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Tutela antecipada: linhas gerais e requisitos para sua concessão

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07/12/2011 às 13:58
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5 requisitos ESPECÍFICOS

A presença dos requisitos genéricos, quais sejam, prova inequívoca e verossimilhança das alegações, contudo, não é suficiente para a concessão da tutela antecipada.

Ao lado destes dois requisitos genéricos deve estar presente, ainda, um dos requisitos específicos e alternativos: o receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou o abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu.

Estando presentes, assim, a prova inequívoca e a verossimilhança, a antecipação da tutela deve se fundamentar, ou no receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou no abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu.

5.1 Dano irreparável ou de difícil reparação

Não deveria existir qualquer dúvida acerca do seja "receio de dano irreparável ou de difícil reparação". A locução é bastante clara, de forma que resta dificultoso, mesmo, qualquer tentativa de afloramento de seu conteúdo.

Na busca do que vem a ser o "receio de dano", contudo, a doutrina mais abalizada aproximou este conceito do já conhecido periculum in mora, que dispensa apresentações:

... o "dano irreparável ou de difícil reparação" pode, com perfeição, ser assimilado ao periculum in mora, típico e constante da tutela de urgência.

Esse "perigo na demora da prestação jurisdicional" deve ser entendido no sentido de que é fundamental para que o processo realize, em concreto, os valores que lhe são impostos pela Constituição Federal que a tutela jurisdicional seja antecipada (...), isto é, que possa o autor sentir efeitos concretos sobre a situação de lesão ou ameaça a direito que narra perante o juiz antes que seja tarde demais, antes do que, normalmente, não fosse a antecipação da tutela, sentiria. É nesse sentido que o pressuposto deve ser entendido. (Bueno, 2007: p. 42).

Como já exaustivamente exposto, linhas acima, o processo tem por objetivo realizar o direito material, resguardando-o do perecimento e fazendo valer os valores consagrados pelo direito.

A missão da tutela antecipada reside justamente na realização do direito, na exata medida da pressão que a passagem do tempo exerce sobre este mesmo direito.

Assim, uma vez que a passagem do tempo necessário para que o procedimento cheque a seu termo, a sentença transite em julgado e produza seus efeitos, coloque em risco a efetividade do próprio processo e a realização do direito material, calcado em fatos provados inequivocamente e de agasalho jurídico verossímil, deve estar presente a tutela antecipada.

5.2 Abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu

Voltando, mais uma vez, ao quanto já exposto, cumpre relembrar a afirmação feita linhas atrás de que o tempo sempre foi inimigo do autor que tem razão, e sempre o maior aliado e maior arma do réu que não a tem.

Com a reforma processual e a instituição da possibilidade de que o processo produza efeitos já no início de sua marcha, com a antecipação dos efeitos da tutela, a balança de Têmis já não é mais tão desequilibrada pela passagem do tempo.

Segundo o ordenamento jurídico processual atual, uma vez que o réu abuse de seu direito de defesa ou movimente suas armas unicamente para protelar a decisão judicial final, por exemplo, postulando pela produção de provas infundadas ou desnecessárias, como a oitiva de uma testemunha que resida em Comarca longínqua, quando outras, que residem no local do trâmite da ação podem prestar suas declarações, a tutela pode ser antecipada em benefício do autor.

Conforme a lição de Didier Jr., Braga e Oliveira:

Enfim, o art. 273, II, consagra modalidade de tutela da lealdade e seriedade processual. Assim, mesmo que não haja urgência (em sentido estrito) no deferimento da tutela – isto é, mesmo que se possa aguardar o fim do processo para entregar à parte o bem da vida pleiteado -, quando se observar que a parte está exercendo abusivamente o seu direito de defesa, lançando mão de argumentos e meios protelatórios, no intuito de retardar o andamento do processo, o juiz poderá antecipar a tutela. Trata-se de tutela antecipada que se funda apenas na evidência (probabilidade) do direito alegado. (2008: p.636).

Não é demais reiterar, novamente, que não basta o abuso do direito de defesa ou o propósito protelatório do réu, contudo. Devem estar inarredavelmente presentes, também, a prova inequívoca e a verossimilhança.

