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Decorridos dois anos de afastamento, deve o magistrado em disponibilidade retornar às suas funções judicantes

11/12/2011 às 09:36
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Alguns Tribunais vêm entendendo que não é direito subjetivo do Magistrado colocado em disponibilidade ser aproveitado após o período de disponibilidade de dois anos, pelo fato da lei não ter estabelecido sobre o prazo máximo de duração da aludida penalidade.

A disponibilidade com recebimento de subsídios proporcionais ao tempo de serviço trata-se de uma das penalidades aplicadas ao Magistrado que responde ao processo disciplinar.

A situação acima exposta não enseja maiores considerações, pois é cediço que é uma das penalidades impostas ao Magistrado tido como infrator de alguma de suas obrigações funcionais.

Contudo, o artigo 57 da LOMAN, ao dispor sobre a possibilidade jurídica da imposição da penalidade de disponibilidade ao Magistrado, apenas fixou o prazo mínimo de 02 (dois) anos do afastamento para que fosse requerido o respectivo aproveitamento do mesmo.

Eis a dicção do artigo 57e seu § 1º., da LOMAN:

"Art. 57 – O Conselho Nacional de Magistratura poderá determinar a disponibilidade de magistrado, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, no caso em que a gravidade das faltas a que se reporta o artigo anterior não justifique a decretação da aposentadoria.

§ 1º - O Magistrado, posto em disponibilidade por determinação do Conselho, somente poderá pleitear o seu aproveitamento, decorridos dois anos do afastamento."

O artigo e parágrafo da LOMAN, acima transcritos, ao estabelecer o prazo de 02 (dois) anos, assim o faz por entender que é a partir desse que o Magistrado estando em disponibilidade poderá pleitear o seu aproveitamento. Entretanto, não especifica o prazo máximo, sendo que tal fato configura uma grave e insustentável situação jurídica inclusive, ferindo o plasmado da proporcionalidade.

Contudo, alguns Tribunais vêm entendendo que não é direito subjetivo do Magistrado colocado em disponibilidade ser aproveitado após o período de disponibilidade de 02 (dois) anos, pelo fato da lei não ter estabelecido sobre o prazo máximo de duração da aludida penalidade, sendo, portanto, poder discricionário da Administração Pública dispor sobre o retorno ou não, para a atividade judicante do penalizado.

A interpretação acima declinada vem causando sério e grave abalo às instituições jurídicas, em decorrência de que a aplicação de penalidades excessivas, como a do afastamento sine die, sem prazo de retorno, além de demonstrar gravemente algo antiquado com nítida aparência de perseguição, fere o plasmado do princípio da proporcionalidade, porquanto, de igual modo, não existe a mesma possibilidade de aplicar-se a desumana pena perpétua, inclusive porque inexiste sua previsão em nosso ordenamento jurídico, devendo qualquer penalidade imposta ter a previsão de seu termo final.

E o absurdo jurídico se afigura como insustentável quando se constata que o disposto no artigo 57, § 1º, da LOMAN, permite que o Magistrado colocado em disponibilidade, decorridos 02 (dois) anos do afastamento, possa pleitear o seu aproveitamento.

Salvo raras exceções, a lei, em seu texto não se utiliza de palavras sem conexão, inúteis ou impróprias e muito menos, in casu, iria dispor no parágrafo 1º, do artigo 57, da LOMAN, a permissão de que o Magistrado colocado em disponibilidade pudesse pleitear o seu aproveitamento após o decurso de 02 (dois) anos do afastamento, se esse não fosse o marco temporal máximo.

Além do mais, o disposto no artigo 5º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, impõe ao Juiz, quando da aplicação da Lei, a busca pelos fins sociais a que se destina e as exigências do bem comum, litteris:

"Art. 5º - Na aplicação da Lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum."

Portanto, o argumento de que a LOMAN não estabelece o retorno à atividade do Magistrado após 02 (dois) anos cede quando se constata que o legislador estabeleceu o marco temporal de 02 (dois) anos para o Magistrado pleitear o seu aproveitamento.

