A evolução tecnológica ocorrida com o desenvolvimento do capitalismo tem sido inevitável. Entretanto, no mesmo ritmo em que os sistemas modernos e sofisticados são criados, criminosos utilizam-se de meios cada vez mais criativos para burlá-los.
O sistema de televisão por assinatura, como não poderia ser diferente, tem sido alvo de pessoas que interceptam ou recepcionam o sinal de maneira clandestina, o que tem ocasionado inúmeras discussões doutrinárias e jurisprudenciais a fim de saber se a conduta enquadra-se como furto equiparado à energia elétrica, como sustentam alguns, ou trata-se de conduta não punível, por falta de preceito secundário.
Cabe ressaltar, inicialmente, que o conceito de serviço de telecomunicação é encontrado no art. 60, §1º, da Lei n. 9.472/97, in verbis: "Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza".
No Brasil existem, atualmente, quatro espécies de serviços de televisão por assinatura, quais sejam: TCV, MMDS, DTH e TVA. A primeira delas, a televisão a cabo – TVC –, nos termos do art. 2º, "caput", da Lei n. 8.977, de 06 de janeiro de 1995, que dispõe sobre o serviço de TV a cabo: "[...] é o serviço de telecomunicação que consiste na distribuição de sinais de vídeo e/ou áudio, a assinantes, mediante transporte de meios físicos". Neste sistema, a programadora transmite o sinal via satélite até o headend da operadora, que é a responsável pelo envio da programação até os assinantes através de cabos coaxais ou fibra óptica (ANATEL).
O sistema MMDS – Distribuição de Sinais Multiponto Multicanais –, de acordo com a Portaria n. 254/1997, da ANATEL, "é uma das modalidades de Serviços Especiais, regulamentados pelo Decreto n. 2.196, de 08 de abril de 1997, que utiliza de faixa de micro-ondas para transmitir sinais a serem recebidos em pontos determinados dentro da área de prestação do serviço". Nesse caso, o sinal é transmitido pela programadora até o headend da operadora via satélite, que em seguida envia a programação aos assinantes, que a recebe por meio duma antena de micro-ondas.
O terceiro é o DHT – Serviço de Distribuição de Sinais de Televisão e de Áudio por Assinatura via Satélite –, definido como "uma modalidade de serviço especial, que tem como objetivo a distribuição de sinais de televisão ou de áudio, bem como de ambos, por meio de satélites, a assinantes localizados na área de prestação" (ANATEL). A programadora, nesse caso, transmite o sinal via satélite diretamente às residências dos usuários.
Já o sistema TVA – Serviço Especial de Televisão por Assinatura –, é o serviço de "telecomunicações destinado a distribuir sons e imagens a assinantes, por sinais codificados, mediante a utilização de canais do espectro radioetétrico, sendo permitida, a critério do poder concedente, a utilização parcial sem codificação" (ANATEL).
Em face das definições acima, não há dúvida de que a transmissão de sinal de televisão por assinatura constitui coisa móvel e que possui também valor econômico. Todavia, a grande discussão gravita em torno de saber se essa coisa móvel enquadra-se ou não no tipo penal inscrito no art. 155, §3º, do Código Penal, mais especificamente, na dicção "qualquer outra energia com valor econômico".
Cezar Roberto Bitencourt ensina que, embora o art. 155, §3º, do Código Penal, equipare coisa móvel a "energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico", certamente, "sinal de TV a cabo" não é energia elétrica. Segundo o autor,
deve-se examinar, por conseguinte, seu enquadramento na expressão genérica "qualquer outra" contida no dispositivo em exame. A locução "qualquer outra" refere-se, por certo, a "energia" que, apenas por razões linguísticas, ficou implícita na redação do texto legal; mas, apesar de sua multiplicidade, energia solar, térmica, luminosa, sonora, mecânica, atômica, genética, entre outras, inegavelmente "sinal de TV" não é nem se equipara a "energia", seja de que natureza for. Na verdade, energia se consome, se esgota, diminui, e pode, inclusive, terminar, ao passo que "sinal de televisão" não se gasta, não se diminui; mesmo que metade do País acesse o sinal ao mesmo tempo, ele não diminuiu, ao passo que se fosse energia elétrica, entraria em colapso. (2011, p. 57).
