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A Defensoria Pública como instrumento de concretização do direito fundamental à assistência jurídica integral e gratuita

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Paralelo à intenção do legislador constituinte de garantir a universalização do acesso à Justiça e à assistência jurídica, irrompe o problema de estrutura das Defensorias Públicas de um modo geral, instituição esta sequer existente em todos os Estados da Federação, o que compromete a concretização do direito fundamental à assistência jurídica.

SUMÁRIO: Introdução. 2. A assistência jurídica gratuita e a Defensoria Pública. 3. A concretização dos direitos fundamentais e a judicialização das políticas públicas voltadas ao acesso à Justiça. 4. A advocacia dativa e suas inconstitucionalidades. Conclusão. Bibliografia.

RESUMO: Este texto tem como objetivo analisar o papel na Defensoria Pública como instrumento de concretização do direito fundamental à assistência jurídica gratuita, criticando o ativismo judicial a disseminar a advocacia dativa, que é contrária à Constituição.

PALAVRAS-CHAVE: Defensoria Pública; concretização dos direitos fundamentais; assistência jurídica gratuita; ativismo judicial; advocacia dativa.

ABSTRACT: This text has as purpose to analyze the role of the Public Defender as an instrument for achievement of the fundamental right to the free legal care, criticizing the legal activism to spread the dative law, which is contrary to the Constitution.

KEY WORDS: Public Defender; achievement of the fundamental right; free legal care; legal activism; dative law.


INTRODUÇÃO

Conforme preceitua o inciso LXXIV, do art. 5º, da Constituição Federal, "é dever do Estado prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos". Trata-se da garantia de assistência judicial e extrajudicial, a ser prestada pela Defensoria Pública, instituição que, de acordo com o art. 134 da Lei Fundamental, fora criada para desempenhar essa função.

Assim, paralelo à intenção do legislador constituinte de garantir a universalização do acesso à Justiça e à assistência jurídica, irrompe o problema de estrutura das Defensorias Públicas de um modo geral, instituição esta sequer existente em todos os Estados da Federação, o que compromete a concretização do direito fundamental à assistência jurídica, a afetar a dignidade da pessoa humana, fundamento que é da Constituição e, mais do que simplesmente vetor hermenêutico, é norma cuja concretização deve ser buscada e assegurada pelo aplicador do Direito.

É nesse cenário que surgem questões como o papel da Defensoria Pública como instrumento de concretização do direito fundamental à assistência jurídica; a necessidade do poder público de priorizar a estruturação da Defensoria Pública, dando à instituição relevância em termos de política pública e evitando, com isso, a judicialização excessiva, com a nomeação desordenada de advogados dativos, fora dos quadros da Defensoria pública; analisando, ainda, institutos como o mínimo existencial e a reserva do possível, temas esses que este trabalho visa discutir.


2. A ASSISTÊNCIA JURÍDICA GRATUITA E A DEFENSORIA PÚBLICA

A assistência jurídica gratuita, prevista como direito fundamental, no art. 5º, LXXIV, da Constituição Federal, consiste na orientação judicial, administrativa e extrajudicial dos necessitados. Preconiza a Lei Maior uma acepção mais ampla de assistência gratuita, ou seja, contemplando não somente o acesso à Justiça, enquanto Poder Judiciário, mas também, como salientado retro, a defesa dos interesses dos assistidos em todas as esferas.

Em outras palavras, a assistência jurídica gratuita prevista na Carta Magna é integral, abrangendo desde a mera assessoria jurídica, através da confecção de instrumentos de contrato, verbi gratia, a assistência técnica no âmbito extrajudicial, a até o efetivo acesso ao Poder Judiciário, através do exercício do direito de ação ou de defesa, tendo a Defensoria Pública, como desiderato, garantir o acesso a uma ordem jurídica justa, que nada mais é do que a materialização do princípio da isonomia, previsto no art. 5º, caput, da Norma Ápice, a assegurar paridade de armas àqueles vulneráveis economicamente em relação aos que dispõem de condições de acesso à assistência jurídica privada.

