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Princípios específicos do direito tutelar da saúde e segurança do trabalhador

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3. Princípio da Retenção do Risco na Fonte

O professor Sebastião Geraldo de Oliveira defende, ainda, de modo acertado, a consagração do princípio da retenção do risco na fonte como princípio afinado e complementar ao do risco mínimo regressivo. 41

O conhecimento atual na área de prevenção indica que o risco deve ser controlado desde sua origem, evitando que possa se propagar a ponto de atingir a integridade física do trabalhador.

A prioridade, por conseguinte, deve estar voltada para as medidas de prevenção, eliminando ou controlando o risco, em vez de contentar-se com medidas como o fornecimento de equipamentos de proteção individual para eliminar os efeitos dos agentes nocivos.

O cerne deste princípio deve ser extraído dos arts. 9º e 10 da Convenção n. 148. da OIT, ratificada pelo Brasil. Eles apresentam uma ordem de preferência, uma escala hierárquica entre as medidas a serem adotadas para a eliminação de todo risco, quais sejam:

Artigo 9.º

Na medida do possível, deverá ser eliminado todo risco devido à contaminação do ar, ao ruído e às vibrações no lugar de trabalho:

a) mediante medidas técnicas aplicadas às novas instalações ou aos novos procedimentos no momento de seu desenho ou de sua instalação, ou mediante medidas técnicas aportadas às instalações ou operações existentes, ou quando isto não for possível,

b) mediante medidas complementares de organização do trabalho.

Artigo 10

Quando as medidas adotadas em virtude do artigo 9 não reduzirem a contaminação do ar, o ruído e as vibrações no lugar de trabalho aos limites especificados em virtude do artigo 8, o empregador deverá proporcionar e conservar em bom estado o equipamento de proteção pessoal apropriado. O empregador não deverá obrigar nenhum trabalhador a trabalhar sem o equipamento de proteção pessoal proporcionado em virtude do presente artigo. 42

A título de exemplo, pode-se ilustrar a situação com o caso de trabalhadores que estão desenvolvendo suas atividades em uma fábrica de blocos de concreto, expostos a um ruído intenso e acima dos limites de tolerância preconizados na legislação pátria.

Nos termos da norma-princípio acima referida, devem-se adotar algumas condutas a seguir expostas e na ordem então apresentadas.

Primeiro, a medida de controle na fonte deverá ser prioritária, quando viável tecnicamente. No entanto, a fase de planejamento das instalações é o momento mais apropriado para a adoção dessa medida, pois se pode escolher equipamentos que produzam menores níveis de ruído e organizar o seu lay-out. Existem inúmeras alternativas para esse tipo de controle, como: substituir o equipamento por outro mais silencioso, balancear e equilibrar suas partes móveis, reduzir impactos na medida do possível, aplicar material de modo a atenuar as vibrações, regular o motor, instalar abafador, além de outras.

Segundo, não sendo possível o controle do ruído na fonte, deve-se adotar medidas complementares de organização do trabalho. No presente caso, a limitação do tempo de exposição é medida eficaz. Esta limitação pode ser conseguida por meio do rodízio dos empregados nas atividades ou operações ruidosas. Seria o caso de se terem vários operadores da máquina prensa, usada na fabricação de blocos, os quais seriam revezariam suas atividades como operadores junto da máquina com outras atividades, em local distante da fonte do ruído.

Em terceiro, e, somente no último caso, uma vez não tendo sido alcançado o objetivo de se diminuir a exposição ao ruído aos limites de tolerância aceitáveis, é que se lançaria mão do equipamento de proteção individual, no caso os protetores auriculares adequados. 43

Deve-se registrar, todavia, que no Brasil a exceção tornou-se a regra. Em vez de eliminar as condições insalubres na fonte, o empresário prefere a solução mais cômoda e barata, porém menos eficiente, que é o simples fornecimento do equipamento de proteção individual. Em muitas ocasiões, só resta mesmo a opção do fornecimento do equipamento de proteção individual. No entanto, o problema é quando a última alternativa já é adotada em primeiro lugar.

Sabe-se que muitos trabalhadores oferecem resistência para o uso do equipamento de proteção individual, seja em virtude do desconforto causado, seja pelo fato de que, às vezes, ele atrapalha, realmente, o exercício de suas atividades, seja, até mesmo, por comprometer a sua percepção do ambiente em determinadas ocasiões.

