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Capital x trabalho na Constituição Federal de 1988 e a opção por soluções de mercado

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29/01/2012 às 12:40
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Forças conservadoras materializaram, constitucionalmente, a opção capitalista, - o fator “capital” em detrimento do fator “trabalho”, - apontando pela prevalência do capital face a conflitos emergentes.

1. A quimera do Preâmbulo constitucional face ao conflito entre o capital e o trabalho

O Preâmbulo amigável e solidário da CF, destinando-a " ... a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, ... com a solução pacífica das controvérsias..." propõe uma quimera que logo se desfaz diante da ambivalente, - contraditória até -, proposição contida num dos fundamentos da República relacionado no item IV de seu art. 1º que justapõe, ignorando seus conflitos intrínsecos, "os valores sociais do trabalho e (os) da livre iniciativa;", induzindo à suposição de que, apresentados lado a lado, e precedidos de preâmbulo pretensamente ético, quase-religioso, este dois vetores – "trabalho e livre iniciativa"haveriam de se compor na vida econômico-social, despojando-se, como consequência, de seu conflito intrínseco, permanente no sistema capitalista que, antes, o aguça e o mantém sempre vivo. Aliás, adequadamente explorado na Consolidação das Leis do Trabalho, nos capitulos referentes à organização sindical e ao direito de greve.

Porque este conflito entre o capital e o trabalho, historicamente fincado nos dois últimos séculos, e explorado pelos teóricos sociais do século XIX, - Marx e socialistas - , traduz a tensão intrínseca entre estes dois vetores de produção e, como decorrência, a liberdade de que dispõem seus respectivos agentes para reclamar ganhos de produtividade, via salários ou taxas de juros.

Felizmente o Preâmbulo contempla, de saída, o caminho para a resolução de tais conflitos ou "controvérsias", - o caminho "pacífico" e fundado na "harmonia social" -, pressupondo ademais não ser tal conflito (entre o capital e o trabalho) nem agudo nem radical, portanto passível de equacionamento harmônico que a legislação trabalhista, por exemplo, teria construído para arbitrá-los e equacioná-los em suas "controvérsias".


2. A valorização do trabalho humano como um fator capitalista

Mais adiante, em seu artigo 170 [01], a CF vai definir a ordem econômica da República, mencionando que é "... fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa...", identificando ainda como um de seus princípios, a "propriedade privada", o fator capital, detido por pequenos grupos proprietários, - famílias, empresas ou pessoas jurídicas - empregadores e gestores de mão-de-obra, - o fator trabalho -, abrigado, quando conflitos emergem, na legislação e na justiça trabalhista.

A exegese desta expressão "... valorização do trabalho humano e livre iniciativa..." revela um elemento fundamental do sistema capitalista: a de que o trabalho humano tem um valor, expressável numa remuneração, e de que tal valor também possa ser arbitrado livremente, a "... livre concorrência...", insculpida neste artigo 170, item IV da CF.

Com respeito ao substantivo "valorização", assim o define Aurélio [02]: "Ato ou efeito de valorizar(-se)", sugerindo tanto o conceito popular de dignificar o trabalho (humano), acrescentando-lhe mais valor, quanto sua tradução econômica em valor monetário, - sua valoração - expressa e correlacionada na escala salarial de cada empresa, do respectivo setor econômico, e por fim correlacionada aos salários de toda a economia, como exibem pesquisas do IBGE sobre à matéria.

O conflito entre o capital e trabalho perpassa toda a Constituição; assim, se de um lado, a CF não explicita, talvez por pudor, - e com todas as letras - que adota o modo de produção do sistema capitalista, por outro lado, no artigo 170 – vide nota de rodapé – ancora o sistema econômico aos princípios da "propriedade privada" (item II deste artigo) e à "livre concorrência" (Item IV, idem).


