5.Teses prescritivas: questões que devem se prequestionadas pela Fazenda Pública, alteração jurisprudencial, modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade e alterações legislativas
Neste capítulo, expostas as conclusões do estudo, será feita uma tentativa de ponderação dos interesses envolvidos, defendendo-se, brevemente, algumas teses de orientação prescritiva, que podem ser, posteriormente, desenvolvidas.
Em primeiro lugar, caso seja declarada a inconstitucionalidade dos dispositivos legais citados, a decisão que o declarasse deveria modular os seus efeitos, assegurando a validade das decisões que já decretaram a prescrição intercorrente ou, em modulação mais extensa, e possível, declarar que a inconstitucionalidade não atingiria os processos de execução fiscal nos quais a suspensão ou arquivamento, de acordo com o artigo 40, tivessem sido determinados anteriormente.
A modulação proposta, considerando a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, é possível e, em última análise, oportuniza à Fazenda Pública, sendo o caso, que peça o desarquivamento do processo de execução, se assim o entender, para dar andamento ao procedimento, o que afastaria a prescrição.
Dificilmente a Fazenda Pública buscará o desarquivamento destes processos, salvo em situações excepcionais, mas, ao menos em tese, esta alternativa afasta qualquer acusação de falta de razoabilidade na flexível modulação proposta.
Além da inconstitucionalidade (e antes mesmo desta declaração), necessário que o Superior Tribunal de Justiça revise as normas jurisprudenciais que tratam da prescrição intercorrente: primeiro, para decidir pelo seu cabimento, ou não, nas execuções fiscais tributárias; e, em segundo lugar, para esclarecer alguns pontos confusos e obscuros de duas normas.
O STJ não é o tribunal competente para analisar a constitucionalidade, em última instância, das normas legais, ainda que possa fazê-lo difusamente, pode, por outro lado, dentro do seu âmbito de competência e de forma ampla, revisar suas normas jurisprudenciais, discutindo a aplicação da prescrição intercorrente e sanando incertezas e obscuridades que marcam estas normas.
Ainda que continue aplicando o instituto, necessário, e urgente, que o Superior Tribunal de Justiça estenda, de forma clara e expressa, às execuções fiscais tributárias as normas jurisprudenciais específicas que concedem alguma previsibilidade na contagem do prazo de prescrição intercorrente.
Entre estas, está a norma que exige a intimação pessoal do exequente para dar andamento ao feito como condição necessária para o início da fluência do prazo prescricional, além da apuração de sua responsabilidade pela paralisação, que deve ser efetiva, não presumida ou pressuposta.
Aliás, tratando-se de processo onde o particular é autor e a Fazenda Pública, ré, como já exposto, a jurisprudência exige a prévia intimação do autor, particular, para dar andamento ao feito, antes que se inicie o prazo prescricional, conforme leitura de recente decisão no Recurso Especial nº 960279/SP (2011):
"PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE SENTENÇA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. ARQUIVAMENTO POR MAIS DE CINCO ANOS. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DA EXEQUENTE PARA PROMOVER O ANDAMENTO DO FEITO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NÃO CONFIGURADA.
1. Segundo a orientação jurisprudencial predominante no Superior Tribunal de Justiça, a prescrição intercorrente pressupõe diligência que o credor, pessoalmente intimado, deve cumprir, mas não cumpre no prazo prescricional. Hipótese em que, por não ter havido a intimação, não se verificou a prescrição. Precedentes citados: EDcl no Ag 1.135.876/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Og Fernandes, DJe 19.10.2009; REsp 34.035/PR, 3ª Turma, Rel. Min. Nilson Naves, DJ 31.10.1994; REsp 5.910/SC, 3ª Turma, Rel. Min. Nilson Naves, DJ 17.12.1990.
2. Recurso especial provido."
A extensão desta norma às execuções fiscais é medida que se impõe, conclusão evidente da análise das normas e princípios do ordenamento jurídico. Se a norma é aplicada contra a Fazenda Pública, também deve ser aplicada a favor, não havendo qualquer razão que justifique a discriminação, o atentado à isonomia.
Também necessário esclarecer que a imobilização do processo por motivo alheio ao exequente afasta a prescrição intercorrente: "Se o processo se imobilizou por deficiência do serviço forense, por manobra maliciosa do réu, ou devedor, ou por qualquer motivo alheio ao autor, não haverá prescrição intercorrente" (DINIZ, 2005, p. 811).
Observe-se que, aplicada a jurisprudência do STJ nas execuções comuns, salvo nos casos do artigo 40 da Lei nº 6.830/80, não se poderia falar em prescrição intercorrente quando o exequente pedisse a suspensão do processo por tempo determinado para realizar alguma diligência. Concretamente, em diversos casos, a Fazenda Pública pede a suspensão do processo por tempo determinado, o magistrado concede a suspensão e deixe de intimar o ente público do seu término. O processo fica parado por cinco anos e é extinto por prescrição intercorrente.
Nas execuções comuns, não se poderia falar de prescrição intercorrente em um caso como o acima narrado. Suspenso o processo por decisão judicial, afastada está a prescrição intercorrente, não havendo que se falar em inércia quando o próprio juiz defere o pedido de suspensão da parte. Finda a suspensão, cabe, novamente, a intimação da exequente, não havendo, também neste caso, que se falar em prescrição antes da intimação.
O princípio da publicidade dos atos processuais, artigo 155 do CPC, impõe que seja realizada esta intimação. Além disso, a intimação prévia é imposta pela boa fé objetiva, e mesmo pelo princípio do devido processo legal, que não se coaduna com atos secretos ou com atos internos de secretaria, sem que deles sejam comunicadas as partes.
O princípio constitucional do devido processo legal, em sentido formal, impõe a publicidade dos atos processuais e a plenitude de defesa, com todos os meios e recursos a ela inerentes (TUCCI, 1999, p. 259), o que inclui, obviamente, a comunicação dos atos processuais, não sendo possível apresentar defesa plena, nem superficial, sem ter o devido conhecimento dos atos praticados no processo. O dever de comunicação dos atos processuais também é decorrência do princípio da cooperação (DIDIER, 2009, p. 50-53), que impõe o dever de consultar as partes antes de qualquer decisão.
Na mesma linha, todos os sujeitos processuais que participam de alguma forma do processo, inclusive o órgão jurisdicional, devem comportar-se com boa-fé processual (DIDIER, 2009, p. 45). O Estado-juiz também deve agir de acordo com a boa-fé, de maneira leal com as partes.
Por último, o direito à participação em contraditório exige que a parte seja comunicada dos atos processuais, concedendo-se a ela a possibilidade de, comunicada do ato, falar e ser ouvida no processo. E não se trata de simples comunicação e possibilidade de falar nos autos, exigindo-se "a participação com a possibilidade, conferida à parte, de influenciar no conteúdo da decisão":
"E, aqui, entra uma distinção que me parece muito útil e é pouco trabalhada na doutrina. Uma coisa é o juiz poder conhecer de ofício, poder agir de ofício, sem provocação da parte. Essa é uma questão. Outra questão é poder agir sem ouvir as partes. É completamente diferente. Poder agir de ofício é poder agir sem provocação, sem ser provocado para isso; não é o mesmo que agir sem provocar as partes. Esse poder não lhe permite agir sem ouvir as partes.
Falar em processo democrático é falar em processo equilibrado e dialógico. Um processo em que as partes possam controlar-se, os sujeitos processuais tenham poderes e formas de controle previamente estabelecidos. Não adianta atribuir poder, se não houver mecanismos de controle desse poder.
Então, em síntese: a) diálogo e equilíbrio, palavras-chave para a visão do processo moderno e democrático; b) distinção de poder agir de ofício e poder agir sem ouvir as partes."
(DIDIER, 2009, p. 57-60)
A Fazenda Pública acompanha uma quantidade imensa de processos, não havendo como acompanhar todos os atos processuais de cada um deles. O ordenamento jurídico impõe diversas prerrogativas processuais à Fazenda Pública, entre elas a intimação pessoal, efetiva, exatamente para amenizar o grave problema estrutural da burocracia de defesa estatal – que, de certa forma, é inerente ao tamanho do Estado.
Não se pode contemporizar com atos judiciais de cartório, mormente quando envolvem questão tão grave como a prescrição, que extingue o crédito tributário. A intimação dos atos processuais, para dar andamento ao feito, se for o caso, é medida essencial para que a exequente possa ter uma atuação ativa no processo.
O princípio do impulso oficial do processo impõe esta mesma conclusão.
Aliás, não há uma única razão que justifique o arquivamento ou a paralisação de processo por atos judiciais de secretaria, sem a devida comunicação às partes.
A intimação prévia da Fazenda Pública, salvo nos casos de arquivamento pelo artigo 40 requeridos pelo próprio exequente, é essencial.
E não é sustentável a afirmação de que a intimação poderia ser dispensada, porque o Judiciário não tem o dever de alertar a Fazenda Pública sobre a prescrição.
Não se trata de alertar o ente público sobre o risco de prescrição, mas de informá-lo sobre os atos processuais; de intimá-lo para dar andamento ao feito, questão que envolve o impulso oficial; e, enfim, de delimitar, no caso concreto, o início da prescrição intercorrente. É preciso compreender a natureza peculiar da prescrição intercorrente, principalmente a forma difusa pela qual é regrada. Diferentemente da prescrição ordinária, quando o credor sabe, com precisão, o momento no qual se inicia a prescrição, este marco inicial não é previamente definido quando se trata de prescrição intercorrente.
A partir de quando começa a fluir o prazo de prescrição intercorrente? Da inércia do exequente, pode-se dizer, o que suscitaria outra pergunta: em que momento está caracteriza a inércia? Esta última pergunta é impossível de ser respondida aprioristicamente, porque depende da análise de cada julgador.
Ao se exigir a intimação do exequente para a prática de determinado ato, como condição para a fluência do prazo prescricional, limita-se esta imprecisão. Se, ao contrário, entender-se que basta o simples decurso do prazo, então o marco inicial da prescrição só será explicitado quando o processo for extinto, depois de fluído o prazo, não restando, juridicamente, nada mais a ser feito.
Então, a intimação prévia para a prática de determinado ato, como pressuposto da prescrição intercorrente, é condição essencial para conceder um mínimo de segurança jurídica, de previsibilidade, ao exequente.
Aceitando-se a regulação do instituto por normas jurisprudenciais, é preciso, pelo menos, que se apliquem todas as normas, não havendo como se aceitar que a jurisprudência possa criar o instituto, mas não possa limitá-lo.
À prescrição intercorrente na execução comum têm sido aplicadas normas jurisprudenciais mais benéficas ao credor que aquelas impostas na prescrição intercorrente nas execuções fiscais; quando os valores albergados pelo ordenamento jurídico justificariam conclusão totalmente oposta, que privilegiasse o interesse público, não o particular. Então, o mínimo que se pode esperar é igualdade de tratamento, conferindo ao crédito público as mesmas proteções concedidas ao privado. A proteção que a jurisprudência concede ao crédito privado nestes casos, com ainda mais propriedade, deve ser estendida ao crédito público.
O crédito público deve ser tratado, no mínimo, com as mesmas garantias concedidas ao privado.
Cabe à Fazenda Pública, desde as instâncias iniciais, prequestionar especificamente cada um destes pontos: inconstitucionalidade da prescrição intercorrente e ofensa aos artigos 97 e 141 do Código Tributário Nacional; ultrapassados estes óbices, não fluência do prazo quando o processo está suspenso por decisão judicial; necessidade de intimação prévia do exequente, salvo quando a Fazenda Pública apresenta o pedido de suspensão fundado no artigo 40 da Lei nº 6.830/80 (neste ponto, aplicação do princípio da boa-fé objetiva, da cooperação, do contraditório, da ampla defesa e, enfim, do devido processo legal); e afastamento da prescrição intercorrente quando o processo é paralisado por qualquer razão não imputável ao exequente.
Como a prescrição intercorrente jurisprudencial ignora a reserva de lei complementar, necessário, ao menos, estender as normas válidas na execução proposta por particular (inclusive, contra a Fazenda Pública), mais benéficas ao exequente, à execução fiscal.
O Superior Tribunal de Justiça, no seu âmbito de competências, pressupondo a aplicação da prescrição intercorrente nas execuções fiscais tributárias, precisa, com urgência, regular o instituto, de forma expressa, utilizando normas claras e seguras, o que pode passar pelo julgamento de algumas questões pela sistemática dos recursos repetitivos, além de possível tratamento sumular.
Por outro lado, além da modulação e da revisão das normas jurisprudenciais, e aqui de lege ferenda, entende-se que é oportuno e conveniente, em termos de política legislativa, considerando o problema concreto do controle do número de processos em tramitação nos cartórios, a previsão, em lei complementar, de novas formas de extinção do crédito tributário.
A lei deve regular com segurança estas formas de extinção, fixando com precisão os marcos de contagem e os eventos interruptivos.
O plexo de normas jurisprudenciais que regula a prescrição intercorrente impõe uma tarefa complexa, ao deixar, para cada magistrado, no caso concreto, a definição do momento exato em que fica caracterizada a inércia do exequente, quando começa a correr o prazo de prescrição. Ao final, como dito, cada magistrado acaba fixando o momento inicial do prazo depois de sua consumação, em situação de evidente insegurança jurídica.
A atitude politicamente adequada é a positivação do instituto, fixando-se, de forma precisa, o marco inicial da prescrição, que, de lege ferenda, pode ser o despacho do magistrado que determina o arquivamento dos autos, sem baixa, nos casos em que caracterizada a inércia do exequente. Este tratamento legal, por óbvio, deve ser feito por meio de lei complementar.
Em um primeiro momento, caso o desenvolvimento do processo dependa de ato do exequente, e ele seja omisso, cabe a sua intimação específica para realização do ato, sob pena de arquivamento do processo.
Se o exequente permanece inerte, mesmo depois de intimado para efetivação do ato específico, o magistrado determina o seu arquivamento, sem baixa, momento a partir do qual passa a correr o prazo prescricional.
Necessário, por segurança jurídica, que o magistrado, ao intimar o exequente para a prática do ato específico, esclareça que a manutenção da situação de inércia terá como consequência o arquivamento dos autos, iniciando-se, a partir de então, o prazo de prescrição intercorrente.
A atuação do exequente nos autos deve ter como consequência legal o seu desarquivamento, devendo, ainda, ser prevista como causa interruptiva da prescrição intercorrente, que pode voltar a correr, no entanto, em caso de novo arquivamento.
Restaria o controle dos processos arquivados pela não localização do devedor ou de bens penhoráveis, situação observada com frequência na lide forense. Nestes casos, também é preciso reconhecer a utilidade do instituto, que auxiliaria o controle cartorário, já que o número de processos em tramitação seria diminuído, otimizando a aplicação dos recursos do Judiciário.
Para estes casos, não localização do devedor ou de bens penhoráveis, a legislação complementar poderia criar uma nova forma de extinção do crédito tributário, depois de ultrapassado o prazo de cinco anos, a contar do arquivamento da execução fiscal. Poder-se-ia, em prol da tradição, nomear esta causa de extinção de prescrição intercorrente, ainda que seja difícil, dentro dos conceitos tradicionais de prescrição, considerar a existência de prescrição sem responsabilidade do autor. Em todo caso, possível acatar a nomenclatura já tradicional, prescrição intercorrente, inclusive porque a inércia, ainda que presumida, acabará ocorrendo, pois o processo, antes da extinção, forçosamente ficará sem movimentação pelo prazo legal.
O prazo inicial, também de lege ferenda, em caso de não localização do devedor ou de bens penhoráveis, pode ser a data de arquivamento dos autos, sem baixa, motivada pela não localização. É necessário conceder ao exequente a oportunidade de desarquivar o processo, a qualquer tempo, para impulsionar a execução, o que deve ser previsto como causa interruptiva do prazo prescricional.
Todas estas hipóteses normativas, se for o caso, podem ser estendidas ao processo de execução comum.
O processo não deve durar indefinidamente (o que é um entendimento pessoal, não uma imposição dogmática), mas cabe à lei, de forma clara e precisa, delimitar o procedimento próprio para evitar esta situação de indefinição, fixando o momento inicial a partir do qual o prazo de prescrição começa a ser contado.
Pretendeu-se, neste tópico, oferecer uma alternativa de ponderação que equilibrasse razoavelmente os interesses e princípios potencialmente envolvidos, cabendo, nos processos legislativos e judiciários concretos, o aprofundamento das discussões.