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Da sujeição dos motoristas aos testes de alcoolemia: obrigação ou faculdade?

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3.2 Exame de sangue - exame clínico com laudo conclusivo e firmado pelo médico examinador da Polícia Judiciária

Com relação ao exame de sangue, este, a rigor, avalia de forma contundente o nível de álcool contido no sangue do condutor, desde que seja realizado por laboratório competente.

A resolução 206/2006[37] menciona no seu artigo 1º, inciso III, que para validação do exame de sangue deverá, obrigatoriamente, ser acompanhado de laudo conclusivo e firmado pelo médico examinador da Polícia Judiciária.

No entanto, corriqueiramente, a polícia judiciária não possui médico examinador disponível no momento para a realização do exame, de modo que, caberá a autoridade policial nomear médico "ad hoc", nos termos do artigo 159, parágrafo 2º do Código de Processo Penal.

Importante esclarecer que, embora o exame de sangue confirme de forma objetiva a quantidade de álcool no sangue, verifica-se que grande parte da doutrina forense, em especial, pela medicina legal, critica a credibilidade dos testes de alcoolemia, visto que, para constatação da embriaguez, faz-se necessária a análise dos aspectos clínicos, tendo em vista que cada pessoa apresenta certa tolerância ao álcool.

Neste sentido, continua França sua considerações acerca da necessidade de avaliação médica especializada e, não, por policiais patrulheiros:

Sintetizando, deve ficar patente que a embriaguez se constitui num elenco de pertubações que tenha prejudicado o entendimento do examinado, sendo isto firmado pela evidência de sintomas clínicos manifestos e não por determinada percentagem de álcool no sangue, na urina ou no ar expirado. Isto porque essas taxas não são iguais para determinados graus de embriaguez; mas o exame clínico pode determinar com segurança cada ebriedade, de forma concreta e detalhada." (FRANÇA, 2008, p.335)

No entanto, em que pese a medicina legal não aceitar o exame de sangue, por si só, como um meio eficaz de prova da embriaguez, tem-se que os Tribunais Superiores vem aceitando de forma legal tal prova, visto comprovar de forma cabal a concentração de álcool tipificada na Lei (0,6 decigramas por litro de sangue).

Em suma, verifica-se que o exame de sangue é hábil à configuração do crime de embriaguez, pelo fato de discriminar a quantidade correta de álcool no sangue do condutor, além de que é acompanhado por laudo/relatório do médico responsável do laboratório, de modo a configurar a conduta típica do condutor, ou seja, infração administrativa e/ou criminal.


3.3 Exames realizados por laboratórios especializados, indicados pelo órgão ou entidade de trânsito competente ou pela Polícia Judiciária

Para a comprovação de uso pelo condutor de substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos, faz-se necessário o exame realizado por laboratório especializado, conforme determina o artigo 1º, inciso IV, da resolução 206/2006.

Imprescindível a realização do exame retro mencionado, vez que os demais testes de alcoolemia seriam incapazes de comprovar sob qual o tipo de substância que o motorista encontra-se influenciado, para o fim de caracterizar a infração administrativa e criminal.

Neste caso, nota-se que não há menção de quantidade mínima para caracterizar a infração, bastando somente a influência da referida droga no organismo do condutor, qualificando, deste modo, na parte final do caput do artigo 165 do CTB "qualquer outra substância psicoativa que determine dependência" e parte final do caput do artigo 306 do CTB "sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência".

A lei 11.705/2008, por sua vez, trouxe a modificação dos artigos acima citados, alterando a expressão antiga "qualquer substância entorpecente" por "qualquer outra substância", isto feito justamente com o objetivo de se evitar que, para a caracterização da infração, não necessite ser a substância entorpecente "drogas".