Uma vez, portanto, que o autor apresente provas contundentes dos fatos que alega, sendo verossímeis suas alegações, por estarem em consonância com o direito aplicável, somadas tais circunstâncias ao abuso do direito de defesa ou ao manifesto propósito protelatório do réu, a tutela deve ser antecipada, ainda que ausente o receio de dano irreparável ou de difícil reparação.

A idéia até aqui exposta é sintetizada, com propriedade, pela doutrina de Marinoni:

... Para que o réu não se beneficie do tempo de demora do processo, a reforma de 1994 instituiu o art. 273, II, que dispõe que a tutela pode ser antecipada quando ficar "caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu". A caracterização do abuso de direito de defesa, no direito brasileiro, deve ser feita a partir da evidência do direito do autor e da fragilidade da resistência do réu. O processo, para ser justo, deve tratar de forma diferenciada os direitos evidentes, não permitindo que o autor espere mais do que o necessário para a realização do seu direito. (2009: p. 133).

Já se disse, linhas atrás, que o tempo não deve ser um ônus unicamente suportado pelo autor, e, com muito maior justificativa, pelo autor que, ainda que aparentemente, tem razão.

No processo civil de outrora foi cômodo, ao réu que não tinha razão, sabedor de que ao final seria despojado do bem da vida pretendido pelo autor, empreender suas forças para embaraçar o andamento do processo. Tal falha do sistema processual então vigente foi corrigida com a instituição da possibilidade da antecipação da tutela, não só quando o direito buscado pelo autor sofre risco de dano, mas também quando o réu faz uso de defesa infundada ou manifesta propósito protelatório.

Marinoni, em sua monografia a respeito da tutela antecipada, defende a ideia de que este instituto é técnica de distribuição do ônus do tempo do processo. De sua lição extrai-se o seguinte parágrafo:

Por isso, o sistema processual civil, para atender ao direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, deve ser capaz de racionalizar a distribuição do tempo do processo e de inibir as defesas abusivas, que são consideradas, por alguns, até mesmo direito do réu que não tem razão. Ora, a defesa é direito nos limites em que é exercida de forma racional e justa ou nos limites em que não retarda, indevidamente, a realização do direito do autor.

É necessário deixar claro que a técnica antecipatória nada mais é que uma técnica de distribuição dos ônus do tempo do processo. (2009, p. 272).

A doutrina de Cássio Scarpinella Bueno não é diferente. Prega ele que, presentes os requisitos do caput do artigo 273 do CPC, conjugados com o abuso do direito de defesa ou com o propósito protelatório do réu, a tutela deve ser antecipada. Acrescenta o estudioso do processo civil, à ideia até aqui exposta, contudo, a afirmação de que as previsões do artigo 17 do Código de Processo Civil, que trata da litigância de má-fé, são um porto seguro para que se busque referências acerca do que seja abuso do direito de defesa ou propósito protelatório. Vejamos:

Qualquer comportamento que possa ser entendido como abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu deve conduzir o magistrado, desde que presentes os pressupostos do caput do art. 273, à antecipação da tutela fundamentada no inciso II. O art. 17, ao cuidar dos atos de litigância de má-fé, é um bom referencial de comportamentos que devem ser levados em conta para fins de antecipação da tutela com base nesse dispositivo de lei, sem prejuízo de que outras situações, que não estejam lá previstas, levem à mesma conseqüência. (2007: p. 45).

Sem dúvida, porém, que apenas a análise de cada caso concreto poderá revelar em quais hipóteses o réu abusa do direito de defesa ou busca impedir o bom andamento do processo.

É bem verdade que existem casos em que o abuso do direito de defesa ou o propósito de protelação são evidentes. Bastante comum, no dia a dia forense, que partes retirem os autos da serventia e com eles permaneçam por meses, apenas restituindo-os após intimação com a advertência de que os autos serão buscados e apreendidos.

Em outras hipóteses, porém, o abuso do direito de defesa é velado, e o propósito protelatório não é assim tão manifesto. Cumpre, portanto, tanto ao autor quanto ao magistrado, a fiscalização da maneira pela qual o réu exerce seu direito de defesa e conduz os atos processuais. O que se exige do réu é o mesmo que se exige de todos os demais atores envolvidos com o processo, a boa-fé.

