Resumo: analisa aspectos da improbidade administrativa, com enfoque para a constitucionalidade formal da Lei 8.429/92 e sua compatibilidade entre os preceitos da Lei 7.347/85, abordando, ainda, o juízo de admissibilidade da petição inicial, o possível alcance da lei a particulares e os atos jurídicos passíveis de sanção.
1. Constitucionalidade formal da Lei 8.429/92.
Questionou-se a constitucionalidade da Lei 8.429/92 diante de eventual violação ao princípio da bicameralidade durante a tramitação do seu projeto de lei.
Os argumentos são duplos: não houve discussão da Câmara dos Deputados do projeto de lei originário do Senado Federal e a sanção direta do projeto rejeitado pela mesma Câmara Alta.
Tais questões foram objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.182 proposta pelo Partido Trabalhista Nacional - PTN. O Plenário do Supremo Tribunal Federal - que havia denegado pleito liminar - julgou improcedente o pedido, em Sessão Plenária do dia 12/05/2010 (DJU 20/05/2010), com decisão assim ementada:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. 1. QUESTÃO DE ORDEM: PEDIDO ÚNICO DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DE LEI. IMPOSSIBILIDADE DE EXAMINAR A CONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. 2. MÉRITO: ART. 65 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DA LEI 8.429/1992 (LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA): INEXISTÊNCIA.
1. Questão de ordem resolvida no sentido da impossibilidade de se examinar a constitucionalidade material dos dispositivos da Lei 8.429/1992 dada a circunstância de o pedido da ação direta de inconstitucionalidade se limitar única e exclusivamente à declaração de inconstitucionalidade formal da lei, sem qualquer argumentação relativa a eventuais vícios materiais de constitucionalidade da norma.
2. Iniciado o projeto de lei na Câmara de Deputados, cabia a esta o encaminhamento à sanção do Presidente da República depois de examinada a emenda apresentada pelo Senado da República.
O substitutivo aprovado no Senado da República, atuando como Casa revisora, não caracterizou novo projeto de lei a exigir uma segunda revisão.
3. Ação direta de inconstitucionalidade improcedente. (grifado)
(STF, ADI 2.182, Tribunal Pleno, Redator para acordão MIN. CÁRMEN LÚCIA)
Neste contexto, a decisão do STF deve ser respeitada, nos termos do art. 102 § 2º da Constituição da República Federativa do Brasil, reconhecendo-se a constitucionalidade formal da Lei 8.429/92.
2. Compatibilidade entre os preceitos das Leis 7.347/85 e 8.429/92.
Não é incomum a vinculação da ação de improbidade administrativa com a ação civil pública.
Muitas vezes se questiona, com o fim de anular o processo judicial, a adoção subsidiária do rito previsto na ação civil pública, circunstância que, evidentemente, não pode ser acolhida, diante da plena compatibilidade entre os ritos dos dois microssistemas. É importante, contudo, que sejam cumpridos os requisitos específicos fixados na Lei de Improbidade Administrativa - LIA.
Em especial, é indispensável a observância do artigo 17, § 7º, da LIA, que determina a prévia intimação do demandado para o fim de apresentar defesa preliminar.
Ou seja, é possível adotar-se alguns dispositivos da Lei 7.347/85 no processo de improbidade administrativa desde que cumpridos os pressupostos específicos fixados na própria Lei 8.429/92.
3. Juízo de admissibilidade da ação.
Como visto, é possível a compatibilização da Lei da Ação Civil Pública com a Lei de Improbidade Administrativa.
O artigo 17, § 7º, da LIA prevê a manifestação preliminar, em que se permite ao sujeito a quem se imputa a conduta ilegal a apresentação de defesa prévia, com o fito de afastar preliminarmente os pedidos veiculados na petição inicial.
Neste momento processual, o juiz poderá acolher as alegações e rejeitar de plano a ação. A cognição processual, entretanto, é sumária e limitada à análise dos pressupostos de admissibilidade da ação de improbidade administrativa, com alcance restrito à extensão processual cognitiva fixada na própria LIA.
Ou seja, deve-se avaliar se há indícios mínimos a ensejar o prosseguimento da ação de improbidade, cuja decisão de mérito, contudo, ficava condicionada à produção de provas robustas tendentes à real demonstração dos fatos narrados na inicial e, em especial, dos prejuízos jurídicos e econômicos apontados pelo autor da ação.
Cabe anotar, portanto, que os fatos narrados pelo autor da ação devem se confirmar com a comprovação da prática dos apontados atos de improbidade administrativa, em que o ônus da prova é distribuído estaticamente na forma do artigo 333 do CPC ou de acordo com a perspectiva dinâmica, a depender dos fatos e das circunstâncias apresentadas no processo.
4. Alcance da LIA a particulares.
É importante observar que a LIA também atinge particulares que participaram do ato contestado na ação de improbidade administrativa, inexistindo limitação da incidência da lei aos servidores públicos.
O art. 3° da Lei 8.429/92 estabelece que tal diploma normativo é aplicável "no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta."
O art. 5º da mesma lei também prevê que: "Ocorrendo lesão ao patrimônio público por ação ou omissão, dolosa ou culposa, do agente ou de terceiro, dar-se-á o integral ressarcimento do dano."
Ou seja, em tese, é possível que particulares sejam atingidos pela decisão da ação de improbidade desde que tenham participado da prática ou sejam beneficiados do ato impugnado judicialmente.
5. Os atos de improbidade administrativa.
Após a promulgação da Constituição Federal de 88 - CF deflagrou-se forte movimento tendente a implementar de forma mais efetiva alguns princípios outrora desconsiderados pelo sistema jurídico pátrio. Importante destaque foi atribuído ao controle dos atos da administração e da proteção da probidade administrativa, essenciais ao cumprimento dos princípios inerentes ao Estado Democrático Constitucional Social Brasileiro.
Assim, estabeleceu-se a necessidade constitucional de cumprimento dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência - este último alçado ao nível constitucional por força da Emenda 19/98 - nos termos do art. 37 da CF. Em 1992 sobreveio a Lei de Improbidade Administrativa - LIA (Lei 8.429), que regulamentou o art. 37 § 4º do texto constitucional, estabelecendo as condutas condenáveis praticadas por agentes públicos e de particulares beneficiários de atos ímprobos.
Nada obstante o arcabouço normativo atualmente vigente, não se pode perder de vista os estreitos limites de incidência da Lei de Improbidade, razão pela qual somente podem ser alcançados pelo controle jurisdicional os atos que implicarem (a) lesão ao erário - art. 9º; (b) enriquecimento ilícito - art. 10; (c) violação aos princípios da administração pública - art. 11, todos da Lei 8.429/92.
Ainda, a principal característica da LIA está concentrada na necessidade de comprovação de má-fé, desonestidade e deslealdade contra o interesse público (seja primário ou secundário) [01].
Freitas, ao discorrer sobre o tema, anota que: "Associado ao juridicamente autônomo princípio da moralidade positiva - mais especificação do que qualificação subsidiária daquele -, o princípio da probidade administrativa consiste na proibição de atos inequivocamente desonestos ou desleais para com o Poder Público, praticados por agentes seus ou terceiros." [02]
Assim, é imprescindível a comprovação judicial da prática concomitante de ato abusivo, ilegal, imoral, desonesto e prejudicial ao interesse público para que possa ensejar a condenação na via da improbidade.
Outro aspecto importante a destacar é a necessidade de prova do elemento subjetivo, qual seja, a demonstração da má-fé dos agentes públicos e dos particulares beneficiários. É essencial, assim, a comprovação da prática de ato abusivo, ilegal, imoral, desonesto e prejudicial ao interesse público (primário e secundário).
Notas
- ALESSI, Renato.Sistema Istituzionale del Diritto Amministrativo Italiano. 3 ed. Milão. Giuffré, 1960, p. 197.
- FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. São Paulo: Malheiros, 3 ed., p. 187.