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Porta Giratória Bancária - Constrangimento - Prática Abusiva - Código de Defesa do Consumidor

01/10/2001 às 00:00
Leia nesta página:

1. A PORTA GIRATÓRIA E O CONSTRANGIMENTO AO CONSUMIDOR

Com o advento da lei 8.078/90, foi assegurado ao consumidor como direito básico a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais.

As agências bancárias via de regra possuem um mecanismo de segurança, que a cada dia expõe o consumidor a uma condição vexatória. É a denominada porta giratória bancária, no qual o consumidor é submetido a constrangimento em público, sendo obrigado a curva-se perante um agente ou funcionário, que desconfia da aparência ou da raça do consumidor, obrigando este a exibir os seus pertences pessoais, sob pena de não permitir a entrada na agência bancária.

O fato curioso é que este mecanismo de segurança não inibe ou mesmo evita os inúmeros roubos nos estabelecimentos bancários, demonstrando assim a ineficiência do sistema.

A jurisprudência tem firmado o entendimento no sentido de condenar os bancos a indenizar por procedimentos vexatórios, sem prejuízo dos danos patrimoniais.

Traz-se a colação o caso da consumidora Ivonete Maria de Aguiar, que propôs Ação de Reclamação no Juizado Especial Cível na Comarca da Capital do Rio de Janeiro, contra o banco que limitou o seu acesso a agência bancária, através da conduta do agente da segurança. Relata a consumidora que ficou retida na "porta giratória de segurança bancária, que travou inúmeras vezes, mesmo depois da Reclamante ter tirado de sua bolsa diversos pertences, inclusive objetos íntimos e pessoais, ocasionando um enorme constrangimento"(1)

No mesmo sentido o Juízo da 13ª Vara Cível da Comarca da Capital de São Paulo, condenou o banco pelo constrangimento que ocasionou no consumidor, traduzindo o r. decisum in verbis:

"Essa conduta dos vigilantes, a partir do travamento da porta, realça a falta de diligência com que agiram e passou a ser coativa por não se ignorar que conduta diversa do cliente, ali retido, e passaria aos olhos deles, ainda como suspeita e com direito e reações não esperadas".

Conclui a r. sentença :

"logo, indiscutível que impuseram ao autor situação vexatória, em efetivo constrangimento, ferindo-o em valores de personalidade. Esta publicidade posta aos olhos do circunstantes, naturalmente fere a alma, mostra-se dolorosa e prosta qualquer pessoa em face da impotência de contornar a situação".(2)

Necessário se faz reconhecer que o serviço ofertado ao consumidor possui vício de qualidade, na medida que expõe o consumidor a situação de vexame, constrangendo em razão da prática abusiva.

Prescreve o art. 6, VII do codex citado:

"Art. 6º - São direitos básicos do consumidor:

Omissis...

VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;

Verifica-se assim, que o Código do Consumidor garantiu como direito básico do consumidor não só a reparação por danos morais e patrimoniais mas, também, o a efetiva prevenção do dano.

Em igual sentido prescreve o art. 20, § 2º do codex citado o que é serviço impróprio, destacando a norma consumerista:

Art. 20 - O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:

Omissis- ...

§ 2º - São impróprios os serviços que se mostrem inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não atendam às normas regulamentares de prestabilidade.

É cediço que as práticas abusivas constantes no CDC. não são numerus clausus, consistindo num elenco exemplificativo de prática comercias abusivas, devendo o intérprete verificar o desequilíbrio, a manifesta vantagem excessiva e a ofensa a boa-fé (3) como fonte para a declaração da abusividade, sendo indispensável cotejar com a teoria da lesão(4) buscando assim a decretação da abusividade na relação de consumo.

Verificamos que no caso da porta giratória, o consumidor possui um significativo desequilíbrio, pois não pode afrontar o agente de segurança da porta giratória que inclusive encontra-se armado. Por outro lado há manifesta vantagem para o banco que sob o argumento de proteção ao patrimônio do correntista, infama a imagem do consumidor, provocando constrangimento em público.

O banco deve possui mecanismo eficaz de segurança que não exponha o consumidor a acanhamento, buscando assim a qualidade do serviço.

