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As implicações oriundas da nova Lei dos Estágios

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5. Carga Horária do Estágio

Como mais uma forma de tentar impedir a utilização do estágio como forma de emprego barato, a Lei [11] reduziu a carga horária máxima para realização do estágio, fixando dois limites, a depender do nível de ensino, quais sejam:

  • 4 (quatro) horas diárias e 20 (vinte) horas semanais, ou

  • 6 (seis) horas diárias e 30 (trinta) semanais.

Para os estudantes do ensino superior, da educação profissional de nível médio e do ensino médio regular (estágio que não deveria ser permitido), a jornada diária do estudante não poderá ultrapassar 6 (seis) horas diárias e 30 (trinta) horas semanais.

Já para os estagiários da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional de educação de jovens e adultos, a jornada não poderá ser superior a 4 (quatro) horas diárias e 20 (vinte) horas semanais.

Ou seja, caso o estudante realize atividades de estágio por carga horária excedente à fixada em lei, fica descaracterizada a relação de estágio, passando a existir a relação empregatícia, bem como os direitos oriundos dessa.

Com razão o legislador ao prever tal limite, já que a função primordial do estágio não é que o aluno atue como empregado, cumprindo carga horária semelhante a este.

Ademais, tendo em vista que o estagiário possui as obrigações acadêmicas, é claro que não pode tomar todo o tempo que está fora do ambiente educacional no estágio, devendo sobrar certo período de tempo para a realização de tarefas oriundas do âmbito escolar, educacional, bem como para se aperfeiçoar nos estudos.

Inobstante a finalidade da redução na jornada de estágio, na prática, muitos estagiários acabaram por se queixar de tal diminuição, tendo em vista que acarretou, por óbvio, a redução no valor da bolsa recebida.

É evidente que tal colocação contradiz todo o objetivo da Lei (evitar a utilização do estágio como mão-de-obra barata). Mas não se pode esconder a realidade social, principalmente no tocante aos estudantes de ensino superior que deixam suas cidades para freqüentar cursos em cidades muitas vezes bem distantes e necessitam do valor percebido no estágio até mesmo para que possam se manter nas cidades escolhidas.

Nesse ponto, descabível a alegação de que há, nas universidades, programas de apoio ao estudante.

Ora, todos sabemos que tais programas são limitados, não conseguem atingir o contingente total de alunos necessitados e, além disso, em alguns casos, não são suficientes aos gastos incorporados pelos estudantes.

No entanto, mesmo que tenha fixado o limite exposto, a Lei previu uma exceção.

Para os cursos que alternam teoria e prática, poderá a jornada ser de até 40 (quarenta) horas semanais, desde que o estágio seja realizado no período em que não estejam previstas aulas presenciais, bem esteja prevista a jornada no projeto pedagógico do curso e da instituição de ensino.

Por último, em benefício ao estudante, a Lei impõe, no §2º do artigo 10 que:

§ 2º Se a instituição de ensino adotar verificações de aprendizagem periódicas ou finais, nos períodos de avaliação, a carga horária do estágio será reduzida pelo menos à metade, segundo estipulado no termo de compromisso, para garantir o bom desempenho do estudante.

Nesse tocante, apesar de beneficiar o estagiário, que terá mais tempo para se preparar para provas, entendemos haver uma contradição ao escopo da Lei, e que vem de encontro à redução do limite da carga horária estabelecida para os estágios.

É que o período de aperfeiçoamento de estudos, como bem sabido, é contínuo, e não somente no dia que ocorrerá a prova ou qualquer outra tarefa passível de avaliação.

Ora, a própria redução da carga horária busca facilitar o processo de aprimoramento dos estudos dos estagiários.

E mais: o dispositivo agora analisado acaba sendo de pouca utilização, já que também reduz o valor final da bolsa percebida pelo estudante, porquanto há redução no tempo de estágio.