Em suma, para a comprovação de que o motorista se encontra sob o efeito de alguma substancia psicoativa, mister a realização do exames específicos, para fins de configuração de infração administrativa e criminal


3.4 Exame clínico/prova testemunhal

Adote-se o exame clínico através de testemunhas nas situações de recusa do condutor aos testes de alcoolemia, cabendo a autoridade policial lavrar o auto de infração, conforme as determinações previstas no artigo 2º da Resolução 206/2006[38]:

Art. 2º. No caso de recusa do condutor à realização dos testes, dos exames e da perícia, previstos no artigo 1º, a infração poderá ser caracterizada mediante a obtenção, pelo agente da autoridade de trânsito, de outras provas em direito admitidas acerca dos notórios sinais resultantes do consumo de álcool ou de qualquer substância entorpecente apresentados pelo condutor, conforme Anexo desta Resolução.

É certo que a norma mencionada delega ao agente de trânsitos, a capacidade de avaliar os sinais de embriaguez do condutor, de modo a constituir um meio de prova capaz de ensejar a infração administrativa, posto que, deverá preencher o termo específico da ocorrência, nos termos do parágrafo 1º e 2º do artigo retro, cite-se:

§ 1º. Os sinais de que trata o caput deste artigo, que levaram o agente da Autoridade de Trânsito à constatação do estado do condutor e à caracterização da infração prevista no artigo 165 da Lei nº 9.503/97, deverão ser por ele descritos na ocorrência ou em termo específico que contenham as informações mínimas indicadas no Anexo desta Resolução.

§ 2º. O documento citado no parágrafo 1º deste artigo deverá ser preenchido e firmado pelo agente da Autoridade de Trânsito, que confirmará a recusa do condutor em se submeter aos exames previstos pelo artigo 277 da Lei nº 9.503/97.

Nota-se, ainda, que o agente de trânsito está adstrito à obrigatoriedade de caracterizar a infração mediante a verificação dos sinais da embriaguez ou substância psíquica.

Importante destacar que norma esclarece o dever de analisar os "sinais de embriaguez", significa, então, que não basta somente um sinal de embriaguez. Neste sentido, o agente deverá relatar no auto de constatação, quais sinais apresentavam o condutor, sendo certo que no anexo da resolução de 20/2006 do CONTRAN, esclarece o rol de sinais.

Cita-se a título de exemplo, alguns dos sinais:`

ANEXO

Informações mínimas que deverão constar no documento mencionado no artigo 2º desta Resolução, acerca do condutor e do fato:

[...]

b. Quanto à aparência, se o condutor apresenta:

i. Sonolência;

ii. Olhos vermelhos;

iii. Vômito;

iv. Soluços;

v. Desordem nas vestes;

vi. Odor de álcool no hálito.

c. Quanto à atitude, se o condutor apresenta:

i. Agressividade;

0ii. Arrogância;

iii. Exaltação;

iv. Ironia;

v. Falante;

vi. Dispersão.

No mais, segundo Nei Pires Mitidiero, para a caracterização da infração administrativa, importante se faz que no auto de infração contenha de forma expressa a observação de que o condutor estava no veículo ou acabara de conduzi-lo, sob pena de arquivamento do referido auto. (MITIDIERO, 2005, fl.985).

Outrossim, a prova testemunhal (clínica) dá lugar quando da recusa do agente em se submeter aos testes de alcoolemia, ou quando o agente de trânsito não possui etilômetro, ou outro equipamento de aferição da alcoolemia no momento da abordagem. Considerando isto, e, sobretudo, a situação evidente de embriaguez do motorista, verifica-se que há entendimento jurisprudencial aceitando a prova clínica para configurar a conduta típica.

É o entendimento, veja-se:

AÇÃO PENAL. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. ART. 306 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. AUSÊNCIA DO TESTE DE ALCOOLEMIA. PRETENSÃO ABSOLUTÓRIA DEDUZIDA PELO PROCURADOR DE JUSTIÇA. EBRIEDADE DEMONSTRADA POR OUTROS MEIOS DE CONVICÇÃO. CONFISSÃO DO APELANTE SECUNDADA PELA PROVA TESTEMUNHAL. CONDUTA DELITUOSA PERFEITAMENTE EVIDENCIADA. CONDENAÇÃO QUE SE IMPUNHA.