5.3 Incontrovérsia

Doutrinadores de peso, entre eles Cássio Scarpinella Bueno, não consideram a previsão do parágrafo 6º, do artigo 273, do Código de Processo Civil, verdadeira hipótese de tutela antecipada. Este defende a ideia de que a hipótese mais se aproxima de um julgamento parcial antecipado da lide. Segundo Scarpinella:

... A grande verdade, no entanto, é que o novo dispositivo acabou deixando uma grande margem de dúvidas a respeito de sua interpretação, porque não é claro se ele realmente trata de mais um "tipo" de tutela antecipada, ao lado das duas situações descritas nos incisos I ("tutela antecipada de urgência" é um nome que bem descreve o fenômeno) e II do art. 273 ("tutela antecipada punitiva" é um bom nome para a figura) ou se, diferentemente, o parágrafo trata de uma figura próxima à antecipação da tutela, mas que com ela não se confunde, algo mais próximo daquilo que o CPC chama de julgamento antecipado da lide e que, pela lógica do próprio § 6º, bem pode ser chamado de "tutela antecipada para julgamento antecipado parcial da lide", ou, o que é o mesmo escrito ao contrário, "julgamento antecipado parcial da lide com efeitos imediatos". (2007: p. 52).

Nas poucas linhas deste trabalho, porém, não cabe adentrar a esta discussão. Considerando que o parágrafo 6º integra o artigo 273, serão tecidas algumas breves considerações a seu respeito, sem se indagar sua real natureza, se antecipação de tutela ou se julgamento antecipado parcial da lide. Basta aqui dizer que: "...Uma fruta já madura não precisa esperar o amadurecimento de uma outra, ainda verde, para ser colhida" (Didier Jr., Braga e Oliveira, 2008: p. 659), seja em sentença, seja em decisão interlocutória que antecipe a tutela.

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O texto legal estabelece que: "A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso".

Pois bem. Conclusão outra não pode haver senão a de que, quando o Código fala em pedidos incontroversos, pretende fazer referência à incontrovérsia dos fatos sobre os quais se funda a pretensão do autor. Isso porque, uma vez que o réu concorde com o pedido em si, tornando-o incontroverso, não é caso de antecipação da tutela, mas, sim, de julgamento do mérito, com fundamento no artigo 269, II, do mesmo Código de Processo Civil.

A tutela será antecipada, portanto, com fundamento no parágrafo 6º, do artigo 273, quando forem os fatos incontroversos, seja em virtude da não apresentação da contestação, sejam em razão da não impugnação destes mesmos fatos, em que se fundam o pedido.

Este raciocínio é complementado pelas palavras de Marinoni e Arenhart, aqui repetidas:

Não é devido processo legal aquele que, tendo que prosseguir para a elucidação de parte do litígio, não possui técnica capaz de viabilizar a imediata realização da parcela do direito que está pronta para definição. Ora, se o jurisdicionado tem direito ao processo justo, ele não pode esperar para ver definido um direito que está pronto para julgamento.

Se o autor é estimulado, em nome da economia processual, a cumular pedidos, não é possível que ele seja obrigado a esperar o tempo para a elucidação de todos os pedidos para ter imediatamente tutelado aquele que está evidenciado (ou é incontroverso). (2010: p. 235).

Pode ocorrer, contudo, que mesmo não contradizendo os fatos narrados pelo autor, o réu lhes oponha fato diverso, impeditivos ou modificativos do direito do autor, e que dependam de produção probatória.

Uma vez, assim, que os fatos constitutivos do direito do autor são incontroversos, e que os fatos modificativos ou extintivos deste mesmo direito, alegados pelo réu, dependem de produção de prova, a tutela pode ser antecipada. É o que prega a doutrina:

Na hipótese em que, diante da defesa de mérito indireta, o fato constitutivo resta incontroverso, surge o germe justificador da antecipação da tutela. Mas, essa técnica antecipatória, apesar de se basear na incontrovérsia do fato constitutivo, obviamente requer que a defesa de mérito indireta exija prova e, por conseqüência, tempo para a sua produção. É exatamente esse tempo, necessário para o réu produzir prova, que não deve pesar sobre o autor. Ou seja, a tutela antecipatória apenas tem sentido quando a defesa indireta não admite julgamento antecipado. Isto porque a antecipação é justificada pelo tempo que o réu vai utilizar para permitir um juízo de cognição exauriente. (Marinoni, 2009: p. 277/278).

