Artigo Destaque dos editores

Improbidade administrativa: um estudo de seus aspectos teóricos gerais com exemplos práticos

Exibindo página 3 de 6
29/11/2011 às 15:53
Leia nesta página:

6. Improbidade administrativa e crime de responsabilidade

Como já abordado anteriormente, a primeira Carta republicana, de 1891, inovou ao estabelecer que a prática de ato contra a probidade da administração passaria a caracterizar crime de responsabilidade do Presidente da República e de seus Ministros.

Por sua vez, na Constituição de 1988, o artigo 85 prevê o mesmo, deixando para o legislador ordinário a definição das condutas típicas, a cominação das penas e as normas do processo e julgamento[102].

Foi possível observar, na análise da evolução histórica da improbidade administrativa no ordenamento jurídico brasileiro, que durante toda a evolução constitucional e legislativa o ato que atente contra a probidade da administração constituiu fundamento, em um primeiro instante, para a caracterização de crime de responsabilidade e posteriormente como condição de elegibilidade.

Em verdade, José Augusto Delgado constata que a Lei nº 8.429/92 tem como predestinação

reparar atos de improbidade praticados contra a Administração Pública por uma via específica que não se confunde com a ação penal comum, nem com a ação que apura os crimes de responsabilidade das autoridades mencionadas na Constituição Federal. Ela adota uma terceira espécie, a ação civil de reparação de danos ao erário público, com conseqüências não penais propriamente ditas, apenas visando ao ressarcimento ao erário dos danos que contra si foram praticados e aplicando aos infratores sanções civis e políticas, como multa, suspensão dos direitos políticos e perda da função pública[103].

Tais instâncias de apuração e repressão do ato de improbidade administrativa estão bem claras na Constituição, que conferiu ao Supremo Tribunal Federal a competência de processar e julgar (i) os crimes comuns praticados pelas pessoas indicadas no artigo 102, I, “b” e “c”, e, (ii) por crime de responsabilidade, aqueles indicados na alínea “c” do mesmo artigo[104].

Entretanto, a ação de improbidade administrativa não está prevista na competência originária do Supremo Tribunal Federal e nem de qualquer outro Tribunal, visto que ela integra a competência do juízo de primeiro grau[105].

Dessa forma, a ação penal cabível tanto para o crime comum quanto para o crime de responsabilidade, a ser julgada pelo foro competente determinado pela Constituição Federal, tenha como sujeito ativo agente público ou agente político, não exclui, em qualquer hipótese, o conhecimento e o julgamento do mesmo ato pela esfera da jurisdição civil, para aplicação das sanções previstas pela Lei de improbidade administrativa.


7. Lei de improbidade administrativa: aspectos gerais

Como já salientado anteriormente, a Lei nº 8.429/92, em suma, considerou os atos de improbidade administrativa divididos em três grupos: (i) enriquecimento ilícito (art. 9º, I a XII); (ii) ação ou omissão que redunde em perda patrimonial ou prejuízo ao erário (art. 10, I a XIII) e violação aos princípios da Administração Pública (art. 11).

Ademais, essa lei é resultado do dispositivo constitucional preceituado no art. 37, § 4º, que traz como conseqüência para a prática da improbidade administrativa a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma prevista na aludida lei.

Sendo assim, faz-se mister analisar alguns aspectos gerais da Lei de improbidade administrativa, tendo em vista sua importância para a questão em destaque.


7.1. Sujeito passivo do ato de improbidade.

Em linhas gerais, o sujeito passivo do ato de improbidade administrativa é a pessoa jurídica de direito público ou privado atingida pelas conseqüências da conduta praticada pelo administrador público[106].

Em uma abordagem mais específica, a Lei nº 8.429/92 elenca, no seu artigo 1º, as pessoas jurídicas que podem ser sujeito passivo de atos de improbidade: (i) Administração Pública Direta dos Poderes constituídos; (ii) Administração Pública Indireta ou Fundacional; (iii) empresa incorporada ao patrimônio público; (iv) entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual; (v) entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público; e (vi) entidades para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual.