6. Duração do Estágio

Mais um dispositivo voltado para coibir a utilização do estagiário como empregado, agora a duração máxima está prevista, com uma exceção, no artigo 11 da Lei.

E essa duração, que antes acabava sendo ilimitada, agora é determinada: não poderá exceder 2 (dois) anos na mesma parte concedente.

A principal função de tal limitação é evitar, repisa-se, a utilização do estagiário como empregado, ad infinitum.

Acabou, assim, a possibilidade do empregador contratar estagiário para atuar como empregado?

Ao nosso entender, não! E por um simples motivo.

Explica-se.

Ao findar o tempo máximo de permanência de um estagiário, o "empregador" contrata outro, por mais dois anos, com custos consideravelmente reduzidos em comparação aos que possuem relação empregatícia ou de trabalho, e assim sucessivamente, não se prestando pois o dispositivo legal para coibir a utilização do estagiário no lugar de um empregado ou trabalhador com relação diversa da de estágio.

Apesar disso, não se pode dizer que o espírito do legislador ao prever o máximo de lapso temporal não tenha sido bom. Mas, na prática, simplesmente não funciona.

Na verdade, a disposição, ao nosso ver, acaba servindo para fim diverso do pretendido, mas de grande valia.

Com a limitação de dois anos em uma parte concedente, o rodízio de estagiários e, consequentemente, a possibilidade de um estudante realizar estágio aumenta consideravelmente, já que antes alguns estagiários se "perpetuavam na vaga", como o exemplo de estudantes de direito que ingressavam como estagiários de juízes, promotores ou até mesmo de varas judiciais no início do curso, primeiro ou segundo ano, e somente davam fim à relação ao se formarem, fazendo com que o conhecimento prático, que no direito é importantíssimo, fosse restrito.

A Lei, nesse ponto, mais uma vez abriu exceção, possibilitando que os estagiários portadores de deficiência não se submetam à limitação temporal prevista. Mais uma contradição ao seu objetivo primordial.


7. Bolsa Auxílio

No artigo 12, a Lei disciplina o recebimento de valores pelo estagiário, como contraprestação ao trabalho realizado.

De acordo com a norma, o estagiário poderá receber bolsa ou outra forma de contraprestação que venha a ser acordada entre as partes integrantes da relação de estágio.

Nesse tocante, a Lei faz uso da análise das modalidades de estágio existentes para definir a obrigatoriedade ou não de o estagiário perceber valores, devendo ser compulsória a concessão da bolsa ou outra forma de contraprestação, bem como de auxílio-transporte [12], quando o estágio for da modalidade não obrigatório [13].

Em uma interpretação contrario senso, fica claro que, quando o estágio é realizado em sua modalidade obrigatória, não há a obrigatoriedade do pagamento de contraprestação e auxílio-transporte.

No entanto, isso não significa, de mesma forma, que a parte concedente não deve pagar. Ou seja, pode haver o mesmo tipo de contraprestação para os estágios obrigatórios.

Em nosso entendimento, cometeu a Lei um "pecado", uma afronta ao seu objetivo, ao não fixar um valor mínimo para a bolsa ou contraprestação devida pela parte concedente.

Ora, se não há um mínimo, podendo as partes convencionarem, há a possibilidade de um estagiário ser contratado para receber, mensalmente, uma bolsa de, por exemplo R$10,00 (dez reais), o que é um absurdo e contraria totalmente o espírito da Lei.

Além disso, a expressão "ou outra forma de contraprestação que venha a ser acordada" permite que seja feita interpretação que faça com que o estagiário trabalha em troca de comida, o que configuraria outro absurdo.

É de se salientar que a noviça Lei praticamente extinguiu o estágio voluntário, já que, agora, para que seja caracterizado o estágio voluntário (aquele sem o recebimento de valores pelo estagiário), deve ser previsto no plano político-pedagógico do curso freqüentado pelo aluno a obrigatoriedade de estágio (estágio obrigatório), bem como o aluno estar no período em que é possível a realização do estágio obrigatório.

