma afronta direta ao disposto no art. 146, III, "b", da CF/88.
[...]
Destarte, fica evidenciado que a decretação da prescrição intercorrente, com fundamento na lei ordinária acima mencionada, viola flagrantemente a CF/88."
Na mesma linha:
"Além disso, a norma em questão padece de vício de inconstitucionalidade formal, por invadir área reservada à lei complementar.
Isso porque, a matéria relacionada à prescrição encaixa-se no conceito de normas gerais de Direito Tributário e qualquer inovação em relação ao disposto no CTN só poderia ser validamente perpetrada por meio de lei complementar."
(Rabello, 2005, p. 1012)
Além disso, a lei ordinária acaba criando uma situação inusitada no ordenamento, que vai de encontro a todas as regras, princípios e prerrogativas aplicáveis aos entes públicos, ao colocar o crédito público em situação de inferioridade em comparação com o crédito do particular. Como explicado, a jurisprudência não aplica a prescrição intercorrente na execução comum quando o processo é suspenso em razão da não localização de bens penhoráveis. Já na execução fiscal, por disposição legal expressa, é possível a decretação da prescrição intercorrente em razão da não localização de bens penhoráveis.
Certo que a jurisprudência, antes da lei ordinária, já entendia que o crédito público poderia ser mais flexibilizado que o particular, pois a prescrição pela não localização de bens penhoráveis só era norma jurisprudencial nas execuções fiscais, não sendo norma válida nas execuções movidas por particulares. A lei, seguindo orientação jurisprudencial, deixa patente o tratamento diferenciado, sem um critério discriminador que o justifique.
No rol de normas legais e jurisprudenciais que tratam da prescrição intercorrente, criou-se uma situação onde o interesse público é flexibilizado e limitado, enquanto o interesse privado, o crédito privado, é defendido de forma rígida. A jurisprudência e a própria lei ordinária inferiorizam o crédito público, autorizando a sua prescrição pela ocorrência de uma situação processual que não autoriza a prescrição do crédito particular. E a lei ordinária sequer se preocupou em uniformizar a situação da prescrição intercorrente na execução fiscal e na execução comum, o que poderia ter feito, já que não existe nenhum óbice para a previsão, em lei ordinária, da prescrição intercorrente pela não localização de bens penhoráveis na execução comum. A lei ordinária, na verdade, era inadequada para tratar da prescrição em execução fiscal tributária, por ser a matéria reservada à lei complementar, mas poderia tratar da prescrição, ordinária ou intercorrente, na execução comum.
Portanto, além da inconstitucionalidade formal, a lei deixa o crédito público em situação de inferioridade frente ao crédito privado, impondo à Fazenda Pública sanções mais severas que aquelas impostas aos particulares, ficando o interesse público mais vulnerável que o privado.
Em conclusão, como as normas que embasam esta espécie de extinção do crédito tributário não estão previstas em lei complementar, a prescrição intercorrente deve ser afastada em matéria tributária, o que inclui o seu marco inicial fixado em lei ordinária, assim como o marco inicial fixado em norma jurisprudencial: ambos são inconstitucionais.
Neste ponto, a decisão do TRF-4 está equivocada porque declarou inaplicáveis apenas algumas normas da lei ordinária, quando deveria ter afastado todas elas.
Por outro lado, se toda a argumentação defendida neste trabalho for superada, se a prescrição intercorrente continuar sendo aplicada em matéria tributária, ainda assim, a decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região estará equivocada.
Conforme exposto neste trabalho, o objeto de análise do TRF-4 não foi a suspensão ou a interrupção do prazo prescricional, mas o seu marco inicial, que, dentre outros possíveis, foi fixado pela lei ordinária no momento da conclusão do prazo de suspensão do processo por um ano.
A lei precisava localizar, dentro do processo, o momento a partir do qual a situação ensejadora da prescrição estaria configurada. O marco inicial da prescrição ordinária foi delimitado pelo Código Tributário Nacional: constituição definitiva do crédito. A lei ordinária, da mesma forma, delimitou a situação caracterizadora da prescrição dentro do processo, não se podendo, em conclusão, falar-se em prescrição intercorrente antes da ocorrência desta situação.
