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Os adicionais noturno e extraordinário e o regime remuneratório de subsídio dos servidores organizados em carreira

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Com a adoção do regime remuneratório do subsídio pela Administração surgem alguns debates e questionamentos, em especial no tocante à situação dos servidores que exercem a sua função em situação mais gravosa, tais como os que trabalham em horário noturno ou com acréscimo de jornada, pois alguns adicionais não podem se presumir englobados na parcela única e devem ser pagos separadamente.

INTRODUÇÃO

Foi estabelecida na Constituição por intermédio da Emenda Constitucional 19, conhecida como a reforma administrativa, a possibilidade de instituição do regime remuneratório de subsídio para os servidores públicos organizados em carreira, como alternativa ao regime de vencimentos.

Com a crescente adoção deste regime remuneratório pela Administração surgem debates e questionamentos acerca dos aspectos jurídicos da matéria, em especial no que toca à situação dos servidores que exercem a sua função em situação mais gravosa, tais como os que trabalham em horário noturno ou com acréscimo de jornada.

Dessa forma, o objetivo do presente estudo é analisar os aspectos jurídicos da situação acima apresentada para apontar que, apesar da possibilidade de instituição do subsídio, alguns adicionais não podem se presumir englobados na parcela única e devem ser pagos separadamente.


ANÁLISE

O objetivo deste estudo é demonstrar que, conforme estabelecido pela própria Constituição, a instituição do subsídio para o pagamento dos servidores públicos organizados em carreira não afasta o pagamento adicional pelo trabalho noturno e pela jornada extraordinária, que devem ser remunerados de forma extra-subsídio quando caracterizados.

A principal característica do regime remuneratório de subsídio é o pagamento do trabalho por meio de uma parcela única, vedada a instituição de quaisquer adicionais, que já se presumem englobados.

Este regime remuneratório é interessante para a Administração porque facilita a gestão da folha de pagamento do funcionalismo público e o controle de eventuais fraudes e pagamentos indevidos.

Ele se contrapõe ao regime de vencimentos, tradicionalmente utilizado para o pagamento dos servidores públicos organizados em carreira, e que se caracteriza por uma parcela fixa - o vencimento - à qual são acrescidos os adicionais que são direito de cada servidor.

A definição do subsídio foi constitucionalmente estabelecida no §4º do art. 39, com a seguinte redação:

"O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI."

O regime de subsídio é obrigatório para os ocupantes dos cargos indicados no dispositivo em tela e extensível para os servidores públicos organizados em carreira, por intermédio de lei, conforme estabelecido no §8º do art. 39.

"A remuneração dos servidores públicos organizados em carreira poderá ser fixada nos termos do §4º".

Dessa forma, à primeira vista, ante os dispositivos acima expostos, aparenta que as normas constitucionais estabelecem que a instituição do subsídio afasta a incidência de quaisquer adicionais, mesmo os que remuneram o trabalho exercido em condições mais gravosas e que se identificam com direitos trabalhistas básicos.

Pontue-se que, conforme entendimento tranquilo do STF, não há direito adquirido a regime jurídico, de forma que não é possível oposição à lei nova que institua a remuneração por meio do subsídio.

De fato, este é o entendimento que vem sendo adotado pela Administração, como se verifica a partir, por exemplo, do conteúdo dos arts. 9º-A e 9º-C da lei federal 9.650/98, abaixo transcritos, que expressamente consignam que o subsídio dos servidores do Banco Central já engloba o adicional noturno e o labor extraordinário.

Art. 9º-A.  A partir de 1º de julho de 2008, passam a ser remunerados exclusivamente por subsídio, fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, os titulares dos seguintes cargos de provimento efetivo da Carreira de Especialista do Banco Central do Brasil

(...)

Art. 9º-C.  Além das parcelas e vantagens de que trata o art. 9º-B, não são devidas aos titulares dos cargos a que se refere o art. 9º-A desta Lei, a partir de 1º  de julho de 2008, as seguintes parcelas:

(...)

X - adicional noturno; 

XI - adicional pela prestação de serviço extraordinário;

Entretanto, conforme demonstraremos, as parcelas que seriam devidas pelos trabalhos noturno e/ou labor extraordinário não podem ser tidas como englobadas pelo subsídio e, se caracterizado os seus fatos determinantes, devem ser pagas separadamente, extrasubsídio.

Conforme visto, a Constituição autoriza, nos §§ 4º e 8º do art. 39, que a remuneração dos servidores organizados em carreira seja feita por meio de subsídio.

Ocorre que o §3º do mesmo art. 39 estende aos servidores ocupantes de cargo público os direitos trabalhistas previstos no art. 7º incisos IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, dentre os quais destacamos os seguintes:

a)Remuneração do trabalho noturno superior ao diurno (inciso IX); e

b)Remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por cento ao normal (inciso XVI).