E, geralmente, quando o aluno atinge o período (semestre ou ano) do curso passível da realização do estágio obrigatório (quando previsto), já está estagiando.

Inobstante tal extinção prática, podemos dizer que, nesse ponto, o legislador acertou "em cheio", já que, agora, se as partes concedentes quiserem possuir bastantes estagiários, terá que pagar por isso, não podendo mais lotar seus quadros pessoais com estagiários voluntários que, na maioria das vezes, acabavam arcando, sozinhos, com os custos de transporte a alimentação para que pudessem realizar estágio.

Aliás, a Lei trata, em outro ponto, o qual será oportunamente analisado, da limitação de estagiários por parte concedente. Tal limitação, ao nosso ver, não funciona na prática, sendo apenas um limite fictício.

Ademais, no mesmo artigo que trata da concessão de contraprestação, especificamente em seu §1º, há disposição de que concessões de benefícios relacionados ao transporte, alimentação e saúde, entre outros, não caracteriza vínculo empregatício.

Aqui, mais uma salva de palmas para Lei, porquanto ao positivar tal entendimento, a parte concedente não fica receosa em conceder benefícios aos estagiários, o que antes não acontecia por medo que tais concessões configurassem relação de emprego ou outra relacionada ao trabalho diversa da de estágio.

Por fim, em seu §2º, indica a Lei que o estagiário poderá inscrever-se e contribuir como segurado facultativo do Regime Geral de Previdência Social existente no País.

Não poderia ser diferente, já que o estágio, como já visto, trata-se de uma forma de trabalho.


8. Recesso Anual

Outra vitória para os estagiários foi a garantida, de acordo com artigo 13 da Lei, de um período de recesso [14].

Tal recesso é assegurado, e será de 30 (trinta) dias sempre que o estágio tenha duração igual ou superior a 1 (um) ano, devendo ser gozado preferencialmente durante duas férias escolares.

Dispõe também a Lei que o recesso deverá ser remunerado quando o estagiário receber bolsa ou outra forma de contraprestação [15].

Por fim, o §2º do mesmo artigo disciplina a concessão do recesso aos estágios com duração inferior a 1 (um) ano, determinando que serão concedidos de maneira proporcional.

Nesse caso, paira uma dúvida importante.

Se o estágio tem duração inferior a um, ou mesmo aqueles com lapso igual ou superior a um ano, quando serão gozadas as férias?

Tomamos como exemplo o caso de um estudante que firma contrato de estágio no dia 2 de janeiro de 2009 sendo que, neste ano, cursará o último ano do curso e, assim, logicamente, ao final do curso terá que sair do estágio.

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Supondo que seu último dia do estágio seja 30 de novembro de 2009, totalizando praticamente 11 meses de estágio.

Quando gozará o recesso, em dezembro ou dentro do período de efetivo estágio?

Ao nosso ver, o recesso deveria ser cencedido nos últimos dias de estágio, fazendo com que o estagiário gozasse o recesso e que o dia de retorno coincidisse ao dia posterior ao último de estágio.

Ou seja, no caso hipoteticamente narrado, o estagiário gozaria o recesso do dia 4 ao dia 31 de novembro de 2009, totalizando 28 dias (tempo proporcional aos 30 dias por ano).

Até mesmo por que não faria sentido gozar o recesso quando já estivesse não estivesse mais no estágio, já que, mesmo que tal período posterior fosse remunerado, configuraria apenas um benefício pecuniário ao estagiário. Mas, e se o estágio não for remunerado?

Portanto, vê-se que faltou cautela de nosso legislador, que poderia ter previsto também um período temporal para o gozo do recesso.


9. Segurança e Saúde do Estagiário

Dispõe a Lei, em seu artigo 14 que:

Art. 14. Aplica-se ao estagiário a legislação relacionada à saúde e segurança no trabalho, sendo sua implementação de responsabilidade da parte concedente do estágio.

Verifica-se, assim, que a proteção no tocante à saúde a à segurança no trabalho do estagiário é a mesma que de outro trabalhador qualquer.

Ademais, fica a parte concedente obrigada a contratar seguro para o estagiário, obviamente dentro dos valores de mercado.


10. Fiscalização

A fiscalização da relação de estágio é de suma importância para se evite a manutenção de estagiários em desacordo com esta Lei, o que caracteriza configuração de relação empregatícia.

A realização da fiscalização, tendo em vista as penalidades que poderão ser impostas, como o impedimento de a instituição privada ou pública que reincidir na manutenção de estagiários em desacordo com a Lei de receber estagiários pelo período de 2 (dois) anos, sendo que o início do lapso será no dia da decisão definitiva que indicar a manutenção irregular de estagiário.

Para o cumprimento da penalidade, a Lei limita à filial ou agência em que for cometida a irregularidade.

Ou seja, caso seja constatada, pela segunda vez, que, por exemplo, o foro da Comarca do Rio Grande/RS manteve estagiário em desacordo com a Lei do Estágio, este foro ficará impedido de contratar estagiários pelo período de 2 (dois) anos.

Desse modo, tem-se que a fiscalização deverá ser intensa.


11. Número Máximo de Estagiários por Parte Concedente

Também na tentativa de evitar o uso de estagiário como empregado barato, a Lei dispôs uma limitação ao número máximo de estagiários da seguinte forma:

Art. 17. O número máximo de estagiários em relação ao quadro de pessoal das entidades concedentes de estágio deverá atender às seguintes proporções:

I – de 1 (um) a 5 (cinco) empregados: 1 (um) estagiário;

II – de 6 (seis) a 10 (dez) empregados: até 2 (dois) estagiários;

III – de 11 (onze) a 25 (vinte e cinco) empregados: até 5 (cinco) estagiários;

IV – acima de 25 (vinte e cinco) empregados: até 20% (vinte por cento) de estagiários.

§ 1º Para efeito desta Lei, considera-se quadro de pessoal o conjunto de trabalhadores empregados existentes no estabelecimento do estágio.

§ 2º Na hipótese de a parte concedente contar com várias filiais ou estabelecimentos, os quantitativos previstos nos incisos deste artigo serão aplicados a cada um deles.

§ 3º Quando o cálculo do percentual disposto no inciso IV do caput deste artigo resultar em fração, poderá ser arredondado para o número inteiro imediatamente superior.

Em uma primeira análise, se poderia dizer que tal medida foi uma das principais para evitar o uso de estagiários como empregados mais baratos.

É que, ao aprovar o §4º da Lei, o legislativo simplesmente acabou com a eficácia de tal instrumento.

§ 4º Não se aplica o disposto no caput deste artigo aos estágios de nível superior e de nível médio profissional.

§ 5º Fica assegurado às pessoas portadoras de deficiência o percentual de 10% (dez por cento) das vagas oferecidas pela parte concedente do estágio.

Ora, os estagiários dos níveis superior e médio profissional, que são a maioria, não se submetem a tal limitação!

Desse modo, não surte o efeito desejado, já que uma empresa poderá ter em sua composição o número de estagiários de nível médio profissional e superior que quiser.

De outra banda, pelo menos o §5º deste artigo é digno de aplausos, ao dispor que fica assegurado às pessoas portadoras de deficiência o percentual de 10% (dez por cento) das vagas oferecidas pela parte concedente de estágios.

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Sobre o autor
Flávio Augusto Oliveira Karam Júnior

Assessor de Juiz de Direito - TJRS. Pós-graduando em Ciências Penais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KARAM JÚNIOR, Flávio Augusto Oliveira. As implicações oriundas da nova Lei dos Estágios. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3071, 28 nov. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20519. Acesso em: 26 abr. 2024.

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