[...] apesar de o tipo penal prever o limite matemático de concentração alcoólica, a prova deste fato não pode cingir-se aos testes de alcoolemia apenas. Se através de exames clínicos, da prova testemunhal ou de qualquer outro meio probatório lícito for possível concluir, com certeza, que a concentração alcoólica do condutor foi em muito superior ao limite mínimo, diante da sua recusa em submeter-se aos testes de alcoolemia, não vislumbramos óbice ao uso de outros instrumentos probatórios. O que importa é ter a certeza de que o condutor dirigiu o seu automóvel com uma concentração superior ao limite mínimo. E, no caso de embriaguez patente, escancarada, é perfeitamente possível aferir-se tal conclusão de outra forma, longe dos testes de alcoolemia[...](RVC n. 00.020960-0, de Jaraguá do Sul, rel. Des. Maurílio Moreira Leite).[39](destacou-se)

Portanto, em que pese a comprovação de 0,6 (zero vírgula seis) decigramas por litro de sangue do condutor exigir prova técnica para sua confirmação, tem-se admitido a prova testemunhal para confirmação de tal quantidade de álcool no sangue, no caso de recusa deste aos testes de alcoolemia e, também, necessariamente deverá se encontrar em situação de patente e escancarada embriaguez, ou seja, não pode restar qualquer dúvida do excesso de álcool por ele ingerido.

Em razão disso, tal meio de prova, ou seja, testemunhal, na maioria das vezes somente será capaz de caracterizar a infração administrativa, visto que para comprovação na seara criminal é imprescindível exame específico (etilômetro/exame de sangue) para confirmar a concentração mínima de álcool do sangue do motorista embriagado.


4 DIREITO DE RECUSA

A Lei 11.705/2008 acrescentou o parágrafo 3º no artigo 277 no Código de Transito Brasileiro, estabelecendo penalidades ao condutor que recusar a sua submissão aos testes de alcoolemia.

Entretanto, verifica-se que há no ordenamento jurídico brasileiro, princípios que amparam o condutor no direito de recusar a realização de tais testes.

Sendo assim, tratar-se-á nos itens seguintes, dos princípios albergados na Constituição Federal de 1988, que demonstram a inaplicabilidade de penalidades ao referido condutor, em razão do exercício de um direito de recusa.


4.1 Princípio da não auto-incriminação "NEMO TENETUR SE DETEGERE"

Como dito alhures, o condutor sofrerá uma penalidade nos termos do artigo 165 do Código de Trânsito Brasileiro, quando se recusar a submissão aos testes de alcoolemia, nos casos de fiscalização policiaria ou acidente de trânsito.

O artigo 277 no seu parágrafo 3º do Código de Trânsito Brasileiro esclarece a punição ao condutor:

Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado.

[...]

§ 3[o ] Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo." (NR)

Para melhor demonstrar, cite-se, por oportuno, o artigo 165 do Código de Trânsito brasileiro:

Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:

Infração - gravíssima;

Penalidade - multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses;

Medida Administrativa - retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação.

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Deste modo, observa-se que o disposto do artigo 277, §3º do CTB, estabelece uma penalidade administrativa ao condutor que se recusar aos testes de alcoolemia, muito embora não esteja efetivamente alcoolizado.

A moldura constante da Constituição Federal que alberga o princípio da não auto-incriminação está previsto no artigo 5º, incisos LIV e LXIII, "in verbis":

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

[...]

LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;

A Carta Magna importou tal princípio, devido ao fato do Brasil se tornar signatário da Convenção Internacional de Direitos Humanos, nos termos do Decreto nº 678 de 6 de novembro de 1992, cujo teor do seu preâmbulo e artigo primeiro prescreve:

O VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no exercício do cargo de PRESIDENTE DA REPÚBLICA , no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso VIII, da Constituição, e Considerando que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), adotada no âmbito da Organização dos Estados Americanos, em São José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, entrou em vigor internacional em 18 de julho de 1978, na forma do segundo parágrafo de seu art. 74;

Considerando que o Governo brasileiro depositou a carta de adesão a essa convenção em 25 de setembro de 1992; Considerando que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) entrou em vigor, para o Brasil, em 25 de setembro de 1992 , de conformidade com o disposto no segundo parágrafo de seu art. 74;

DECRETA:

Art. 1° A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), celebrada em São José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, apensa por cópia ao presente decreto, deverá ser cumprida tão inteiramente como nela se contém.[40]

Isto significa que o Brasil se submeterá as regras contidas na respectiva Convenção (Pacto de São José da Costa Rica), sobretudo no tocante o direito da pessoa de não produzir provas contra si, conforme dicção que se extrai do artigo 8º, "g"[41], cite-se:

Artigo 8º - Garantias judiciais

2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:

[...]

g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada; e

Como é cediço, o Tratado Internacional tem efeitos obrigatórios para o Estado signatário, nas palavras de Neves[42]:

O início da vigência dos tratados na ordem internacional e na ordem interna de cada Estado impõe a sua execução e a conseqüente produção de efeitos sobre os pactuantes. Aplica-se o princípio pacta terttis Nec nocent Nec presunt – os tratados não beneficiam nem prejudicam terceiros.

O tratado ocupa, no Estado, a mesma posição de normas jurídicas ordinárias ou o mesmo patamar constitucional, caso seja recebido como emenda. O Legislativo, o Executado e o Judiciário estão sujeitos aos tratados firmados pelo Estado.

Por esta razão, verifica-se ser um exercício do direito individual do condutor, recusar-se ao testes de alcoolemia. No entanto, muito embora exerça tal direito, a legislação infraconstitucional, especificamente no artigo 277, parágrafo 3º do CTB, imputar-lhe-á uma infração de ordem administrativa previsto no artigo 165 do mesmo diploma.

O exercício de recusa do condutor está amplamente protegido por norma Internacional, razão pela qual o condutor não pode ser obrigado a se submeter aos testes de alcoolemia.

Na melhor das palavras Grinover[43], preconiza acerca da não produção de provas contra si, a fim de justificar a recusa do condutor aos testes de alcoolemia:

[...]a tutela constitucional da intimidade, da honra e da imagem parece justificar, mais do que nunca, a recusa do suspeito ou acusado de submeter-se a exames de partes íntimas, bem como a provas degradantes, como o "bafômetro", até porque ninguém pode ser obrigado a fazer prova contra si mesmo.

Renato Marcão adverte nos seguintes termos:

Visando assegurar o princípio segundo o qual ninguém está obrigado a produzir prova contra si mesmo, diz o art. 5º, LXIII, da Constituição Federal, que "o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado..."

Ora, se o assim denominado "silêncio constitucional" existe para assegurar a regra estabelecida no art. 8º, II, g, da Convenção Americana de Direitos Humanos, e tem as repercussões amplas que acima anotamos, por questão de lealdade e cumprimento da própria Constituição Federa, todo aquele que for abordado na via pública conduzindo veículo automotor sob suspeita de haver ingerido bebida alcoólica deve ser "informado de seus direitos, entre os quais o de não se submeter a exames de alcoolemia, teste do bafômetro"etc.[44]

Neste sentido, convém de demonstrar trecho da decisão judicial proferida pelo Desembargador Adilson Lamounier do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Habeas Corpus de nº1.0000.08.479266-2/000[45]:

[...]De fato, a questão mostra-se bastante controvertida, haja vista existirem argumentos convincentes tanto no sentido da constitucionalidade do artigo 277, amparada no art. 5º, inciso II da Constituição Federal ("ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei"), como também no exercício do poder de polícia, ou seja, assegurando-se direitos individuais com o fim único de assegurar o bem comum.

Entretanto, me filio à tese na qual o direito à prova não pode ser absoluto a ponto de constranger o acusado ao fornecimento de provas sem a sua autorização, ou seja, é pleno o direito que o acusado tem de não produzir provas que irão prejudicá-lo."

"Deparamos, portanto, com um aparente conflito de princípios constitucionais, entre eles o direito à intimidade e a proteção do bem comum, que devem ser harmonizados pela aplicação do princípio da preponderância e da proporcionalidade. E neste particular, entendo que o princípio da não auto-incriminação deverá prevalecer sobre a imposição coercitiva da produção de provas."