3. Impasse hermenêutico da CF, com relação ao conflito capital x trabalho

Correlacionando o Preâmbulo da Constituição Federal, aos "princípios fundamentais" da República, - arrolados no artigos 1º, que se ocupa dos "fundamentos" supratranscritos, e no 3º, a se ocupar de "objetivos" -, eclode um impasse hermenêutico com relação ao tratamento do conflito entre o capital e o trabalho na estrutura capitalista: tratá-lo, ou (a) com o envelope cultural, e filosófico, ou principiológico, insculpido no Preâmbulo – "... assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, ... com a solução pacífica das controvérsias..." ou (b) com os choques – que a História registra - entre o capital e o trabalho, subjacentes a uma leitura mais atenta do item IV, do artigo 1º da CF - "valores sociais do trabalho e (os) da livre iniciativa;", valores senão antagônicos, como têm registrado a História, pelo menos em, (c) contradição, decorrente da leitura do item I do artigo 3º - "construir uma sociedade livre, justa e solidária", cotejado ao item IV do artigo 170, - acima já destacado -, a ancorar a ordem econômica na "livre concorrência", cujo mecanismo sócio-operacional colidirá, a todo instante, com os de uma "sociedade livre, justa e solidária".


4. "Hermenêutica dos Direitos Fundamentais", conforme os Autores Sidney Guerra e Lilian Emerique [03]

Os fundamentos a respeito do conflito entre o capital e o trabalho, e sua interpretação, me ocorrem com força e insistência, após a leitura deste instigante trabalho, que discute aspectos da "Interpretação das normas constitucionais", em seu item 2.

Ao mencionarem os Autores – Sidney Guerra e Lilian Emerique - "pontos relevantes da Nova Hermenêutica", buscam relacionar

"as particularidades das normas constitucionais que tornam a tarefa de interpretá-las mais dificultosa do que a interpretação dos comandos infraconstitucionais", ... "mencionando-se algumas razões que justificam a necessidade de uma nova hermenêutica mais apropriada a interpretação da Constituição, privilegiando na abordagem o emprego do método hermenêutico concretizante.", conforme "o pensamento de três autores: Peter Häberle, Konrad Hesse e José Joaquim Gomes Canotilho". [04]

Recolho portanto do texto citado, algumas citações que encaminham àquela argumentação, a rigor, na direção de uma "hermenêutica" mais aberta, na concepção de Häberle [05], para utilizar a percepção alcançada por Norberto Bobbio [06] com relação à antinomia contemporânea entre os conceitos "aberto" e "fechado", que utilizou com relação às sociedades e, de onde migrou, conceitualmente, para a cultura contemporânea, imprimindo-lhe novo e adicional critério de valor.

Destaco, desde logo, a menção que aqueles Autores fazem à reflexão de Carlos MAXIMILIANO ao ampliar a dimensão interpretativa, dizendo: "A arte (da interpretação) ficou subordinada, em seu desenvolvimento progressivo, a uma ciência geral, o Direito, obediente, por sua vez aos postulados da Sociologia; e a outra, especial, a Hermenêutica." E cabe acrescentar: subordinada à classe dominante, - e, em última análise aos detentores do capital - cujos representantes no Congresso fazem as leis e orientam sua aplicabilidade.

Importante a convocação da sociologia, ciência relativamente moderna, desenvolvida no século XX, porque nos auxiliará na invocação, mais adiante, do brilhante trabalho de Celina Souza – "Federalismo e Descentralização na Constituição de 1988: Processo Decisório, Conflitos e Alianças" [07].

