A CONSTITUCIONALIDADE DA ARBITRAGEM
Como analisado no capítulo anterior, a questão da constitucionalidade do instituto é importante na medida em que repercutirá na própria efetividade, ou não, da arbitragem, que, se considerada constitucional, evitará o retorno do litígio ao Poder Judiciário estatal com as dificuldades que o mesmo apresenta, no atual momento de sua crise.
E, antes de violar a Constituição Federal, de se asseverar que a arbitragem pode ter antecedentes de base constitucional, no próprio texto da Carta Política e isso porque, nos estritos termos da norma contida no seu artigo 98, inciso I, expressamente existe menção à possibilidade de julgamentos que envolvam juízes leigos, contrapostos, pelo próprio texto, a juízes togados.
Neste sentido a própria clareza da redação do aludido inciso:
" Art. 98 : A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: I – juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade ......." [117]
Tal orientação parece muito assemelhada àquela apresentada pelo artigo 102 da Constituição Italiana, ao qual se fez referência no Capítulo referente ao Direito Estrangeiro do presente trabalho, prevendo formas de juízes não togados participando da administração da Justiça.
E, mesmo no direito brasileiro, em sede de processo penal, tal situação referente a juízes não togados não parece muito exótica se passar-se a pensar em situações como a do Tribunal do Júri, em que se observa sete membros da Comunidade, que não são magistrados togados, participando e decidindo um conflito de interesses.
De todo modo, não obstante tais aspectos, que induziriam o pensamento de que a existência de juízes não togados não ofenderia ao texto constitucional, existe grande polêmica a esse respeito, em sede doutrinária.
Como, existe segmento doutrinário que aborda o fato de que vários princípios constitucionais processuais, previstos como liberdades públicas estariam sendo violados com o advento da Lei nº 9.307/96 que disciplinou o novo regime jurídico da arbitragem no direito brasileiro.
Neste sentido, autores como Júlio César Ballerini Silva ( um dos autores da presente obra ), apontam a violação aos princípios do acesso ao Poder Judiciário (artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal), do Juiz Natural (incisos XXXVII e LIII do mesmo artigo constitucional), do devido processo legal ( inciso LIV do mesmo artigo ), com todos os princípios dele decorrentes, ampla defesa e duplo grau de jurisdição (inciso LV) e da publicidade dos atos processuais (inciso LX), como formas de violação do texto constitucional pela lei em comento ( a Lei nº 9.307/96 ). [118]
Tal entendimento não resta isolado, sendo certo que autores como Antônio Raphael da Silva Salvador, Antônio Souza Prudente, Francisco Wildo Lacerda Dantas e Demócrito Ramos Reinaldo Filho apresentam críticas no mesmo sentido. [119]
Mas, não obstante tal posicionamento, firmado normalmente por Magistrados (todos os autores supramencionados pertencem ao quadro estatal dos juízes togados), não parece ser verdadeiro o mito segundo o qual "a arbitragem esvaziará o Poder Judiciário" [120].
Isso porque se aponta no sentido de que a arbitragem representa uma tendência mundial, havendo mera especialização da forma de se proceder ao julgamento de questões versando sobre direitos patrimoniais disponíveis caso as partes pretendam não se valer da jurisdição estatal.
Tanto assim que a doutrina, como dito acima, não é uníssona a esse respeito havendo vários autores que defendem, ao contrário, a plena constitucionalidade da arbitragem no direito brasileiro, tal como prevista pela Lei de 1.996.
Neste sentido, sobre o princípio de acesso ao Poder Judiciário, destacado no artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal, de se ponderar a respeito da opinião de Jesualdo Eduardo de Almeida Júnior, que estabelece, de forma convincente, que a lei federal não entra em conflito com o texto constitucional, na medida em que a lei ordinária não impõe, coativamente, a solução arbitral, o que implicaria em verdadeira violação ao acesso ao Poder Judiciário, mas, ao contrário, em se cuidando de partes maiores e capazes, não sendo violado o interesse público (posto que, como destacado nos capítulos anteriores do presente trabalho, o objeto da arbitragem somente pode ser direito patrimonial disponível), ocorre a renúncia ao direito de acionar o Poder Judiciário estatal. [121]
Como parece óbvio, aliás, uma liberdade pública (ou direito fundamental) não pode ser entendida como um dever de acionar o Poder Judiciário, mas, ao contrário, em face da natureza jurídica de direito fundamental, este deve ser devidamente utilizado pelo interessado, se assim entender.