Nesse passo, comungando do posicionamento de ALVAREZ (2000, p. 172), a assistência jurídica tem natureza mista, ora tendo contornos de direito material, ora trazendo reflexos processuais.

Saliente-se que a assistência, inicialmente apenas judiciária, só ganhou status de garantia constitucional na Constituição de 1934 (art. 113, n º 32), não tendo sido contemplada no texto constitucional de 1937, mas reaparecendo nas Constituições de 1946 (art. 141, § 35), de 1967 (art. 150, § 32) e na Emenda Constitucional n º 1/69 (art. 153, § 32). Por fim, com o advento da Constituição Federal de 1988, a regra é aperfeiçoada pelo inciso LXXIV do art. 5 º do respectivo texto, ampliando tal garantia para a da assistência jurídica, integral e gratuita.

Assim, o legislador constituinte não se limitou apenas a garantir aos hipossuficientes a assistência jurídica integral e gratuita, estabeleceu, ainda, que a Defensoria Pública seria a instituição a cumprir referido mister, tendo como função precípua assegurar aos vulneráveis economicamente a orientação jurídica e a defesa dos respectivos interesses, judicial e extrajudicialmente.

Tal mandamento está previsto no art. 134, da Carta Magna, cujo caput assim dispõe:

"a Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV.)".

Coube, ainda, à Lei Complementar Federal nº 80, de 12.1.1994, posteriormente alterada pela Lei Complementar Federal nº 132, de 07.10.2009, organizar a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal, além de prever normas gerais para a sua organização nos Estados.

É inegável que, com a Emenda Constitucional nº 45, de 30.12.2004, que conferiu à Defensoria Pública, além de competência para proposta orçamentária, autonomia administrativa e financeira, dando-lhe autonomia para, não mais vinculada ao Poder Executivo, ter condições de melhor defender os interesses jurídicos dos necessitados, o legislador constituinte reafirmou a importância da Defensoria Pública no cenário jurídico nacional, como instrumento de democratização do acesso à Justiça e de concretização de direitos fundamentais.

Assim, mais do que simplesmente conferir atribuições à Defensoria Pública, o constituinte derivado reformador buscou assegurar à instituição meios para cumprir tão nobre papel constitucional de proporcionar a todos, independentemente de fortuna, o acesso ao aparelho judiciário e a garantia de direitos, como promotor que é da justiça social.

Entrementes, como é cediço, apesar dos avanços acima declinados, a deficiente estruturação da Defensoria Pública em todo o país é uma realidade que ainda se impõe, gerando algumas distorções jurídicas e comprometendo o estabelecimento de uma ordem jurídica justa e a concretização de direitos fundamentais, tais como o próprio acesso à Justiça, este que, numa acepção mais restrita da assistência jurídica, segundoCAPPELLETTI e GARTH, apud NASCIMENTO (2010, p. 01), "(...)pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental - o mais básico dos direitos humanos - de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretende garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos".

E é no âmbito do acesso à Justiça, acepção restrita de assistência jurídica, em que repousa a discussão que se busca levantar em torno do ativismo judicial frente à falta de estrutura das Defensorias Públicas de um modo geral.


3. A CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E A JUDICIALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS VOLTADAS AO ACESSO À JUSTIÇA

O acesso à Justiça é um direito fundamental, em torno do qual estão todas as garantias destinadas a promover a efetiva tutela dos direitos fundamentais. Previsto no inciso XXXV, do art. 5º, da Lei Maior, segundo o qual a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, consiste na garantia de acesso à ordem jurídica justa e não simplesmente aos órgãos judiciais.

Nesse sentido, definiu WATANABE, citado por LENZA (2009, p. 698), que:

"a problemática do acesso à Justiça não pode ser estudada nos acanhados limites do acesso aos órgãos judiciais já existentes. Não se trata apenas de possibilitar o acesso à Justiça enquanto instituição estatal, e sim de viabilizar o acesso à ordem jurídica justa".