Em virtude disso, insta que o empregador adote medidas para combater os riscos na fonte como: a substituição do produto tóxico ou nocivo, mudanças ou alteração do processo ou operação, encerramento ou enclausuramento da operação, segregação da operação ou processo, umidificação do ambiente, ventilação geral diluidora, ventilação local exaustora e medidas de ordem e limpeza, detalhadas no Curso Básico de Segurança e Higiene ocupacional, pelo professor Tuffi Messias Saliba. 44

Esse entendimento é enfatizado em outras convenções, como no art. 6º da Convenção n. 176. da OIT, sobre Segurança e Saúde nas Minas, ratificada pelo Brasil "[...] o empregador deverá avaliar os riscos e tratá-los na seguinte ordem de preferência (a) eliminar os riscos; (b) controlar os riscos na fonte [...]" 45 e no art.30 da Convenção n. 167. da OIT sobre Segurança e Saúde na Construção, ratificada pelo Brasil, "[...] quando não for possível garantir por outros meios a proteção adequada contra riscos de acidentes ou danos para a saúde, inclusive aqueles derivados da exposição a condições adversas, o empregador deverá proporcionar e manter, sem custo para os trabalhadores, roupas e equipamentos de proteção pessoal adequados aos tipos de trabalho e riscos [...]" 46


4. Princípio da Adaptação do Trabalho ao Homem

Durante muito tempo prevalecia o pensamento de que era necessário adaptar o homem ao trabalho, enquadrando-o às exigências do serviço. As necessidades da produção, o desenho dos equipamentos, a velocidade das máquinas, o aumento da produtividade estavam em primeiro plano

Essa mentalidade é reproduzida, com genialidade, em 1936, no filme Tempos Modernos, de Charles Chaplin, que focaliza a vida urbana nos Estados Unidos nos anos 30, imediatamente após a crise de 1929, ao retratar um trabalhador que tem um colapso nervoso por trabalhar em ritmo frenético, estressante, repetitivo e desumano na linha de produção de uma fábrica, indo parar em um hospício.

Neste contexto, nos descompassos entre o trabalhador, as máquinas e o ambiente de trabalho, perdia sempre o trabalhador, que era facilmente substituído como mera engrenagem de um sistema.

As normas internacionais mais recentes estão apontando outro posicionamento. Atualmente, o primeiro que deve ser considerado no ambiente de trabalho é o homem, depois é que se acrescentam os equipamentos, as condições de trabalho, os métodos de produção.

A norma-princípio em comento foi plasmada no art. 5º da Convenção n. 155. da OIT, ratificada pelo Brasil, com a seguinte redação:

Artigo 5

A política à qual se faz referencia no artigo 4 da presente Convenção (política nacional coerente em matéria de segurança e saúde dos trabalhadores e o meio ambiente de trabalho) deverá levar em consideração as grandes esferas de ação que se seguem, na medida em que possam afetar a segurança e a saúde dos trabalhadores e o meio ambiente de trabalho:

a) [...]

b) relações existentes entre os componentes materiais do trabalho e as pessoas que o executam ou supervisionam, e adaptação do maquinário, dos equipamentos, do tempo de trabalho, da organização do trabalho e das operações e processos às capacidades físicas e mentais dos trabalhadores [...] 47

No mesmo sentido, a Convenção n. 161. da OIT, ratificada pelo Brasil, no art. 5, alínea g, prevê como função dos serviços de saúde no trabalho promover a adptação do trabalho aos trabalhadores.

O princípio consagrado nas convenções internacionais de que o trabalho deve se adptar ao homem adquire lineamentos concretos com o aparecimento efetivo da ergonomia, a partir da segunda metade do século XX.

A ergonomia é uma disciplina científica focada na interação do ser humano com artefatos sob a perspectiva da ciência, engenharia, design, tecnologia e gerenciamento de sistemas compatíveis com o ser humano. 48

Tais sistemas incluem uma variedade de produtos, processos e ambientes naturais e artificiais. Assim, a ergonomia lida com uma grande variedade de interesses e aplicações, incluindo o lazer e o trabalho.