Isso porque, em reforço a tal entendimento, e como apontado em sede doutrinária, o acesso à Justiça se dirige ao legislador e não às partes ( ou seja, reafirma-se o caráter de direito e não imposição legal ), que não pode impedir as partes, se assim desejarem, de buscarem tutelas junto ao Poder Judiciário, em situações de lesão ou ameaça de lesão a direito do jurisdicionado.
Pondera neste exato sentido, a opinião de Nelson Nery Jr., que expõe o alcance do instituto, do seguinte modo:
"Segundo o art. 5º, n. XXXV, da CF, a "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Embora o destinatário principal desta norma seja o legislador, o comando constitucional atinge a todos indistintamente, vale dizer, não pode o legislador e ninguém mais impedir que o jurisdicionado vá a juízo deduzir pretensão." [122]
A par disso, a própria Lei nº 9.307/96 prevê, em várias oportunidades, possibilidades de reexame de situações teratológicas, ou seja, que impliquem em desvios autorizadores da intervenção do Poder Judiciário estatal, em relação ao trabalho dos árbitros, como se dá, por exemplo, em relação à norma contida no artigo 33 da lei em estudo, que permite ao prejudicado ingressar com ação específica, em face da sentença arbitral, se não observados determinados parâmetros.
Neste sentido, propõe o mesmo Eduardo Jesualdo de Almeida Júnior, que é professor da Associação Educacional Toledo, de Presidente Prudente – SP, e, igualmente não vislumbra possibilidade de violação ao princípio do acesso ao Poder Judiciário:
"Tão logo se editou a nova lei brasileira de arbitragem surgiram vozes censurando-a como ofensiva à garantia constitucional da inafastabilidade de qualquer litígio da apreciação do Poder Judiciário (CF, art. 5º, inc. XXXV), e, portanto, como incompatível com a garantia do juiz natural. Isso porque a lei arbitral veda que a decisão do árbitro seja reformada pelo Poder Judiciário. Como bem atesta Humberto Theodoro Jr., "deve-se ressaltar, porém, que o juízo arbitral não é imposto pela lei, mas fruto de livre convenção entre as partes contratantes, que somente poderão convenciona-lo a respeito de litígios referentes a "direitos patrimoniais disponíveis" e desde que envolvam apenas pessoas maiores e capazes". Outrossim a atividade do juízo arbitral não escapa da apreciação do Poder Judiciário. Com efeito, se a sentença arbitral contiver alguns dos vícios previstos no artigo 33 da Lei nº 9307/96, poderá a parte que se sentir prejudicada socorrer-se ao Judiciário. Ademais, quando executada, se a sentença arbitral no Juízo Comum, as matérias eventualmente nulas poderão ser lançadas nos embargos executivos." [123]
Da mesma forma, como a atual Constituição em seu artigo 5º, inciso XXXV, ao dispor sobre "Direitos Individuais e Coletivos", coloca que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito", de se destacar a opinião de César Fiúza, que não admite a possibilidade de qualquer ofensa ao texto constitucional, posto que a execução da decisão será feita perante o Poder Judiciário estatal:
"... se a intenção do legislador constitucional, com o artigo 5º, XXXV, foi a de proteger os direitos individuais, defendendo o Estado de Direito, não vemos em que a prática da arbitragem poria em risco esses objetivos... é ele (o Judiciário) enfim, que faz cumprir a sentença arbitral" [124].
E como se verá, nas linhas que se seguem, o Supremo Tribunal Federal vem acolhendo tal entendimento, evidenciando que, não obstante judiciosos entendimentos em sentido contrário, a tese da inconstitucionalidade não vingou em sede jurisprudencial.
Isso porque, num primeiro momento, tal órgão jurisdicional, se inclinou no sentido de entender que haveria incompatibilidade entre o disposto no artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal e a o novo regime da Lei nº 9.307/96, no julgamento envolvendo o Espólio de Henrique Lage contra União Federal, em decisão publicada em RTJ 67/383. [125]
Mas, como amplamente divulgado, em novos Julgados e por maioria de votos ( a falta de unanimidade revela que a polêmica doutrinária encontrou campo fértil na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ), o Pretório Excelso mudou tal orientação, nos julgamentos do Agravo Regimental em Homologação de Sentença Estrangeira nº 5.206-7 (Espanha) e 5.847-1 ( Reino Unido ), [126] tendo como relatores, respectivamente, Nelson Jobim e Maurício Correia, sendo vencido, em ambos Sepúlveda Pertence.
