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Tutela antecipada: linhas gerais e requisitos para sua concessão

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07/12/2011 às 13:58
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2 Conceito de tutela antecipada

Já é hora, aqui, de apresentar um conceito para a antecipação da tutela, conceito este que não se encontra, rotineiramente, nos manuais de processo civil.

Luiz Guilherme Marinoni conceitua o que ele prefere chamar de tutela antecipatória, como a técnica processual que consiste na antecipação dos efeitos da sentença condenatória. Segundo o estudioso do instituto:

A "antecipação total dos efeitos" da sentença condenatória nada mais é do que a antecipação do efeito executivo (ou melhor, a produção antecipada do efeito executivo) da sentença de condenação, que torna viável a antecipação da realização do direito afirmado pelo autor. A "antecipação total dos efeitos" da sentença condenatória consiste na antecipação da realização do direito que o autor pretende ver realizado. (2009: p. 44/45).

A mesma conclusão, vale dizer, conceito equivalente para a antecipação da tutela, pode ser buscado na obra de Cássio Scarpinella Bueno, que escreve o seguinte:

... nada, absolutamente nada, há de errado em entender que a "tutela antecipada" é antecipada justamente porque os efeitos da sentença que, como regra, fica sujeita a um recurso que tem efeito suspensivo podem vir a ser sentidos antes disso, antecipadamente a isso. (2007: p. 32).

Mais adiante Cassio Scarpinella Bueno continua discorrendo sobre o assunto e afirma que:

... A tutela antecipada é, decididamente, mecanismo para retirar o efeito suspensivo da apelação fora daqueles casos em que o próprio legislador, genérica e abstratamente, já assumiu, expressamente, o risco processual dessa iniciativa. (2007: p. 100).

A antecipação da tutela, portanto, consiste em técnica processual capaz de transportar para antes de seu tempo os efeitos que somente a sentença com trânsito em julgado poderia produzir, sendo exequível desde logo e permeando o processo de efetividade, ainda que efetividade apenas jurídica.


3 O jogo dos princípios

Como dito linhas atrás, o processo civil atual busca suas raízes mais profundas em princípios constitucionais alçados à categoria de cláusulas pétreas ou de direitos fundamentais. Princípios que são, portanto, dotados de altíssimo grau de abstração, e, não raro entram em rota de colisão, devendo uns prevalecer sobre outros.

Em sede de tutela antecipada dúvidas não restam de que os princípios maiores, e que afastam a incidência dos demais, devem ser o da efetividade da jurisdição e o da razoável duração do processo. Abalizada doutrina de Cássio Scarpinella Bueno prega o seguinte:

Não me parece errada a afirmação, posto ser genérica, de que o instituto da "tutela antecipada" ou "antecipação da tutela" tende muito mais à realização concreta do princípio da efetividade da jurisdição e da razoável duração do processo do que ao princípio do contraditório ou do devido processo legal, quando analisados, parcialmente, como garantia para o réu, única e exclusivamente. Dito de forma bem simples: a tutela antecipada é instituto que, por definição, prestigia muito mais o autor do que o réu; é instituto que, depois de séculos de tradição de um processo que, em nome do contraditório e da segurança jurídica que ele representa, prestigiou muito mais a posição ocupada pelo réu, prestigia o autor. (2007: p. 8).

Importante afirmar aqui, ainda que pareça desnecessário, que os demais princípios processuais constitucionais, já mencionados na lição de Scarpinella, como o do contraditório e da segurança jurídica, a que pode ser acrescentado o da ampla defesa, não são simplesmente afastados ou desconsiderados. Ao contrário:

... Os princípios do contraditório e do devido processo legal, nessas condições, acabam incidindo como um regulador, como um "tempero" à predominância dos princípios da efetividade e da celeridade. (Bueno, 2007: p. 9).

Merece lembrança a circunstância de que a tutela antecipada é instituto jurídico nascido para beneficiar o autor, ou o réu que faça seu pedido em sede de reconvenção (verdadeiro autor na reconvenção), retirando de seus ombros o pesado fardo do tempo, e, por que não dizer, muitas vezes trazendo equilíbrio à relação processual, já que, a passagem do tempo, não raro, é a principal arma do réu que não tem razão.

