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Adoções intuito personae e a nova legislação

25/01/2012 às 09:45

Resumo:


  • O inciso III do § 13 do artigo 50 da nova redação do Estatuto da Criança e do Adolescente, inserida pela Lei n.º 12.010/2009, trouxe discussões sobre adoções intuito personae.

  • O cadastro para fins de adoção passou a ser obrigatório, restringindo a possibilidade de deferimento da adoção para candidatos não cadastrados em três hipóteses específicas.

  • A rigidez do cadastro de adotantes pode violar o princípio da proteção integral e o poder familiar, sendo fundamental analisar cada caso de adoção considerando o melhor interesse da criança e do adolescente.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Empalhar o direito à adoção em mero procedimento administrativo – cadastro de pretendentes – é violar a amplitude da proteção integral e limitar a incidência do melhor interesse da criança ou adolescente.

O disposto no inciso III do § 13 do artigo 50 da nova redação do Estatuto da Criança e do Adolescente inserida pela Lei n.º Lei n.º 12.010/2009 inaugurou uma discussão em torno das adoções intuito personae.

Segundo o referido dispositivo o cadastramento para fins de adoção passou a ser obrigatório. O candidato domiciliado no Brasil e não cadastrado somente pode ter deferida adoção em três hipóteses:

I – Em adoção unilateral; II – Formulada por parentes com os quais a criança ou adolescente mantenha vínculos de afinidade; III – Por quem detenha a tutela ou guarda de criança maior de três anos desde que existam laços de afinidade e não seja constatada má-fé ou qualquer das situações previstas nos artigos 237 ou 238 do ECA.

Pois bem. Entendo que o referido dispositivo traz sérias cristalizações ao princípio da proteção integral e viola, frontalmente, o poder familiar daquele (a) que pretende entregar o filho (a) para adoção.

Em primeiro plano, não se pode admitir uma norma de natureza estritamente cogente no âmbito do micro-sistema do Estatuto da Criança e do Adolescente.

O artigo 1.º do ECA, chave alquímica de toda sua interpretação, conjugado como o artigo 3.º estabelece que crianças e adolescentes gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral e sendo-lhes assegurado pela lei ou outros meios todas as oportunidades e facilidades que lhes assegurem o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social.

Não resta dúvida que o cadastro de adotantes deve existir e num primeiro momento sua ordem ser obedecida integralmente.

Entretanto, empalhar o direito à adoção em mero procedimento administrativo – cadastro de pretendentes – é violar a amplitude da proteção integral e limitar a incidência do melhor interesse da criança ou adolescente.

Além disso, o artigo 6.º do ECA determina que na sua aplicação deverão ser levados em conta os fins sociais da lei e as exigências do bem comum. Isso, por si só, seria suficiente e necessário para soterrar a cogência absurda e a ostensividade polimórfica do dispositivo em análise.

Por outro lado, a aplicação indiscriminada da atual alteração causaria nefasta insegurança jurídica no âmbito das adoções intuito personae. Explico: caso levada ao pé da letra, a referida interpretação seria grande a quantidade de pessoas que não recorreriam à Justiça para regularizar a posse irregular de crianças e adolescentes.

Muitas pessoas prefeririam aguardar o lapso de três anos previsto na nova lei para adentra com o pedido de adoção, com manifesta situação de irregularidade que se protrairia no espaço e no tempo.

Sobretudo no norte e nordeste do país existe ainda a cultura da adoção intuito personae. Karl Binding afirmou que por trás da norma legal existe a norma cultural imperativa, que deve ser levada em conta na aplicação da lei. Ao Judiciário compete apenas acompanhar a regularidade desse tipo de adoção e não intervir arbitrariamente no poder familiar dos pais biológicos ainda não destituído antes da adoção.

Neste ponto, outra realidade abusiva exsurge da nova legislação. Estando a mãe biológica no pleno exercício do poder familiar, não pode o Estado, sob o apanágio de uma proteção ostensiva, impedir que a mesma escolha para quem deva entregar seu filho para adoção.

Como antes afirmado, a lista de cadastro de adotantes deve ser seguida, num primeiro momento, em razão da segurança jurídica. Entretanto, obedecer cegamente à mencionada conduz à violação do direito das mães num último alento de amor em relação ao filho que não pode criar: a escolha de quem o fará com responsabilidade e carinho.

Enfatizo: ao Judiciário compete apenas observar a regularidade da adoção intuito personae, e não intervir abusivamente no poder familiar ou sobrepor uma mera formalidade – o cadastro de pretendentes – ao melhor interesse da criança e adolescente.

É oportuno lembrar ainda que a Constituição Federal determina que o Poder Público somente estabelecerá casos e condições de adoção na hipótese de pretendentes estrangeiros (artigo 227, VII, § 5.º), não havendo previsão para elaboração de parâmetros ostensivo em se tratando de postulantes nacionais.

Bastante elucidativa foi a decisão da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Maranhão, no AI 2131.8.10.0002, rel. Desª Anildes Chaves, entendeu:

"Com a devida vênia, inobstante o dispositivo supra legal mencionado estabeleça como regra a existência de um registro de pessoas interessadas na adoção, assegurando, assim, a observância da ordem cronológica de tal cadastro, tal preceito, à toda evidência, deve ser mitigada em prol do princípio maior que rege a matéria, qual seja, o interesse do menor".

No mesmo caminho o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA entende pela relatividade do cadastro de pretendentes em face do superior interesse da criança e do adolescente, nos termos do AG 428544, Rel. Min. Castro Filho em 01/02/2002 e MC 015097, rel. MIn. Massami Uyeda, de 03/02/2009.

No campo doutrinário, ISHIDA aduz com clareza:

"Acreditamos, todavia que o rol não é taxativo, mas sim exemplificativo. Existirão outras hipóteses que excepcionalmente o juiz poderá deferir o pedido de adoção, como na hipótese de adoção intuito personae, considerando o interesse maior da criança ou do adolescente" (Estatuto da Criança e do Adolescente – Doutrina e Jurisprudência – Atlas, SP,, 2010, 11.ª edição, pág. 107, sem grifos).

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Cada caso deverá ser analisado dentro da sua singularidade, de acordo com os princípios da proteção integral e o melhor interesse da criança e do adolescente.

É o que impõe a natureza principiológica do Estatuto da Criança e do Adolescente.

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Sobre o autor
José Americo Abreu Costa

Juiz da 1ª Vara da Infância e Juventude de São Luís (MA). Professor da Escola Superior de Magistratura do Maranhão. Especialista em Processo Civil pela Universidade Federal de Pernambuco.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, José Americo Abreu. Adoções intuito personae e a nova legislação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3129, 25 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20932. Acesso em: 22 dez. 2024.

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