Assim, a partir daí, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal formou precedentes que concluem pela constitucionalidade total do instituto da arbitragem, não somente em relação ao princípio do acesso ao Poder Judiciário, mas, também, em relação aos outros princípios destacados acima.
Com relação ao princípio de vedação aos Tribunais de Exceção, os argumentos acima aduzidos continuariam válidos, ou seja, na medida em que se cuida de um direito, e não de uma obrigação do jurisdicionado, e não havendo violação da ordem pública, o que inocorre posto que o objeto do instituto é, como já dito à saciedade, voltado a direitos patrimoniais disponíveis, não haverá que se cuidar de situação de inconstitucionalidade.
Com efeito, a vedação a Tribunais de exceção encontra respaldo nas normas contidas no artigo 5º e seus incisos XXXVII e LIII da Constituição Federal em vigor, que estabelecem, de um modo geral, a proibição de juízo ou Tribunal de exceção, o que é realçado pela disposição de que ninguém será processado ou sentenciado, senão pela autoridade competente.
Doutrinariamente, tal garantia recebe o tratamento de princípio processual do Juiz Natural, ou seja, como asseveram Rogério Lauria Tucci e José Rogério Cruz e Tucci, em obra a respeito da coexistência entre a Constituição em vigor e o processo civil:
"Outra garantia que se faz consectário do devido processo legal, em estrita correlação com a acessibilidade da Justiça, é a do Juiz Natural. Tem ela, aliás, especialíssima conotação, significando que o membro da comunhão social tem direito a julgamento por um juízo ou tribunal preconstituído." [127]
Com o mesmo entendimento, Nelson Nery Jr., para quem, inclusive, a função jurisdicional deve ser tida com típica, mas não exclusiva do Poder Judiciário, de modo que não ocorreria violação a tal princípio constitucional, em relação à aplicação da arbitragem:
"A escolha pelas partes de um árbitro para solucionar as lides existentes entre elas não ofende o princípio do juiz natural........Além do Poder Judiciário, outros órgãos do Estado podem exercer o poder jurisdicional. Isso ocorre, por exemplo, quando o Senado Federal julga o Presidente da República por crime de responsabilidade ( art. 52, n.1, CF ). ........ Disso se pode concluir, primeiramente, que a atividade jurisdicional é típica, mas não exclusiva do Poder Judiciário." [128]
E, de forma mais interessante, resta o entendimento de Eduardo Jesualdo de Almeida Júnior, que enfrenta a questão estabelecendo convincente argumento de que a arbitragem, em face do caráter jurisdicional que se conferiu ao instituto, poderia ser entendida como uma divisão da atividade jurisdicional, criada por uma lei federal, logo, uma vez que prevista com antecedência, em relação ao surgimento do conflito, de forma geral e abstrata, com finalidade de julgar matéria específica ( direitos patrimoniais e disponíveis, como asseverado à saciedade nas linhas anteriores especificados no cláusula compromissória e no compromisso arbitral ), não haveria como se cogitar de um Tribunal de exceção ou de julgamento por autoridade que não estaria investida para tanto. [129]
Tal entendimento acabou acolhido pelo Pretório Excelso, no julgamento dos dois recursos a que se aludiu acima e que constituem o precedente jurisdicional sobre a constitucionalidade da arbitragem no Brasil, após o advento da Lei nº 9.307/96.
Da mesma forma, restaram enfrentados e desacolhidos os entendimentos referentes à violação do devido processo legal e da publicidade dos atos processuais, previstos nos incisos LIV e LX do artigo 5º da Constituição Federal.
Isso porque, se a noção de devido processo legal, tem inúmeras acepções técnicas, envolvendo um princípio amplo, do qual decorreriam várias garantias constitucionais (como os princípios da isonomia, do Juiz e do Promotor naturais, inafastabilidade do controle jurisdicional, contraditório, publicidade dos atos processuais, proibição de provas ilícitas, duplo grau de jurisdição e motivação das decisões judiciais) [130], por outro lado, em uma acepção mais simples, representa uma "expressão de conteúdo próprio, em que se traduz a garantia da tutela jurisdicional do Estado através de procedimento demarcado formalmente em lei". [131]
Ora, nesta acepção, o procedimento instituído pela chamada Lei de Arbitragem, encontra, pelo óbvio, fundamentação legal, contida na própria lei, ou, conforme o caso, com a autorização legal, o procedimento pode ser instituído pelas próprias partes ( nos termos do artigo 5º da própria Lei nº 9.307/96 ).