Vale ressaltar que a pessoa física nunca poderá ser sujeito passivo de ato de improbidade administrativa, visto que a lei indica que o sujeito passivo é sempre pessoa jurídica. Essa constatação decorre do próprio objetivo da lei, qual seja, o de proteger a moralidade administrativa[107].

A pessoa física pode, em alguns casos, ser prejudicada por um ato de improbidade, mas o contexto que configurar improbidade sempre terá como protagonista uma pessoa jurídica lesada com a conduta ímproba[108].


7.2. Sujeito ativo do ato de improbidade

A LIA elegeu como sujeito ativo o agente público, seja ele servidor ou não. Definiu agente público de forma a abarcar todos aqueles que mantêm vínculo com a Administração Direta ou Indireta e com as demais pessoas jurídicas indicadas no artigo 1º, abrangendo também todos os agentes públicos[109].

Estão inseridos, portanto, não apenas os agentes de serviços públicos, mas também os agentes políticos, pessoal contratado, servidores militares, enfim, todos os que direta ou indiretamente relacionam-se com a Administração Pública, de maneira ampla, com o objetivo de não deixar ninguém excluído do campo de aplicação das sanções que a LIA estabelece[110].

Nesse sentido, nada melhor do que a análise dos ensinamentos do consagrado jurista Celso Antônio Bandeira de Mello acerca da abrangência do termo “agentes públicos”, com o intuito de se encerrar qualquer dúvida a respeito:

Esta expressão – agentes públicos – é a mais ampla que se pode conceber para designar genérica e indistintamente os sujeitos que servem ao Poder Público como instrumentos expressivos de sua vontade ou ação, ainda quando o façam apenas ocasional ou episodicamente. Quem quer que desempenhe funções estatais, enquanto as exercita, é um agente público. Por isto, a noção abarca tanto o Chefe do Poder Executivo (em quaisquer das esferas) como os senadores, deputados e vereadores, os ocupantes de cargos ou empregos públicos da Administração direta dos três Poderes, os servidores das autarquias, das fundações governamentais, das empresas públicas e sociedades de economia mista nas distintas órbitas de governo, os concessionários e permissionários de serviço público, os delegados de função ou ofício público, os requisitados, os contratados sob locação civil de serviços e os gestores de negócios públicos[111].

O agente público é instrumento para a atividade realizadora da função pública, tendo como dever reproduzir a vontade da sociedade. Sua atuação é diferente daquela desempenhada sob o encargo privado, ainda que permeado pelo interesse social[112]. “Por exemplo, não são agentes públicos os tutores, os curadores e os inventariantes judiciais, também o síndico de uma falência não pode ser equiparado ao agente público, muito embora exerçam funções de relevância pública e social” (MATTOS, 2010, p. 40).

No contexto da LIA, o seu artigo 2º [113] elenca quais agentes públicos são passiveis de responsabilização por prática de condutas identificadas como ímprobas.

Estão inseridos nessa definição legal: (a) os agentes políticos; (b) os servidores da Administração direta (estatutários ou celetistas); (c) os servidores da Administração Indireta (autarquias, fundações, sociedades de economia mista e empresas públicas); (d) aqueles que exercem transitoriamente funções estatais (ex.: jurados, mesários de eleição etc.); e (e) os vinculados aos entes de direito privado criados ou custeados, ainda que parcialmente, pelo Poder Público[114].

Ademais, além do agente público que agiu de maneira ímproba, a LIA responsabiliza, da mesma forma, aquele que, mesmo que não seja agente público, tenha induzido, concorrido ou se beneficiado do ato, de forma direta ou indireta[115].

Destarte, vale destacar, por final, a distinção entre partícipe e beneficiário:

O primeiro desenvolve a conduta concorrendo ou induzindo à prática do ato, sendo aquele que ‘influencia, auxilia, colabora, participa, mesmo que secundariamente, de ato preparatório ou executório, podendo ser pessoa estranha aos quadros da Administração Pública’. O beneficiário não atua na fase preparatória ou executória da conduta, mas na de consumação ou exaurimento, auferindo vantagem, direta ou indireta, do ato de improbidade, assumindo, dessa forma, corresponsabilidade por ele, ao menos em relação ao ressarcimento do dano experimentado pelo erário[116].