Sendo oportuno ressaltar que a Constituição Federal veda a imposição da pena de caráter perpétuo (CF, art. 5º, XLVII, b), tal qual lhe quererem adotar e imputar os que pensam e interpretam de forma diversa, visto que não ocorre nenhum motivo jurídico plausível capaz de justificar a permanência indefinida do Magistrado em disponibilidade, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço.

A indeterminação do cumprimento da penalidade sub oculis após o transcurso de mais de 02 (dois) anos fere, de igual modo, o plasmado da dignidade humana, tendo em vista a total marginalização do Magistrado perante a própria sociedade e ao Tribunal que o remunera.

Não é humano e nem razoável pensar em indefinição da aplicação da penalidade de disponibilidade, que ao tempo em que necessita o Poder Judiciário do maior número de Magistrados em seus quadros, deixa juízes fora da função judicante, mesmo já tenham cumprido há muito tempo a penalidade disciplinar que lhe foi imposta, ao argumento que o artigo 57, § 1º, da LOMAN confere ao Tribunal competente - tal a responsabilidade de aproveitar ou não, os Magistrados postos em disponibilidade após o transcurso de dois anos dos respectivos afastamentos.

Daí decorre a falta não só de tratamento digno com a envergadura da função desenvolvida pelo Magistrado, mas também a violação ao princípio da proporcionalidade, em decorrência de que é defeso ao Poder Judiciário, sem nenhuma justificativa legal, negar o aproveitamento em questão ao argumento de que é lícita tal decisão.

Mesmo que o Magistrado responda concomitantemente a processo judicial penal, não há que confundir as instâncias, e mantê-lo indefinidamente em disponibilidade, até que ocorra o trânsito em julgado do referido processo penal.

Unificar as instâncias criminal e disciplinar, para justificar que a disponibilidade imposta na esfera administrativa projeta-se na outra instância é fazer escarnecimento do ordenamento jurídico vigente.

Apesar de não acarretar nenhuma discussão jurídica perante todas as Cortes Superiores, a decisão que preconiza o injustificável, no sentido de estabelecer que a disponibilidade do Magistrado é mantida pela situação de ter sido recebida denúncia contra o mesmo pelos mesmos fatos, não pode perdurar, por não ter fundamento jurídico, em decorrência de que as instâncias são independentes.

Não há que se confundir o afastamento (disponibilidade) oriundo de processo administrativo disciplinar já findo por seu julgamento e também pelo cumprimento da penalidade, com o processo penal oriundo de outra esfera do direito, totalmente independente uma da outra.

Se a disponibilidade foi decidida pelo Tribunal de origem no processo administrativo disciplinar correspondente, após seu cumprimento, não há que se falar que, por esse motivo, deixou-se de apreciar o afastamento cautelar do Magistrado na esfera penal, porquanto aquele é independente dessa.

Vincular as instâncias para fins de procedibilidade no presente caso se afigura como indevido e ilegal, pois o Magistrado não pode ficar sem aproveitamento ad eternum, recebendo salário dos cofres públicos, enquanto durar a tramitação do processo penal a que responde, em decorrência de que o transcurso do prazo de 02 (dois) anos de disponibilidade já atingiu o objetivo da imposição e do cumprimento da sanção disciplinar que lhe foi imposto. Sendo certo, que se houver a necessidade de um novo afastamento, a critério do Tribunal Pleno, no processo penal, nada há que impeça tal provimento, desde que haja justa causa para a tomada da respectiva medida, visto que o afastamento nessa última situação possui como objetivo garantir a higidez do processo.

Ao não ser definida a duração temporal que o Magistrado ficará em disponibilidade, passados mais de 02 (dois) anos, e o tempo da penalidade imposta estando sendo cumprida, esse fato se transforma em uma grande incógnita, com caráter de crueldade, pois não existe norma legal que impeça o aproveitamento do mesmo após o cumprimento de 02 (dois) anos da penalidade imposta.

O artigo 57, § 1º., da LOMAN estabelece que o Magistrado posto em disponibilidade pode pleitear o seu aproveitamento, decorridos dois anos do afastamento, para que a penalidade de disponibilidade não se torne uma sanção permanente (perpétua).