Mas não apenas da sociologia; a própria cultura do intérprete deverá ser cotejada e considerada na medida em que este a projetará – ao se utilizar dela - na própria matéria a ser intepretada, em linha, aliás, com os princípios de projeção arrolados entre os princípios da psicologia. Sobre a cultura do intérprete diz o texto:

"A hermenêutica também deve dedicar-se ao estudo daquele que desenvolverá a atividade interpretativa, pois interpretar consiste em dotar de significado. E nesta tarefa o intérprete é uma espécie de mediador que comunica aos demais o significado que se atribui às coisas, aos signos ou aos acontecimentos." [08](grifo nosso)

O "mediador", ao comunicar "aos demais o significado que se atribui às coisas", traz seus próprios valores e seu próprio entendimento sobre tal "significado", valendo dizer que o mediador (ou interpréte) dá, em última análise, significado ao significado, ou cultura à cultura, na qual está imerso mas nela e dela recortando limites de seu interesse.

No capítulo 3 do texto supracitado, ao comentar "A intepretação das normas constitucionais", se lê [09]:

"As questões hermenêuticas suscitam temas ligados ao texto, ao intérprete e à interpretação em si mesma. Um ponto que não pode ser deixado de lado diz respeito ao texto que será objeto da interpretação, até porque é sobre ele que se concentram os esforços para que um significado lhe seja atribuído como resultado da atividade desenvolvida."

...

"Atualmente a corrente da hermenêutica jurídica que mais impacto apresenta na literatura nacional sustenta que o problema é fundamental para a interpretação da norma."

Se o "mediador" ou intérprete, com boa dose de consciência do campo político em que se situa, já contamina o "significado" a partir de sua interpretação cultural pessoal, que dirá o nível de contaminação trazido pelos autores das leis, e no caso em tela pelos constituintes que, em geral, ou não possuem esta distância crítica mais comum entre os intelectuais, ou então, expressamente, representam os detentores da riqueza.

O problema à reflexão diz respeito ao conflito entre capital e trabalho, como acolhido pela Constituição Federal, envolvendo diretamente a "ordem social", ensejando esquadrinhá-lo para alcançar, por fim, aspectos sociológicos correlacionados aos constituintes enquanto autores da Lei Maior, guiados por este brilhante trabalho da Profª e Drª Celina Souza.

"Hermenêutica dos Direitos Fundamentais" observa, com respeito à ordem social:

"Logo, a interpretação da Constituição não é tarefa das mais fáceis, pois apresenta certas dimensões que a diferenciam da interpretação das demais leis e devido ao caráter singular pelo qual é criada uma Constituição e o que ela representa para um Estado, encontram-se dados que tornarão a atividade ainda mais necessária e criteriosa para chegar a um bom termo dentro da ordem social." [10]

No capítulo 4, "O Intérprete", os Autores buscam enquadrar, à luz da doutrina recolhida, o intérprete da Constituição, já não mais entre ‘experts’ doutrinários, clássico entendimento, mas, entre os usuários da norma, invocando Häberle:

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"Peter Häberle, ao discorrer acerca da visão restritiva, vale-se da expressão proferida por Ehmkeé, que a denominou de "sociedade fechada". Entretanto, Häberle não coaduna com essa limitação de competência para a interpretação; defende ser intepretação toda aquela realizada pelos que vivem a norma ("sociedade aberta"), independente de serem estes capazes de levar a cabo a uma análise interpretativa sem paixões ou tendências e com observância de todos os preceitos e processos hermenêuticos e, ainda, se são legitimados ou não para aplicá-la ao fato. Denomina essa categoria de "intépretes constitucionais em sentido lato", e define as suas atuações como de, pelo menos, "pré-intérpretes". (Voriterpreten) [11](grifo nosso)

Adiante enfatiza e distingue a "intepretação constitucional", como, até agora, "coisa de uma sociedade fechada", da qual "tomam parte apenas os intérpretes jurídicos vinculados às corporações", da intepretação constitucional como "mais um elemento da sociedade aberta".

O debate entre o que seja sociedade aberta e fechada ganhou corpo após a publicação, por parte de Karl Popper em 1945, da obra "A Sociedade Aberta e Seus Inimigos", comentada e divulgada entre outros pelo financista George Soros em "A Era da Incerteza" e pelo filósofo e politicólogo Norberto Bobbio, em seu texto "Entre Duas Repúblicas" [12], onde, buscando exemplificar os dois conceitos, amplificados na cultura contemporânea, correlaciona-os aos anteriores conceitos antitéticos de iluminismo versus obscurantismo.

Os Autores do "Hermenêutica", no capítulo 5, "Os processos hermenêuticos", identificam a importância da evolução das relações sociais – vale dizer, uma evolução dos costumes - no fenômeno da interpretação (no que se aproximam da abordagem sociológica de MAXIMILIANO):

"Conforme anteriormente esclarecido, todas as normas jurídicas estão sujeitas à interpretação, inclusive aquelas de clareza reconhecida, mesmo porque a própria característica de ser "clara" carrega relatividade diante dos fins pretendidos pela norma, pois dúvidas podem ser descobertas ou suscitadas pela evolução das relações sociais envolvidas." [13]

Para o nosso caso, o conflito na História moderna entre capital e trabalho alcança diretamente o campo das relações econômico-sociais, em contínua evolução, conflito abrigado pela Constituição de acordo com o formato desenhado pelos Constituintes cujo perfil sócio-econômico num momento dado, identificado adiante pelos autores citados, determinou os referidos valores constitucionais, sem solucionar o conflito. Pontos que aliás não estavam em questão.

Os Autores de "Hermenêutica" buscam equacionar, de outro lado, o conflito entre o fator político, originário da norma, e o fator jurídico, ou sua positivação:

"A boa intepretação constitucional não pode descartar da norma superior o fator político e nem o fator jurídico. Destarte, cabe ao agente interpretador ponderar e equilibrar o seu trabalho nesses dois campos." [14](grifo nosso)

Significando, de saída que o "agente interpretador" lançará mão de sua própria cultura para alcançar tal ponderação e equilíbrio, vale dizer que estará projetando os conhecimentos acumulados – e arrrancados a um contexto histórico dado - neste trabalho de interpretação.

Por outro lado, invocar o fator político como elemento referencial da Constituição – que é! –, implica em conhecer o momento histórico em que foi elaborada, e igualmente em entender o posicionamento político-ideológico dos deputados Constituintes que a escreveram e a normatizaram, seus "pais fundadores", inda que contemporâneos, analogicamente aos "Founding Fathers" da Constituição americana. Deputados Constituintes que, aliás, se candidataram à Assembléia Constituinte representando, cada qual, um conjunto de forças e de valores de uma sociedade que experimentava, naquela década de 1980, e no campo das empresas privadas, malgrado o amplo conjunto de empresas estatais então, uma evolução na direção de maior privatização e capitalismo ‘privado’, ao invés do capitalismo de estado.

Buscar equilíbrio entre os fatores político e jurídico implicará, muitas vezes, em ver a balança pender na direção do fator político, vale dizer da ideologia dos Constituintes, que insculpiram conflitos em determinados capítulos, opção política materializada na ausência de clareza, via redação obscura ("ficar em cima do muro"), exigindo, em conseqüencia, a hermenêutica constitucional.

Vejamos o que nos ensina o citado trabalho da pesquisadora Celina Souza, objeto do capítulo seguinte.


5. "Processo Decisório, Conflitos e Alianças na Constituição de 1988: "(Federalismo e Descentralização)" [15]

Coloquei entre parênteses parte do artigo, para enfatizar seu aspecto central – "conflitos e alianças" – que contaminam diversos temas constituicionais, além do tema abordado, "federalismo e da descentralização", pelas observações da autora Dra. Celina Souza.

À "Introdução", observa que:

"A Constituição de 1988 desenhou uma ordem institucional e federativa distinta da anterior. Voltada para a legitimação da democracia, os constituintes de 88 optaram por duas principais estratégias para construí-la: a abertura para a participação popular e societal e o compromisso com as descentralização tributária para estados e municípios. Da primeira estratégia – essencial este aspecto para as reflexões do presente estudo – resultou uma engenharia constitucional consociativa em que prevaleceu a busca de consenso e a incorporação das demandas das minorias." [16] (grifo nosso)

Ao analisar o perfil dos constituintes, conforme nosso tema proposto no presente estudo, diz:

"Das eleições de 1986 saíram os constituintes responsáveis pela elaboração da nova Constituição brasileira. Participaram desse pleito trinta partidos, dos quais doze elegeram representantes para a ANC (Assembléia Nacional Constituinte), sendo que o PMDB possuía a maior bancada. "O PMDB e o PFL reunidos asseguraram quase 80% dos membros da ANC e os partidos considerados progressistas (PT, PDT, PSB, PCdoB e PCB) tinham, juntos, 9.5%. A força do PMDB e do PFL, que foram, também, os principais fiadores da transição, poderia levar a crer que a elaboração da Constituição seria uma tarefa relativamente fácil. Mas não só isso não aconteceu, como também os partidos tidos como progressistas conseguiram aprovar muitas de suas demandas." [17]

Com relação às pesquisas já realizadas buscando fotografar o perfil dos constituintes diz que: "(c) uma das pesquisas mostrou que os membros da ANC eram conservadores em questões de ordem e valores morais, mas progressistas nos temas socieconômicos (Veja, 4/2/1987)", restando aqui a dúvida quanto ao direcionamento deste viés progressista, se neoliberal ou sócio-trabalhista, o que o estudo não logra aclarar.

Entre as pesquisas recolhidas, avulta em importância, para medir a dimensão econômico-ideológica da ANC, a de Leôncio Martins Rodrigues, sobre "Partidos, ideologia e composição social", [18] onde o Autor analisa o perfil sócio-econômico da 51ª Legislatura, eleita nas eleições de outubro de 1998 e empossada em 1º de fevereiro de 1999.

Se a composição partidária da ANC em 1986, (559 membros: deputados federais e senadores) era integrada por 302 do PMDB, ou 54% e 133 do PFL, ou 23,8%, em 1998, apenas a Câmara de Deputados, com 513 membros, apresentava queda na representação daquelas duas agremiações: 105 deputados do PFL, ou 20,5% e 83 do PMDB, 16.2%, seguidos pelo PSDB, cisão do PMDB, com 99 deputados ou 19,3%, e ainda pelo PPB, com 60 deputados ou 11,7% do total, perfazendo estes quatro partidos a percentagem de 67,7%, inferior a esmagadora maioria que juntos PMDB e PFL representavam em 1986, de 77,8%, ou quase 80%, como mencionado acima.

Pois esta pesquisa de Leôncio M. Rodrigues aborda um aspecto ideológico fundamental para nosso estudo ao identificar as profissões/ocupações no total da Câmara de Deputados em 1998 [19], assim analisando os dados que recolheu:

"Percebe-se imediatamente que a fração da classe política brasileira representada nesta Câmara dos Deputados provém fundamentalmente de quatro segmentos socioocupacionais: 1. Empresários (do setor urbano, principalmente); 2. Profissionais liberais (especialmente advogados, se a contagem se fizer a partir do diploma; médicos, se a contagem se fizer a partir do exercício da profissão); 3. Funcionários do Estado (dos governos federal e estadual principalmente); e 4. Professores. O segmento dos empresários é predominante. Contando todos os setores e ramos de atividade econômica e ignorando a dimensão dos empreendimentos, 44% dos deputados tinham (ou têm) atividades de tipo empresarial, como proprietários, sócios ou administradores. Junto como os profissionais liberais e profissões intelectuais, os empresários perfazem 75% dos parlamentares." [20]

A partir do perfil profissional dos deputados integrantes da Câmara de Deputados em 1998, e que não deve estar muito longe da Assembléia Nacional Constituinte de 1886, mais conservadora do ponto de vista da distribuição das cadeiras entre os partidos dominantes (PMDB + PFL) vai-se desenhando facilmente o entendimento de que a ênfase constitucional quanto à ordem econômica, no caso do artigo 170 comentado à pág. 1 deste texto, foi voltada para "a valorização do trabalho humano e da livre iniciativa", fundados na " propriedade privada" e na "livre concorrência", como se deve depreender de uma releitura mais direta deste artigo 170:

"artigo 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – soberania nacional; II – propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor."(grifei)

No trabalho de Celina Souza, sobre o "processo decisório, conflitos e alianças na Constituição de 1988", a seguinte observação é significativa, para capturar a ênfase na ordem econômica privada:

"O alto grau de heterogeneidade dos constituintes, aliado ao caráter abrangente da transição política, sinalizava duas alternativas no que se refere ao processo decisório: a) acordos entre grupos com afinidades ideológicas, colocando em confronto conservadores versus progressistas; b) acordos entre grupos ideologicamente adversários, gerando consenso em certas questões e deixando para o futuro as decisões em que este não pôde ser alcançado. Esta última alternativa prevaleceu e o papel do presidente da ANC, Ulysses Guimarães, foi crucial para administrar esse equilíbrio delicado e instável de formação de consenso." [21](grifei)

Após uma ampla análise dos trabalhos da ANC [22] e justamente dos conflitos e coalizões que ocorreram, Celina Souza aponta a evolução daquele trabalho posterior na busca de consenso em torno de decisões mais difíceis, não equacionadas numa primeira fase de elaboração constitucional, logrando, posteriormente, alcançar ampla revisão de todo o texto:

"Por conta dos caminhos que a ANC estava tomando, em especial as ameaças à duração do mandato de Sarney (o Presidente da República de então, José Sarney) além das medidas contrárias aos interesses de vários segmentos empresariais, criou-se, então, um grupo extrapartidário, o Centrão, para lutar contra o que muitos rotulavam de tendências esquerdistas da ANC. O Centrão contou com 152 parlamentares do PFL, PMDB, PDS, PTB, PDC e PL, sendo também fruto das derrotas sofridas pelo PFL nesse estágio."

...

"No entanto, a criação do Centrão trouxe consequências para o processo constituinte como um todo. Isto porque o grupo conseguiu mudar as regras regimentais, aprovando o Regimento Interno nº 3, o que permitiu que quase tudo o que havia sido negociado pudesse ser revisto." (grifo nosso)

E aqui a observação crucial que nos permite fotografar e entender o domínio das forças conservadoras e capitalistas na elaboração do texto final da Constituição:

"Se os progressistas foram mais bem-sucedidos nas subcomissões e comissões temáticas, apoiados, principalmente, pelos movimentos sociais, na Comissão de Sistematização eles tiveram que retroceder e negociar com as forças conservadoras." [23]

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Sobre o autor
Paulo Guilherme Hostin Sämy

Experiência anterior em bancos, RH, mercado financeiro, comércio exterior e marketing. Eleito Analista do Ano 2004 da Abamec/Apimec - Associação dos Analistas do Mercado de Capitais. Articulista do Monitor Mercantil desde 1998, com temas correlacionados à área financeira, economia e política. Publicação anterior de artigos na revista da ABAMEC,- sobre mercado financeiro - em 'Tendências do Trabalho', então da Editora Suma Econômica - sobre administração - e na revista "Engenho e Arte", sobre alguns aspectos iniciáticos. Vídeos de treinamento publicados através da Editora Suma Econômica: "Criatividade em Equipe" e "O Príncipe: Estratégias de Ataque e Defesa nas Disputas de Poder".

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SÄMY, Paulo Guilherme Hostin. Capital x trabalho na Constituição Federal de 1988 e a opção por soluções de mercado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3133, 29 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20959. Acesso em: 31 out. 2024.

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