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A LOMAN interpretada pelos juízes

12/12/2011 às 16:22
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Enquanto não vem a nova LOMAN, os tribunais decidem de forma variada sobre o processo eleitoral para escolha da diretoria. Dentre as práticas antidemocráticas, anotadas na lei da ditadura, depara-se com a eleição biônica que os Tribunais superiores não se preocupam em alterar.

A LOMAN foi gerada no período negro da história do Brasil e grande parte das leis dessa época foi revogada ou alterada. A Lei Orgânica da Magistratura, entretanto, apesar de seu caráter ditatorial continua em vigor, seja porque o STF ainda não remeteu o Anteprojeto de Lei Complementar de sua competência para o Congresso Nacional, em cumprimento à determinação constitucional, seja porque a interpretação que se tem dado aos seus dispositivos é de natureza restritiva, incompatível com a democracia instalada desde a Constituição de 1988. Portanto, a manutenção do Estatuto de 1979 nos dias atuais não pode provocar responsabilidade do Legislativo, mas do próprio Judiciário que fica sem condições morais para reclamar regulamentação de outros dispositivos constitucionais por parte do Congresso Nacional.

A regulamentação do art. 93 da Constituição, apesar de passados mais de vinte e três anos, continua aguardando iniciativa do Supremo Tribunal Federal para remeter ao Congresso Nacional o Projeto de Lei que deverá ser a nova Lei Orgânica da Magistratura.

Enquanto isso não ocorre os tribunais decidem de forma variada sobre o processo eleitoral para escolha da diretoria.

O Supremo Tribunal Federal, o STJ e o CNJ já manifestaram, mas as regras regionais têm prevalecido; daí a importância de o CNJ pronunciar-se sobre o assunto, acabando com a diversidade de entendimentos.

Dentre as práticas antidemocráticas, anotadas na lei da ditadura, depara-se com a eleição biônica que os Tribunais superiores não se preocupam em alterar. Todavia, além da lei em si, há interpretações absurdas que precisam de repreensão.

O art. 102 da LOMAN estabelece que:

"Os Tribunais pela maioria dos seus membros efetivos, por votação secreta, elegerão dentre seus Juízes mais antigos, em número correspondente ao dos cargos de direção, os titulares destes, com mandato por dois anos, proibida a reeleição. Quem tiver exercido quaisquer cargos de direção por quatro anos, ou o de Presidente não figurará mais entre os elegíveis, até que se esgotem todos os nomes, na ordem de antiguidade. É obrigatória a aceitação do cargo, salvo recusa manifestada e aceita antes da eleição".

As Resoluções dos Tribunais que regulamentam o dispositivo seguem o mesmo caminho.

Da análise do texto legal conclui-se que haverá necessidade de eleição, ou seja, escolha de candidatos pelos eleitores com duas restrições: não concorrem todos os membros do Tribunal, mas somente os juízes mais antigos, cujo número deve corresponder ao dos cargos de direção; e proibição de reeleição.

Os cargos de direção dos Tribunais são três ou no máximo cinco: Presidente, Vice-Presidente e Corregedor; outros Tribunais escolhem Presidente, dois Vice-Presidentes e Corregedorias da Capital e do Interior ou Corregedor e Vice-Corregedor.

A Bahia adotou a sistemática do Pará, constituindo a Diretoria de Presidente, dois Vice-Presidentes, Corregedoria Geral (da Capital) e do Interior.

No mês de novembro último deu-se na Bahia a eleição para os cargos de Presidente, de 1º e 2º Vice Presidentes, de Corregedor Geral (Capital) e de Corregedor das Comarcas do Interior.

O processo deveria seguir o rito enunciado na lei, ou seja, eleito o Presidente, havendo desistência do candidato vencido para concorrer aos outros quatro cargos, exigiria a convocação imediata do 6º na lista de antiguidade para compor o quadro de pretendentes, permanecendo assim quatro candidatos para quatro vagas.

O Tribunal de Justiça da Bahia, pela maioria de seus membros, entendeu que o chamamento do sexto da lista de antiguidade só deve acontecer quando preenchidos todos os quatro cargos anteriores, significando dizer que o 6º convocado seria chamado somente para ter seu nome homologado sem poder concorrer aos cargos de 1º e 2º Vice-Presidentes nem a Corregedoria Geral (Capital). O 6º mais antigo, no entendimento do Tribunal da Bahia, só pode ocupar o último cargo, obtido através da última eleição.

Essa compreensão é equivocada e não condiz com o entendimento do legislador de 1979, nem com decisões do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional da Magistratura; é repudiada pelos novos tempos de democracia, implantado com a Constituição de 1988.

O sexto da lista deve ser chamado imediatamente, depois da desistência aos outros cargos do candidato vencido à Presidência, para que possa concorrer para a eleição seguinte de 1º Vice Presidente, porque, de outra forma, o processo fica desfalcado de um candidato para os quatro cargos. Esse desembargador, sexto na lista, é convocado para aceitar ou não participar da lista de candidatos à eleição dos quatro cargos restantes, mas não deve ser convocado somente para ocupar a última vaga de Corregedor das Comarcas do Interior, como se interpreta na Bahia. Esse entendimento fere até mesmo a LOMAN, além de violação às Resoluções, Regimentos e decisões dos Tribunais superiores, porque todos uniformes no sentido de assegurar que:

"elegerão dentre seus Juízes mais antigos, em número correspondente ao dos cargos de direção, os titulares destes...".

Decisão do CNJ ratifica a interpretação que se professa aqui, em nítido confronto com a maioria do Tribunal de Justiça da Bahia.