Dessa forma, todo Magistrado posto em disponibilidade possui o direito de retornar ao seu cargo efetivo, praticando todos os atos inerentes à sua relevante função.

Apesar de ser direito inquestionável do Magistrado que encontra-se em disponibilidade ser aproveitado em seu anterior cargo, quando cumprida sua penalidade - no máximo em até dois anos – ele deverá pleitear tal direito, tendo em vista a possibilidade de haver fatos ou circunstâncias de ordem moral ou profissional que impeçam o seu retorno à função judicante.

Portanto, para que ocorra o impedimento do aproveitamento do Magistrado, deverá estar presente critérios objetivos capazes de impedir o deferimento de seu pleito.

Jamais a discricionariedade absoluta do Poder Judiciário poderá transformar a penalidade de disponibilidade do Magistrado em uma punição permanente, sine die, uma vez que o objetivo do afastamento temporário não possui essa característica. Portanto, é defeso deixar o aproveitamento do Magistrado à discricionariedade desproporcional do Tribunal.

Não havendo a demonstração cabal da impertinência do aproveitamento do Magistrado, ou seja, não havendo essa objeção, o direito do aproveitamento é lícito e deve ser acolhido, sob pena de manter-se permanente uma sanção que é conforme a lei, tida apenas como transitória.

A transitoriedade que a lei indicou foi de 02 (dois) anos, sendo ilícita a perpetuidade da disponibilidade, sem que haja motivo jurídico lícito, plausível e razoável.

Sobre o tema, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ já se posicionou no sentido de fixar o prazo da disponibilidade em 02 (dois) anos, como se verifica:

"Processo Administrativo Disciplinar. Preliminares afastadas. Mérito. 1) Não conhecimento das alegadas nulidades relativas à interceptação telefônica, à ilicitude das provas iniciais e ao cerceamento de defesa quanto a oitivas de testemunhas porque são matérias já apreciadas pelo Plenário deste CNJ e, portanto, atingidas pela preclusão. 2) A prova pericial, além de constituir matéria preclusa, tendo em vista que foi indeferida pelo então relator no início deste PAD, é desnecessária porque não há fato a ser objeto da prova, pois, "insuscetível a produção de prova pericial para comprovar a existência de divergência jurisprudencial". 3) Ante a ausência de demonstração de prejuízo quanto à colheita das provas orais (inversão na ordem de oitiva das testemunhas e interrogatório), resta afastada a alegada nulidade. Precedentes. 4) É assente o entendimento na jurisprudência do STF e do STJ no sentido de que se aplicam à Magistratura as disposições da Lei n° 8.112/90 no que refere à prescrição. 5) As regras previstas na Lei n° 8.112/90, contudo não autorizam a extinção da punibilidade pela aplicação da prescrição em perspectiva. Precedentes. 6) De toda sorte, ainda que aplicado o disposto no § 2° do art. 142, da Lei n° 8.112/90, não se configura a prescrição da pretensão punitiva administrativa, porque o prazo, iniciado em 11/12/2003 com o conhecimento do fato, foi interrompido com a instauração deste PAD em 15/05/2007 e voltou a correr em 03/10/2007, após o transcurso de 140 dias (RMS 23436, Relator Min. Marco Aurélio, DJ 15-10-1999 PP- 00028). Dessa data até hoje não transcorreram cinco anos. 7) Não restou demonstrada nos autos, a prática da coação de testemunha no curso de processo, seja porque não há nas transcrições telefônicas qualquer referência à participação do Desembargador Dirceu no fato apurado, seja porque a própria testemunha dita coagida afirmou que, no seu entender, o defendente não sabia das atitudes da filha e do empresário e que este agia por conta própria, buscando criar situação que pudesse futuramente lhe ser favorável. 8) Não se confirmou que, nas decisões de liberação de mercadorias proferidas pelo Desembargador Dirceu, a sua atuação estivesse em desconformidade com o entendimento jurisprudencial, a ponto de reclamar uma averiguação disciplinar em razão de suposta advocacia administrativa. 9) Os documentos oficiais encaminhados pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, atas de distribuição, registram que a distribuição no referido Tribunal se fazia de forma regular, seguindo as regras processuais. Equívocos na distribuição ocorreram, mas quando percebidos, seja pelo Relator ou por servidor, foram corrigidos. 10) Pelos documentos dos autos ficou configurado, contudo, que o defendente cometeu infração disciplinar ao realizar telefonemas a Juízes Federais solicitando audiências para advogados, pedido de preferência de julgamentos e até discussão de temas jurídicos afetos a processos em julgamentos, a configurar clara e inequívoca pressão sobre Juízes Federais, no âmbito de formação de seu convencimento. 11) Em consonância com as provas trazidas aos autos, a sanção a ser aplicada deve ser a disponibilidade, com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, pelo período de 02 (dois) anos, nos termos do artigo 42, IV c/c artigo 57, § 1° e 385, IV do RI do TRF da 4ª Região, por violação ao artigo 35, VIII, da mesma Lei Complementar. Voto Vencedor do Conselheiro Paulo de Tarso Tamburini Souza."