Depois de interrompida a prescrição, pelo despacho que ordena a citação na execução fiscal, admitindo-se que este prazo pode voltar a fluir dentro do processo, necessário determinar o momento deste reinício. A lei ordinária realiza esta delimitação, impondo um marco inicial. Entender que a norma legal interrompe o prazo prescricional, é pressupor que tal prazo teve início em momento anterior, o que não tem nenhum fundamento legal, ainda que tenha justificativa jurisprudencial.
A jurisprudência acatava a prescrição intercorrente em matéria tributária mesmo quando proibida pelo artigo 40 da Lei nº 6.830/80. Então, as normas jurisprudenciais pressupunham o reinício do prazo prescricional, mesmo sem autorização legal, conforme analisado. É preciso, contudo, considerando o tratamento jurisprudencial da matéria, levar em consideração as demais normas, inclusive da própria jurisprudência, que regulam a prescrição intercorrente, em particular a norma que afasta a prescrição quando o processo judicial é suspenso por razões legais ou por decisão judicial, seja qual for seu embasamento.
O artigo 40, no procedimento que regula o caminho a ser seguido até a extinção do crédito pela prescrição intercorrente, impõe, em um primeiro momento, a suspensão do processo por um ano, período no qual, em tese, deve a Fazenda Pública tentar localizar bens penhoráveis do executado. Suspenso o processo, por decisão judicial amparada em norma legal, não há nem que se falar em prescrição intercorrente, conforme jurisprudência consolidada do STJ, amparada em amplo alicerce doutrinário. Se a suspensão do processo pelo juiz, por qualquer razão, afasta a prescrição intercorrente, obviamente resta afastada a prescrição quando a suspensão do processo é deferida pelo magistrado com base em norma legal.
Além disso, a norma legal acata corrente jurisprudencial aplicada pelo STJ muito antes das inovações legais que autorizaram a prescrição intercorrente pela não localização de bens penhoráveis, conforme leitura do Recurso Especial 6783/RS (1991):
"RECURSO ESPECIAL – EXECUÇÃO FISCAL – ARQUIVAMENTO – PRESCRIÇÃO.
O art. 40, da Lei nº 6.830/80 é silente quanto ao prazo máximo da suspensão do curso da execução. Todavia, cumpre afastar interpretação que a identifique á imprescritibilidade. Analogicamente, considerar-se-á o prazo de um ano."
A norma legal fixou o marco inicial para contagem da prescrição intercorrente em face da não localização de bens penhoráveis respeitando normas jurisprudenciais do Superior Tribunal de Justiça, não se podendo afastar o marco inicial sem reanalisar todas as normas jurisprudenciais que regulam o instituto.
Se a regulação jurisprudencial respeita o CTN e a Constituição, então a lei ordinária que fixou o marco inicial de contagem do prazo prescricional, seguindo normas jurisprudenciais do Superior Tribunal de Justiça, também respeita o Código Tributário Nacional e a Constituição.
Por outro lado, se, por ofensa à Constituição e ao Código Tributário, as normas jurisprudenciais não podem criar e regular esta nova forma de extinção do crédito tributário, então a norma de lei ordinária, de fato, não poderia ter fixado o marco inicial com base em normas jurisprudências; mas, neste caso, todas as normas, legais e jurisprudenciais, que tratam da prescrição intercorrente, são inconstitucionais. Esta última, aliás, é a tese defendida neste trabalho.
Em conclusão, em qualquer dos enfoques apresentados, a decisão do TRF-4 deve ser revista pelo Supremo Tribunal Federal.
Com as ponderações até aqui realizadas, pode-se analisar a norma originária do artigo 40 da Lei nº 6.830/80, que determinava o arquivamento do processo sem que pudesse falar em prescrição, quando não localizados bens penhoráveis.
A redação originária do artigo 40 da LEF, conforme é possível perceber depois da explanação deste trabalho, ao contrário do que defendido pela jurisprudência dominante, era, sim, compatível com a disciplina da prescrição do Código Tributário Nacional.
Além disso, antes da vigência da Lei nº 6.830/80, as execuções de dívida ativa da Fazenda Pública eram regidas pelas normas de execução de título extrajudicial do Código de Processo Civil. As certidões de dívida ativa eram consideradas títulos executivos extrajudiciais (artigo 585 do CPC), aplicando-se às execuções destes títulos as normas do processo de execução e, subsidiariamente, do processo de conhecimento (artigo 598 do CPC).
