12. Transição Entre as Leis do Estágio
Ponto interessante é o que trata da transição entre as leis de estágio, ou seja, a lei do estágio no tempo.
E, aqui, residiu e ainda reside a grande parte da confusão causada com a entrada em vigor da nova Lei, já que esta prevê dispositivos como o limite temporal de 2 anos de duração do estágio, o máximo da carga horária e a remuneração praticamente obrigatória.
Assim, apesar da nova norma dispor que a prorrogação dos estágios contratados antes do início da vigência desta Lei apenas poderá ocorrer se ajustada às suas disposições (artigo 18), muitas dúvidas surgiram, mas, principalmente, duas eram elas: se o tempo de estágio na lei anterior seria computado para o limite máximo imposto na nova e se aqueles que já tinham um ano de estágio também na vigência da lei antiga tinham direito ao recesso.
Na prática, o que se viu foi a retroatividade da Lei para computar sim o prazo cumprido na vigência da Lei antiga mas a irretroatividade no tocante ao recesso remunerado. Obviamente, ambas as interpretações vieram em prejuízo ao estagiário, já que aqueles que tinham 2 (dois) ou mais anos de estágio não tiveram seus contratos renovados [16], mas o mesmo não valeu para que fossem concedidos os recessos, remunerados ou não, ou então que fossem pagos os recessos não gozados.
No mais, a partir do fim dos estágios contratados na vigência da lei antiga, as partes concedentes se preocuparam em adaptar os estágios às condições impostas pela nova lei, no receio de estarem contrariando esta e, assim, configurando vínculo de emprego e não de estágio.
13. Justiça Competente para Dirimir Conflitos da Relação de Estágio
Por fim, mesmo que não esteja previsto na Lei, entendemos ser importante tratar do tema da justiça competente para dirimir conflitos oriundos da relação de estágio, a fim de que as partes envolvidas, principalmente as hipossuficientes (estagiários) possam buscar seus direitos.
Desde logo indicamos que a justiça competente é a Justiça do Trabalho, mas o mesmo não poderia ser afirmado se não tivesse sido promulgada a Emenda Constitucional n.º 45/2004.
É que, antes dessa emenda, a Justiça do Trabalho era competente para julgar somente demandas oriundas da relação de emprego.
Agora não mais. De acordo com o artigo 114 da CRFB, compete à Justiça do Trabalho processar e julgar, entre outros:
As ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)(grifei)
Ora, se a Justiça do Trabalho é competente para o julgamento das ações oriundas da relação de trabalho, é evidente que as demandas provenientes das relações de estágio também serão de sua competência, já que o estágio é uma forma de trabalho, como já visto.
Portanto, qualquer das partes de uma relação de estágio que quiser questionar judicialmente a outra deverá ingressar com a devida ação na Justiça do Trabalho.
CONCLUSÃO
Ante o exposto no presente trabalho, chegamos a conclusão de que a nova Lei do Estágio, apesar de pecar em diversos pontos, atingiu parcialmente seu objetivo principal, que é evitar o uso do estágio como forma mascarada de emprego, possibilitando que o empregador faça uso do estagiário e não de empregado, o que faz com que o custo com pessoal seja reduzido.
Ademais, como já exposto desde o projeto inicial, um dos objetivos deste trabalho, além de dar um pontapé inicial na análise da nova lei, tendo em vista que ainda não existem trabalhos doutrinários específicos acerca do tema, é o de que este estudo sirva como meio de consulta para elucidar algumas dúvidas referentes à relação de estágio nos dias atuais.
