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A ineficácia dos controles às práticas elisivas diante de casos de cross border tax arbitrage (arbitragem tributária internacional)

29/11/2011 às 14:58

Resumo:


  • A arbitragem tributária internacional é uma forma de planejamento tributário que visa reduzir o ônus fiscal, aproveitando diferenças entre legislações de diferentes países.

  • Essa prática pode gerar perda de arrecadação e distorções nos sistemas tributários, levando à concorrência fiscal prejudicial.

  • Medidas unilaterais, bilaterais e multilaterais têm sido adotadas para coibir práticas elisivas, mas a falta de harmonização entre as legislações ainda representa um desafio.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Pelo critério de tributação em bases universais, o contribuinte submete-se à tributação em relação à renda global, renda mundial, o total da renda produzida, independentemente do local (território interno ou externo) em que ela foi produzida.

A ineficácia dos controles às práticas elisivas diante de casos de cross border tax arbitrage (arbitragem tributária internacional)

Antes de adentrar no tema, necessário se faz definir a arbitragem tributária internacional, mencionando que tal arbitragem tributária não é meio de solução de conflitos.

O termo arbitragem tributária internacional foi traduzido por Borges[1] da expressão cross border tax arbitrage[2], sendo o termo arbitragem, nesse sentido, utilizado como escolha, ou seja, o contribuinte, utilizando-se das diferenças existentes entre as legislações de países distintos escolhe a legislação que lhe for mais conveniente para estruturar seus negócios, com a finalidade de reduzir ou mesmo eliminar o ônus fiscal.

A fim de elucidar esse mecanismo de planejamento tributário, cite-se o caso clássico de arrendamento mercantil internacional.

Suponha-se a existência de contrato de arrendamento mercantil entre uma empresa na França (arrendatária) e outra em Londres (arrendador). Na França a legislação considera o arrendatário o proprietário do bem e existe ainda norma que permite dedução com a depreciação acelerada do bem, o que irá refletir na base de cálculo do imposto de renda da PJ (redução), reduzindo, assim o imposto a ser pago naquele país.

Se essa empresa, situada na França, arrenda aeronaves para outro país cuja legislação determina que o arrendador é considerado o proprietário do bem e ainda permite a mesma depreciação (como por exemplo Inglaterra), estaremos diante de um caso de arbitragem tributária internacional, pois haverá redução do ônus tributário tanto em um país como no outro, pelo simples fato de não haver harmonização sobre quem é considerado como proprietário do bem.

O exemplo citado trata-se de uma das possíveis modalidades de arbitragem tributária internacional, sendo certo que existem outras.

Assim, a arbitragem tributária internacional é forma de planejamento tributário, e como tal tende a produzir perda de arrecadação, ocasionando distorções nos sistemas tributários e concorrência fiscal prejudicial. Sendo esta uma decorrência direta do processo de globalização e da necessidade de inserção internacional dos sistemas tributários.

Essas distorções causadas pela perda de arrecadação decorrente do uso de planejamentos tributários podem ser minimizadas por meio de medidas que afastem esses planejamentos. Entretanto, a ausência de harmonização das legislações, aliada às políticas de atração de investimentos por parte dos Estados invertem a lógica dos sistemas tributários calcados, teoricamente, na solidariedade, na capacidade contributiva, na isonomia, na equidade.

Esses princípios, que indubitavelmente, se perseguidos pelos sistemas tributários reproduziriam a justiça fiscal, onde se espera o rateio das despesas dos Estados de forma equilibrada entre todos, esbarra na tônica da captação de investimentos externos. Assim, os Estados a fim de se tornarem mais competitivos internacionalmente, e ainda, com vistas a financiarem suas políticas públicas desenvolvimentistas e os gastos administrativos de suas máquinas optam por políticas atrativas, por meio de desoneração fiscal e outras formas de concessões.

Estamos diante de um paradoxo. Perda de arrecadação gerada por regimes atrativos ou por situações involuntárias (ou seja não esperadas pelos Estados, e, em contrapartida incremento da arrecadação para fazer frente as despesas públicas.

A conta é simples, se de um lado, parte dos contribuintes são desonerados (regimes atrativos e situações involuntárias), e não se verifica redução nas despesas públicas, o ônus fiscal passa a incidir mais pesadamente sobre o consumo e sobre a renda decorrente do trabalho (contribuintes não globalizados).

Assim dados estatísticos do IPEA – apresentados no trabalho - Receita Pública: Quem paga e como se gasta no Brasil, corrobora a tendência retratada. Esse estudo demonstra que os que possuem renda mais baixa são os que arcam com maior ônus tributário. Como, por exemplo, buscando dados de 2008, aqueles que ganham até 2 salários mínimos arcam com aproximadamente 53% da carga tributária, enquanto aqueles que possuem entre 15 a 20 salários mínimos arcam com 29%.

Com relação à tributação incidente sobre o consumo, no Brasil corresponde a aproximadamente à 50%.

Dessa forma, verifica-se que a tributação afasta-se da noção de justiça fiscal, sobretaxando àqueles contribuintes que não têm possibilidade de estruturar planejamentos tributários com vistas a elidir a tributação, como no caso dos assalariados, onde o desconto do imposto de renda, bem como da contribuição previdenciária são, por força de lei, retidos na fonte.