(CNJ – PAD 200830000000905 – Rel. Cons. Paulo de Tarso Tamburini Souza – 113ª Sessão – j. 28/09/2010 – DJ - e nº 180/2010 em 30/09/2010, p.27).  -[Sublinhado nosso]-.

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Viola, portanto, o princípio da proporcionalidade manter-se indefinidamente a penalidade de disponibilidade, visto que o afastamento de até 02 (dois) anos se afigura como justo e razoável.

Corroborando o que foi aduzido, segue o precedente extraído do PCA nº 2010620004, do Conselho da Justiça Federal – CJF, onde o eminente Corregedor, Ministro João Otávio de Noronha, em seu voto condutor averbou sobre a matéria:

"Entretanto, uma leitura mais atenta revela que não houve a fixação de prazo estático para a pena de disponibilidade, mas tão somente a determinação a priori de quanto tempo o magistrado deveria permanecer nessa situação. Na verdade, nada mais se faz do que repetir a redação do art. 57, § 1º, da LOMAN, que condiciona o retorno ainda a requerimento específico do magistrado posto em disponibilidade.

O segundo entendimento possível é o de que se trata de prazo sine die, deixado o aproveitamento do magistrado à discricionariedade absoluta do Tribunal. Tal interpretação é incompatível com o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, previsto na Constituição Federal de 1988, como corolário do devido processo legal substantivo (art. 5º, LIV, da CF). Isso porque, a prevalecer essa interpretação, a disponibilidade seria mais gravosa até do que a pena máxima, a saber, a aposentadoria compulsória. Nessa modalidade, o apenado está desobrigado dos deveres inerentes à Magistratura: pode advogar, estar à frente de empresas, enfim, pode optar por nova função e nova identidade profissional. Já na disponibilidade, o magistrado está ainda jungindo às limitações próprias do cargo previstas em lei e na Constituição.

Essa antinomia valorativa ou axiológica, isto é, apenas com mais gravidade conduta considerada mais branda, fere a Constituição e o devido processo substantivo. A não ser que considere, como é da própria natureza da disponibilidade, uma pena temporária, na qual o Magistrado possa saber, com segurança, quando deve retornar às atividades judicantes. Ora, se o TRF não concluiu pela aposentadoria compulsória, considera, então, a magistrada apta ao retorno (...)

No entanto, tem razão a recorrente no que tange ao quantitativo de pena que lhe foi imposto. Levando-se em conta o período compreendido entre o dia em que foi posta em disponibilidade (12 de março de 2007) e o termo final fixado, ter-se-ia uma pena de 6 anos e meio, de fato, trata-se de pena desproporcional e exagerada. Não se pode falar em ‘discricionariedade’ do TRF da 2ª Região apenas porque não está cominado, no art. 57, § 1º da LOMAN, o montante máximo de pena. E aqui se expõe o terceiro entendimento da mens in legis da referida norma que ora se sustenta, ou seja, de que é uma discricionariedade sob a égide do princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, constitucionalmente consagrados. Do contrário, chegar-se-ia ao arbítrio de o TRF poder estabelecer período de 6, 8 ou 10 anos a seu talante, o que representaria a aniquilação profissional da Juíza Federal.