O acesso à Justiça, além de direito constitucional individual fundamental, é uma necessidade social e que se instrumentaliza através da Defensoria Pública, instituição que, como salientado retro, vem para concretizar o princípio da inafastabilidade da jurisdição, franqueando o acesso aos mecanismos jurídicos também aos menos favorecidos.

Ocorre que, com a deficiente estrutura da Defensoria Pública de um modo geral, notadamente com déficit de pessoal, um fenômeno que vem se disseminando é o do ativismo judicial, consistente na institucionalização da advocacia dativa.

Nesse contexto, assevere-se que não se trata aqui de defesa em detrimento da concretização do direito fundamental individual de acesso à Justiça. Pelo contrário, trata-se de garantia constitucional que não deve ser encarada como mera promessa constitucional inconsequente, sobretudo considerando o que preconiza o neoconstitucionalismo, também chamado de constitucionalismo pós-moderno ou pós-positivismo, segundo o qual, buscando-se garantir a força normativa da constituição, as normas constitucionais são dotadas de imperatividade e podem ensejar o cumprimento forçado.

Critica-se, aqui, a nomeação desenfreada de advogados dativos, que serve apenas de paliativo, condenando o poder público ao pagamento de honorários advocatícios, sem o devido processo legal e sem buscar a resolução definitiva do problema, com a estruturação da instituição encarregada pela Constituição Federal de patrocinar os interesses dos menos favorecidos, judicial e extrajudicialmente, qual seja a Defensoria Pública.

Ora, apesar de a estruturação da Defensoria Pública não estar na pauta de prioridades do Estado, em termos de política pública - embora alguns avanços já tenham sido conquistados – e tal situação justificasse a chamada judicialização dessa política pública, o que se tem visto na prática é, em vez de medidas judiciais a imporem ao poder público a adoção de providências tendentes a garantir condições materiais da Defensoria Pública cumprir seu escopo constitucional, a banalização do problema, com a disseminação da advocacia dativa, propiciando o adiamento de qualquer solução eficiente e, além disso, onerando ainda mais os cofres públicos.

Ademais, o direito fundamental ao acesso à Justiça tem natureza peculiar, ou seja, além de impor uma abstenção estatal no sentido de não interferir no exercício desse direito pelos particulares, exige o aparelhamento de instituições voltadas à concretização de tal garantia, notadamente da Defensoria Pública, e a consequente alocação de recursos públicos, sempre finitos.

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Destarte, dada a dimensão econômica relevante desse direito fundamental individual, topograficamente inserido no capítulo I do título I, da Lei Maior, atinente aos direitos e deveres individuais e coletivos, insta salientar que na discussão acerca da concretização de direitos de cunho prestacional costuma o poder público, tentando se eximir da responsabilidade, invocar a teoria da ‘‘reserva do possível’’.

Desenvolvida na Alemanha, a partir do início dos anos 70, a fim de justificar a restrição de vagas no ensino superior, num caso em que o Tribunal Constitucional Federal decidiu que algumas prestações estatais estavam sujeitas àquilo que a sociedade pode exigir de forma razoável, muito se discute se a ‘‘reserva do possível’’ é limite ou não à judicialização das políticas públicas, como no caso vertente.

Nesse passo, assevere-se que, ainda que se concluísse pela aplicação de referida construção teórica no ordenamento jurídico pátrio, não caberia tal argumento, já que, segundo decisão do Ministro Celso de Mello, na ADPF 45, quando está em xeque a dignidade da pessoa humana e o mínimo existencial, tais garantias devem prevalecer sobre eventual limitação financeira do poder público.

Assim, destaque-se que a assistência jurídica integral e gratuita prestada pela Defensoria Pública concretiza outra garantia constitucional e que é fundamento da Constituição (art. 1 º, III), ou seja, a dignidade da pessoa humana, princípio vetor da interpretação constitucional. Afinal, não há que se falar em existência digna, em mínimo existencial, sem garantir o acesso a uma ordem jurídica justa.