Assim, ao finalizarmos o presente, aproveitamos para trazer à tona, a fim de explicitá-las e na esperança de que possam ser fonte importante de consulta, as principais implicações da Lei 11.788/08, a nova Lei do Estágio, quais sejam:
a) O estágio é ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, visando à preparação para o trabalho produtivo de educandos, bem como ao aprendizado de competências próprias da atividade profissional e à contextualização curricular, objetivando o desenvolvimento do educando para a vida cidadã e para o trabalho, além de integrar o caminho de formação destes, também;
b) Sujeitos da relação de estágio: estagiário (educandos que estejam freqüentando o ensino regular em instituições de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos), parte concedente (instituições públicas e privadas, bem como profissionais liberais) e instituição de ensino. Ainda, facultativamente, também é sujeito o agente de integração público ou privado;
c) O estrangeiro também pode ser estagiário;
d) Modalidades de estágio: obrigatório, que é aquele exigido pelo plano político-pedagógico dos cursos. É necessário à obtenção do diploma; Não-obrigatório ou propriamente dito, que é a típica forma de estágio. É aquele desempenhado pelo estudante de forma optativa, facultativa, com o condão geral e comum de aumentar seus conhecimentos e, dessa forma, por óbvio, adubar seu currículo;
-
e) Caracteriza vínculo de emprego e não de estágio a não observância do seguinte: matrícula e freqüência regular do educando em curso de educação superior, de educação profissional, de ensino médio, da educação especial e nos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional da educação de jovens e adultos e atestados pela instituição de ensino; celebração de termo de compromisso entre o educando, a parte concedente do estágio e a instituição de ensino; compatibilidade entre as atividades desenvolvidas no estágio e aquelas previstas no termo de compromisso.
Importante salientar que a lei não é taxativa no tocante a tais requisitos. Ainda, além dos três requisitos expostos, a lei é clara no sentido de que o descumprimento de qualquer outra obrigação contida no termo de compromisso também caracteriza vínculo de emprego;
f) Se caracterizado o vínculo empregatício, este assim valerá para fins de legislação trabalhista e previdenciária;
g) Os agentes de integração serão responsabilizados nas seguintes situações: se indicarem estagiários para atividades não compatíveis com a programação curricular do curso; se indicarem estagiários que estejam freqüentando cursos em instituições de ensino para as quais não há previsão de estágio curricular;
h) São obrigações das instituições de ensino para com os estagiários: celebrar termo de compromisso com o educando ou com seu representante ou assistente legal, quando ele for absoluta ou relativamente incapaz, e com a parte concedente, indicando as condições de adequação do estágio à proposta pedagógica do curso, à etapa e modalidade da formação escolar do estudante e ao horário e calendário escolar; avaliar as instalações da parte concedente do estágio e sua adequação à formação cultural e profissional do educando; indicar professor orientador da área a ser desenvolvida no estágio como responsável pelo acompanhamento e avaliação das atividades do estagiário; exigir do educando a apresentação periódica, em prazo não superior a seis meses, de relatório das atividades, do qual deverá constar visto do orientador da instituição de ensino e do supervisor da parte concedente; zelar pelo cumprimento do termo de compromisso, reorientando o estagiário para outro local, em caso de descumprimento de suas normas; elaborar normas complementares e instrumentos de avaliação dos estágios de seus educandos; comunicar à parte concedente do estágio, no início do período letivo, as datas de realização de avaliações escolares ou acadêmicas. (art. 7º da Lei nº 11.788/2008)
-
i) São obrigações da parte concedente do estágio: celebrar termo de compromisso com a instituição de ensino e o educando, zelando por seu cumprimento; ofertar instalações que tenham condições de proporcionar ao educando atividades de aprendizagem social, profissional e cultural, observando o estabelecido na legislação relacionada à saúde e segurança no trabalho; indicar funcionário do quadro de pessoal, com formação ou experiência profissional na área de conhecimento desenvolvida no curso do estagiário, para orientar e supervisionar até dez estagiários simultaneamente; contratar em favor do estagiário seguro contra acidentes pessoais, cuja apólice seja compatível com valores de mercado, conforme fique estabelecido no termo de compromisso; por ocasião do desligamento do estagiário, entregar termo de realização do estágio com indicação resumida das atividades desenvolvidas, dos períodos e da avaliação de desempenho; manter à disposição da fiscalização documentos que comprovem a relação de estágio; enviar à instituição de ensino, com periodicidade mínima de seis meses, relatório de atividades, com vista obrigatória ao estagiário.
-
k) Carga horária máxima do estágio: 4 (quatro) horas diárias e 20 (vinte) horas semanais, no caso de estudantes de educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional de educação de jovens e adultos; 6 (seis) horas diárias e 30 (trinta) horas semanais, no caso de estudantes do ensino superior, da educação profissional de nível médio e do ensino médio regular.