Como estabelecer, então, um parâmetro de lege ferenda? Sem tentar aqui realizar uma cominação em abstrato, tarefa do legislador, pode-se com base no resultado – 6 anos e meio -, constatar que se trata de pena muito severa do ponto de vista administrativo. a própria norma já indica que, a partir de 2 anos, é possível o pleito de aproveitamento. Isso sugere que, penas acima de 2 anos, devem ser consideradas excepcionais e necessitam de bom fundamento. Além disso, como já visto na jurisprudência administrativa do CNJ, tem-se optado pelo prazo de 2 anos de disponibilidade."

(Data da sessão: 12.09.2011)

Nesse julgamento perante o CJF, no qual tivemos a honra de defender uma Magistrada da Justiça Federal do Estado do Rio de Janeiro-RJ, colocada em disponibilidade, encontrando-se nessa situação há mais de 04 (quatro) anos e meio, tendo o seu retorno às suas funções anteriores (aproveitamento) indeferido pelo TRF – 2ª Região, pelo pífio argumento de que ela respondia, pelos mesmos fatos, em processo penal e por essa razão deveria permanecer afastada de suas funções até a ultimação das investigações.

Em sendo assim, fixou o TRF – 2ª Região, após ter sido compelido pela medida liminar deferida pelo CJF nos autos do PCA nº 2010.62.0004, o prazo máximo de disponibilidade de 06 (seis) anos e meio.

Não resta dúvida que esse posicionamento jurídico advindo do TRF – 2ª Região foi absolutamente desproporcional e, por essa razão, foi revisto pelo CJF, em um leade case que proporciona precedente para outros Magistrados que encontram-se em situação análoga, fazendo com isso, cessarem inúmeras injustiças que vêm sendo praticadas por outros Tribunais.

Como pena e sanção são institutos jurídicos afins, a pergunta que se deve fazer é, se esse princípio fica adstrito apenas a esfera criminal, ou se ele é aplicado ao direito administrativo disciplinar também?

Tal qual o princípio da presunção de inocência, o texto constitucional não mitiga a aplicação do princípio de que jamais poderá haver imposição de penas de caráter perpétuo. Essa regra aplica-se ao direito sancionatório do Estado, contudo, o Estado deve necessariamente e obrigatoriamente observar o disposto no texto constitucional.

A persecução do Estado não poderá desprezar o direito fundamental da pessoa humana de que não será condenada a uma penalidade/sanção de caráter permanente (perpétuo), pois a finalidade da punição, entre outras, é a de possibilitar a regeneração e a readaptação do condenado à vida civil, familiar e profissional.

Por essa razão, a penalidade imposta não poderá se transformar quando de seu cumprimento em crueldade para com o condenado e nem tampouco em um castigo, como ocorria no período medieval, onde o direito não imperava perante a sociedade.

A sociedade evoluiu, tendo por base muitos sacrifícios e crueldade, para tornar o Estado, ente público dotado de vinculação ao direito e a justiça, com objetivo de que todas as pessoas possam ter a garantia de uma vida justa e solidária. E em caso de uma condenação, que a pena imposta, quando do seu cumprimento objetive regenerar e recuperar o condenado, de modo digno e humano e jamais degradante, desumano e cruel.

O Supremo Tribunal Federal, no RE nº 154134/SP, afirmou que a proibição de pena perpétua repercute fora da esfera penal, aplicável a todo ordenamento jurídico, preconizando ser inadmissível aplicação de pena de proibição de exercício de atividade profissional com caráter definitivo ou perpétuo.