7.3. Classificação dos atos de improbidade.

Recapitulando, o legislador ordinário classificou os atos de improbidade administrativa em três categorias distintas, separando-os dentre aqueles que resultam no enriquecimento do agente ou de terceiro (art. 9º), os que geram lesão ao patrimônio público (art. 10) e aqueles que ofendem os princípios da Administração (art. 11).

Dessa forma, nesse momento é importante a análise de cada uma dessas categorias.


7.3.1. Dos atos de improbidade administrativa que importam enriquecimento ilícito.

O enriquecimento ilícito decorre de situação em que uma pessoa adquire riqueza em detrimento de outrem, sem que para isso tenha uma causa justa que a justifique, derivando do concurso dos seguintes elementos constitutivos: “a) atribuição patrimonial válida; b) enriquecimento de uma das partes; c) empobrecimento da outra; d) correlação entre enriquecimento e o empobrecimento; e e) ausência de causa jurídica”[117] (PINTO, 1960, p. 140).

Esse tipo de enriquecimento, típico da esfera civil, diferencia-se daquele que advém da influência ou abuso do exercício do cargo ou função, na medida em que este não detém qualquer atribuição patrimonial válida, visto que o aumento patrimonial do agente ou de terceiro tem como fundamento o implemento de uma causa ilícita, resultando-lhe o aferimento da vantagem indevida[118].

Ressalte-se que o enriquecimento ilícito do agente público é a modalidade mais grave de improbidade administrativa, estando, em regra, relacionada à prática de corrupção[119].

O artigo 9º e seus doze incisos versam acerca dos atos de improbidade administrativa que geram enriquecimento ilícito e que estão vinculados em virtude do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades elencadas como sujeito passivo na LIA[120].

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Ao se analisar o referido artigo, vem a dúvida quanto à taxatividade ou não das hipóteses previstas nos seus incisos.

Mauro Roberto Gomes de Mattos se posiciona por não ser um rol taxativo[121], visto que decorrem de desdobramentos legais, que não retiram outras que possam estar interligadas ao tipo do dispositivo legal, que é a obtenção de vantagem ilícita em razão do múnus público.

Por sua vez, Carlos Frederico Brito dos Santos aborda a questão através da mesma ótica:

“Como podemos perceber pela redação do caput, o incisos são meramente exemplificativos e dispensam maiores comentários, bastando para a caracterização do ato de improbidade administrativa que importa enriquecimento ilícito, a subsunção de qualquer fato à norma descrita no caput do art. 9º, pouco importando que não encontre encaixe em qualquer dos dize incisos ali elencados”[122]

Entretanto, tal posicionamento não é pacífico na doutrina nacional, tendo em vista o entendimento divergente de autores como Pedro Silva Dinamarco e Francisco Otávio de Almeira Prado, que defendem a taxatividade das hipóteses previstas nos artigos 9º, 10 e 11 e respectivos incisos[123].

Dessa forma, os fatos que não se amoldarem às respectivas previsões legais estariam imunes ao controle administrativo e judicial, por ausência de reserva legal (art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal)[124].

Ademais, os defensores desse posicionamento utilizam-se do princípio da reserva legal ou de legalidade, previsto na Constituição Federal, pois nullum crimen, nulla poena sine praevia lege.

Entretanto, tentando combater essa vertente teórica, Mauro Roberto Gomes de Mattos expõe a divergência de seu posicionamento em relação à citada corrente:

Nossa discordância se prende ao fato de que a tipificação dos atos de improbidade administrativa, por serem de natureza civil, pode ser mais genérica e conceitual do que a exigida pelo direito penal, bastando, portanto, a fixação da conduta do agente público se constituir em enriquecimento ilícito pela aferição de vantagem patrimonial indevida em razão da função pública exercida, pois a base é o que vem contido no art. 37, 4º, da CF. Esse é o tipo que se configura com o dolo do agente, ou seja, a vontade livre e consciente de realizar as condutas vedadas pela norma legal. Basta estar presente o enriquecimento ilícito em razão do cargo ou função pública exercido pelo agente público, independentemente das hipóteses exemplificativas dos incisos do art. 9º, para existir o delito, sem que haja ofensa ao princípio da reserva legal, em razão da determinação da Magna Carta[125].