Para os cursos que alternam teoria e prática, poderá a jornada ser de até 40 (quarenta) horas semanais, desde que o estágio seja realizado no período em que não estejam previstas aulas presenciais, bem esteja prevista a jornada no projeto pedagógico do curso e da instituição de ensino;
l) Redução da carga horária, pelo menos pela metade, em períodos de provas e avaliações;
m) Duração máxima do estágio: 2 anos por estagiário em cada parte concedente e ilimitada para estagiários portadores de deficiência;
n) Bolsa-auxílio: compulsória a concessão da bolsa ou outra forma de contraprestação, bem como de auxílio-transporte, quando o estágio for da modalidade não-obrigatório;
o) Concessões de benefícios relacionados ao transporte, alimentação e saúde, entre outros, não caracterizam vínculo empregatício;
p) Recesso anual de 30 dias ou proporcionais quando o estágio tiver duração menor que 1 (um) ano, remunerados quando assim for o estágio.
q) A parte concedente é responsável pela saúde e segurança no trabalho do estagiário;
-
r) Número máximo de estagiários: em relação ao quadro de pessoal das entidades concedentes de estágio deverá atender às proporções de 1 (um) a 5 (cinco) empregados, 1 (um) estagiário; de 6 (seis) a 10 (dez) empregados, até 2 (dois) estagiários; de 11 (onze) a 25 (vinte e cinco) empregados, até 5 (cinco) estagiários; acima de 25 (vinte e cinco) empregados, até 20% (vinte por cento) de estagiários.
Vale lembrar que a tal limitação não se submetem os estagiários do ensino médio profissional nem os do ensino superior;
s) Assegura-se aos portadores de deficiência o percentual de 10% das vagas de estágio oferecidas pela parte concedente;
t) É obrigatória a existência do termo de compromisso;
u) A Justiça do Trabalho é a competente para dirimir conflitos oriundos da relação de estágio;
v) A não obediência aos preceitos acima citados, bem como de outras disposições legais ou constantes no termo de compromisso implica na configuração de relação de emprego.
-
x) São penalidades administrativas à parte concedente que reincidir no descumprimento dos itens acima expostos ou de outra qualquer imposição da Lei: o impedimento de a instituição privada ou pública que reincidir na manutenção de estagiários em desacordo com a Lei de receber estagiários pelo período de 2 (dois) anos, sendo que o início do lapso será no dia da decisão definitiva que indicar a manutenção irregular de estagiário.
REFERÊNCIAS
CESARINO JUNIOR, Antonio Ferreira. Direito Social Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1970.
DE MASI, Domenico. O futuro do trabalho: fadiga e ócio na sociedade pós-industrial. Tradução de Yadir A. Figueiredo. 5ª edição. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1993.
FURQUIM, Maria Célia de Araújo. A Cooperativa como alternativa de trabalho. São Paulo: LTr, 2001.
MARCANTE, Carolina Pereira. A responsabilidade subsidiária do Estado pelos encargos trabalhistas decorrentes da contratação de serviços terceirizados. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/6209>. Acesso em: 20 de julho de 2009.
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 10ª edição. São Paulo: Atlas, 2000.
MOREIRA, Adelina; GONÇALVES, Carlos Barata; COSTA, Paulo Ramos. In: Minerva – Revista de Estudos Laborais. Coimbra: Almedina, a. III, n.º 5, 2005.
REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 1994.
REIS, Jair Teixeira dos. Relações de trabalho: estágio de estudantes. Curitiba: Juruá, 2007.
ROMITA, Arion Sayão. Globalização da Economia e Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 1997.
RUSSOMANO, Mozart Victor. Curso de Direito do Trabalho. 8ª edição. Curitiba: Juruá, 2002.
SILVA, Paulo Henrique Tavares da. A valorização do trabalho como princípio constitucional da Ordem Econômica Brasileira. Curitiba: Juruá, 2003.
SILVEIRA, Maísa Cristina Dante da. Direito Feudal: o que é isso?. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/6229>. Acesso em: 20 de julho de 2009.
SUSSEKIND, Arnaldo. Curso de Direito do Trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.