Dessa forma, de fato há uma aparente contradição entre dois positivos constitucionais, pois um determina ser o subsídio parcela única ao passo que o segundo assegura remuneração superior nos casos de trabalho noturno e serviço extraordinário.

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A questão, portanto, é interpretar os referidos dispositivos para saber qual a verdadeira vontade da Constituição. E, a nosso ver, a resposta é que os trabalhos noturno e extraordinário devem ser remunerados extrasubsídio.

Como se sabe, o art. 7º traz um rol de garantias sociais (que também são garantias fundamentais) mínimas aos trabalhadores urbanos e rurais. Seu objetivo é assegurar a proteção do trabalhador, a dignidade das condições de trabalho e a indenização pelo labor desenvolvido em condições mais adversas.

Isso em vista, bem como o fato de que a principal característica de nossa Constituição é a definição e a garantia dos direitos fundamentais, não nos parece adequado entender que ela por um lado teria estendido aos servidores públicos a garantia da remuneração superior pelo trabalho noturno e extraordinário e, por outro, retirado esse mesmo direito.

De mais a mais, os direitos sociais efetivam a dignidade da pessoa humana, centro nervoso da Carta Magna, de forma que, de acordo com o princípio da maximização, devem ser interpretados de forma elástica, de forma a aumentar seu espectro de proteção.

Logo, o entendimento de que o subsídio já engloba qualquer remuneração que seria devida pelo trabalho desenvolvido à noite, ou com acréscimo de jornada, e que não merece o acréscimo de qualquer parcela implica, na realidade, em interpretação restritiva dos direitos sociais do trabalho.

Tal interpretação da Constituição enseja, portanto, uma interpretação restritiva dos direitos sociais e fundamentais e, em última análise, atinge inclusive o princípio da dignidade da pessoa humana.

Dessa forma, o único entendimento coerente com os princípios de nosso sistema jurídico é o que sustenta que os trabalhos extraordinário e noturno devem ser remunerados de forma extra-subsídio, excluídos da parcela única.

Entendimento diverso acarretaria na prestação de trabalho gratuito, pois não haveria qualquer remuneração pelo trabalho prestado além da jornada normal de trabalho o que, diga-se de passagem, é expressamente vedado pela Lei nº 8.112/1990.

Da mesma forma, equipararia o trabalho diurno ao noturno, que seriam igualmente remunerados a despeito deste ser exercido em condições mais gravosas para a saúde do servidor.

Apesar de controverso, este tema já foi abordado por alguns Tribunais no mesmo sentido do ora exposto, como se infere a partir dos seguintes precedentes:

ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. REESTRUTURAÇÃO DE CARREIRA DA POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL. MP Nº 305, DE 29/06/2006. IRREDUTIBILIDADE REMUNERATÓRIA. SUPRESSÃO DO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE.

- A interpretação sistêmica da Constituição Federal, leva ao entendimento de que a vedação aos acréscimos pecuniários indicados no parágrafo 8º, do art. 39, da CF/88, não se estende às verbas remuneratórias contempladas no art. 7º c/c o parágrafo 3º, do art. 39, da CF/88.

- Agravo de instrumento provido, em parte, para suprimir da Parcela Complementar de Subsídio, na remuneração dos agravados, apenas o adicional de insalubridade.

Também o E. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios julgou:

A própria Constituição Federal, compondo o referido equilíbrio das normas constitucionais, mitigou a regra segundo a qual os agentes públicos serão remunerados por subsídio como parcela única, deixando à parte de tal espécie remuneratória direitos constitucionais como o 13.º salário, 1/3 de férias, dentre outros relacionados no § 3.º do artigo 39 da CF, aplicáveis, por força da referida norma, ao servidor público.

Portanto, é claro, ao nosso ver, que a Constituição ressalva da parcela única do subsídio os valores que devem ser pagos pelo trabalho noturno ou extraordinário, o que implica na inconstitucionalidade de todas as leis que disponham de maneira contrária, tal como a lei 9.650/98, com sua atual redação.

É facultado, portanto, a todos os servidores públicos remunerados por subsídio que trabalhem à noite ou em jornadas extraordinárias o ajuizamento de demandas para que sejam resguardadas tais garantias, que implicam em significativo decréscimo remuneratório.

Rio de Janeiro, 13 de janeiro de 2012.

GEORGE GUSTAVO SINCLAIR MEDEIROS

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Sobre o autor
George Gustavo Sinclair Medeiros

Advogado, especialista em direito sucessório.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEDEIROS, George Gustavo Sinclair. Os adicionais noturno e extraordinário e o regime remuneratório de subsídio dos servidores organizados em carreira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3123, 19 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20888. Acesso em: 29 mar. 2024.

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