Acrescente-se ainda, que o consumidor possui a boa-fé objetiva, quem deverá fazer a prova de que o consumidor está de má-fé é o fornecedor. E por fim, ocorrido o constrangimento para o consumidor, restou demonstrado o dano moral, sem prejuízo do dano patrimonial.

O art. 39 do CDC. estabelece:

Art. 39 - É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços:

IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;

V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;

Destarte, constranger o consumidor através da porta giratória é prática abusiva.


2. A RESPONSABILIDADE CIVIL DO FORNECEDOR DO SERVIÇO BANCÁRIO.

É notório que no âmbito da relação de consumo, vigora a responsabilidade civil objetiva, prevista expressamente no Código de Defesa do Consumidor envolvendo o fornecimento de produtos/serviços.

Na forma que dispõe a norma consumerista, o fornecedor é responsável pelo fato(art. 12/14 do CDC) e pelo vício do produto ou serviço(art.18/20 do CDC.), envolvendo um acidente de consumo por defeito ou mesmo por vício de qualidade/quantidade. Destarte, o fornecedor responde pelos danos causados aos consumidores de forma objetiva, excluindo a lei os casos de atribuição de responsabilidade subjetiva(tais como a do profissional liberal-art.14 § 4º, da sociedades coligadas, art.28, § 4º,..)

Como conseqüência da adoção da responsabilidade civil objetiva do fornecedor, decorre o dever de indenizar, assegurado na hipótese de obrigação de fazer a tutela específica, na forma do art. 84 do CDC.

Registre-se, que em matéria de responsabilidade civil por dano provocado ao consumidor numa relação de consumo, o fornecedor responde independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos ou vícios decorrentes do produto/serviço, sendo necessário a prova do dano e do nexo causal.

Por fim, vale consignar que o fornecedor do serviço bancário responde solidariamente pelos atos de seus prepostos conforme estabelece o art. 34 do CDC.:

Art. 34 - O fornecedor do produto ou serviço é solidariamente responsável pelos atos de seus propostos ou representantes autônomos.


3.O DIREITO DO CONSUMIDOR DE NÃO SOFRER CONSTRANGIMENTO

A constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, assegura ao cidadão direitos iguais, sem distinção de qualquer natureza, possuindo o fornecedor do serviço bancário a obrigação de respeito e urbanidade `a todos os cidadãos, garantindo ainda o art. 3, IV da CF. o dever de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Consequentemente, se o fornecedor bancário pratica o constrangimento do consumidor, deve o mesmo ser responsabilizado pelo ilícito praticado, respondendo pelos atos de seus agentes/prepostos pelo dano moral em razão do dano irreparável ao consumidor que "mostra-se dolorosa e prosta qualquer pessoa em face da impotência de contornar a situação" (5).


4. CONCLUSÃO

Restou demonstrado que a porta giratória bancária causa uma lesão ao consumidor, na medida que expõe o mesmo a situação vexatória sob a alegação da necessidade da segurança bancária.

Não se concebe que os excessos praticados pelos prepostos do Banco sejam justificáveis em prol da segurança bancária, isto em pleno século 21.

A Constituição Federal assegura ao cidadão o direito a dignidade humana, defendendo o bem estar e garantindo o direito a vida

Desarrazoado submeter o consumidor a vexame sob o argumento da necessidade da segurança bancária. Não se justifica mais a utilização meios arcaicos e "métodos de revistas", sendo certo que os Bancos devem investir em busca de equipamentos modernos, adequados para a segurança dos consumidores e não minimizar a imagem do consumidor.(6)

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É patente a discriminação que o consumidor sofre, submetido perante o vigilante que dá o comando para o ingresso na agência bancária.

Traduz nesse sentido prática abusiva o fato de submeter o consumidor a procedimento vexatório, em razão do travamento da porta giratória ou mesmo o fato de despir-se perante o agente de segurança bancária, retirando pertences pessoais, chaves, etc., que não representam obstáculo para o ingresso na agência bancária.

Acrescente-se que o consumidor possui a boa-fé, possuindo honestidade, devendo ser tratado com respeito e urbanidade, critérios fixados ex vi legis, não podendo ser considerado como "suspeito".