Neste ponto há ser feita uma ressalva. A tutela antecipada, sim, é muito mais um coringa na manga do autor do que na do réu, porém, só dispõe dela o autor que, tendo seu direito ameaçado ou lesionado, ao menos aparentemente, tem razão. Ou seja, somente se beneficia da tutela antecipada o autor que, a princípio, tem razão e aponta sérios indícios de que, ao final, sua pretensão será acolhida, e não qualquer autor.

A doutrina clássica afirma que, seguindo o procedimento ordinário o juiz não erra. Tal afirmação revela, de um lado, a pequena preocupação dos profissionais do direito com o tempo que o processo demandaria, para produzir resultados, e, de outro, a imparcialidade do juiz, levada ao extremo. O espírito de um instituto como a tutela antecipada, porém, vai de encontro a estes valores.

A tutela antecipada é antídoto, justamente, contra a morosidade e ineficácia do processo. Ao instituto pouco importa que o juiz não erre, simplesmente, porque não decide.

Ao contrário, a tutela antecipada busca a realização de valores que são caros à sociedade e ao direito, devendo o magistrado atuar na realização destes valores, e não, como outrora, manter-se neutro e inerte, aguardando que o procedimento ordinário chegue a seu fim, visando a "não errar".

Discorrendo acerca do assunto, Marinoni escreve:

É importante lembrar, ainda, que é fundamental para o encontro da real efetividade do processo a tomada de consciência de que são de natureza vária os bens envolvidos nos litígios. O novo processo não é mais um "processo neutro", mas um processo que sabe que, da mesma forma que todos não são iguais, os bens que constituem os litígios não têm igual valor jurídico. (2009: p. 24).

A antecipação da tutela é instituto que se presta a dotar de privilégios os direitos evidentes, ameaçados de lesão, turbados pelo abuso do direito de defesa, bem como a realizar valores que, frente a outros, merecem especial acolhimento no ordenamento jurídico.

Marinoni defende, com razão, a ideia de que:

A técnica antecipatória permite que se dê tratamento diferenciado aos direitos evidentes e aos direitos que correm risco de lesão. O direito que pode ser evidenciado de plano exige uma tutela imediata e o legislador responde a tal necessidade tornando viável a antecipação quando, evidenciado o direito, a defesa é exercida de modo abusivo. No caso de risco de lesão, a tutela antecipatória funda-se na probabilidade da existência do direito e no fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. (2009: p. 43).

Mais adiante, em sua monografia, Marinoni adere à ideia já exposta acima, qual seja, a de que a tutela antecipada é técnica de distribuição do ônus do processo, e defende sua incidência, ainda que ausente o receio de que a demora do processo venha a causar dano extraordinário ao litigante. Diga-se dano extraordinário porque o simples fato de o postulante, que tem razão, frise-se, estar privado de direito pelo tempo do processo, sem dúvida já lhe causa dano. Segundo o doutrinador a realização do direito do autor que, aparentemente tem razão, não deve encontrar óbice no exercício do direito de defesa do réu, quando exercido de modo abusivo:

A previsão do art. 273, II, por outro lado, tem por fim distribuir o ônus do tempo do processo. Ainda que o autor não receie dano, é certo que aquele que procura a justiça não deve esperar mais do que o necessário para a realização do seu direito. Como o autor, em geral, procura uma modificação da realidade empírica, é natural que o réu, em muitos casos, sinta-se tentado a protelar o resultado do processo, pois o seu interesse, em regra, é o de manter o status quo. (2009: p. 133).