Assim ficou ementado o v. acórdão do RE nº 154134/SP - STF:

"DIREITO CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. PENA DE INABILITAÇÃO PERMANENTE PARA O EXERCÍCIO DE CARGOS DE ADMINISTRAÇÃO OU GERÊNCIA DE INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. INADMISSIBILIDADE: ART. 5 , XLVI, "e", XLVII, "b", E § 2 , DA C.F. REPRESENTAÇÃO DA UNIÃO, PELO MINISTÉRIO PÚBLICO: LEGITIMIDADE PARA INTERPOSIÇÃO DO R.E. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 1. À época da interposição do R.E., o Ministério Público federal ainda representava a União em Juízo e nos Tribunais. Ademais, em se tratando de Mandado de Segurança, o Ministério Público oficia no processo (art. 10 da Lei nº 1.533, de 31.12.51), e poderia recorrer, até, como "custos legis". Rejeita-se, pois, a preliminar suscitada nas contra-razões, no sentido de que lhe faltaria legitimidade para a interposição. 2. No mérito, é de se manter o aresto, no ponto em que afastou o caráter permanente da pena de inabilitação imposta aos impetrantes, ora recorridos, em face do que dispõem o art. 5 , XLVI, "e", XLVII, "b", e § 2 da C.F. 3. Não é caso, porém, de se anular a imposição de qualquer sanção, como resulta dos termos do pedido inicial e do próprio julgado que assim o deferiu. 4. Na verdade, o Mandado de Segurança é de ser deferido, apenas para se afastar o caráter permanente da pena de inabilitação, devendo, então, o Conselho Monetário Nacional prosseguir no julgamento do pedido de revisão, convertendo-a em inabilitação temporária ou noutra, menos grave, que lhe parecer adequada. 5. Nesses termos, o R.E. é conhecido, em parte, e, nessa parte, provido."

(STF. Rel. Min. Sydney Sanches, RE nº 154134/SP, 1ª T., julgado em 15/12/1998).

Como visto, relevante foi o posicionamento do STF, ao não permitir a aplicação de penalidades permanentes ou perpétuas, aplicando-se à matéria a garantia inserta no art. 5º, inciso XLVII, "b", da Constituição Federal.

É a confirmação de que não há mitigação do referido princípio, visto que ele é aplicável a todo ordenamento jurídico, sem exceção.

Nesse sentido, extrai-se do voto do Ministro Moreira Alves, no citado RE nº 154134/SP, a seguinte e efetiva lição:

"A vedação constitucional de determinadas sanções - entre elas as de caráter perpétuo - não pode restringir-se às sanções penais aplicadas jurisdicionalmente, mas, com maior razão, há de aplicar-se as sanções administrativas, na medida em que estas sejam admissíveis no regime constitucional [...]."

E o Ministério Público Federal, ao opinar no citado RE 154134/SP, citando J.J. Canotilho, adotou a tese da não mitigação do artigo 5º, inciso XLVII, "b", da CF, nos seguintes termos:

"[...] 5. Na hipótese sub judice, a questão não se restringe ao exame de compatibilidade da aplicação da pena de inabilitação permanente, face o texto constitucional, mas também dos efeitos decorrentes do próprio ato impugnado, sustentado pela lei 4.595/64, que não prevê a possibilidade de revisão da referida pena, nem de reabilitação dos apenados. 6. não haverá pena de caráter perpétuo’ - eis a regra insculpida no art. 5º, XLVII, "b", da Constituição vigente. Em outras palavras ‘toda pena deverá ser provisória conforme dispuser a lei’ (Cf. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, in Comentários à Constituição Brasileira de 1988, vol. 1, p. 63). [...] 9. Por outro lado, em se tratando de uma garantia constitucional assegurada aos cidadãos, não se pode restringir o seu alcance ao âmbito do direito penal, quando a inflição de pena tem previsão legal no regime disciplinar administrativo. 10. Razão maior, ainda assiste aos cidadãos, quando se trata de aplicação de pena disciplinar de caráter perpétuo considerando que no processo administrativo não se goza das garantias maiores oferecidas pelo processo judicial. 11. J.J. Gomes Canotilho, ao comentar sobre o art. 30 da Constituição Portuguesa que também veda a aplicação de penas com caráter perpétuo, observa: ‘II - o princípio da natureza temporária, limitada e definida das penas (bem como das medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade) (nº 1) é expressão do direito à liberdade (art. 27), da (idéia de proibição de penas cruéis, degradantes ou desumanas (art. 25-2) e, finalmente, da idéia de proteção da segurança, ínsita no princípio do Estado de Direito (cf. nota V ao art. 22). O teor do preceito parece abranger (e a alteração da 1ª revisão constitucional vai nesse sentido) todas as penas, não somente as privativas da liberdade (proibindo a prisão perpétua), mas também todas as outras (proibindo todas as que traduzam em amputar ou restringir, perpetuamente a esfera de direitos das pessoas). Problemática é, neste contexto, a legitimidade constitucional das penas de demissão, interdição profissional e incapacidade política e outras, previstas no Código Penal, apesar das possibilidades de reabilitação (arts. 65 a 70)’ (in Constituição da República Portuguesa Anotada, 2ª ed., vol. 1, Coimbra ed., p. 210)."