É importante ressaltar, porém, que nem todos os casos de incontrovérsia dos fatos constitutivos do direito do autor autorizam a antecipação da tutela. Isto porque, ainda que o réu não negue tais fatos, sua defesa, baseada na oposição de outros fatos, mesmo que dependentes de produção posterior de prova, pode aparentar procedência. Se a defesa do réu, portanto, é verossímil, a tutela não deve ser antecipada.

Em síntese, é o que diz a doutrina:

Para a tutela antecipatória, entretanto, não basta que os fatos constitutivos não tenham sido contestados e uma defesa de mérito indireta que peça a produção de prova. Exige-se, ainda, que a defesa seja reconhecida como infundada. Vale dizer: a probabilidade do insucesso da defesa indireta é elemento que não pode ser desconsiderado para a tutela antecipatória. (Marinoni, 2009: p. 278).

Ocorre que o parágrafo 6º acaba não fugindo às regras gerais estabelecidas no caput do artigo 273, e a verossimilhança deve ser o critério para a antecipação da tutela. Se a verossimilhança estiver com o autor, a tutela deve ser antecipada, se estiver com o réu, não.


CONCLUSÃO

Chega-se, assim, à conclusão de que tem consciência a doutrina, e, com ela, os operadores do direito, de que, não raras vezes e, quiçá, via de regra, a antecipação da tutela é a única possibilidade de que o processo cumpra seu papel, papel este dado a ele pela Constituição da República, e realize o direito material, em tempo de ser ele útil ao seu titular.

Todos têm consciência de que o processo é lento, e de que um processo que se arrasta por anos, sem a produção de qualquer resultado, além de não realizar os valores estatuídos pela Constituição e de não atender a seus próprios princípios, abala a crença dos jurisdicionados na eficácia do Poder Judiciário, ferindo, mesmo, os alicerces da democracia.

A tutela antecipada é a melhor ferramenta para que se chegue a um processo efetivo, célere, e até mesmo justo.

Indo o autor a juízo, apresentando provas robustas dos fatos constitutivos de seu direito e alegações verossímeis, e uma vez que seu direito corre risco de ser lesionado pela passagem do tempo de que o processo, ordinariamente, necessita, ou que o réu abuse de seu direito de defesa ou movimente suas armas com o intuito único de retardar a marcha processual, ou, ainda, em sendo os fatos incontroversos e a defesa do réu, aparentemente, infundada, nada mais razoável que o processo produza seus frutos desde logo, que seja útil desde logo e realize o direito que deve realizar, desde logo.

Impensável seria o processo civil moderno, sem a antecipação da tutela. A dinâmica das relações sociais não mais autoriza a exigência de que se aguarde anos, por vezes décadas, a fim de o processo chegue a seu fim, para, somente após, produzir resultado prático.


REFERÊNCIAS

BRASIL. lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Diário Oficial da União. Brasília, 17 jan.1973

Bueno, Cassio Scarpinella. (2007), Tutela Antecipada. 2 ed., São Paulo, Saraiva

CHIOVENDA, Giuseppe. (2009), Instituições de Direito Processual Civil. 4 ed., Bookseller, Campinas

Didier jr., Fredie, Braga, Paula Sarno e Oliveira, Rafael. (2008), Curso de Direito Processual Civil, direito probatório, decisão judicial, cumprimento da sentença e coisa julgada. Volume 2. 2ª ed., Salvador, Jus Podium

DINAMARCO, Cândido Rangel. (2009), Instituições de Direito Processual Civil. 6ª ed., São Paulo, Malheiros

Marinoni, Luiz Guilherme. (2009), Antecipação da Tutela. 11ª ed., São Paulo, Editora Revista dos Tribunais

MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. (2010), Curso de Processo Civil, processo de conhecimento. Volume 2. 8ª ed. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais

MEDINA, José Miguel Garcia e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. (2011), Processo Civil Moderno, Parte Geral e Processo de Conhecimento. 2ª ed. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais

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Sobre o autor
Rodrigo Emiliano Ferreira

Defensor Público do Estado de São Paulo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Rodrigo Emiliano. Tutela antecipada: linhas gerais e requisitos para sua concessão . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3080, 7 dez. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20599. Acesso em: 10 mai. 2024.

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