Nesse modelo, para o enquadramento da conduta no que se encontra descrito no art. 9º da LIA, é necessária a presença dos seguintes requisitos: (i) dolo do agente público ou o do terceiro; (ii) vantagem patrimonial oriunda de um comportamento ilegal do agente público ou do terceiro; (iii) nexo de causalidade entre a ilicitude da vantagem obtida e o exercício funcional do agente público ou do terceiro[126].

Cumpre lembrar, também, a polêmica já abordada acerca da possibilidade ou não da responsabilização do agente que pratica conduta culposa com base nesse artigo, com alguns autores defendendo a possibilidade e outros refutando-a[127].

Ressalte-se a necessidade do prejuízo para a Administração Pública decorrente da vantagem patrimonial oriunda de comportamento ilegal do agente público ou do terceiro. O ente público precisa ser lesado para o enquadramento da conduta no tipo legal.

O enriquecimento injusto, vale dizer, baseia-se em um desequilíbrio patrimonial ou moral do ente público. No entanto, tal enriquecimento não se presume, devendo ser provado o devido empobrecimento da Administração, sob pena de não configurar os elementos trazidos pelo dispositivo legal.

Nesse sentido vem decidindo, inclusive, o STJ, conforme se percebe pelo teor do julgado abaixo:

ADMINISTRATIVO – ATO DE IMPROBIDADE – CONFIGURAÇÃO.

1. Esta Corte, em precedente da Primeira Seção, considerou ser indispensável a prova de existência de dano ao patrimônio público para que se tenha configurado o fato de improbidade, inadmitindo o dano presumido. Ressalvado entendimento da relatora.

2. Após divergências, também firmou a Corte que é imprescindível, na avaliação do ato de improbidade, a prova do elemento subjetivo.

3. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, improvido[128].

Ademais, sem a prova do ato ilícito que causou lesão ao erário não há nexo de causalidade para a caracterização do enriquecimento ilícito do agente público. Em não havendo o dano, inexiste a pretensão de ressarcimento ao tesouro público, pois, enfatize-se, não há que se falar em enriquecimento ilícito do agente público quando da ausência da diminuição do patrimônio público[129].

Destaque-se que a lei, ao enquadrar no dispositivo legal em tela qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida, permitiu que a conduta geradora do enriquecimento ilícito possa derivar de uma apropriação de bens ou da economia de recursos por parte do agente[130].

No primeiro caso, há uma prestação positiva, visto que representa sempre um acréscimo ao patrimônio do servidor público. Já na segunda hipótese, o enriquecimento se materializa a partir de uma prestação negativa, que não acrescenta fortuna, de forma direta, ao patrimônio do agente passivo da corrupção, mas caracteriza uma poupança de despesas a que se obrigou[131].

Em conclusão, além da descrição genérica trazida pelo caput do artigo 9º, os seus incisos apresentam certas situações específicas, com as quais o aplicador da lei deve atentar-se para uma correta interpretação legal.

Em virtude da especificidade dos casos, tal assunto não será abordado nesse trabalho, que tem como objetivo trazer uma visão ampla de aspectos pontuais acerca da improbidade administrativa no ordenamento jurídico brasileiro.

Essa observação, inclusive, vale para as duas próximas modalidades de atos de improbidade administrava a serem apresentadas a seguir.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Rafael da Silva Santiago

Graduado em Direito pela Universidade de Brasília - UnB

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTIAGO, Rafael Silva. Improbidade administrativa: um estudo de seus aspectos teóricos gerais com exemplos práticos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3072, 29 nov. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20531. Acesso em: 22 nov. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos