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Uma análise mais profunda do furto de energia e sua conduta

20/01/2012 às 15:22
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Se a ação for precedida de uma conduta fraudulenta, por exemplo, adulteração de relógio de energia elétrica, estaremos diante de um crime de estelionato (art. 171, CP) e não de delito de furto.

Art. 155. Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:

Pena. Reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

§ 1º .......................

§ 2º ........................

§ 3º Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico.

O nosso Código Repressivo equipara a energia elétrica ou qualquer outra energia que possua valor econômico a coisa móvel. Andou muito bem o nosso legislador ao fazer essa equiparação, pois evitou, como no passado, discussões em torno da possibilidade ou não da subtração de energia elétrica, uma vez que, não possuindo forma corpórea, física, característica de coisa, debates acalorados existiam negando essa possibilidade. É bem verdade que nosso Código Civil de 2002, em seu art. 83, inciso I, considera coisa móvel para efeitos legais as "energias que tenham valor econômico", esvaziando assim a importância que detinha no passado o § 3º do art. 155 do Código Penal de 1940. O anteprojeto do Código Penal de 1999, no seu art. 184, § 1º, alargou a equiparação da coisa móvel incluindo no tipo o "gás e a água fornecidos por empresa pública ou privada". Entendemos sua inclusão necessária para apaziguar divergências em torno desse tema. Em nosso entendimento, a água devidamente captada, tratada e armazenada para o fornecimento por companhia pública ou privada, encontra-se no estágio de bem industrializado. Sendo assim, é coisa alheia móvel, pertencente a um titular, portanto passível do crime de furto. Não concordamos com os argumentos de alguns julgados afirmando ser a água coisa de uso comum do povo, res nullius, por isso não suscetível de subtração criminosa. Correto é afirmar que os rios públicos e as águas do mar são coisas insuscetíveis de apropriação, porém esse não é o caso, pois a água tratada possui total distinção em relação às águas públicas, sendo que aquelas, quando captadas em porções e assim tratadas, deixam de pertencer à categoria de communes omnium. Reunimos dois julgados com nosso entendimento:

"Comete o crime de furto o agente que, clandestinamente, faz captação de água e dela usufrui sem o pagamento de qualquer contraprestação, pois, nesse caso, está incorporando ao seu patrimônio coisa móvel alheia, na hipótese, a água, em detrimento do patrimônio da companhia abastecedora" (TACRIM – SP – Ap. Rel. Almeida Braga – RT – 750/638).

"A água é bem móvel, público e de uso comum do povo, apenas enquanto não destacada do leito do rio por onde naturalmente flua. Captada e canalizada, passa a ser propriedade da empresa concessionária, responsável pelo serviço público respectivo. Ingressando em reservatório de particular, este lhe adquire a propriedade, pouco importando o nome que se dê ao ato oneroso de aquisição (compra e venda, tarifa, taxa, preço público etc.)" (TACRIM – SP – AC – Rel. José Habice - RJD – 11/90).

Em sentido contrário, encontramos, a nosso ver, teratológica decisão:

"A companhia de águas não é dona da água. É ela um serviço de utilidade pública, não podendo, assim, ser a lesada. E que furto é esse que não tem lesado? Furto, pela definição legal do delito é: "subtrair para si ou para outrem coisa alheia móvel". Não se pode tampouco supor que lesada seria a comunidade, pois se trata de água de uso comum, a que, por princípio, toda a comunidade tem direito. Alguém tem que ser atingido no seu patrimônio, para que se caracterize o delito, e tal não existe. Furto de água, sim, seria se se tratasse de água de uso particular, situada dentro de propriedade particular, fazendo parte da mesma. Em tal caso, existiria um "lesado" e quem dela clandestinamente usasse estaria praticando uma subtração de coisa alheia móvel para si" (TARJ – AC – Rel. Portella Santos – Bol. ADV. 727).

Voltando à equiparação do § 3º, em relação à energia elétrica, verificamos então que, assim fazendo, nosso legislador coloca um fim ao debate, põe fim à possível impunidade desse crime e nivela o nosso código aos mais modernos, como o Alemão e o Espanhol. No Código Penal Alemão, em seu art. 248, verifica-se que o legislador não só equiparou a energia elétrica a coisa, como, usando um tipo autônomo, tipificou a conduta da subtração da energia, com isso, solucionando, aspectos relativos à conduta, que o nosso código ainda carece de solucioná-los. Assim está expresso o art. 248 do Código Penal Alemão:

§ 248e. Sustracción de energía

(1)Quien sustraiga energía ajena de una planta o instalación eléctrica por medio de un cable conductor que no esté destinado para la extracción regular de energía, a partir de la planta o de la instalación eléctrica, será castigado cuando él cometa el hecho con la intención de apropiarse para él o para un tercero irregularmente de la energía, con pena privativa de la libertad hasta cinco años o con multa.

(2)La tentativa es punible.

(3)Los §§ 247 y 248 a rigen en lo pertinente

(4)Si la acción descrita en el inciso 1 se comete con la intención de infligir a otro daño antijurídicamente, entonces el castigo será de pena privativa de la libertad hasta dos años o de multa. El hecho solo será perseguido por querella.

O Código Penal Espanhol também criou um tipo autônomo tipificando a conduta de subtração de energia elétrica, bem como outros tipos de energia, até mesmo os de comunicação, que em nossa doutrina tem gerado debates acalorados. Assim está exposto no art. 225 do Código Penal Espanhol:

De las defraudaciones de fluido eléctrico y análogas

Artículo 255 Será castigado con la pena de multa de tres a doce meses el que cometieredefraudación por valor superior a cincuenta mil pesetas, utilizando energíaeléctrica, gas, agua, telecomunicaciones u otro elemento, energía o fluido ajenos, por alguno de los medios siguientes:

1ºValiéndose de mecanismos instalados para realizar la defraudación.

2ºAlterando maliciosamente las indicaciones o aparatos contadores.

3ºEmpleando cualesquiera otros medios clandestinos.

O nosso Código no § 3º, do art. 155, com a expressão "ou qualquer outra", possibilita a equiparação a coisa não somente energia elétrica, como também, da atômica, eólica, solar, mecânica, sonora, hidráulica e qualquer outra que possua valor econômico. O professor Weber, com a sua peculiar perspicácia, assim analisou a possibilidade de subtração de energia genética:

"Como não escapou dos doutrinadores, mesmo no silêncio da lei seria possível admitir a existência de furto nesse caso, pois sêmen dos animais é coisa, no sentido naturalístico e jurídico do termo." [01]

Reparemos, entretanto que no furto de sêmen de um animal reprodutor não haveria necessidade da equiparação, pois o sêmen, como já assinalado pelo mestre Weber Batista, é coisa corpórea, estando compreendido no caput do art. 155.

O legislador usa a expressão "qualquer outra" referindo-se, obviamente, a todo o tipo de energia, como já elucidado. Porém, com o avanço da tecnologia, nos dias de hoje, temos os serviços de televisão por assinatura, o que não poderia ser previsto em 1940. O Código Penal Espanhol já prevê esse tipo de furto de sinal de TV, pois foi um código que entrou em vigor após o advento desse tipo de tecnologia. Portanto, fica a pergunta: seria possível o furto de sinal de TV a cabo, equiparando-o a energia? Para nós a resposta é negativa, uma vez que a locução "qualquer outra" refere-se a energia tão-somente, e, como sinal de TV a cabo sabidamente não é energia, não será possível essa equiparação. E, como em Direito Penal não podemos usar de analogia em prejuízo do agente (in malam partem) para preencher uma lacuna, a única conclusão é a atipicidade dessa conduta. Cezar Roberto Bitencourt possui a mesma compreensão sobre o fato quando assim leciona:

"Certamente, "sinal de TV a cabo" não é energia elétrica; deve-se examinar, por conseguinte, seu enquadramento na expressão genérica "qualquer outra" contida no dispositivo em exame. A locução "qualquer outra" refere-se, por certo, a "energia" que, apenas por razões linguísticas, ficou implícita na redação do texto legal; mas, apesar de sua multiplicidade, energia solar, térmica, luminosa, sonora, mecânica, atômica, genética, entre outras, inegavelmente "sinal de TV" não é nem se equipara a "energia", seja de que natureza for. Na verdade, energia se consome, se esgota, diminui, e pode, inclusive, terminar, ao passo que "sinal de televisão" não se gasta, não diminui; mesmo que metade do País acesse o sinal ao mesmo tempo, ele não diminui, ao passo que, se fosse a energia elétrica, entraria em colapso." [02]

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Fato relevante no estudo do tema em questão, que foge propriamente da equiparação da energia a coisa, é o problema da conduta de subtração, ou seja, a subtração deve ter como fator preponderante a tomada, a retirada da energia e não a fraude para essa subtração. Uma vez que, se a ação for precedida de uma conduta fraudulenta, por exemplo, adulteração de relógio de energia elétrica, estaremos diante de um crime de estelionato (art. 171, CP) e não de delito de furto. Portanto, se o agente faz uma extensão direta de um poste de luz da rua para sua residência, estará cometendo furto, vulgarmente conhecido como "gato". Se, entretanto, o agente adulterar o medidor de energia elétrica para fazer parecer que está gastando menos do que realmente está auferindo, estará configurado o crime de estelionato, e não de furto. Alertando para esse problema, Rogério Greco assim expõe:

"Dessa forma, aquele que desvia a corrente elétrica antes que ela passe pelo registro comete o delito de furto. É o que ocorre, normalmente, naquelas hipóteses em que o agente traz a energia para sua casa diretamente do poste, fazendo aquilo que popularmente é chamado de "gato". A fiação é puxada diretamente do poste de energia elétrica para o lugar onde se quer usá-la, sem que passe por qualquer medidor." [03]

Assim também leciona Bitencourt:

"Quando o desvio de energia ocorre após o medidor, o agente, para "subtraí-la", necessita fraudar a empresa fornecedora, induzindo-a a erro, causando-lhe um prejuízo em proveito próprio. A ligação de energia continua oficial; o fornecedor, ludibriado, acredita que está fornecendo-a corretamente, desconhecendo o estratagema adotado pelo consumidor. Enfim, nessa hipótese, com certeza, a conduta amolda-se à figura do estelionato." [04]

E, por último, mas não menos importante, a conduta de subtração de energia possui um diferencial em relação à subtração de coisa móvel. É que na subtração de coisa móvel propriamente dita, o crime é instantâneo, ao passo que, em geral, na subtração de energia o crime será permanente. Alguns autores levantam o debate sugerindo a possibilidade de que no furto de energia elétrica estaríamos diante de um crime continuado e não permanente. Entendemos que, dependendo da cinemática do fato, serão possíveis as duas possibilidades, embora o mais corriqueiro seja o crime permanente. Entendemos ser difícil, mas não impossível, o crime continuado. Vejamos um exemplo: o agente, eletricista, pode, no seu bairro, efetuar ligações clandestinas ("gato") diversas vezes, com isso praticando, mais de uma ação criminosa, aproveitando-se das condições de tempo, lugar e maneira de execução, caracterizando assim o crime continuado do art. 71 do CP.

Abaixo trazemos a jurisprudência relacionada ao tema em debate:

"Existe crime permanente de furto de energia elétrica e qualificado por fraude, quando o agente viola o aparelho medidor de fornecimento de energia, paralisando o respectivo disco marcador" (TACRIM – SP – EI – Rel. Azevedo Júnior – JUTACRIM – 9/17).

"Comete o crime de furto de energia, em sua forma consumada, o agente que deixa o "elo de prova" (link) do relógio de consumo de energia elétrica aberto, desviando, desta forma, a corrente de energia antes que ela passe pelo registro" (TACRIM – SP- AC- Rel. Oldemar Azevedo).

"Comete o delito de furto de energia o agente que, mediante ligação direta de luz na rede elétrica da rua, sem medição de consumo, subtrai eletricidade, sendo irrelevante que a mesma tenha sido feita por preposto ou por pessoa especialmente contratada para isso, pois o crime não está na ligação clandestina, mas na subtração de energia que essa propicia" (TACRIM- SP –AC- Rel. Mesquita de Paula – RJD – 26/116).

"Furto qualificado – Fraude –Agente surpreendido quando se utiliza de um artefato – "diodo" num telefone público que permite a liberação das ligações sem ficha – Coisa móvel para fins de furto equiparada à energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico – Como o estelionato reclama para o seu aperfeiçoamento a concordância da vítima que a dê em face do engodo ou erro a que se vê submetida, a instalação de aparelho objetivando utilizar-se do telefone sem pagar, configura fraude no apoderamento de energia, isto é, do impulso" (TACRIM – SP- AC –Rel. Ribeiro dos Santos – RT 697/314).

"Incorre nas penas do art. 155, caput, c/c § 3º, do CP, o agente que efetua ligações internacionais em aparelho telefônico de propriedade alheia, vez que a subtração de energia elétrica, como a que permite o funcionamento do sistema telefônico, equipara-se a coisa móvel" (TACRIM – SP – AC – Rel. San Juan França – RJD 24/206).

"O agente que após ter seu sinal de TV a cabo retirado pela operadora do sistema, em virtude de inadimplemento, religa-o clandestinamente não se enquadra na tipicidade do § 3º do art. 155 do CP, pois mero ilícito civil não deve ser combativo no âmbito criminal, ainda mais por aplicação de analogia in malam partem" (TACRIM – SP – Rel. Alfredo Foster – j. 02.04.1998 – RT 755/732).


Notas

  1. Batista, Weber Martins. O furto e o roubo no direito e no processo penal, p. 103- 104.
  2. Bitencourt, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, v. 3, p. 66-67.
  3. Greco, Rogério. Curso de direito penal – parte especial, p. 27.
  4. Bitencourt, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, v. 3, p. 64.
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Sobre o autor
João Carlos Carollo

advogado no Rio de Janeiro (RJ)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAROLLO, João Carlos. Uma análise mais profunda do furto de energia e sua conduta. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3124, 20 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20901. Acesso em: 23 dez. 2024.

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