Nas situações em que autorizada a antecipação da tutela, portanto, não deve o magistrado aguardar que o processo fique maduro para julgamento, que se encerre a instrução, que todas as provas tenham sido produzidas e que as partes tenham apresentado suas razões e nada mais tenham a dizer ou requerer. Ameaçado ou prejudicado o direito da parte que, insista-se, aparentemente tem razão (e aqui a alusão a aparência é de extrema importância para o raciocínio que se desenvolve), ou, ainda que ausente ameaça ou dano, reste o mesmo direito afastado pelo abuso do direito de defesa por parte do réu, deve o magistrado antecipar os efeitos da tutela, ainda que sem elementos plenos de convicção. Cássio Scarpinella Bueno, comentado Kazuo Watanabe, escreve:

... O que se relaciona à tutela antecipada, pois, é o que Watanabe chama de "cognição vertical", e suas três espécies, superficial, sumária e exauriente. A diferença que existe entre essas três espécies de cognição jurisdicional (cognição no plano vertical) repousa na circunstância de, em alguns casos, o magistrado estar autorizado a decidir de forma mais rápida sem ter formulado, em seu íntimo, uma convicção total e imodificável de seu ponto de vista. É decidir, em determinadas situações, mais com a aparência do que parece ser certo e necessário do que decidir com 100% de razão ou convicção formada. (2007: p. 17).

Portanto, a tutela antecipada vem em prol do autor que tem razão, e não de qualquer autor, realizando exatamente aquilo que se espera do processo, ou seja, que dê a cada um aquilo que tem o direito de receber, de forma rápida e eficiente, evitando que a passagem do tempo assassine direitos.


4 Pressupostos gerais

De tudo quanto já foi dito, e da leitura do artigo 273, e de seus dois incisos, do Código de Processo Civil, pode-se concluir, seguindo o raciocínio de Cássio Scarpinella, que muito bem sistematiza e expõe a matéria, que, para a concessão da antecipação da tutela:

Os pressupostos legais são de duas ordens: (i) necessários e (ii) cumulativo-alternativos. São sempre necessárias, para a concessão da tutela antecipada, a prova inequívoca e a verossimilhança da alegação a que se refere o caput do artigo 273. São cumulativo-alternativos o "receio de dano irreparável ou de difícil reparação" e o "abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu", de que se ocupam, respectivamente, os incisos I e II do mesmo dispositivo. Digo que são "alternativos" porque basta a situação descrita no inciso I ou no inciso II para a concessão da tutela antecipada. Mas não é só. Sempre se há de estar diante de uma "prova inequívoca que convença da verossimilhança". Daí serem estes dois pressupostos alternativos (em relação às situações descritas nos incisos), mas cumulativos com o que está no caput, os pressupostos necessários para a concessão da tutela antecipada... (2007: p. 36).

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A maior dificuldade, sem duvida, quando da interpretação do texto legal, vem da necessidade de compreensão do significado da expressão: "existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação".

Pouco tempo após a edição da Lei nº 8.952, de 13 de dezembro de 1994, que alterou o artigo 273 do CPC, doutrinadores renomados, chegaram a afirmar que o texto legal continha uma incoerência em si, ao fazer menção a "prova inequívoca" e a "verossimilhança", associando, a primeira à certeza, e a segunda à dúvida. Diziam eles que o Código exigia "certeza absoluta do que era duvidoso".

Tais dificuldades de interpretação, porém, foram extirpadas pelo estudo mais calmo e atento, realizado por juristas de renome e que escreveram aprofundadas monografias sobre a tutela antecipada.

Marinoni escreve:

A grande dificuldade da doutrina e dos tribunais, diante dessa imprescindível análise, decorre da relação, feita pelo art. 273, entre prova inequívoca e verossimilhança. Melhor explicando: há dificuldade de compreender como uma prova inequívoca pode gerar somente verossimilhança.

Essa dificuldade é facilmente explicável, pois decorre de vício que se encontra na base da formação dos doutrinadores e operadores do direito, os quais não distinguem "prova" de "convencimento judicial". Ora, como o art. 273 do Código de Processo Civil fala em "prova inequívoca" e "convencimento da verossimilhança", qualquer tentativa de explicar a relação entre as duas expressões será inútil se não se partir da distinção entre prova e convencimento. (2009: p. 167).

Pois bem. A prova inequívoca, a que se refere o caput do artigo 273 do Código de Processo Civil, só pode ser prova forte e que evidencie a existência e exatidão dos fatos narrados pelo autor e que fundamentam o direito que ele postula em Juízo. Essa conclusão decorre do raciocínio simples de que o direito, em regra, não se prova. Prova forte, segura e que convença, portanto, só pode ser prova acerca dos fatos.