Ainda, a pesada carga tributária incidente sobre o consumo, onde o princípio da isonomia sequer passa perto, uma vez que mesmo diante da aplicação de alíquotas com base no princípio da seletividade existentes com relação à alguns produtos, e algumas isenções que afetam alguns produtos de primeira necessidade, são tributos essencialmente regressivos.

Nesse contexto, verifica-se a convergência dos sistemas tributários em desonerarem o capital externo, a fim de captarem investimentos, mas ao mesmo tempo, nota-se a inserção de normas nesses ordenamentos jurídicos com vistas a coibir os excessos verificados em planejamentos tributários utilizados pelos contribuintes, visando o mínimo de arrecadação.

No caso brasileiro, é o que se depreende da lei 9.249/95 que isenta da incidência do Imposto que incide sobre renda e proventos de qualquer natureza os lucros ou dividendos distribuídos aos sócios ou acionistas, e ao mesmo tempo determina a tributação em bases universais para as pessoas jurídicas, sendo o mesmo critério observado para as pessoas físicas, a partir da vigência da Lei n. 7.713/88.

Pelo critério de tributação em bases universais, o contribuinte submete-se à tributação em relação à renda global, renda mundial, o total da renda produzida, independentemente do local (território interno ou externo) em que ela foi produzida.

Ainda, ressalte-se a lei 9430/96 determinando métodos em relação ao uso dos preços de transferência.

Assim, verifica-se que a legislação aponta tanto para a desoneração fiscal tendente a atração de capitais, quanto para balizar os planejamentos tributários indesejáveis.

A fim de minimizar os efeitos dos planejamentos tributários, como por exemplo, a perda de arrecadação e a concorrência fiscal prejudicial, verifica-se notadamente os esforços encabeçados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE, cujas Recomendações trazem medidas que passaram a ser adotados pelos países membros e pelos não membros da referida organização.

Essas medidas são tidas como unilaterais quando apontam para a produção de normas internas específicas ou gerais que coíbam a concorrência fiscal prejudicial, e por consequência os planejamentos tributários que visem condutas elisivas.

São bilaterais aquelas utilizadas pelos países para se evitar a elisão fiscal, com a inserção de cláusulas específicas nos acordos internacionais firmados para se evitar a dupla tributação, e ainda acordos bilaterais sobre troca de informações.

São multilaterais quando recomendam que os Estados (países) confrontem seus métodos e práticas para inibir a elisão fiscal utilizadas pelos seus contribuintes, intensificando a cooperação internacional, por meio de convenções multilaterais.

Verifica-se que no tocante as medidas unilaterais, especificamente a inserção de normas específicas, temos a inserção de normas no direito pátrio com o propósito de eliminar possibilidades de planejamento tributários - a exemplo das leis 9.249/95, 9.430/96, a inserção do parágrafo único do artigo 116 do CTN (norma geral antielisão) – o qual prevê que a autoridade administrativa pode desconsiderar atos ou negócios jurídicos realizados pelos contribuintes praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária... observados procedimentos a serem estabelecidos por lei ordinária.

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Contudo, em que pesem algumas tentativas de se estabelecer os referidos procedimentos, ainda não foi editada a referida norma.

Mas, ainda que o fosse, encontrar-se-iam dificuldades de toda sorte em sua aplicação, pois desconsiderando o negócio jurídico, no caso da arbitragem tributária internacional, como enquadrá-lo no negócio jurídico esperado, face a ordenamentos jurídicos distintos? Como aplicar as penalidades cabíveis ao contribuinte? Qual dos Estados deteria a competência tributária?

Com relação às normas específicas, tem-se:

a) como critério de definição de competência tributária o princípio da universalidade, em contrapartida ao da territorialidade.

b) o controle de sociedades estrangeiras – imputam aos sócios ou aos acionistas residentes os lucros produzidos pela sociedade constituída e localizada em países de tributação favorecida.

c) controle dos preços de transferência.

d) medidas administrativas – impedimento do uso de isenções quando há a utilização de país com tributação favorecida.

Com relação às medidas bilaterais, temos a inclusão de cláusulas específicas nos acordos internacionais sobre bitributação da renda, como por exemplo:

  1. a consideração na qualidade dos sócios, que limita o uso do tratado aos sócios residentes dos países contratantes.
  2. exclusão de benefícios – ou seja os benefícios advindos dos acordos de bitributação não serão aplicados às empresas com tributação favorecida ( holdings, zonas francas, paraísos fiscais).
  3. mínimo de tributação – a concessão dos benefícios do acordo apenas para as sociedades em que a renda, que seja derivada de um dos Estados, seja sujeita a tributação no outro, para evitar a dupla não imposição.
  4. cláusulas sobre troca de informações – visa a transparência dos negócios realizados.

No que tange as medidas plurilaterais tem-se, por exemplo, as disposições do Código de Conduta da União Européia sobre a concorrência fiscal prejudicial que engloba medidas legislativas e administrativas. Medidas essas que pretendem controlar as distorções existentes por meio da harmonização tributária, utilizando-se o método de comparação.