Quando a execução de dívida ativa da Fazenda Pública era regida pelo CPC, não localizados bens penhoráveis, o processo era suspenso com fundamento no artigo 791, III, do CPC. A suspensão do processo com base nesta norma, conforme jurisprudência do STJ, afasta a prescrição intercorrente.
A Lei nº 6.830/80, norma especial de regulação do processo de execução de dívida ativa, em sua redação inicial, no artigo 40, apenas repetiu a norma do artigo 791, III, CPC, com a interpretação da jurisprudência majoritária, contrária à fluência do prazo prescricional nos casos de suspensão do processo em razão da inexistência de bens penhoráveis, positivando este entendimento.
Além disso, a Lei nº 6.830/80, mesmo regulando a execução de dívida ativa tributária e não tributária, seguiu as diretrizes normativas do Código Tributário Nacional, afastando a possibilidade de prescrição no âmbito de um processo em curso onde a prescrição já fora interrompida.
O artigo 40 da Lei nº 6.830/80 apenas positivou a interpretação que o STJ sempre deu à norma do Código de Processo Civil, deixando clara a sua aplicação às execuções fiscais, o que já ocorria até então, considerando que, antes da vigência da Lei nº 6.830/80, eram as normas do CPC aplicáveis às execuções fiscais.
A jurisprudência, contudo, negou, nas execuções de dívida tributária, eficácia à norma, mesmo sem declarar a sua inconstitucionalidade, realizando uma interpretação que supostamente compatibilizaria a Lei nº 6.830/80 e o Código Tributário Nacional, norma adequada para tratar a questão. Os equívocos desta suposta interpretação foram explicitados no tópico anterior, restando demonstrado que o CTN trata apenas da prescrição ordinária, desautorizando que seja declarada a prescrição no âmbito de um processo judicial em que ela foi interrompida.
O CTN determina quando a prescrição começa a ser contada, definindo o seu marco inicial, e as causas de sua interrupção, não se manifestando sobre o prazo de suspensão, depois de interrompida a prescrição.
Nem no processo de execução comum nem na execução fiscal tributária, o ordenamento legal autoriza, de forma expressa, a prescrição intercorrente, mas, enquanto no direito comum há, ao menos, norma determinando que, finda a causa de interrupção, ato ou processo, o prazo volte a correr; as normas do CTN, quando tratam da prescrição tributária, não autorizam o reinício do prazo em hipótese alguma.
As normas do CTN acabam sendo mais restritivas que aquelas norteadoras da execução comum.
Deste modo, se a suspensão por ausência de bens impede a prescrição intercorrente na execução comum, conforme jurisprudência pacífica do STJ, então, pelas mesmas razões, deveria impedir na execução fiscal. Sobre a razoabilidade desta suspensão ou arquivamento do processo, sem prescrição intercorrente, reitere-se o que foi dito quando se falou sobre a questão no tópico referente à prescrição intercorrente na execução comum.
O que não se pode aceitar, data venia, é a diferenciação de tratamento, sem justificativa plausível, entre o crédito público e o particular, em prejuízo do primeiro, partindo-se de premissas semelhantes, mas se chegando a conclusões absolutamente antípodas.
A Lei nº 6.830/80 apenas manteve as normas do Código de Processo Civil, até então aplicáveis às execuções de dívida ativa, afastando a prescrição nos casos de não localização de bens penhoráveis. Trata-se, aliás, de tese jurisprudencial que continua dominante, no âmbito das execuções regidas pelo Código de Processo Civil.
A questão da reserva de lei complementar é incabível no caso, porque, repita-se, a prescrição regulada pelo Código Tributário Nacional é a ordinária, não a intercorrente.
Portanto, se a construção jurisprudencial parte da mesma situação normativa, a conclusão deveria ser a mesma nos dois casos. A jurisprudência utiliza, claramente, dois parâmetros distintos, sem qualquer justificativa razoável, criando uma situação jurídica na qual o crédito privado tem mais prerrogativas que o público, o que vai de encontro aos princípios que norteiam o ordenamento jurídico.
Aliás, dentro de critérios dogmáticos, não se consegue justificar – nem compreender - como a alegada "duração indefinida" do processo é vedada quando o credor é a Fazenda Pública, sendo, por outro lado, permitida quando o credor é particular.