Do mesmo modo, mesmo que se analise a acepção ampla do devido processo legal, abrangendo vários outros princípios, igualmente não se vislumbraria inconstitucionalidade, sempre com o devido respeito a entendimentos em sentido contrário.
Isso porque, como destacado acima, o acesso ao Poder Judiciário (inafastabilidade do controle jurisdicional) e o acesso ao Juiz Natural, constitucionalmente previstos, não restaram ofendidos pela Lei nº 9.307/96.
Do mesmo modo, como se exporá adiante a publicidade dos atos processuais e o duplo grau de jurisdição não restarão afetados pela nova orientação legislativa, não se observando violação ao princípio do contraditório.
E sempre vale a pena lembrar que o princípio do contraditório, expressamente previsto no texto constitucional, e que vem sendo entendido como decorrência do devido processo legal, se estende a todas as partes e terceiros juridicamente interessados no processo, sendo entendido como:
"Todos aqueles que tiverem alguma pretensão de direito material a ser deduzida no processo tem o direito de invocar o princípio do contraditório em seu favor. .......Por contraditório deve-se entender, de um lado, a necessidade de dar-se conhecimento da existência da ação e de todos os atos do processo às partes, e, de outro, a possibilidade de as partes reagirem aos atos que lhe sejam desfavoráveis. Os contendores têm direito de deduzir suas pretensões e defesas, realizarem as provas que requereram para demonstrar a existência de seu direito, em suma, direito de serem ouvidos paritariamente no processo em todos os seus termos." [132]
Com relação a este último princípio (ou seja, o do contraditório), vale destacar que a norma contida no artigo 21 da Lei de Arbitragem expressamente, em seu parágrafo 2º, prevê como obrigatório o respeito ao contraditório (como também se preservou a igualdade entre as partes, a imparcialidade dos árbitros e o respeito ao seu livre convencimento).
Em momento algum, portanto, a legislação que se comenta (a Lei nº 9.307/96) restringe o contraditório, mas, ao contrário, expressamente estabelece que alterações de forma procedimental não serão aceitas se colidirem com tal princípio processual.
Portanto, de falta de autorização legal não se cuida, nem tampouco de violação, em tese, de preceitos legais, não havendo, quanto a este aspecto, violação a tal princípio constitucional, o mesmo se dando em relação ao princípio da publicidade dos atos processuais, posto que a própria norma contida no artigo 5º, inciso LX da Constituição Federal expressamente autoriza a legislação ordinária a restringir tal publicidade, para a preservação da intimidade das partes ou quando o interesse social o exigir.
Ora, como já destacado inúmeras vezes nos Capítulos anteriores do presente trabalho, o objeto da arbitragem restringe-se a direitos patrimoniais e disponíveis, não se cogitando de efetivo prejuízo, portanto, a interesse público relevante, a restrição do acesso público aos atos processuais perante o juízo arbitral.
Ao contrário, a própria intimidade das partes, nos estritos limites do texto constitucional, restará preservada em havendo opção por esta espécie de forma de heterocomposição de conflitos de interesses, sempre se retornando ao âmbito das decisões do Supremo Tribunal Federal, que estabeleceram que tais garantias processuais são direitos fundamentais e não obrigações dos indivíduos.
Por fim, restaria analisar a questão referente a eventual colidência da orientação trazida no artigo 18 da Lei nº 9.307/96 e parte final do artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal quando se discute a polêmica a respeito do caráter de garantia constitucional, ou não, do princípio do duplo de jurisdição.
Isso porque o mencionado artigo 18 estabelece que, da decisão do árbitro não caberá recurso, o que, segundo alguns [133], implicaria violação ao princípio do duplo grau de jurisdição, que estaria destacado no artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal, eis que tal norma asseguraria o direito dos litigantes ao contraditório ( do qual se cuidou acima ), da ampla defesa ( e não se cogita de violação a tal princípio, eis que a Lei nº 9.307/96, a todo tempo faz referência aos direitos dos litigantes a serem tratados com igualdade e de apresentarem suas razões, incluindo o demandado ), com os recursos a ela inerentes (para esse segmento doutrinário, tal expressão, ou seja, "recursos", levaria a pressupor o duplo grau de jurisdição).