Cássio Sacarpinella Bueno sintetiza a ideia aqui apresentada ao afirmar que: "O que acabei de afirmar deve ser frisado. O adjetivo ‘inequívoca’ relaciona-se à prova; a ‘verossimilhança’ é da alegação" (2007, p. 38).

Tal prova inequívoca dos fatos narrados é que conduz à verossimilhança do alegado, ou seja, convence o magistrado de que, dos fatos narrados pelo autor, inequivocamente comprovados, é provável, verossímil portanto, a hipótese de que o autor tenha razão e verá acolhida sua pretensão, quando do sentenciamento.

4.1 Prova inequívoca e verossimilhança

O primeiro conceito a ser buscado, assim, é o de prova inequívoca, afinal, é dela que surge a verossimilhança, devendo, ambas, sempre estarem presentes, em qualquer hipótese de antecipação da tutela.

Quanto ao conceito prova não deve haver maiores digressões, afinal, está ele presente no dia a dia dos profissionais do direito desde os primeiros anos da vida acadêmica, sendo um dos primeiros a serem enfrentados quando se estuda processo civil. De forma simples e rápida, porém, a prova pode ser definida como sendo os elementos de convicção, presentes nos autos do processo.

Sem dúvida que o problema maior reside na definição do que vem a ser a prova dita inequívoca.

A princípio poder-se-ia acreditar que prova inequívoca é a absoluta, incontestável e que não deixa nenhuma margem a que o requerido se oponha aos fatos narrados pelo autor. Contudo, não é assim.

Cassio Scarpinella Bueno, discorrendo acerca do assunto, escreve que:

O melhor entendimento para "prova inequívoca" é aquele que afirma tratar-se de prova robusta, contundente, que dê, por si só, a maior margem de segurança possível para o magistrado sobre a existência ou inexistência de um fato. (2007: p. 37).

Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira, definem prova inequívoca de forma bastante similar:

Prova inequívoca não é aquela que conduza a uma verdade plena, absoluta, real – ideal inatingível tal como já visto no capítulo relativo à Teoria Geral da Prova -, tampouco a que conduz à melhor verdade possível (a mais próxima da realidade) – o que só é viável após uma cognição exauriente. Trata-se de prova robusta, consistente, que conduza o magistrado a um juízo de probabilidade, o que é perfeitamente viável no contexto da cognição sumária. (2008: p.624).

Colhe-se da doutrina, portanto, e tal lição encontra respaldo nos valores norteadores do processo civil atual, que a prova inequívoca mencionada pelo Código não é a prova absoluta, mas, também, não é a prova por demais tênue e que não traga aos autos um mínimo grau de segurança de que os fatos narrados são verdadeiros.

A prova inequívoca deve ser prova forte, contundente e que convença de que os fatos que fundam a pretensão do postulante têm elevadas chances de serem verdadeiros e virem a se confirmar, durante a instrução processual.

Prova inequívoca, repita-se, é aquela que, prima facie, inclina o magistrado ao convencimento de que os fatos narrados pelo autor ocorreram da forma por ele indicada, conduzindo, portanto, a um juízo de que sua pretensão, provavelmente, será acolhida ao final:

... É a prova inequívoca que conduz o magistrado a um estado de verossimilhança da alegação. Verossimilhança no sentido de que aquilo que foi narrado e provado parece ser verdadeiro. Não que o seja, e nem precisa; mas tem aparência de verdadeiro. É demonstrar ao juízo que, ao que tudo indica, mormente à luz daquelas provas que são apresentadas (sejam documentais ou não), o fato jurídico conduz à solução e aos efeitos que o autor pretende alcançar na sua investida jurisdicional. (Bueno, 2007: p. 38).

Não se exige, assim, prova absoluta dos fatos, mas, apenas, provas, evidências que apontem na direção da veracidade destes fatos. Atento a esta circunstância, Marinoni escreve que: "... Exigir uma evidência que torne impossível a antecipação da tutela é uma opção distante da realidade da justiça civil; uma opção cômoda, mas não séria" (2009: p. 164).

A inequivocidade que se exige da prova, por fim, deve ser temperada pelos valores em discussão no processo. Sem dúvida, não raras vezes os valores pretendidos e defendidos por autor e réu são diversos, e recebem, inclusive, diferenciada proteção jurídica.