Neste contexto, segundo a Associação Internacional de Ergonomia, a ergonomia é a disciplina científica dedicada ao conhecimento das interações entre o ser humano e outros elementos de um sistema. É também a profissão que aplica teorias, princípios, dados e métodos para o projeto, de modo a otimizar o bem-estar do ser humano e, consequentemente, o seu desempenho, aumentando assim naturalmente a produtividade. O ergonomista contribui para a avaliação de tarefas, trabalhos, produtos, meio ambiente e sistemas para torná-los compatíveis com as necessidades, as habilidades e as limitações das pessoas.

Mais ainda, a ergonomia é uma ciência humana aplicada que objetiva transformar a tecnologia para adptá-la ao ser humano. Disciplinas como as ciências biológicas, a psicologia e as ciências da engenharia convergiram para que a ergonomia pudesse conceber produtos e sistemas dentro da capacidade física e intelectual dos seres humanos, de forma que o sistema humano-máquina fosse mais seguro, mais confiável e mais eficaz. De uma forma geral, a ergonomia promove uma visão holística, uma abordagem centrada no ser humano, aplicada a sistemas de trabalho, considerando os aspectos físicos, cognitivos, sociais, organizacionais, ambientais e outros fatores relevantes. 49

A Associação Internacional de Ergonomia define três domínios de competência da ergonomia: o físico, o cognitivo e o organizacional. Com base na informação destes três domínios é possível organizar o trabalho de forma favorável ao ser humano e ao sistema produtivo. O objetivo da ergonomia é adptar o trabalho ao ser humano e não o inverso, como ocorre erroneamente em muitas situações de trabalho.

Desta forma, o princípio abordado tem como cerne a aplicação das informações sobre o comportamento humano, das habilidades, limitações e outras características dos seres humanos ao design de ferramentas, máquinas, sistemas, tarefas, trabalho e ambientes para seu uso de forma produtiva, segura, confortável e efetiva.


5. Princípio da Instrução

Inicia-se a abordagem deste tópico com o significado dado ao vocábulo instrução, pelo dicionário informal, "[...] indicações da utilização de algo, síntese de como se fazer alguma coisa, ato de instruir, ensinar, conjunto de conhecimentos ou saber." 50 Neste esteio, exsurge o sentido do termo informar, delinear, conceber idéia, dar forma ou moldar na mente, instruir, treinar, capacitar, habilitar, qualificar.

Em sentido contrário, é a alienação, que significa tornar alheio, é transferir para outro o que é seu. Registre-se que a alienação não se adstringe ao mundo teórico, mas se manifesta na vida real do homem, na maneira pela qual, a partir da divisão do trabalho, o produto do seu trabalho deixa de lhe pertencer.

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Fixados estes conceitos, passa-se à uma breve síntese histórica do mundo do trabalho.

Nos sistemas domésticos de manufatura era comum o trabalhador conhecer todas as etapas da produção, inclusive a de projeto do produto. A partir da implantação do sistema fabril, no entanto, isso não será mais possível, devido à crescente complexidade resultante da divisão do trabalho. Chama-se dicotomia concepção-execução do trabalho justamente ao processo pelo qual um grupo de pessoas concebe, cria, inventa o que vai ser produzido, inclusive a maneira como vai ser produzido, e outro grupo é obrigado à simples execução do trabalho, sempre parcelado, pois a cada um cabe uma parte do processo.

Essa divisão foi intensificada no início do século XX, quando Henry Ford introduziu o sistema de linha de montagem na indústria automobilística. O homem é reduzido a gestos mecânicos, tornado esquizofrênico pelo parcelamento das tarefas, como retrata Chaplin em Tempos Modernos.

Enquanto prevalecem as funções divididas do homem que pensa e do homem que executa, permanece a alienação na produção, pois permanecerá a idéia que só alguns sabem e devem saber e, portanto, decidem, e a maioria nada sabe, é incompetente e obedece.

Nos tempos hodiernos ganha destaque o pensamento de que a melhor forma para garantir a efetividade das normas de proteção à saúde é a participação do trabalhador nesse processo. Com isso, o trabalhador passou a ter direito à informação sobre os riscos a que está exposto, às formas de prevenção e à formação adequada para o desempenho de suas tarefas.