"CONCEDO PARCIALMENTE A ORDEM IMPETRADA, para que a paciente não seja obrigada a se submeter a qualquer exame químico e/ou teste por aparelho medidor de alcoolemia ("bafômetros"), e caso haja recusa, não possa a mesma ser detida ou recolhida para qualquer repartição policial ou instituição médico-legal para a realização coercitiva dos supracitados testes.(destacou-se)

Alexandre de Morais afirma que a garantia ao silêncio sob o aspecto de que ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo, resguarda o direito do acusado de não facilitar a sua própria condenação, sendo certo que o constrangimento deste, fere-lhe as mais básicas liberdades públicas[46].

Destaca-se nesse sentido as palavras de Luiz Flávio Gomes:

Note-se que todo suspeito tem direito de não produzir prova contra si mesmo. Logo, não está obrigado a fazer exame de sangue ou soprar o bafômetro. Nessas duas situações, por se tratar de um direito, não há que se falar em qualquer tipo de sanção (penal ou administrativa).

Conclusão: o parágrafo 3º que estamos estudando só tem pertinência em relação ao exame clínico. A recusa ao exame de sangue e ao bafômetro não está sujeita a nenhuma sanção. Quem exercita um direito (direito de não-autoincriminação) não pode sofrer qualquer tipo de sanção. O que está autorizado por uma norma não pode estar proibido por outra.[47]

Nesta linha, Carlos Henrique Borlido Haddad:

Apesar de a previsão constitucional cingir-se ao "direito de permanecer calado", o princípio contra a auto-incriminação abrange todas as ações, verbais ou físicas, capazes de contribuir para a própria condenação. A permanência em silêncio do acusado; a impossibilidade de coagi-lo a confessar a prática do crime; a recusa em submeter-se a intervenções corporais – colheita de sangue par exame de DNA – e a participar da reconstituição do crime; a negativa em se sujeitar ao exame de dosagem etílica em delitos de trânsito; a oposição à entrega de documentos que possam comprometê-lo; a objeção em prestar juramento, todos esses comportamentos, por trazerem potencial lesão ao direito de defesa do acusado, são geralmente indicados pela doutrina como encobertos pela máxima. [48]

Outrossim, em notícia veiculada na data de 10(dez) de outubro de 2010 pelo Superior Tribunal de Justiça, ressalta a importância do principio "Nemo tenetur se degenere" em face dos testes de alcoolemia. Veja-se trecho:

[...] Na doutrina, o princípio é chamado de "nemo tenetur se detegere" ou princípio da não autoincriminação. Diversos casos no Superior Tribunal de Justiça (STJ) definem os limites para o exercício desse direito fundamental, revelando sua essência e consequências efetivas.

Bafômetro

Um exemplo recente da aplicação do preceito diz respeito à Lei n. 11.705/08, conhecida como Lei Seca. Essa norma alterou o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) para estabelecer uma quantidade mínima e precisa de álcool no sangue a partir da qual se torna crime dirigir.

Antes, o CTB previa apenas que o motorista expusesse outros a dano potencial em razão da influência da bebida ou outras substâncias. Não previa quantidade específica, mas exigia condução anormal do veículo. "Era possível, portanto, o exame de corpo de delito indireto ou supletivo ou, ainda, a prova testemunhal, sempre, evidentemente, que impossibilitado o exame direto", afirma o ministro Og Fernandes em decisão da Sexta Turma de junho de 2010.

Porém, recentemente, a Sexta Turma produziu precedente de que, com a nova redação, a dosagem etílica passou a integrar o tipo penal. Isto é, só se configura o delito com a quantificação objetiva da concentração de álcool no sangue – que não pode ser presumida. Agora, só os testes do bafômetro ou de sangue podem atestar a embriaguez. E o motorista, conforme o princípio constitucional, não está obrigado a produzir tais provas (HC 166.377).[49]

Portanto, a recusa do condutor aos testes de alcoolemia não é passiva de penalidade por parte do Estado por ferir o principio Constitucional de que ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo ou direito ao silêncio.

Contudo, muito embora a recusa do condutor seja protegida pelo direito Constitucional, verifica-se que há possibilidade de configurar o crime de desobediência, visto que desrespeitara ordem de autoridade pública.