Mas, como assevera outro segmento doutrinário, que teve sua tese acolhida pelo Supremo Tribunal Federal, a única Constituição brasileira a prever expressamente o duplo grau de jurisdição foi a de 1.824, limitando-se as demais a fazerem referências implícitas ao mesmo, seja prevendo a existência de Tribunais, seja utilizando expressões como "recursos", tal como destacado acima, de modo que, com isso, ter-se-ia um respeito ao sistema recursal, mas este não poderia ser entendido como uma garantia constitucional absoluta e expressa, podendo o legislador infraconstitucional limitar a previsão de recursos. [134]
Isso, ademais, não pode ser entendido como uma novidade suscitada pela Lei nº 9.307/96, posto que, muito antes delas, já havia proibição de recursos em algumas situações, como as destacadas no artigo 34 da Lei de Execuções Fiscais ( ei nº 6.830/80), que proíbe recursos das decisões em execuções fiscais de valor igual ou inferior a cinqüenta OTN’s (Obrigações do Tesouro Nacional) e artigo 504 do Código de Processo Civil, que estabelece que os despachos de mero expediente ( portanto, decisões judiciais ) não são recorríveis. [135]
Mas, como argumento igualmente válido, a reforçar tal entendimento, de se refletir sobre o entendimento de Eduardo Cambi, destacado no texto de Jesualdo Eduardo de Almeida Jr. [136], que propõe que, mesmo que se entendesse que o duplo grau seria uma garantia constitucional, ainda assim não se poderia deixar de esquecer que o acesso à jurisdição (artigo 5º, inciso XXXV) traria uma idéia de acesso a uma ordem jurídica justa, não podendo o excesso recursal inviabilizar o exercício de direitos, devendo-se aplicar o princípio da proporcionalidade. Neste sentido, relevante destacar, o aludido pensamento, até para a melhor compreensão da questão:
"A garantia do duplo grau de jurisdição consiste na possibilidade das partes controlar a decisão do juiz, submetendo-a a um outro julgador, a quem caberá dizer sobre o seu acerto ou não. Com isso, pretende-se evitar que eventuais equívocos judiciais se consolidem, sem a possibilidade de um juízo de revisão. Todavia, alerta Nelson Nery Júnior, o duplo grau de jurisdição, mesmo quando considerado como uma garantia constitucional, deve se harmonizar com os demais direitos fundamentais consagrados na Constituição, não podendo ser concebido de modo absoluto. E conclui que tratar esse princípio como dogma intransponível .representaria um óbice à criação de novas técnicas de aperfeiçoamento do instrumento processual. Bem lembra Eduardo Cambi, em excelente artigo sobre o tema: "Também não se pode esquecer que a Constituição assegurou no artigo 5º, inciso XXXV, da CF não apenas o princípio da inafastabilidade da jurisdição, mas a garantia de acesso à ordem jurídica justa, que contempla o direito à adequada, tempestiva e efetiva tutela jurisdicional. Logo a garantia do duplo grau de jurisdição deve ser desmistificada, podendo ser dispensada quando possa significar empecilho à efetividade da tutela dos direitos." E conclui, com inafastável acerto: "Por isso, a fixação de um valor de alçada ou de qualquer outro meio de limitação da garantia do duplo grau de jurisdição, bem como a restrição das hipóteses de cabimento de recurso não é necessariamente inconstitucional, desde que, observados os valores em conflito (princípio da proporcionalidade), possa se dar maior relevância à celeridade processual em detrimento da segurança jurídica."
E, ainda, como derradeiro argumento, se o escopo da proteção foi impedir que equívocos judiciais se consolidem, se pretende, pelo óbvio, entender que desvios legais possam ser analisados em sede de revisão.
Ora, se a Lei nº 9.307/96, como dito acima, noutra oportunidade, expressamente prevê a possibilidade de reexame, não como recurso, mas como ação autônoma, determinadas situações de ilegalidade (artigos 32 e 33 da lei em exame), prevê a possibilidade de revisão de tais ilegalidades vai muito além do que se faz em relação ao regime da extinção das execuções fiscais de pequeno valor, ou aos despachos de mero expediente, e, ainda mais, vai além do artigo 12 da lei que disciplina a ação de descumprimento de preceito fundamental ( que estabelece que " a decisão que julgar procedente ou improcedente o pedido em argüição de preceito fundamental é irrecorrível, não podendo ser objeto de ação rescisória" ), diplomas legais em relação aos quais não se reconheceu qualquer inconstitucionalidade, logo, não haverá que se cogitar de violação ao texto constitucional por não se cogitar de recursos em face das decisões do árbitro.
Verifica-se, desta feita, que, como dito acima, além da doutrina, a própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal vem reconhecendo que a Lei nº 9.307/96 não viola o texto constitucional, de modo que, com isso, de se aguardar o fomento do instituto no direito brasileiro, como forma alternativa de solução de conflitos.