O princípio da Instrução, ora apresentado, foi extraído das principais convenções da OIT que tratam da saúde do trabalhador. Prevê a Convenção n. 148. da OIT, ratificada pelo Brasil, que "[...] os trabalhadores ou seus representantes terão direito a apresentar propostas, receber informações e orientação e a recorrer a instâncias apropriadas, a fim de assegurar a proteção contra riscos profissionais devidos à contaminação do ar, ao ruído e ás vibrações no local de trabalho." 51Para enfatizar o direito, repete no art. 13. que "[...] todas as pessoas interessadas deverão ser apropriadas e suficientemente informadas sobre os riscos profissionais que possam originar-se no local de trabalho devido à contaminação do ar, ao ruído e às vibrações e receber instruções suficientes e apropriadas quanto aos meios disponíveis para prevenir e limitar tais riscos, e proteger-se dos mesmos." 52

A Convenção n.155, art. 5º, alínea "c", ratificada pelo Brasil, além de repetir o direito à informação, estabelece que "[...] os trabalhadores e seus representantes na empresa devem receber treinamento apropriado no âmbito da segurança e da higiene do trabalho". De forma semelhante, prescreve a convenção n. 161, também ratificada pelo Brasil, que "todos os trabalhadores devem ser informados dos riscos para a saúde inerentes a seu trabalho." 53

Ainda sobre a necessidade de informação e formação dos trabalhadores, pode ser citado o art. 33. da Convenção 167 da OIT sobre Segurança e Saúde na Construção, ratificada pelo Brasil:

Dever-se-á facilitar aos trabalhadores, de maneira suficiente e adequada:

(a) informação sobre os riscos para sua segurança e sua saúde aos quais possam estar expostos nos locais de trabalho;

(b) instrução e formação sobre os meios disponíveis para prevenirem e controlarem esses riscos e se protegerem dos mesmos. 54

A temática foi alvo de pesquisa, quando da produção da dissertação sobre O Acidente de Trabalho Fatal na Indústria da Construção Civil (Grande Natal:1990-1999), durante a realização do curso de Mestrado em Ciências Sociais, pelo professor Edwar Abreu Gonçalves, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, oportunidade em que o mencionado autor compartilha com o leitor alguns dados e observações evidenciadas ao longo da citada investigação sociológica, na qual destaca que, não obstante ao recorte geográfico e temporal investigados, essa realidade laboral não deve se diferenciar muito das condições de trabalho vivenciadas em diversos canteiros de obras existentes em tantas outras cidades dos demais estados brasileiros.

Especificamente em relação aos trabalhadores mortos em canteiros de obras nos municípios que compõem a Grande Natal, constata-se que os mesmos possuíam características predominantes que conduzem a um perfil comum, isto é, são trabalhadores com baixíssimo nível de escolaridade (28% eram analfabetos, 61% possuíam apenas o ensino fundamental incompleto e 11% haviam concluído o ensino fundamental) e, igualmente, são desprovidos de qualificação profissional específica, posto que a maioria deles (82%) aprendeu o exercício profissional de servente ou de pedreiro, de maneira empírica. 55

Na realidade, o empregado que está alheio aos perigos do sistema produtivo com o qual interage, por falta de instrução, encontra-se diante de um grande fator de risco, que pode provocar acidente. É o caso, a título de exemplo, de servente de obra que opera betoneira sem aterramento elétrico, durante a chuva, sofrendo descarga elétrica e vindo à óbito.

Neste sentido, é a prescrição do comando inserto no art. 10. da Convenção 167 da OIT sobre Segurança e Saúde na Construção, ratificada pelo Brasil:

A legislação nacional deverá prever que em qualquer local de trabalho os trabalhadores terão o direito e o dever de participarem no estabelecimento de condições seguras de trabalho na medida em que estes controlem o equipamento e os métodos de trabalho adotados, naquilo que estes possam afetar a segurança e a saúde. 56

Depreende-se, do exposto, que a falta de aplicação do princípio da instrução, como norma supralegal que deve impelir o empregador a responsabilizar-se em informar os trabalhadores, de maneira compreensível, dos perigos relacionados com o seu trabalho e de disponibilizar-lhes programas apropriados de formação e de instruções compreensíveis em matéria de segurança e saúde, assim como em relação às tarefas que lhe são atribuídas, conforme consta inclusive da Convenção n. 176. da OIT, ratificada pelo Brasil, tem se caracterizado como relevante fator de risco, que deve ser combatido com a adoção das medidas pertinentes inspiradoras do princípio comentado.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMORIM JUNIOR, Cléber Nilson Ferreira. Princípios específicos do direito tutelar da saúde e segurança do trabalhador. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3095, 22 dez. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20695. Acesso em: 13 abr. 2025.

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