Para ilustrar a situação, interessante a menção a um exemplo presente na rotina forense. O autor que vem a juízo postulando seja o Estado compelido ao fornecimento de um medicamento batalha pela preservação do valor "vida", que merece a mais completa e atenciosa proteção do ordenamento jurídico, inclusive da Constituição Federal, em seu artigo 5º. Já o Estado, que se opõe à pretensão do autor, defende seu equilíbrio fiscal. Por certo que, entre a vida e o equilíbrio fiscal, o primeiro valor deve ser destacado, protegido e realizado com prioridade inafastável.

E, por óbvio que, havendo conflito entre valores diferenciados, também diferenciado deve ser o critério para que a prova seja considerada inequívoca:

Assim, nas situações em que o direito material justifica a redução da exigência da convicção no final do processo e naquelas em que o direito material e o caso concreto apontam para a dificuldade de se produzir prova quando da tutela antecipatória, não há como deixar de elaborar critérios que possam auxiliar o encontro de um tratamento justo. (Marinoni, 2009: p. 186).

Conclui-se, assim, que prova inequívoca é aquela que conduz o magistrado à impressão, impressão séria, insista-se, e não mera intuição desfundamentada, de que os fatos narrados pelo autor são verdadeiros e dão fundamento sólido à sua pretensão, tornando-a verossímil, ou seja, sinalizando que o direito vigente a acolhe. Segundo a doutrina de Cássio Scarpinella:

É a prova que é inequívoca (prova contundente, prova bastante, prova forte, prova muito convincente por si só, independentemente da apresentação de outras), e, como toda e qualquer prova (e a teoria da prova não se prende, apenas e exclusivamente, à tutela antecipada), ela nada mais é do que um meio para convencer o magistrado de alguma coisa. (2007: p. 38/39).

Mais adiante o mesmo Cassio Scarpinella finaliza o raciocínio:

Por essa razão, aliás, é que me parece importante sempre entender, compreender, interpretar e aplicar as duas expressões em conjunto; é a prova inequívoca que conduz o magistrado à verossimilhança da alegação. (2007: p. 39).

A verossimilhança necessária para a antecipação da tutela, assim, não brota da mera argumentação jurídica de seu pretendente. Muito mais do que desenvolver uma tese jurídica bem fundamentada, do ponto de vista teórico, o autor deve concatenar esta mesma tese aos fatos dos quais trouxe a prova inequívoca aos autos:

Esse pressuposto é indicativo de que não basta ao requerente da tutela antecipada formular, retoricamente, seu pedido. A lei é clara quanto à necessidade de serem apresentadas provas, substratos materiais, do quanto alegado. Não basta falar (escrever); tem de demonstrar, mesmo que a prova não seja documental. (Bueno, 2007: p. 39).

A verossimilhança nasce de um juízo crítico positivo dos fundamentos jurídicos da pretensão posta, ou seja, das alegações "de direito". Didier Jr., Braga e Oliveira escrevem que:

É imprescindível acrescentar que a verossimilhança refere-se não só à matéria de fato, como também à plausibilidade da subsunção dos fatos à norma invocada, conduzindo aos efeitos pretendidos. O magistrado precisa avaliar se há probabilidade de ter acontecido o que foi narrado e quais as chances de êxito do demandante. (2008: p. 627).

O raciocínio jurídico apresentado, contudo, deve, necessariamente, estar calcado em fatos comprovados inequivocamente, isto é, com o necessário grau de certeza, conforme prudente apreciação dos valores postos em juízo. Segundo a doutrina:

Trata-se, enfim, de um pressuposto objetivo de concessão da tutela antecipada: o magistrado deverá demonstrar que há nos autos prova produzida, com tais características, que justifique a conclusão pela verossimilhança das alegações. Significa dizer, ainda, que a mera alegação do demandante, não acompanhada de prova, não permite a concessão da medida, por mais verossímil que seja. (Didier Jr., Braga e Oliveira, 2008: p. 626).