Nesse sentido, insta citar a feliz lição de BARCELLOS, apud BARROSO (2008, p. 259):

"o conteúdo básico, o núcleo essencial do princípio da dignidade da pessoa humana, é composto pelo mínimo existencial, que consiste em um conjunto de prestações mínimas sem as quais se poderá afirmar que o indivíduo se encontra em situação de indignidade. [...] Uma proposta de concretização do mínimo existencial, tendo em conta a ordem constitucional brasileira, deverá incluir os direitos à educação fundamental, à saúde básica, à assistência no caso de necessidade e ao acesso à justiça".

Por outro lado, partindo dos preceitos do neoconstitucionalismo, isto é, no sentido da eficácia ótima dos direitos fundamentais, garantidos através de normas cogentes e imperativas, que podem impor o cumprimento forçado, a teoria da ‘‘reserva do possível’’ não se coaduna com o ordenamento jurídico pátrio, considerado em sua unidade, a despeito do que fora decidido pelo Min. Celso de Mello, na ADPF 45, estando o posicionamento do Supremo Tribunal Federal em franca evolução, demonstrando a Suprema Corte mais atitude e empenho no sentido de assegurar a concretização dos direitos fundamentais, a exemplo do que fora decidido pela referida Corte, em 13.04.2011, no RE n º 368564, da Relatoria do Min. Menezes Direito (falecido).

Outrossim, é o aparelhamento da Defensoria Pública que deve ser perseguido incansavelmente pelos operadores do Direito, sem o qual a ubiquidade da justiça não será efetiva, perpetuando-se a institucionalização de um fenômeno alheio à Constituição e que fere de morte princípios e valores caros ao ordenamento jurídico pátrio: a advocacia dativa.


4. A ADVOCACIA DATIVA E SUAS INCONSTITUCIONALIDADES

Do latim dativu, segundo FERREIRA (2010, p. 639), dativo significa nomeado por Magistrado e não por lei. Assim, advogado dativo é o causídico designado pelo Juiz para patrocinar os interesses de alguma parte envolvida em litígio.

A nomeação de advogados dativos, estranhos aos quadros da Defensoria Pública, para prestar serviço típico de Defensor Público, apresenta-se como um fenômeno que, embora comezinho, tem merecido pouca discussão jurídica acerca da (in)constitucionalidade, uma vez que é à Defensoria Pública a quem a Constituição cidadã incumbe o mister de prestar assistência jurídica gratuita aos necessitados, nos termos do art. 5º, LXXIV e art. 134, ambos da Lei Maior.

Paralelamente, além da multiplicidade de designações de advogados dativos por Magistrados, há convênios celebrados com seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil institucionalizando a advocacia dativa, em vez de se priorizar o aparelhamento da Defensoria Pública.

Ora, tal qual sucede hoje com a Defensoria Pública, as figuras do Juiz ad hoc -surgida com a criação da Justiça Federal através do Decreto n. 848, de 11 de outubro de 1890 - e do Promotor ad hoc - prevista nos arts. 419 e 448 do Código de Processo Penal revogado - também existiram.

Contudo, embora atualmente banidas tais figuras do ordenamento jurídico, tendo em vista a necessidade de garantir independência no exercício de funções tão essenciais ao Estado Democrático de Direito, evitando a fragilidade de tais funções e o comprometimento da ordem jurídica, devem servir de precedentes, de ilustração em defesa da proscrição da advocacia dativa da realidade jurídica pátria.

Nesse passo, SILVA (2005, p. 01) formula indagação contundente:

"Face à simetria hoje existente entre as competências e atribuições do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, ínsitas na atual Constituição e decorrentes do tripé constituído pela relação jurídica processual (no processo civil "autor-juiz-réu" e no processo penal "acusação-juiz-defesa", há razão para que somente sejam admitidos, hoje em dia, os defensores "dativos" ou defensores "ad hoc"?"

Referido questionamento já infere o espírito de irresignação do autor, de que comungamos, na medida em que a disseminação da advocacia dativa, chancelada pela Ordem dos Advogados do Brasil e pelo Poder Judiciário, através da celebração de convênios entre ambos e, no último caso, por intermédio de decisões judiciais proferidas em processos que não envolvem o poder público obrigado, sem o devido processo legal, em vez de contribuir para a solução definitiva do problema, ou seja, para o aparelhamento da Defensoria Pública, com a melhoria das condições materiais para a prestação dos serviços inerentes ao respectivo mister, acaba adiando indefinidamente tal solução.