O crime de desobediência está inserido no artigo 330 do Código Penal, veja-se:

Art.330. Desobedecer a ordem legal de funcionário público:

Pena – Detenção, de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses, e multa.

Segundo Nucci, o crime se consuma quando a pessoa apresenta resistência a uma ordem legal, a qual deve ser feita diretamente pelo funcionário público a quem tem o dever de cumpri-la.[50]

Da mesma forma, Mirabette:

Pratica o crime em apreço quem desobedece a ordem legal emanada de autoridade competente. Em regra, portanto, será o particular, mesmo porque está o ilícito incluído entre os crimes praticados por este contra a Administração em geral.[51]

A ordem legal proferida por autoridade pública de mandar o condutor se submeter aos testes de alcoolemia, pode ser causa de ensejar a tipificação do crime de desobediência, caso aquele se recuse, conforme interpretação do artigo 330 do Código Penal.

No entanto, a doutrina majoritária não vem aceitando a tese de crime de desobediência, visto que a recusa do condutor já acarretará em infração administrativa.

Para tanto, cite-se as ilustres palavras de Luiz Flávio Gomes:

Na prática, alguns delegados estão falando em prisão em flagrante por desobediência (quando houver recusa ao exame de sangue, ao bafômetro ou ao exame clínico). Não é isso, propriamente, o que diz o novo parágrafo 3º do art. 277 do CTB. Como vê, o correto não é falar em desobediência, sim, nas sanções administrativas do art. 165.[52]

Nesta linha, é o entendimento jurisprudencial:

EMENTA - PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. HABEAS CORPUS PREVENTIVO. SUPOSTO ATO IMINENTE DE DELEGADO DA POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL, CONSISTENTE NA EXIGÊNCIA DE DOSAGEM DA ALCOOLEMIA. SENTENÇA DENEGATÓRIA DE SALVO CONDUTO PARA DESOBRIGAR A REALIZAÇÃO DO DENOMINADO "TESTE DO BAFÔMETRO". IMPROVIMENTO DO RECURSO.

1. Eventual teste de dosagem de alcoolemia, solicitado por agente policial, é ato lícito, que encontra previsão em dispositivo infraconstitucional em vigor, não podendo ser classificado qual gesto de ilegalidade e/ou abuso de autoridade, e daí não se sujeitar à censura judicial; 2. Como a lei prevê, para a recusa do exame, sanção de natureza administrativa (CTB, Art. 277, §§ 2º e 3º), e a jurisprudência caminha em casos análogos no sentido de que, presente esta, não se cogita de crime pela recalcitrância em praticar o ato esperado (quiçá desobediência, por exemplo), resta menos ainda viável o manejo do writ of habeas corpus, assim quedando totalmente inviabilizada, em sede tal, a discussão sobre o teste em si e o seu contraste com o Magno Texto (proporcionalidade etc.);3. Recurso em sentido estrito improvido.(TRF5ºRegiào – HC3534/CE – Rel:Des. Paulo Roberto de Oliveira Lima – 23.04.2009)[53] (destacou-se)

Portanto, considerando o entendimento doutrinário e jurisprudencial não há que se falar em crime de desobediência, justamente porque a própria legislação de trânsito já prevê uma sanção administrativa para o condutor que se recusar a ordem do agente de trânsito de submissão aos testes de alcoolemia.

Além disso, não se pode olvidar que a Lei 11.705/2009 ao estabelecer penalidade administrativa ao condutor que recusar aos testes, está por ferir o princípio Constitucional e internacional, contido no Pacto de São José da Costa Rica, qual seja: "Direito de não produzir provas contra si (não auto-incriminação)".

Em suma, com base neste princípio, conclui-se que o condutor não poderá sofrer qualquer punição tanto de ordem administrativa, quando de ordem criminal, por estar exercendo um direito Constitucional.

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Sobre o autor
Pedro Henrique Waldrich Nicastro

Advogado em Arapongas (PR).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NICASTRO, Pedro Henrique Waldrich. Da sujeição dos motoristas aos testes de alcoolemia: obrigação ou faculdade?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3073, 30 nov. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20528. Acesso em: 26 abr. 2024.

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