Parâmetro bastante razoável para a averiguação da presença da verossimilhança pode colhido do Curso de Marinoni e Arenhart, que escrevem que:

A verossimilhança a ser exigida pelo juiz, contudo, deve considerar: (i) o valor do bem jurídico ameaçado, (ii) a dificuldade de o autor provar sua alegação, (iii) a credibilidade da alegação, de acordo com as regras de experiência, e (iv) a própria urgência descrita. (2010: p.213).

A verossimilhança do direito do postulante da tutela antecipada, assim, está calcada na prova inequívoca, anda próxima dela, mas com ela não se confunde.

4.2 Requisito negativo

Há previsão legal expressa, no artigo 273, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil, no sentido de que: "Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado". O texto legal é claro, e, a interpretação dada a ele, pela doutrina mais abalizada, não poderia ser outra que não a de que: "... Toda vez que houver perigo de ‘irreversibilidade do provimento antecipado’, a tutela antecipada deve ser indeferida. É este o rigor da regra" (Bueno, 2007, p. 63).

A fim de que se evite, contudo, qualquer sombra de dúvida, importante, com mais pesar, esclarecer, na esteira da melhor doutrina, que:

Quanto à redação: a "irreversibilidade do provimento antecipado" a que se refere o § 2º do art. 273 não é, propriamente, irreversibilidade da decisão que concede ou não concede a tutela antecipada. Não se trata de irreversibilidade da decisão interlocutória que antecipa a tutela em favor de seu requerente. Essa decisão, presentes determinadas circunstâncias e fatos novos, é passível de ser revogada ou modificada, no que é expresso o § 4º do art. 273 (...). A irreversibilidade de que trata o dispositivo em comento diz respeito aos efeitos práticos que decorrem da decisão que antecipa a tutela, que lhe são conseqüentes, que são externos ao processo. É, propriamente, irreversibilidade daquilo que a "tutela jurisdicional" tem de mais sensível e importante: seus efeitos práticos e concretos. (Bueno, 2007: p. 63).

A regra visa, claramente, resguardar os interesses do réu que vem a ser atingido pelos efeitos da antecipação da tutela, e tem o intuito de sempre possibilitar o retorno ao status quo ante, em caso de revogação da medida.

Esta mesma regra da não concessão da antecipação em caso de irreversibilidade de seus efeitos práticos, contudo, não é absoluta. Entende a melhor doutrina que, em havendo conflito de direitos, entre autor e réu, deve ser privilegiado o direito mais provável, por ser este, justamente, o espírito da antecipação da tutela. Colhe-se, do Curso de Marinoni e Arenhart, o seguinte trecho:

Em virtude dessa regra, seria possível pensar que o juiz não pode conceder tutela antecipatória quando ela puder causar prejuízo irreversível ao réu. Contudo, se a tutela antecipatória, no caso do art. 273, I, tem por objetivo evitar um dano irreparável ao direito provável (é importante lembrar que o requerente da tutela antecipatória deve demonstrar um direito provável), não há como não admitir a concessão dessa tutela sob o simples argumento de que ela pode trazer um prejuízo irreversível ao réu. Seria como dizer que o direito provável deve sempre ser sacrificado diante da possibilidade de prejuízo irreversível ao direito improvável. (2010: p. 230).

Da mesma forma, estando em conflito os valores defendidos por autor e réu, conforme seus interesses, e visando a evitar o sacrifício de um direito qualitativamente diverso, a regra da vedação da antecipação da tutela cujos efeitos podem ser irreversíveis, deve ser abrandada, para benefício e realização do valor mais elevado. Segundo prega Cassio Scapinella:

Em suma, cabe ao magistrado verificar, em cada caso em que se requer a tutela antecipada, justamente porque ela opera, nesse estágio, com base em cognição sumária (daí o uso de "probabilidade" na fórmula), em que medida o dano a ser experimentado pelo autor que pretende a tutela antecipada e maior que o do réu. Se o dano do autor for maior, mesmo que em juízo de cognição sumária, a tutela antecipada deve ser concedida. Caso contrário, isto é, caso o juiz do caso concreto, sopesando os fatos e as razões, verifique que a tutela antecipada que favorece o autor cria maiores prejuízos para o réu, a tutela antecipada deve ser indeferida. (2007, p. 65).

