Esse assunto é bastante interessante, porém pouco comentado.
A questão é a seguinte: com a morte do empregado, a quem devem ser pagas as verbas salariais e rescisórias devidas ao de cujus.
A controvérsia reside no fato de saber se é aplicável o Código Civil de 2002 ou a Lei 6.858/80 que dispõe sobre o pagamento, aos dependentes e sucessores, de valores não recebidos em vida pelos respectivos titulares (o empregado falecido).
A princípio, devemos observar o teor dos dispositivos em questão. Com efeito, assim dispõe a Lei n. 6.858/80 em seu artigo 1º:
"Art. 1º. Os valores devidos pelo empregador aos empregados e os montantes das contas individuais do Fundo de Garantia de Tempo de Serviço e do Fundo de Participação PIS-PASEP, não recebidos em vida pelos respectivos titulares, serão pagos, em quotas iguais, aos dependentes habilitados perante a Previdência Social ou na forma da legislação dos servidores civis e militares, e, na sua falta, aos sucessores previstos na lei civil, indicados em alvará judicial, independentemente de inventário ou arrolamento."
Já o artigo 1.829 do Código Civil de 2002, sendo lei posterior e contrariando o acima exposto, afirma que:
"Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na seguinte ordem:
I. Aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente ..."
Para dirimir a dúvida em relação ao dispositivo aplicado, devemos ter em mente, ainda, o que prescreve o art. 2º, § 2º da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), in verbis:
"Art. 2º...
§ 2º A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior."
Cumpre esclarecer que o entendimento doutrinário é no sentido de que somente ocorre a revogação tácita (aquela que a lei posterior não revoga expressamente), quando houver incompatibilidade entre a lei nova e a antiga ou quando a nova lei regulamentar por completo a anterior (art. 2º, § 1º).
Com base nos dispositivos supramencionados, chegamos à conclusão de que o Código Civil de 2002 não possui o condão de revogar a lei 6.858/80, uma vez que o atual código apenas possui normas gerais, não versando sobre os créditos trabalhistas.
Sendo a lei 6.858/80 uma lei especial, não é admitido que uma norma geral a revogue. Isso decorre do princípio de que a lei geral não revoga a especial.
No mesmo sentido vem se posicionando a jurisprudência pátria, conforme demonstrado abaixo:
RECURSO DE REVISTA. SUCESSÃO TRABALHISTA DE EMPREGADO FALECIDO. VIÚVA HABILITADA COMO DEPENDENTE JUNTO À PREVIDÊNCIA SOCIAL. FILHOS NÃO HABILITADOS.
Compatibilizando as normas podemos concluir que surgem dois regimes a serem aplicados quando do falecimento do empregado:
i) os valores devem ser pagos aos dependentes habilitados perante a Previdência Social ou na forma da legislação específica dos servidores civis e militares;
ii) na falta destes, aos sucessores previstos no Código Civil.
Incontroverso, portanto, que o conflito existente entre as normas é aparente, devendo ser aplicada a lei especial (Lei 6.858/80) e subsidiariamente, nas hipóteses previstas, o Código Civil de 2002.