No mesmo sentido, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, no MS nº 1119/DF, manteve intacta a interpretação sub oculis, no sentido de que o art. 5º, inciso XLVII, "b", da CF se aplica às sanções administrativas, verbis:

"Constitucional. Mandado de Segurança. Diretor de Instituição Financeira. Pena de inabilitação permanente. Impossibilidade. Art. 5º, LXXVII, par. 2, e LXVI, letra e, da CF. deferimento. I. Os direitos e garantias expressamente previstos na Constituição Federal não excluem outros tantos decorrentes do Regime dos princípios nela adotados (art. 5º, LXXVII, par. 2). II. A vedação às penas de caráter perpétuo não pode ser interpretada restritivamente, estendendo-se as penalidades de suspensão e interdição de direitos capitulados no inciso LXVI, letra "e", do mesmo artigo. III. Segurança conhecida."

(STJ. Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, MS nº 1119/DF, 1ª S., julgado em 18/12/1991).

Portanto, não há como se admitir que o poder absoluto discricionário do Tribunal possa subverter valores constitucionais indissolúveis, levando-se em conta que na esfera disciplinar prevalece o princípio da proporcionalidade quando da fixação de uma penalidade.

Após 02 (dois) anos de disponibilidade o Magistrado possui direito inquestionável de retornar à sua função judicante, posto que não há discricionariedade na fixação de penalidade, devendo a mesma ser justa e proporcional.

Faz-se necessário, em caráter urgente, dar-se um basta nessas punições desproporcionais, que trazem ainda o verdadeiro estigma de autoritarismo, tão habitual por ocasião da ditadura militar que instalou-se em nosso País; portanto, as punições desproporcionais são totalmente dissociadas dos valores supremos da dignidade da pessoa humana, visto que é totalmente contrário ao ordenamento jurídico fixar uma penalidade em caráter permanente.

O que deve ocorrer (trata-se da única possibilidade) é a aplicação de uma penalidade temporária, para vigir por até 02 (dois) anos, para que após esse período, possa o Magistrado apenado voltar às suas funções de modo digno e probo, a fim de cumprir a sua missão de fazer justiça e de preconizar pela aplicação do direito nos casos que estejam sob sua jurisdição.

Não sendo aposentado compulsoriamente, possui o Magistrado o direito líquido e certo de ser aproveitado, após o transcurso de 02 (dois) anos do cumprimento da penalidade de disponibilidade.

Rio de Janeiro, 17 de outubro de 2011.

MAURO ROBERTO GOMES DE MATTOS

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Sobre o autor
Mauro Roberto Gomes de Mattos

Advogado no Rio de Janeiro. Vice- Presidente do Instituto Ibero Americano de Direito Público – IADP. Membro da Sociedade Latino- Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Membro do IFA – Internacional Fiscal Association. Conselheiro efetivo da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Autor dos livros "O contrato administrativo" (2ª ed., Ed. América Jurídica), "O limite da improbidade administrativa: o direito dos administrados dentro da Lei nº 8.429/92" (5ª ed., Ed. América Jurídica) e "Tratado de Direito Administrativo Disciplinar" (2ª ed.), dentre outros.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATTOS, Mauro Roberto Gomes. Decorridos dois anos de afastamento, deve o magistrado em disponibilidade retornar às suas funções judicantes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3084, 11 dez. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20604. Acesso em: 24 abr. 2024.

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