Nesse passo, veja-se que as funções da Defensoria Pública, com as devidas peculiaridades, assemelham-se às do Ministério Público, sendo ambas instituições autônomas, distintas dos três poderes, e essenciais à Justiça. Entrementes, embora com o Parquet, atualmente, vê-se o manifesto empenho do poder público no sentido de viabilizar o atendimento do desejo do legislador constituinte, dando plenas condições de trabalho, com o aparelhamento necessário e destinação de recursos, com a Defensoria Pública esse processo tem-se protraído no tempo, merecendo urgente mudança de atitude.

A advocacia dativa é um fenômeno nefasto à ordem constitucional, seja por ferir o princípio do defensor público natural, implícito na Carta Magna e reforçado pelo art. 306 do Código de Processo Penal, alterado pela Lei 11.449/2007; seja por ferir o disposto no art. 134 da Constituição cidadã, ao prever que a Defensoria Pública está incumbida de prestar orientação jurídica e defender, em todos os graus, os necessitados, instando salientar, ainda, que a instituição possui função abrangente, isto é, como curadora do princípio do devido processo legal e da manutenção dos princípios garantidores dos direitos humanos básicos, sendo instrumento de efetivação do acesso à Justiça e da manutenção de uma ordem jurídica justa.

Ademais, enfatize-se que a advocacia dativa, por ensejar o recrutamento de pessoal para exercer função típica estatal, viola o princípio do concurso público, previsto no art. 37, II, da Constituição Federal, regido pela publicidade, competitividade e isonomia entre os concorrentes, realizado pelo sistema de mérito e destinado à aferição da capacidade dos candidatos.

Não se pode olvidar, ainda, quanto às nomeações de advogados dativos pelos Magistrados que, além de ferir a impessoalidade, o devido processo legal e as garantias constitucionais acima mencionadas, dando atribuições típicas de Estado a pessoas diversas da que a Constituição prevê, compromete a necessária independência funcional, que deve ser assegurada àqueles que exercem funções essenciais à Justiça, como no caso da Defensoria Pública, para que possam atuar livre de qualquer ingerência externa e com liberdade no exercício da função pública.

Nesta senda, registre-se que a necessidade de independência do profissional no patrocínio da causa é inexoravelmente comprometida, quando a atuação é oriunda de nomeação por Magistrado, já que, por vezes, o causídico deverá impugnar as decisões do Juízo que o nomeou, tendo uma postura combativa, voltada à efetiva defesa dos interesses do patrocinado, daí a importância de se dar concretude às garantias constitucionais acima citadas, enaltecendo a relevância da atuação do Defensor Público, que se dá mediante processo legítimo de seleção e investidura no cargo.

Tal preocupação remonta ainda, a um instituto não recepcionado pela Constituição de 1988, qual seja, o processo judicialiforme, que consiste na possibilidade, prevista no art. 26 do Código de Processo Penal, de a ação pública, nas contravenções penais, ser exercida por portaria do Juiz ou do Delegado de Polícia. Trata-se de figura, conforme adiantado, não recepcionada pela Carta Magna e cujos desdobramentos, não muito distantes dos da advocacia dativa, redundaram na absoluta incompatibilidade com o texto e o espírito da Lei Fundamental.