Outra medida possível seria a aplicação da proposta de Victor Thuronyi[3] da adoção de tratados multilaterais com vistas à harmonização, bem como a instituição de órgão supranacional com poderes jurisdicionais para gerenciar esses tratados.

Ainda, verifica-se os esforços do Joint International Tax Shelter Information Centre (EUA, Reino Unido, Canadá e Austrália) cujo objetivo é o de maximizar a coordenação das legislações e políticas fiscais dos países integrantes com os demais países no combate à bitributação e a não imposição tributária, disponibilizando meios para que as administrações identifiquem e combatam os planejamentos tributários abusivos.

Observa-se que essas medidas existentes, separadamente, não produzem o efeito de coibirem com as diversas práticas de planejamento tributário existentes, isso porque com relação as medidas unilaterais específicas, não há possibilidade de abarcar as inúmeras formas de planejamentos tributários existentes, principalmente no caso da arbitragem tributária internacional.

Com relação a norma geral antielisão, verifica-se restrições de seu uso no caso Brasileiro, uma vez que o procedimento a ser adotado pela administração tributária não está regulamentado, e é palco de celeumas sobre a possibilidade de seu uso sem ferir preceitos constitucionais. Ressalte-se, que a possibilidade de cercear planejamentos tributários encontra respaldo nos adeptos das teorias que indicam que o contribuinte tem a possibilidade de se organizar, porém balizados por limitações calcados nos princípios da capacidade contributiva e da solidariedade, conforme informa Greco[4].

Ainda, Silveira[5] aponta que a possibilidade ou não do planejamento tributário repousa em paradigma de compreensão da liberdade: o da ordem social e o do indivíduo. A liberdade a partir da ordem social prioriza as limitações à liberdade econômica, baseado nos princípios da não-discriminação, da transparência de mercado e da defesa do consumidor, enquanto a liberdade a partir do indivíduo privilegia a não intervenção estatal, legitimando-se pelos princípios da livre iniciativa e da autonomia da vontade.

Conforme Greco[6], os países de tradição romano germânica inibem as práticas de planejamento tributário com a inserção de normas autorizando a desqualificação de ato ou negócio jurídico realizado pelo contribuinte, bem como pela aplicação de regras que enumeram as operações patológicas ou imponíveis ao Fisco.(Interpretação econômica do fato gerador, abuso de direito, abuso de forma, fraude à lei).

Os países da Comom Law desqualificam os atos ou negócios jurídicos baseado no princípio da substância sobre a forma, não segundo normas específicas, mas aplicando critérios e regras gerais de conduta que devem orientar as ações do fisco e dos contribuintes. (Teoria do propósito negocial).

De fato, a inibição do uso das práticas de planejamento tributário internacional, apesar dos esforços, notadamente da OCDE, da proposta de Victor Thuronyi[7] e do Joint International Tax Shelter Information Centre está longe de ser alcançada, principalmente quando nos referimos a arbitragem tributária internacional, ante a ausência de harmonização de conceitos de direito e de normas possíveis de abarcar as inúmeras situações decorrentes desta prática.


Notas

  1. O termo Arbitragem Tributária Internacional foi traduzido da expressão cross-border tax arbitrage, por Antônio de Moura Borges, no artigo Formas de minimização do encargo tributário nas operações internacionais e planejamento tributário internacional. Revista dos Procuradores da Fazenda Nacional. Ano 6/7. Brasília: Fórum, 2004/2005.
  2. Tema abordado por :RING, Diane M. One Nation Among Many: Policy Implications of Cross-Border Tax Arbitrage. Boston College Law School, Boston: 2002. Também tratado por KANE, Mitchell A. Strategy and Cooperation in National Responses to International Tax Arbitrage. Emory University School of Law University of Virginia Faculty Workshop, 2004.
  3. THURONYI, Victor. Internacional Tax Cooperation and a Multilateral Treaty. SYMPOSIUM ON INTERNACIONAL TAX POLICY IN THE NEW MILLENNIUM. Brooklyn Journal of Internacional Law. New York: 2001, p. 1-24.
  4. GRECO, Marco A. Planejamento Tributário. 2 ed. São Paulo: Dialética, 2008.
  5. SILVEIRA, Paulo A. C. V. da. Direito Tributário e análise econômica do Direito: uma visão crítica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
  6. GRECO, Marco A. Planejamento Tributário. 2 ed. São Paulo: Dialética, 2008
  7. THURONYI, Victor. Internacional Tax Cooperation and a Multilateral Treaty. SYMPOSIUM ON INTERNACIONAL TAX POLICY IN THE NEW MILLENNIUM. Brooklyn Journal of Internacional Law. New York: 2001, p. 1-24.
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Sobre a autora
Luciana Gualda e Oliveira

Advogada tributarista em Brasília (DF). Mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Luciana Gualda. A ineficácia dos controles às práticas elisivas diante de casos de cross border tax arbitrage (arbitragem tributária internacional). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3072, 29 nov. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20530. Acesso em: 22 dez. 2024.

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