O Conselheiro Jefferson Kravchychin, como Relator, no Procedimento de Controle Administrativo n. 0000095-74.2011.2.00.000, figurando como requerido o Tribunal de Justiça do Paraná, decidiu nos seguintes termos:

"Ocorre, contudo, que na hipótese de impedimento, recusa ou mesmo ambos, necessária se faz a ampliação do universo de candidatos elegíveis, total ou parcialmente.

"Havendo, pois, impedimento ou recusa (tácita ou expressa), o Desembargador seguinte na lista de antiguidade poderá se candidatar aos cargos de direção ofertados, até que se oportunize, para cada cargo eletivo, a inscrição de candidatos em número correspondente ao dos cargos de direção".

Em recente decisão sobre as eleições no Rio Grande do Sul, o STF, através do presidente, Cézar Peluzo definiu:

"A cada cargo, mudavam os candidatos. Então, o que me parece que o Tribunal fez foi observar, em relação à eleição de cada cargo, os mais antigos, excluídos os inelegíveis e os que recusaram candidatura".

Disse ainda o ministro: "no Rio Grande do Sul, eram cinco cargos em discussão, que seriam preenchidos pelos magistrados mais antigos se estes fossem candidatos a cada cargo".

Fica claro que o número de candidatos será apurado depois de excluídos os inelegíveis, os impedidos e os que declararem não ser candidatos para que haja número de cargos equivalentes ao número de candidatos. Se a eleição é para quatro cargos, após a escolha do Presidente, há de ter quatro candidatos, porque convocado o sexto mais antigo em substituição ao que declarou não ser candidato aos outros cargos.

A LOMAN considera "obrigatória a aceitação do cargo, salvo recusa manifestada e aceita antes da eleição", ou seja, o candidato que pretende se habilitar somente à Presidência deve dizer perante o Pleno que não é candidato aos outros cargos e o Pleno homologará essa recusa, art. 102; aceita a recusa de um dos cinco já não se tem número suficiente de desembargadores mais antigos para habilitar aos quatro cargos restantes, motivo pelo qual deve ser imediatamente convocado o sexto para completar o número de quatro candidatos a quatro cargos.

Registre-se que o candidato convocado, apesar de não ter requerido habilitação, porque não podia, com a recusa de um dos mais antigos obtém os mesmos direitos do desistente.

Ademais, assim como não se inicia a eleição para os cinco cargos com quatro candidatos, também não se prossegue com o processo de escolha para quatro cargos com três candidatos. Deve haver sempre número de candidatos correspondentes ao de cargos da direção, como explicita a lei.

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Se a desistência acontecer depois da eleição do Presidente, como ocorreu na eleição para a Diretoria do Tribunal de Justiça da Bahia, evidente que deverá ser convocado substituto para suprir a vaga deixada pelo desistente para formar, agora não cinco, porque um já foi eleito, mas para compor o número de quatro desembargadores mais antigos. Esses quatro vão concorrer aos quatro cargos disponíveis. E o convocado, como se disse acima, participará da eleição com os mesmos direitos do desistente.

O fato de ter havido habilitação anterior, não desvirtua o processo, pois o convocado não poderia habilitar-se, ocorrência que só acontece depois da recusa de um dos mais antigos.

Após a eleição do Presidente e considerando que houve inscrição de três candidatos para a presidência, sendo que um foi eleito e outro desistiu, conclui-se que existem apenas quatro cargos para três candidatos. Assim, na interpretação dada pelo Pleno da Justiça baiana, não haverá eleição para quatro cargos com quatro candidatos, mas eleição de três candidatos para quatro cargos. O último, sexto da lista, na forma que se adotou, não participará do processo eleitoral, mas será nomeado Corregedor das Comarcas do Interior. E a lei não diz assim.

A convocação acontece antes da eleição para o respectivo cargo; do contrário, a lei falaria somente em convocação para assumir o cargo e não para ser votado. Não se pode ter eleição para quatro cargos, dois Vice-Presidentes e dois Corregedores, com habilitação de somente dois ou três desembargadores. Se forem quatro cargos deve ter sempre um mínimo de quatro candidatos, como seria cinco se houvesse desistência antes da eleição de Presidente.

Os nomes desses quatro desembargadores são submetidos ao Pleno para escolha dos quatro que ocuparão os quatro cargos. A eleição, como diz a lei, acontece para cada cargo, ou seja, um, dois ou mais candidatos para a Presidência, para 1ª Vice-Presidência, para a 2ª Vice Presidência e para a Corregedoria Geral.

A interpretação dada à lei na Bahia, crê-se que o único Estado a assim entender, possibilitou concretamente não a escolha, mas a homologação de três candidatos, porque não tiveram concorrentes. A eleição aconteceu somente para a Presidência, que teve três candidatos e para a 1ª Vice-Presidência, com dois candidatos; para a 2ª Vice-Presidência e para a Corregedoria Geral (Capital) homologou-se os nomes dos únicos candidatos, o que não deveria acontecer, pois o desembargador chamado para compor a lista de mais antigos teria de ser convocado, logo após a desistência de um dos mais antigos, o vencido na eleição da Presidência; o 6º da lista foi apenas homologado como Corregedor das Comarcas do Interior. Não teve os mesmos direitos que os outros candidatos.

Para que essa prática antidemocrática, em desacordo até mesmo com o Estatuto da Magistratura não se repita, o CNJ deve se manifestar claramente.

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Sobre o autor
Antonio Pessoa Cardoso

Ex-Corregedor das Comarcas do Interior do Tribunal de Justiça da Bahia. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Antonio Pessoa. A LOMAN interpretada pelos juízes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3085, 12 dez. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20646. Acesso em: 19 abr. 2024.

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