Nesse contexto, convém citar SILVA (2005, p. 01):

"(...) Somente em caráter supletivo, subsidiário e/ou eventual deveriam atuar as Faculdades de Direito, os advogados profissionais liberais, os convênios etc. Impossível outra leitura dos arts. 5º, inc. LXXIV e 134, ambos da Constituição. Mas não é esta a realidade hoje encontrada. Há uma subversão total desta ordem de idéias, pois certos Estados sequer organizaram suas Defensorias Públicas e, na grande maioria deles, embora organizadas, carece-se de Defensores Públicos suficientes, de infra-estrutura material e de pessoal adequada, de salários compatíveis com a dignidade da função, etc. Descumpre-se a Constituição. A duas, a Constituição manda que seja prestada assistência "jurídica" aos necessitados, que difere da mera assistência "judiciária". Noutras palavras, a assistência "jurídica" compõe-se de assistência "extrajudicial" (advocacia preventiva e consultiva, p.ex., pareceres prévios à assinatura de um contrato, conciliações, etc) e da "judiciária" (advocacia em juízo). Somente a assistência "judiciária" é prestada pelo mecanismo dos escritórios modelos e convênios. Os necessitados ficam sem a assistência "extrajudicial". Mais uma vez descumpre-se a Constituição. E somente estes argumentos constitucionais não esgotam a questão. A sistemática dos convênios não atende aos interesses dos advogados (pois paga-se relativamente mal), não atende aos necessitados (pois em vários casos a defesa de seus direitos é mal feita) e não atende também à economia de recursos públicos (pois a produtividade de um advogado conveniado é muitas vezes menor do que a de um Defensor Público)(...)."

Assim, é evidente que a advocacia dativa contraria a Constituição cidadã, fazendo com que a Defensoria Pública mantenha-se refém de decisões pontuais do Poder Judiciário, de convênios celebrados com a Ordem dos Advogados do Brasil e da falta de vontade política do poder público ou lentidão na efetivação das mudanças, o que, a pretexto de contornarem a falta de estrutura da Defensoria Pública e de assegurarem a democratização do acesso à Justiça, mais contribuem é para adiar a concretização desse direito fundamental, sendo entrave à máxima efetividade das normas constitucionais.

A advocacia dativa, assim como convênios, contratação temporária, remanejamento de servidor para o exercício de função típica de Defensor Público e quaisquer outros arremedos oriundos da capacidade criativa do poder público no sentido de criar paliativos tendentes a contornar a falta de estruturação da Defensoria Pública, em vez de dar efetividade aos comandos constitucionais, são práticas manifestamente contrárias à Lei Maior, além de servirem para procrastinar o aparelhamento da Defensoria Pública, adiando a resolução do problema.

Nesse passo, se acerca da contratação temporária de Defensor Público, prevista no art. 37, IX, da Constituição da República Federativa do Brasil, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela inconstitucionalidade, ao fundamento de que "(...)a Defensoria Pública é órgão permanente que não comporta defensores contratados em caráter precário(...)" (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2004, p. 9), conclusão diversa não se pode ter acerca da nomeação de advogado dativo nomeado por Juiz para exercer função típica de Defensor Público, até mesmo seguindo o princípio geral do direito segundo o qual quem pode o mais pode o menos. Ora, a advocacia dativa é uma distorção jurídica, se não ainda mais grave do que a própria contratação temporária de Defensor Público, igualmente nociva à ordem constitucional.

Destarte, buscando, com a máxima isenção possível, incitar uma discussão acerca de um grande problema do nosso tempo, que se distancie de um discurso meramente institucionalista, este trabalho traz à tona uma realidade que impõe mudanças, buscando despertar para que anomalias jurídicas ou simples arremedos deixem de existir, para que, tal qual ocorrera com a figura ad hoc do Ministério Público e do Juiz, a advocacia dativa faça parte apenas de um passado registrado na literatura jurídica, para que seja lembrado como parâmetro do que não deve ser repetido, porque nefasto aos ideais do Estado Democrático de Direito.

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Sobre a autora
Eunices Bezerra Santos e Santana

Graduada em Direito pela Universidade Tiradentes - UNIT. Pós-graduada em Direito Processual Civil pela UNISUL/LFG. Defensora Pública lotada na Defensoria Pública da Comarca de Campo do Brito/SE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTANA, Eunices Bezerra Santos. A Defensoria Pública como instrumento de concretização do direito fundamental à assistência jurídica integral e gratuita. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3098, 25 dez. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20709. Acesso em: 25 nov. 2024.

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