Com efeito, ainda de acordo com o autor, para afastar qualquer dúvida,
é expressamente equiparada à coisa móvel e, consequentemente, reconhecida como possível objeto de furto a "energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico". Toda energia economicamente utilizável e suscetível de incidir no poder de disposição material e exclusiva de um indivíduo (como, por exemplo, a eletricidade, a radioatividade, a energia genética dos reprodutores etc.) pode ser incluída, mesmo do ponto de vista técnico, entre as coisas móveis, a cuja regulamentação jurídica, portanto, deve ficar sujeita". (BITENCOURT, 2011, p. 57).
O grande mestre, Nelson Hungria, aliás, ao tecer comentários ao art. 155, §3º, do Código Penal, com muita propriedade sustenta que são diversas as energias, além da elétrica, que possuem valor econômico, entretanto, "[...] somente podem ser suscetíveis de subtração ou captação as que são separáveis das substâncias de que procedem, pois só então se tornam apresáveis e assenhoreáveis." (1980, p. 37).
A discussão não se restringe apenas ao campo doutrinário, mas estende-se também ao âmbito dos tribunais brasileiros, onde a questão está longe de ser pacificada, ocasionando decisões conflitantes e causando insegurança jurídica, uma vez que enquanto uns são absolvidos, por atipicidade da conduta, outros são condenados, como incursos na figura do art. 155, §3º, do CP. Frise-se, ainda, que há decisões no sentido de que o uso irregular de sinal de televisão por assinatura constitui estelionato, como se vê dos seguintes julgados:
FURTO - ESTELIONATO - SINAL DE TV A CABO. O sinal de TV a cabo não pode ser equiparado a energia elétrica (art. 155, §3º), pois embora tenha valor econômico não é energia. A ligação clandestina de TV a cabo configura estelionato. Possibilidade de nova definição jurídica para o mesmo fato, pois não existe inovação acusatória. Considerando o pequeno prejuízo causado, o fato é considerado privilegiado, pois primário o agente. Recurso defensivo provido em parte, redefinida a conduta criminosa, aplicando apenas sanção pecuniária. (07 FLS) (Apelação Crime Nº 70001779305, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ivan Leomar Bruxel, Julgado em 09/08/2001).
PENAL – PRESCRIÇÃO – INOCORRÊNCIA – RECEPÇÃO INDEVIDA DE SINAL DE TV A CABO – CRIME PERMANENTE – CRIME QUE NÃO SE CONSUMA PURA E SIMPLESMENTE COM A LIGAÇÃO CLANDESTINA – EXECUÇÃO QUE SE PERPETUA ENQUANTO PROSSEGUE O USUFRUTO DA LIGAÇÃO – ADEQUAÇÃO TÍPICA – IMPOSSIBILIDADE DE SE EQUIPARAR SINAL DE TV A CABO A ENERGIA, NOS TERMOS DO ART. 155, §3º, DO CP – OBTENÇÃO DE VANTAGEM INDEVIDA, MEDIANTE FRAUDE, EM PREJUÍZO ALHEIO – CARACTERIZAÇÃO DE ESTELIONATO – CRIME MAIS GRAVE – IMPOSSIBILIDADE DE REFORMATIO IN PEJUS – ABSOLVIÇÃO – NECESSIDADE – MATERIALIDADE – CRIME QUE DEIXA VESTÍGIOS – PERÍCIA – IMPRESCINDIBILIDADE – EXAME PERICIAL INDIRETO, A PARTIR DE DOCUMENTOS JUNTADOS PELA EMPRESA –VÍTIMA – SUFICIÊNCIA – INTELIGÊNCIA DO ART. 158, DO CPP – FRAGILIDADE DO CADERNO PROBATÓRIO - ABSOLVIÇÃO DECRETADA. (Apelação Criminal n. 1.0024.01.003108-6001, Quinta Câmara Criminal, Tribunal Justiça de Minas Gerais, Relator: Desembargador Hélio Valentim, Julgado em 21/08/2007).
Noutro giro, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul negou provimento a recurso de apelação interposto pelo Ministério Público daquele estado, advogando a tese de que a conduta de quem capta irregularmente sinal de TV por assinatura é atípica. Veja-se:
APELAÇÃO CRIMINAL. FURTO. SINAL DE TELEVISÃO A CABO. CONDUTA ATÍPICA. ABSOLVIÇÃO. A interceptação ou a recepção não autorizada de sinal de TV a cabo não adentra no tipo penal do § 3º do artigo 155 do CP, pois consiste em mero pulso eletromagnético, incapaz de gerar força ou potência. De outro lado, o artigo 35 da Lei 8.977/95 previu tal conduta como ilícito penal, porém não estipulou pena. Pelo princípio da reserva legal, somente haverá crime se a lei cominar a sanção correspondente, conforme o brocardo nullum crimen, nulla poena sine lege (art. 5, XXXIX, CF/88). Negaram provimento. Unânime. (Apelação Crime Nº 70027717040, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mario Rocha Lopes Filho, Julgado em 09/07/2009). Data de Julgamento: 09/07/2009. Publicação: Diário da Justiça do dia 25/08/2009.
Consigne-se, entretanto, que essa tese não é pacífica nem mesmo naquele Egrégio Tribunal, porquanto, no julgamento do recurso de apelação n. 70041678327, a Oitava Câmara Criminal, entendeu que a captação clandestina de sinal de televisão por assinatura é fato que se amolda perfeitamente ao tipo penal do art. 155, §3º, do Código Penal.
APELAÇÃO CRIME. FURTO DE ENERGIA. CAPTAÇÃO IRREGULAR DE SINAL DE TV A CABO. TIPICIDADE DA CONDUTA. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA AFASTADA. Art. 395, inc. III, CPP. A hipótese dos autos não autorizava a absolvição sumária por atipicidade da conduta, pois a jurisprudência mais recente do Superior Tribunal de Justiça entende que a captação irregular de sinal de TV por assinatura é fato que pode ser subsumido à previsão típica do art. 155, §3º, do Código Penal. APELO PROVIDO PARA AFASTAR A ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA E DETERMINAR O REGULAR PROCESSAMENTO DO FEITO. Por maioria. (Apelação Crime Nº 70041678327, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Dálvio Leite Dias Teixeira, Julgado em 18/05/2011. Data de Julgamento: 18/05/2011. Publicação: Diário da Justiça do dia 08/07/2011).
Como se vê, o tema mostra-se controverso, tanto isso é verdade, que a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, recentemente, por unanimidade, deu provimento a recurso especial interposto pela a empresa Net Sul Comunicações Ltda., considerando que o sinal de televisão a cabo, por se propagar através de ondas eletromagnéticas, tecnicamente se enquadra como energia radiante.
PENAL. RECURSO ESPECIAL. FURTO DE SINAL DE TV A CABO. TIPICIDADE DA CONDUTA. FORMA DE ENERGIA ENQUADRÁVEL NO TIPO PENAL. RECURSO PROVIDO. I. O sinal de televisão propaga-se através de ondas, o que na definição técnica se enquadra como energia radiante, que é uma forma de energia associada à radiação eletromagnética. II. Ampliação do rol do item 56 da Exposição de Motivos do Código Penal para abranger formas de energia ali não dispostas, considerando a revolução tecnológica a que o mundo vem sendo submetido nas últimas décadas. III. Tipicidade da conduta do furto de sinal de TV a cabo. IV. Recurso provido, nos termos do voto do Relator. (STJ: REsp. 1.123.747-RS(2009/0124165-5), Rel. Min, Gilson Dipp, Quinta Turma, v.u., Dje: 01/02/2011).
A discussão, porém, não parou por aí, chegou ao âmbito da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, que, no julgamento do HC n. 97.261/RS, de relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, por unanimidade, concedeu a ordem para absolver o paciente pela prática do crime de furto de sinal de televisão a cabo, sob o entendimento de que aplicar o art. 155, §3º, do Código Penal, constitui analogia in malam partem, violando, assim, o princípio da legalidade estrita. In casu, o paciente havia sido denunciado como incurso no art. 155, §3º, do Código Penal, em continuidade delitiva (art. 71, "caput", do Código Penal), porque entre o início do ano de 2005 até 29 de abril de 2011, de maneira contínua e permanente, subtraiu sinal de TV a cabo, energia com valor econômico equiparável a coisa alheia móvel, pertencente à empresa Net Sul Comunicações Ltda. Em primeira instância, a ação penal foi julgada procedente e o paciente condenado à pena de um ano e seis meses de reclusão, substituída por prestação de serviço à comunidade. Inconformado, o paciente recorreu ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que concluiu pela atipicidade da conduta e o absolveu nos termos do art. 386, III, do Código de Processo Penal. Diante desse resultado, a Net Sul Comunicações Ltda., agindo como assistente de acusação, interpôs recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça, que reformou o acórdão absolutório proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e determinou o restabelecimento da sentença condenatória de primeira instância. Diante disso, o paciente viu-se obrigado a impetrar Habeas Corpus perante o Supremo Tribunal Federal, que lhe concedeu à ordem para absolvê-lo, cuja decisão restou assim ementada:
HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. ALEGAÇÃO DE ILEGITIMIDADE RECURSAL DO ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA. INTERCEPTAÇÃO OU RECEPTAÇÃO NÃO AUTORIZADA DE SINAL DE TV A CABO. FURTO DE ENERGIA (ART. 155, §3º, DO CÓDIGO PENAL). ADEQUACAO TÍPICA NÃO EVIDENCIADA. CONDUTA TÍPICA PREVISTA NO ART. 35 DA LEI 8.977/95. INEXISTÊNCIA DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. APLICAÇÃO DE ANALOGIA IN MALAM PAREM PARA COMPLEMETNAR A NORMA. INADMISSIBILIDADE. OBEDIÊNCIA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ESTRITA LEGALIDADE. PRECEDENTES. O assistente de acusação te legitimidade ara recorrer da decisão absolutória nos casos em que o Ministério Público não interpõe recurso. Decorrência do enunciado da Súmula 210 do Supremo Tribunal Federal. O sinal de TV a cabo não é energia, e assim, não pode ser objeto material do delito previsto no art. 155, §3º, do Código Penal. Daí a impossibilidade de se equiparar o desvio de TV a cabo ao delito descrito no referido dispositivo. Ademais, na esfera penal não se admite a aplicação da analogia para suprir lacunas, de modo a se criar penalidade não mencionada na lei (analogia in malam partem), sob pena de violação ao princípio constitucional da estrita legalidade. Precedentes. Ordem concedida. (HC n. 97.261/RS, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª Turma, Julgado em. 12.04.2011, DJe. 02.05.2011, v.u.).
Na decisão acima mencionada, os Ministros integrantes da 2ª Turma, seguindo o voto do relator, Ministro Joaquim Barbosa, entenderam que a conduta do paciente encontra-se descrita no art. 35 da Lei n. 8.977/95, nos seguintes termos: "Constitui ilícito penal a interceptação ou a recepção não autorizada dos sinais de TV a cabo". Todavia, o fato é que o tipo penal antes descrito não possui preceito secundário, daí não ser possível punir a conduta típica ali prevista.
É bem da verdade que a redação do art. 35 da Lei n. 8.977/95, lei especial, prevê que a interceptação ou recepção não autorizada de sinais de televisão a cabo constitui infração penal, portanto, não há falar em furto de energia análoga à elétrica. Além do mais, interceptar e reptar não se confunde com subtrair. Na lição de Bitencourt:
Afora o fato de, em não sendo energia, não pode ser objeto material de crime de furto, o "sinal de televisão" tampouco pode ser subtraído, pois, como já afirmamos, subtrair significa retirar, surrupiar, tirar às escondidas a coisa móvel de alguém. Ora, quem utiliza clandestinamente "sinal de televisão" não retira e tampouco dele se apossa, não havendo qualquer diminuição do patrimônio alheio, que, em última instância, é o bem jurídico protegido no crime de furto. Nesse sentido, sustenta João Eduardo Grimaldi da Fonseca, com precisão: "Não há desfalque no patrimônio, o prejuízo decorre de que a empresa – em virtude da utilização indevida do sinal que retransmite – deixa de receber, não do que desta se subtrai".
Por outro lado, subtrair não é a simples retirada da coisa do lugar em que se encontrava; é necessário, a posteriori, sujeitá-la ao poder de disposição do agente, e, na hipótese, o uso clandestino de "sinal de televisão" não apresenta aquele elemento subjetivo de apossamento para si ou para outrem. (BITENCOUT, 2011, p. 57).
É necessário sublinhar, ademais, que em matéria criminal é inadmissível interpretação extensiva para a criação de tipo penal, e, ao que parece, aplicar o preceito contido no art. art. 155, §3º, do Código Penal, ao indivíduo que faz uso irregular de sinal de televisão por assinatura, equiparando-o à energia elétrica, constitui clarividente interpretação em malam partem.
Não se pode dar interpretação extensiva para sustentar que o §3º equiparou coisa móvel "a energia elétrica ou qualquer outra coisa", quando na verdade se refere a "qualquer outra energia". Se a pretensão do legislador fosse essa, equiparar coisa móvel a coisa que tenha valor econômico, poderia ter utilizado uma forma mais clara, por exemplo: "equipara-se à coisa móvel qualquer outra que tenha valor econômico" (2011, p. 57).
E mais, levando em consideração que o art. 35 da Lei n. 8.977/95 não possui preceito secundário, pode-se dizer, tomando a lição de Heleno Fragoso, que a norma, então, é inexistente, portanto, o fato é atípico. "A norma penal é constituída do conjunto formado pelo preceito e a sanção, que constituem unidade lógica indissolúvel. A norma sem preceito ou sem sanção é inexistente" (FRAGOSO, 2003, p. 91-92).
Além do que, a entender de maneira contrária é cometer flagrante violação ao princípio da estrita legalidade, pois constitui evidente analogia in malam partem. E mais, é bom frisar que o princípio da legalidade tem como finalidade precípua garantir que a criação de normas penais incriminadoras seja função única e exclusiva de lei, ou seja, evitar que nenhum fato venha a ser considerado crime e a ele aplicado uma pena sem previamente estar descrito em lei. Consigne-se, ademais, que a retroatividade da lei penal admite uma exceção, qual seja, a de ser utilizada em benefício do réu.
É inegável que o respeito ao princípio da legalidade é de suma importância, pois tem como objetivo principal limitar o poder punitivo estatal e evitar as arbitrariedades como as provocadas pelos Estados absolutistas.
Demais disso, não é possível permitir intepretação extensiva ao art. 155, §3º, do Código Penal, punindo, pela prática do crime furto coisa móvel análoga à energia elétrica, o indivíduo que intercepta ou recepciona, de maneira clandestina, o sinal de televisão por assinatura, quando lei especial prevê a mesma conduta como delituosa, embora não tenha instituído preceito secundário. O fato é que, punir por interpretação extensiva é inaceitável num Estado democrático de direito.
Diante desse contexto, conclui-se que a discussão ainda vai perdurar por algum tempo – até o legislador brasileiro crie o preceito secundário do art. 35 da Lei n. 8.977/95. Enquanto isso, a população brasileira fica à mercê da insegurança jurídica, tendo em vista que ora vê pessoas condenadas, ora absolvidas, pela prática da mesma conduta – interceptar ou recepcionar de forma clandestina sinal de televisão por assinatura.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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