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Improbidade administrativa: um estudo de seus aspectos teóricos gerais com exemplos práticos

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29/11/2011 às 15:53
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7.3.2. Dos atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário.

A LIA, como já constatado anteriormente, aborda aspectos relacionados à proteção do patrimônio público. Como o trabalho se refere os atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário, faz-se mister entender a distinção entre este e o patrimônio público, tratados por muitos como coisas semelhantes, o que não encontra base na doutrina pátria.

Marino Pazzaglini Filho, Márcio Fernando Elias Rosa e Waldo Fazzio Júnior conceituam o patrimônio público como sendo

o complexo de bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico e turístico da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, Territórios, de autarquias, de empresas públicas, de sociedades de economia mista, de fundações instituídas pelo Poder Público, de empresas incorporadas, de empresas com participação do erário e de entidades subvencionadas pelos cofres públicos[132].

O patrimônio público, como bem define Sérgio Turra Sobrane,

engloba o erário, que representa seu conteúdo econômico-financeiro e corresponde ao tesouro, ao fisco, ao dinheiro público, ao produto da arrecadação efetivada pelos órgãos da Administração direta ou indireta, sendo esse aspecto do patrimônio público a preocupação da Lei nº 8.429/92[133].

Voltando à LIA, o caput do artigo 10[134] preceitua uma descrição genérica da conduta que pretende combater e indica cada um dos elementos do ato de improbidade que causam lesão ao erário. Nos seus termos, qualquer conduta comissiva ou omissiva, seja ela dolosa ou culposa, que tenha como resultado prejuízo ao erário, enquadra-se na descrição definida.

É importante ser ressaltado a necessidade de a lesão ter efeito patrimonial ou financeiro negativo ao erário, abarcando, inclusive, a noção de lesão moral, além de possuir nexo com a conduta do agente[135]. Em verdade, esse é posicionamento pacífico na doutrina e jurisprudência[136] nacionais.

O nexo causal, necessariamente, deve se configurar para a tipificação da conduta descrita no artigo em questão. Isso significa que somente na condição de agente público, elaborando atos públicos, é que o servidor deve ter seu ato analisado, sem o qual desaparece o imprescindível liame legal[137].

Também merece destaque o aspecto da conduta culposa expressamente mencionado pelo caput do artigo em questão.

Na esteira do raciocínio propugnado anteriormente nesse trabalho[138], parte da doutrina não aceita a possibilidade de ato de improbidade culposo, taxando-o como inconstitucional e duvidoso, em virtude de o ato de improbidade abranger a noção de desonestidade, que pressupõe conduta consciente e dolosa.

Nesse sentido, Marcelo Figueiredo atenta que

a lei integradora da vontade constitucional foi além do razoável ao dispor que ‘constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa ou culposa [...]’. Ao que parece, o legislador infraconstitucional levou longe demais o permissivo da Lei Maior, ausentes proporcionalidade e razoabilidade no dispositivo legal. Assim, se não inconstitucional, o dispositivo deve ser interpretado conforme a Constituição[139].

Isso, segundo os defensores dessa tese, pode causar irreparáveis gravames no seio da Administração Pública. O agente que involuntariamente comete uma pequena lesão, por exemplo, teria tratamento equivalente àquele que dolosamente causou prejuízo, por ação ou omissão, ao erário.

Dessa forma, nem toda lesão ao patrimônio público poderia ser caracterizada como um ato de improbidade administrativa, pelo fato de a conduta do agente público ser o elemento que define o ilícito. Mauro Roberto Gomes de Mattos afirma que

partindo-se da premissa de que o elemento subjetivo da desonestidade, que deságua na improbidade administrativa, é o dolo, não há como estender tal princípio para a culpa, eis que o divórcio entre uma e outra situação é insuperável. Não pode o legislador querer desnaturar a figura da boa-fé ou de falta de intenção de lesar o ente público, para considerá-la, em igualdade de condições, com aquelas situações caracterizadoras da devassidão do agente público desonesto que traz no seu espírito intenções impuras e imorais reveladas pela vontade de fraudar o erário[140].

Ademais, a inconstitucionalidade da expressão “culposa” trazida pela Lei nº 8.429/92 sobreviria em decorrência da disposição trazida pelo artigo 37 da Constituição Federal, visto que a gradação da lei não pode inovar ao considerar todo e qualquer ato involuntário ou de boa-fé como de improbidade[141].

Nesse sentido, seria necessária a verificação de ao menos um indício mínimo de má-fé, que revele a presença de um comportamento desonesto do agente público. Vale lembrar que para os defensores[142] dessa tese a finalidade da lei é responsabilizar e punir o administrador desonesto, e não o inábil ou desastrado[143].

Entretanto, admite-se a ocorrência do ato de improbidade culposo através de comportamento derivado do conceito civilístico de culpa (negligência, imprudência ou imperícia), assim como se entende que apenas a culpa em sentido estrito não resulta em ato de improbidade, sendo necessária também a conduta ilegal[144].

A resolução desse impasse doutrinário é sugerida por Sérgio Turra Sobrane, ao dispor que

a solução será encontrada por meio da observância da proporcionalidade quando da dosimetria da sanção a ser imposta, oportunidade em que o juiz, sopesando todos os elementos do ato praticado pelo agente público, selecionará a pena a ser aplicada. Nesse diapasão, concebe-se a possibilidade de prática de ato de improbidade culposo, admitindo-se, como proposto por Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves, a possibilidade de graduação da culpa, tendo em conta ‘a previsibilidade do efeito danoso’, que poderá ser gravíssima, grave ou leve, seguindo-se o mesmo critério para a aplicação proporcional da sanção[145].

Outro aspecto doutrinário importante sobre o dispositivo legal em questão reside no fato de a conduta por ele descrita dever ser contrária à legalidade, em outros termos, ilícita, voltada para a consecução de um fim proibido pela norma legal.

Dessa forma, a conduta dolosa do agente público que ocasionar lesão ou perda patrimonial ao erário, mas lícita, não se sujeita à responsabilização por ato de improbidade administrativa, visto que o ato do agente público padece de ilegalidade[146].

Esse é o entendimento de Marino Pazzaglini Filho, Fernando Elias Rosa e Waldo Fazzio Júnior:

A interpretação há de ser sistemática. O que a lei visa reprimir, neste dispositivo, é a conduta ilegal. Não intenta punir quem, agindo legalmente, por culpa, causa prejuízo ao patrimônio público. Apenas a perda patrimonial decorrente de ilicitude, ainda que culposa, ensejará a punição do agente público nas sanções do artigo 12, II[147].

Ademais, além da conduta ilegal e do nexo causal existente entre aquela e o resultado alcançado, qual seja, o dano ao erário, o prejuízo, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens das entidades já mencionadas[148] como sujeito passivo do ato de improbidade também deverão estar devidamente caracterizados para que seja possível a responsabilização do agente público, sob pena de não enquadramento no artigo 10 da Lei de improbidade administrativa.

Como bem alerta Mauro Roberto Gomes de Mattos,

portanto, há que estar configurada a devida tipicidade para que se prospere a ação de improbidade administrativa, sem a qual fica comprometida a via eleita pelo autor da ação, que não poderá enfraquecer a respectiva ação, alargando o seu leque para a contemplação de algo que a lei não atinge. Dado o seu caráter aberto, a Lei de Improbidade Administrativa deve ter a sua aplicação sobrepesada, para que, em nome da moralidade administrativa, não sejam perpetrados abusos do direito de ação, trazendo constrangimento ilegal para agentes públicos sérios e honestos, que, quando deixam de exercer cargos de chefia com destaque, quase sempre sofrem perseguições políticas pelos novos agentes empossados nos respectivos cargos. A lei em comento não se presta para atender fins pessoais ou políticos, pois o indistinto ajuizamento de ações de improbidade, sem um mínimo de indício ou tipicidade, poderá ensejar a devida reparação moral por parte do acusado[149].

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7.3.3. Dos atos de improbidade administrativa que atentem contra os princípios da Administração Pública.

A terceira e última modalidade de atos de improbidade administrativa tem como finalidade garantir a observância dos princípios da Administração Pública, mais especificamente os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições[150]. Portanto, sua objetividade jurídica é diversa das outras defendidas pelas modalidades de atos de improbidade administrativa previstas nos artigos 9º e 10.

O caput do artigo 11 cita expressamente os princípios da Administração Pública e os deveres para com a imparcialidade, honestidade e lealdade às instituições, impondo aos agentes públicos padrões de conduta no exercício do cargo, função ou emprego público[151].