As ideais defendidas por Didier Jr., Braga e Oliveira não diferem das de Scarpinella:

Mas essa exigência legal deve ser lida com temperamentos, pois, se levada às últimas conseqüências, pode conduzir à inutilização da antecipação de tutela. Deve ser abrandada, de forma que se preserve o instituto.

Isso porque, em muitos casos, mesmo sendo irreversível a medida antecipatória – ex.: cirurgia em paciente terminal, despoluição de águas fluviais, dentre outros -, o seu deferimento é essencial, para que se evite um "mal maior" para parte/requerente. Se o seu deferimento é fadado à produção de efeitos irreversíveis para o requerido, o seu indeferimento também implica conseqüências irreversíveis para o requerente. Nesse contexto, existe, pois, o perigo da irreversibilidade decorrente da não-concessão da medida. Não conceder a tutela antecipada para a efetivação do direito à saúde pode, por exemplo, muitas vez, implicar a conseqüência irreversível da morte do demandante (sic.). (2008: p. 629/630).

A discricionariedade dada ao aplicador do direito para decidir pela antecipação da tutela, ainda que com efeitos práticos irreversíveis, em que pese possa aparentar afronta direta ao texto do Código de Processo Civil, encontra fundamento, guarida e incentivo na Constituição Federal, e não apenas em suas regras gerais, mas também, no que ela estabelece como diretrizes básicas do próprio processo civil.

Ao lado de princípios processuais que, obrigatoriamente, devem ser seguidos, tais como o da efetividade processual e o da razoável duração do processo, a Constituição estabelece valores que lhe são caros, como o respeito à vida e à dignidade da pessoa humana, e, como forma de ponderação e equilíbrio entre eles, o princípio da proporcionalidade.

Mais uma vez, da sóbria e objetiva doutrina de Cassio Scapinella:

... Essa "preponderância de valores" deriva da Constituição. É o que a doutrina, usualmente, tem denominado "princípio da "proporcionalidade", que, em termos muito diretos, é muito bem representado pela balança que segura Têmis, a "estátua" da justiça. Pelo tal "princípio da proporcionalidade", é dado ao magistrado ponderar as situações de cada um dos litigantes para verificar qual, diante de determinados pressupostos, deve proteger, mesmo que isso signifique colocar em situação de irreversibilidade a outra. É por intermédio desse "princípio" que o magistrado consegue medir os valores dos bens jurídicos postos em conflito e decidir, concretamente, qual deve proteger, qual deve prevalecer, mesmo em detrimento (ou eliminação) do outro. Se o caso é mesmo de preponderância do princípio da efetividade da jurisdição, porque a tutela antecipada é adequada e necessária para tutelar um direito mais evidente que o outro, que assim seja. O sistema autoriza o magistrado à concessão da tutela antecipada, não sendo, nesse caso específico, a irreversibilidade óbice. (2007, p. 67/68).

Portanto, citando, novamente, palavras de Didier Jr., Braga e Oliveira:

Toda vez que forem constatados a verossimilhança do direito e o risco de danos irreparáveis (ou de difícil reparação) resultantes de sua não satisfação imediata, deve-se privilegiar esse direito provável, adiantando essa fruição, em detrimento do direito improvável da contraparte. Deve-se da primazia à efetividade da tutela com sua antecipação, em prejuízo da segurança jurídica da parte adversária, que deverá suportar sua irreversibilidade e contentar-se, quando possível, com uma reparação pelo equivalente em pecúnia. (2008: p. 630).

Chega-se, assim, à afirmação de que o requisito negativo estabelecido no artigo 273, § 2º, do Código de Processo Civil, verdadeira vedação legal à concessão da tutela antecipada, não é óbice absoluto à sua concessão, e pode ser afastado, em prol de valores qualitativamente diversos e que gozam de diferenciado prestígio no ordenamento jurídico nacional.

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Sobre o autor
Rodrigo Emiliano Ferreira

Defensor Público do Estado de São Paulo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Rodrigo Emiliano. Tutela antecipada: linhas gerais e requisitos para sua concessão . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3080, 7 dez. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20599. Acesso em: 19 abr. 2024.

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