Arrimado a este fato verifica-se a falta de diligência do preposto do banco, que restringe e discrimina o cidadão/consumidor, incidindo no dever de indenizar, já que sua conduta não exime da responsabilidade objetiva do dever de não só indenizar, mas também na obrigação de não praticar o constrangimento da parte hipossuficiente.

Não se questiona a ação preventiva de segurança, necessária em razão dos inúmeros roubos ocorridos em agências bancárias. Todavia não se pode sacrificar o direito a dignidade em decorrência da falta de qualidade ou mesmo de competência dos bancos ou seus prepostos que tratam o consumidor com total descaso, antecipando uma imagem de marginal ao consumidor.

Tendo em vista que o CDC., no art. 6, IV assegura como direito básico a proteção contra métodos comerciais coercitivos bem como práticas abusivas impostas no fornecimento do serviço, garantindo a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais(art. 6, VI do CDC) e, que o art. 39, IV proíbe ao fornecedor de serviços prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços, não podendo exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva(art. 39, V); torna-se necessário o reconhecimento de que a porta giratória bancária constitui prática abusiva submetendo o consumidor a vexame injustificável, devendo ser extinto o referido mecanismo de segurança, por ser vedado ao fornecedor praticar o constrangimento do consumidor.


NOTAS

1. Ação proposta por Ivonete Maria de Aguiar em face do Banco Real no II Juizado Especial Cível da Comarca da Capital do Rio de Janeiro, com sentença transitada em julgado condenando o Banco a pagar danos morais a Reclamante.Proc. n. 17113-3/99

2. Ação proposta por Jorge Luiz de Souza Lima em face do Banco do Brasil no Juízo da 13ª Vara Cível da Comarca da Capital de São Paulo, (proc. nº 2657/97)condenando o banco a pagar 150 salários mínimos de indenização por dano moral.

3. artigo 3º, 1 da CEE. Estabelece que "Uma cláusula contratual que não tenha sido objeto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes do contrato." trad. do 17º Enc. Nacional de Defesa do Consumidor realizado em Belo Horizonte-MG.

Com fundamento na boa-fé objetiva, é possível analisar e identificar a abusividade de uma prática comercial, bastando adequar a conduta questionada, com a conduta de um homem probo, honesto. Será que no fato superveniente ocorrido ao homem com honestidade, este agiria da mesma forma ? Esta pergunta traduz a objetividade do princípio da boa-fé do Código do Consumidor.

4. Sobre o tema, adverte Capanema: "Atualmente, no caso de pendências judiciais, os contratos poderão ser reavaliados se obedecerem a três requisitos: acontecendo um fato superveniente, um acontecimento imprevisível(dentro dos padrões normais do cotidiano) ou quando for constatada que uma das partes está sendo lesada. Os casos de lesão começaram a ser considerados recentemente, graças às novas leis reguladoras do consumo ‘Quando for constatada a lesão, a ação tem de ser julgada independentemente de ter ocorrido algo imprevisível’ Palestra proferida pelo Prof. Silvio Capanema, sob o tema: "Renegociação dos Contratos Extrajudiciais" publicado na Tribuna do Advogado, Ano XXVII, junho. Rio de Janeiro, Órgão Divulgador da OAB/RJ, nº 360, p. 5.

5. sentença proferida nos autos da ação nº 2657. op.cit.

6. A lei 7.102 de 20 de junho de 1983, atualizada pelas leis 8.863 de 29 de março de 1994 e 9.017 de 30 de março de 1995, mencionam à respeito do sistema de segurança bancária, sendo regulamentado pelos Decretos 89.056 de 24 de abril de 1983 e 1.592 de 10 de agosto de 1995.

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Sobre o autor
Plínio Lacerda Martins

promotor de Justiça em Juiz de Fora (MG), professor de Direito do Consumidor da FGV e UGF, mestre em direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Plínio Lacerda. Porta Giratória Bancária - Constrangimento - Prática Abusiva - Código de Defesa do Consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2051. Acesso em: 18 nov. 2024.

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