Dessa forma, tal artigo censura condutas qualificadas como imorais ou ilegais, dispensando a relevância da produção de resultado nocivo na esfera das relações da Administração Pública, visto que o resultado até pode ser lícito, mas caso seja imoral caracterizará o ato em violação de princípios, resultando, portanto, na responsabilização por ato de improbidade administrativa[152].

Marcelo Figueiredo confere um excelente panorama do tema, ao determinar que

infringe o dever de honestidade o agente que mantém conduta incompatível com a moralidade administrativa. Infringe o dever de imparcialidade aquele que atenta contra a impessoalidade (...). Infringe a legalidade o agente que não age rigorosamente segundo a lei (...). Desleal é o agente que infringe um desdobramento do princípio da moralidade. Pode ser desleal de várias formas: revelando fatos ou situações reservadas ao âmbito da administração (incs. III e VII), induzindo em erro, no exercício de suas atividades, as instituições a que serve[153].

Ademais, a violação dos princípios da Administração Pública e dos deveres a serem observados pelos agentes públicos pode se dar por meio da realização de conduta comissiva ou omissiva.

Ressalte-se, inclusive, que a ausência de explicitação quanto ao elemento subjetivo necessário para a tipificação exata do disposto no caput do artigo dá ensejo à polêmica doutrinária a respeito da possibilidade ou não de conduta culposa incorrer na prática de ato de improbidade administrativa que versa esse artigo[154].

Em final, faz-se mister uma breve análise de alguns importantes princípios que regem a Administração Pública, cuja violação importará na responsabilização pela prática de ato de improbidade administrativa.

Mencione-se que esses não são os únicos princípios importantes que pautam a atuação da Administração Pública. A citação deles se dá de maneira exemplificativa, no sentido de ilustrar a relação de alguns princípios escolhidos com a improbidade administrativa.


7.3.3.1. Princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado

O princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é princípio geral de Direito presente em qualquer sociedade. Dessa forma, não é encontrado em nenhum dispositivo específico da Constituição, mesmo que inúmeros levem a suas manifestações concretas, porquanto o princípio em tela é pressuposto lógico do convívio social[155].

Em decorrência dessa supremacia, a Administração, por representar o interesse público, tem a possibilidade, nos termos legais, de impor a terceiros obrigações mediante atos unilaterais[156].

Também em virtude dessa supremacia do interesse público, é conferida à Administração a possibilidade de revogar os próprios atos inconvenientes ou inoportunos, bem como o dever de anular ou convalidar os atos inválidos que foram praticados em sua esfera de atuação [ 157].

A sua invocação, frise-se, não pode ser realizada sob moldes abstratos. Da mesma forma, ele não pode ser base para posicionamento contrario à Constituição ou às leis. Sua dimensão é fornecida pelo direito positivo e só por este ângulo pode ser invocado[158].

Ademais, as prerrogativas conferidas à Administração em virtude desse princípio não são manipuláveis ao seu gosto. Vale destacar que a atividade administrativa significa desempenho de “função”, e não utilização de um poder. Destarte, os agentes públicos têm o dever de buscar o atendimento do interesse da coletividade e não do interesse próprio[159].


7.3.3.2. Princípio da legalidade

Este princípio é basilar para a edificação do Estado de Direito[160], visto que estabelece o império da lei. Ele dispõe aos particulares a autorização para fazer tudo aquilo que a lei não proíbe, sendo esta o único instrumento capaz de obrigá-los a fazer ou deixar de fazer alguma coisa. Por sua vez, a Administração está adstrita à lei, não havendo que se falar nela fora do contexto legal[161].

A atuação da Administração, portanto, é, em sua integralidade, pautada pelo dispositivo legal aplicável ao caso, de tal forma que se a lei não dispuser acerca da situação não pode a Administração tomar qualquer iniciativa, salvo raras exceções.

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Sobre o autor
Rafael da Silva Santiago

Graduado em Direito pela Universidade de Brasília - UnB

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTIAGO, Rafael Silva. Improbidade administrativa: um estudo de seus aspectos teóricos gerais com exemplos práticos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3072, 29 nov. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20531. Acesso em: 28 mar. 2024.

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