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O conceito de cidadania e as relações intersociais

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23/11/2011 às 06:30
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4 Os Diversos contextos do termo Cidadania

Conforme visto, o vocábulo cidadania comporta inúmeras definições, tantas são as possibilidades e oportunidades de se aplicá-lo corretamente, desde que, por coerência etimológica, se o empregue sempre com o sentido ou a intenção de se referir às relações de convivência social e ou à interação homem-meio-ambiente, pois que não se pode alhear-se à sua gênese etimológica. Hodiernamente, agrega-se a significação social do termo, a ditar que a sociedade, como um todo, é responsável pelo resgate e valoração da dignidade humana de cada um de seus membros.

A opressão (assim como a exclusão e a não-inclusão) social é contrária a qualquer vocação cidadã da comunidade considerada: exemplo maior e tão conhecido é a condição dos judeus em tempos do nazismo alemão, quando tais pessoas não eram nem ao menos consideradas como pessoas quanto mais como cidadãs. Hodiernamente, os refugiados políticos gerados por conflitos étnico-religiosos atingiram a espantosa cifra aproximada de vinte milhões de pessoas em todo o mundo, segundo dados do relatório "2005 Global Refugee Trends", elaborado pela UNHCR- United Nations High Commissioner For Refugees, o órgão das Nações Unidas para as questões relativas aos refugiados. No entanto, não se deve buscar somente alhures exemplos quando se os tem no próprio Brasil, pois, a despeito dos dizeres contidos na Constituição Federal (art. 1°, II e III; e art. 3°), ainda existem parcelas da população excluídas das condições mínimas que lhes garanta a existência e o exercício dos seus direitos de cidadãos brasileiros.

Entre os vários contextos em que se poderá abordar a cidadania, há o aspecto social e o social-inclusivo, o político, o jurídico, o ecológico, o educacional, o filosófico, dentre outros tantos, os quais não são exaustivos nem quanto a si próprios, nem quanto aos limites temáticos por eles abordados.

A cidadania considerada sob a ênfase social enfoca os indivíduos convivendo harmonicamente em sua comunidade, cada qual contribuindo com ações individualizadas voltadas a possibilitar que a vida comunitária não se abale por práticas que venham causar o desvirtuamento da paz social. Essa harmonia é – e será – obtida pela observação e pelo seguimento das normas de condutas abstratamente estabelecidas desde antanho pelos costumes ou pelas instituições estatais: não matar semelhantes, salvo em legítima defesa; não ofender patrimônio alheio; lhaneza no trato com os demais; e a educação dos descendentes, são exemplos das citadas normas.

O contexto social-inclusivo busca trazer para o convívio natural, e para a vida comunitária, por meio de implementação de ações individualizadas ou coletivas (e de projetos e políticas públicas ou sociais), pessoas que por motivos étnicos, físicos, mentais, etários, ou geopolíticos, possam encontrar-se apartadas da vivência cotidiana da comunidade, e enfrentando preconceitos, discriminações e ofensas subjetivas aos seus direitos: a inclusão social objetiva resgatar os valores, direitos, dignidade e auto-estima das denominadas minorias, as quais são apartadas – e se apartam - das maiorias por traços de que são possuidoras extravontade (necessidade especial física, mental ou intelectual; pigmentação da pele; local de nascimento e moradia; idade aquém ou além da média de idade da comunidade considerada), e sobre os quais o indivíduo não possui poder de ação para suprimi-los.

Referidas ações conjuntas, projetos e políticas públicas e sociais tanto podem ser originados das instituições oficiais ou de parcelas da própria comunidade que, incomodadas com essa situação discriminatória, se põem a campo para resgatar o direito à cidadania (direito de cada pessoa integrar-se e de ser integrada ao grupo) de todos aqueles que, injusta e irracionalmente, foram postos à margem da vida comunitária.

A construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a garantir o desenvolvimento nacional com a erradicação da pobreza e da marginalização, com a conseqüente redução das desigualdades sociais e regionais (aí incluída a promoção do bem de todos sem quaisquer formas de preconceitos ou formas de discriminação), são objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, nos termos postos no artigo 3° da Constituição Federal. Entretanto, sabe-se que tais vontades do legislador constituinte de 1988 ainda se encontram no mundo das idéias, posto que a sociedade brasileira ainda não conseguiu torná-las reais no mundo dos fatos.

A integração e inclusão dos indivíduos e dos grupos excluídos ou apartados da rotineira vida social são pressupostos elementares da cidadania, pois ninguém deveria ser excluído: as práticas inclusivas e integrativas não mais são do que o resgate do erro social cometido a priori.

Sob o aspecto político, pode-se dizer que a cidadania compõe a consciência coletiva dos indivíduos que vivem sob as égides de determinado Estado, de modo a que participem e formulem opções à vida e à perenização desse Estado, e para que se mantenha a sua unidade territorial, política, jurídica e, principalmente, para que sua população bem viva como integrantes de uma coletividade. Posto que essa instituição ? Estado ? é imaterial, jurídica e política, sua existência se concretiza pelo respeito e reconhecimento que as outras instituições similares lhe prestam, e pelo envolvimento do povo que lhe habita o território com suas tradições culturais, jurídicas e políticas. Imaterial em si mesma, sua concretude no mundo fático se faz por suas instituições (administrativas, jurídicas, políticas, sociais) e pela atuação das pessoas que as comandam e que traçam suas diretrizes e direções. O contexto político da cidadania envolve fortalecer o sentimento de unidade e de responsabilidade dos indivíduos do povo para com a eternização desse Estado.

A cidadania é [...] um status ligado ao regime político. Assim, é correto incluir os direitos típicos do cidadão entre aqueles associados ao regime político, em particular, entre os ligados à democracia. Nas democracias como a brasileira, a participação no governo se dá por dois modos diversos: por poder contribuir para a escolha dos governantes ou por poder ser escolhido governante. Distinguem-se, por isso, duas faces na cidadania: a ativa e a passiva. A cidadania ativa consiste em poder escolher; a passiva em, além de escolher, poder ser escolhido. Essa distinção importa porque, se para ser cidadão passivo é mister ser cidadão ativo, não basta ser cidadão ativo para sê-lo também passivo. Veja-se o caso do analfabeto, que inscrito como eleitor, se torna cidadão ativo, mas não pode se tornar cidadão passivo, por não ter elegibilidade[8].

Embora o conceito de cidadania, na acepção política, seja único para todos os habitantes do Estado, não se deve olvidar de que a realidade mostra castas privilegiadas entocadas em posições de poder, que se auto-excluem da média da convivência social por se acreditarem superiores e diferenciadas, assim como também existem aquelas já mencionadas minorias que são apartadas do convívio. Ao Estado (às suas instituições, às classes dirigentes, aos “formadores de opinião”, à sociedade como um todo) compete oportunizar condições mínimas para a mantença da dignidade humana de todo o seu povo, pois o Estado não possui um fim em si mesmo, mas se trata de uma instituição elaborada ? pensada, formada ? para que o homem possa, sob diversas formas, proteger-se e viver em paz. Em termos políticos, cidadania também pode ser entendida como a atuação do Estado para democratizar ao povo que o habita as oportunidades que possui condições de oferecer.

[... ] comunidade política caracteriza-se, pois, por dois traços fundamentais. O primeiro é que os cidadãos reconhecem a autoridade de uma mesma lei, e não mais o poder pessoal de um indivíduo família ou casta. A fonte da autoridade está na lei, princípio impessoal, e é por reconhecer antes de tudo a autoridade desse princípio que o cidadão é livre: não está sujeita a ninguém em particular. Se for obrigado a obedecer às ordens do magistrado ou do funcionário, será na medida em que este exerce sua função explicitamente definida pela legislação: não está sujeito ao indivíduo como tal. [...]. O segundo traço fundamental da comunidade política é que sua unidade não depende da unicidade ou da dominação exclusiva de uma tradição. Ela provém do tipo de relações, quase sempre conflituosas e polêmicas, que as diversas tradições coexistentes na comunidade estabeleceram no decurso de uma história comum [...][9]

Maria Helena Diniz, entendendo a cidadania como afeta à seara da Ciência Política, a descreve como sendo a qualidade “ou estado de cidadão; vínculo político que gera para o nacional deveres e direitos políticos, uma vez que o liga ao Estado. É a qualidade de cidadão relativa ao exercício das prerrogativas políticas outorgadas pela Constituição de um Estado democrático”[10].

Sob o enfoque jurídico, deve-se considerar, primeiramente, que cada Estado, por decorrência de sua soberania, possui seu próprio feixe de normas jurídicas abrangentes dos assuntos sobre os quais deita interesse: cada Estado possui legislação específica sobre cada aspecto para o qual considera importante elaborar norma cogente; muito embora haja corrente doutrinária e filosófica que professa a existência de determinados direitos subjetivos inerentes à condição de pessoa humana (direitos naturais), os quais, somente pelo fato de ser humano, já são existentes para e em cada pessoa humana (direito à vida, à liberdade, ao nome, à personalidade, à educação etc), e caberia simplesmente ao Estado declará-los ou reconhecê-los, pois que são existentes a priori.

Esses tais direitos existiriam mesmo se não existisse – ou se extinguisse – a pessoa política Estado. Tais direitos naturais, no entendimento dos denominados jusnaturalistas, são existentes desde que o homem se conscientizou de sua condição, e se prolongarão valendo enquanto viver o homem, pois que eles são inerentes (imanentes) ao ser humano e ao indivíduo humano. Entretanto, na vida fática, há Estados que não reconhecem tais direitos, muito embora os declarem formalmente em suas constituições.

Claro que tais Estados não possuem viés humanitário, são Estados despóticos, autoritários, ditatoriais, sanguinários, são um fim em si mesmos e em favor de sua casta dirigente: em tais Estados não se pode dizer que, no aspecto jurídico e político mais amplo, hajam cidadãos, pois lhes faltam – aos habitantes, ao povo – a autonomia e a liberdade de agir conforme suas consciências e arbítrio: faltam-lhes, em síntese, pressupostos que lhes assegurem a dignidade humana.

[...] a teoria das formas de governo, na filosofia, tem demonstrado que o homem não é confiável no poder e tende a identificar-se com ele, tornando o povo não o destinatário final de seu serviço, mas servidor de seus interesses. [...]. À evidência, o homem, no exercício do poder termina por governar, sempre que possível, em benefício do povo, mas necessariamente em seu próprio benefício [...][11]

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Cada Estado, por seu ordenamento interno, define quem são seus naturais e, dentre esses, quem são os seus cidadãos. A Constituição brasileira assegura que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, dentre tantos outros direitos explícitos e implícitos nela contidos (art. 5º, caput). E é a própria Constituição Federal que estabelece as condições para que as pessoas sejam ou não consideradas brasileiras (natas ou naturalizadas):

Art. 12. São brasileiros:

I - natos:

a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país;

b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil;

c) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira;

II - naturalizados:

a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral;

b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira.

Nos parágrafos do artigo 12 do texto constitucional, encontra-se assegurado que, aos portugueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade em favor de brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro, salvo excepcionalidades que especifica, sendo que a lei ordinária não poderá estabelecer distinção entre brasileiros natos e naturalizados, ressalvadas as condições que declara. Ainda se encontram expressas na Constituição as situações em que se poderá declarar a perda da nacionalidade do brasileiro que: I - tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional; II - adquirir outra nacionalidade, salvo nos casos de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira; ou de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis (art. 12, § 4º).

Muito embora a Constituição Federal brasileira (CF?88) não defina o que seja cidadania, ela assevera tratar-se ela de um princípio fundamental da República Federativa do Brasil, assim como também o é a dignidade da pessoa humana (art. 1°, II e III), sendo objetivo fundamental dessa República a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, onde sejam erradicadas a pobreza e a marginalização, e reduzidas as desigualdades sociais e regionais, com a promoção do bem de todos, sem quaisquer preconceitos ou discriminação (art. 3°, I, III e IV).

A Constituição brasileira ainda assegura, em vários outros de seus artigos, direitos e garantias fundamentais aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país, possuindo, também, capítulos dedicados aos direitos sociais e políticos, e à organização político-partidária (Título II, Capítulos I a V, artigos 5° a 17). Essa Carta Magna ainda traça condições para o exercício e para a cassação dos direitos políticos. Para votar e para poder ser votado o cidadão brasileiro deverá se alistar perante a Justiça Eleitoral, alistamento esse obrigatório para os maiores de dezoito anos, e facultativo para os analfabetos, para os maiores de setenta anos, e para os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos (art. 14).

Em tese, a República Federativa do Brasil garante a todos os seus naturais, e aos estrangeiros residentes no país, o pleno exercício da cidadania política e jurídica, obedecidas as emanações contidas na Constituição Federal e nas leis infraconstitucionais. A soberania popular no país será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com igual valor para cada e qualquer cidadão, mediante plebiscito, referendo, ou lei de iniciativa popular (CF/88, art. 14 e ss.).

O texto constitucional ainda assevera ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (art. 227). A despeito de tão claros dizeres, é imperioso dizer que democracia brasileira não foi capaz de estabelecer, para a maioria do seu povo, as condições mínimas da isonomia pretendida no texto da Constituição, posto que o país ainda se insere dentre aqueles em que as desigualdades sociais são patentes no seio de sua sociedade.

Em um Brasil mais justo, as oportunidades poderiam ser distribuídas de modo mais igualitário e o mesmo poderia ocorrer com a riqueza, a saúde e a qualidade de vida. Apesar dos esforços consideráveis, o Brasil ainda é, como sabemos, uma sociedade de grandes desigualdades: antes das transferências sociais, a parcela de 1% correspondente à população mais rica recebe os mesmos 10% da renda total de que desfrutam os 50% mais pobres. Os índices de pobreza na região Nordeste equivalem a duas vezes a média brasileira. As reformas na previdência social e as mudanças no sistema de impostos indiretos poderiam reduzir de modo significativo essas desigualdades. A eqüidade também é prejudicada pelo alto índice de criminalidade, que afeta mais profundamente os pobres. O aumento da credibilidade da polícia e do Judiciário, mediante reformas institucionais, poderia levar à redução da criminalidade. Os serviços e os empregos públicos, a infra-estrutura e a assistência social poderiam ser alocados de forma mais transparente, de modo a cumprir metas que atendessem a todos com eqüidade. Finalmente, a solução de longo prazo para reduzir a desigualdade no Brasil se encontra no sistema de ensino médio. Um recente estudo regional do Banco Mundial estima que, no Brasil, em 1998, o índice de matrícula no ensino médio ficou 36% abaixo da média para países com renda similar. (BRASIL: Justo•Competitivo•Sustentável – Contribuições Para Debate: Banco Mundial/Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento, Washington-D.C, dezembro de 2002[12])

Para Patrice Canivez, as democracias modernas não se coadunam com as classificações tradicionais da filosofia política, pois que algumas mais se assemelham a feudos das suas elites políticas, as quais, usando e manuseando institutos democráticos (eleições livres, voto direto), açambarcam o poder político e o utiliza em prol de si mesmas:

A prova é que consideramos democracias Estados que são monarquias (como a Espanha ou a Inglaterra), ao passo que, nas democracias, em geral, tomo mundo sabe que o poder pertence ao que se costuma chamar de classe política, que se recruta por meio de canais bem definidos: carreira feita num partido ou na administração pública, em universidades de prestígio etc. De modo que as democracias modernas são de fato aristocracias, se considerarmos que são governadas pela elite dos cidadãos mais competentes; ou então oligarquias, se forem dirigidas pela minoria dos mais abastados, ou pela dos “decisores” oriundos do mundo dos negócios. Maurice Duverger[13] define as democracias ocidentais contemporâneas como “tecnodemocracias” estreitamente controladas por uma oligarquia econômica[14]

E retomando o entendimento anteriormente exposto, diga-se que o homem é em seu meio, não apenas no aspecto filosófico de se tentar explicar o ser humano, mas no aspecto material propriamente dito do local onde ele vive. Não é possível dissociar o homem do meio-ambiente (meio-ambiente não considerado apenas como representativo da natureza original, mas de qualquer locus onde vivam ou sobrevivam seres animados), pois, sob qualquer aspecto que se queira estudar, as pessoas vivem em um meio social (convívio e relações com outros humanos) e em um meio físico (espaço físico em que habita: matas, casas, vilas, cidades, países etc).

Os bens produzidos e acrescentados pelo homem à natureza o são a partir de bens coletados, encontrados ou derivados na e da própria natureza, pois que o ser humano não possui poder de produzir algo por geração espontânea.

Os bens naturais (ar, água, fósseis combustíveis, plantas, animais), por mais que pareçam infindáveis são finitos, e até mesmo não renováveis (petróleo) ou não substituíveis (ar, água, ou espécies vegetais ou animais já extintos). Os bens naturais não substituíveis o são hodiernamente assim como também o foram no passado e, certamente, o serão no futuro, razão pela qual a sua preservação se impõe como imperativo para a própria vida humana na Terra.

O homem depende da Terra para sua vida, mas o inverso não é necessariamente verdadeiro, motivo esse de ser imprescindível a adoção de fórmulas para a correta exploração dos recursos naturais não substituíveis, para que se garanta o direito subjetivo à vida das gerações futuras.

E, sob a forma ecológica, a cidadania diz respeito à conscientização e ação de cada indivíduo, comunidade e Estados, em favor da preservação dos recursos naturais não renováveis, e com o comprometimento das gerações presentes com a vida e sobrevivência das gerações futuras neste planeta.

A Filosofia, como ciência acadêmica, tem por objeto o conhecimento humano sobre o próprio conhecimento humano. Ela não é laboratorial nem exata, e nem industrial; não se perpassa nos laboratórios entre tubos de ensaio e produtos químicos, nem, tampouco, se realiza intramuros de uma unidade fabril de produção. Ela não pode e não deseja ser comprovada por lógicas matemáticas irrefutáveis. Ela é intuitiva e dedutiva, mas, principalmente, intelectual, derivada do exercício mental crítico e analítico.

Essa ciência questiona o saber do homem sobre si mesmo e sobre os fenômenos que acompanham sua vida terrena, e se posiciona relativamente ao saber então questionado; não se contenta apenas em duvidar ou em comprovar determinado conhecimento, antes deseja entendê-lo, explicá-lo e conhecê-lo, sobre ele teorizando.

A Filosofia possui o conhecimento humano como seu foco; a ela desinteressa o modus como qualquer outro ser vivo pense ou conheça a vida, interessa-lhe, sim, conhecer o homem, suas relações e o seu meio. Uma vez que possui esse objeto como centro do seu interesse, a cidadania aparece naturalmente a ela, posto que à Filosofia também interessa entender, explicar e conhecer o fenômeno da convivência social entre os seres humanos, para, então, oferecer sua contribuição subjetiva à compreensão e melhoria das relações homem-homem e homem-meio: o aprendizado sobre tais relações interessa tanto a ela, Filosofia, como objeto de estudo, quanto à própria cidadania, como inerente ao seu conceito e idéia etimológicos.

A educação, grosso modo, e não adentrando às diversas correntes filosóficas e doutrinárias que tentam explicá-la, mas tomando-a apenas pelo senso comum que possibilita entendê-la perfeitamente para os fins aqui requeridos, visa à formação da geração presente para a vida social futura, por isso muitos a têm como conservadora e não revolucionária (no sentido de que agrega e preserva os valores e princípios passados e presentes, não instigando a consciência crítica dos educandos).

No entanto, qualquer que seja o entendimento individualmente professado, não há como dissociá-lo da idéia mor contida no conceito de educação, qual seja, oferecer às pessoas dos formandos, por meio das pessoas dos educadores, alguns conhecimentos que as instituições da comunidade acreditam importantes para a paz social e para o desenvolvimento (material e/ou imaterial) da coletividade.

Educa-se para a vida social e para que o indivíduo se conscientize da sua importância tanto para o convívio harmonioso intracomunidade, como para a preservação e continuidade das condições necessárias à vida na Terra. Não se trata, no entanto, de incorporar de forma inconteste a visão durkheiniana de que a educação seja resultado de ações interventivas de uma geração de adultos em face de uma geração de jovens (crianças, adolescentes), ou seja, não se assume que a educação seja unicamente uma relação entre gerações. Em palavras outras, a educação é ação presente com objetivos, resultados e reflexos também presentes, os quais se prolongarão no futuro, pois que ela — educação —se volta não somente à transmissão de conteúdos práticos, programáticos ou pragmáticos: ela também se interessa pela formação de cidadãos aptos à sociedade, tanto quanto se interessa por incluir os eventuais excluídos.

Salvo pontuais ou específicos desvios de conduta — individuais ou mesmo de determinadas coletividades —, não se educa para o mal nem, tampouco, para o errado. Não é do mister do educador transmitir aos seus educandos os princípios conformadores do mal ou do erro: pode-se, sim, educar malmente ou erroneamente, mas isso mais por desinformação, desconhecimento ou sectarismo daquele(s) que se propõe(m) a educar, do que por norma educadora ou pelo desejo do educando.

No âmbito da escola, a criança escapa em parte aos pais como aos professores; ela desenvolve o embrião de uma vida privada. (...). Por isso, na escola como na sociedade, as exigências do trabalho e as relações de autoridade aplicam-se aos atos e não aos sentimentos e idéias. O que significa que elas se referem ao indivíduo na medida em que ele tem certo papel a desempenhar, e não ao indivíduo em particular. Isso não implica que a psicologia esteja ausente das relações professor/aluno, que professores estáticos dirijam-se a alunos congelados. Significa que a psicologia e a afetividade estão sujeitas às exigências da função[15].

Enfim, o professor Moacir Gadotti afirma que a cidadania é uma categoria a ser considerada ao se pensar a “educação do século XX”. No seu entendimento, o pensar e estudar a categoria cidadania “implica tratar do tema da autonomia da escola, de seu projeto político-pedagógico, da questão da participação, da educação para e pela cidadania”. Para ele, a “partir dessa categoria podemos discutir particularmente o significado da concepção de escola cidadã, e de suas diferentes práticas. Educar para a cidadania ativa tornou-se hoje projeto e programa de muitas escolas e de sistemas educacionais[16]”.

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Sobre o autor
Douglas Aparecido Bueno

Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (2010). Graduado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (2005). Mestre em Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba (2011). Doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Tem experiência nas áreas de Direito e Filosofia, atuando principalmente nos seguintes temas: bioética, cultura, filosofia, direito, ética, educação e cidadania.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BUENO, Douglas Aparecido. O conceito de cidadania e as relações intersociais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3066, 23 nov. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20478. Acesso em: 20 abr. 2024.

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