4. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20/98 E OS EFEITOS DA ADIn 1252-5
Quando a polêmica a respeito da sistemática de pagamento dos débitos da Previdência Social parecia estar solucionada em face julgamento da Ação direta de inconstitucionalidade, adveio a Emenda Constitucional nº 20 que acrescentou mais um parágrafo no artigo 100 da Constituição Federal, prevendo que o disposto na cabeça do artigo relativamente à expedição de precatória "não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em lei como de pequeno valor que a Fazenda Pública Federal, Estadual ou Municipal deva fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado".
A partir da reforma, não resta dúvida que o artigo 128 da Lei 8213, mostrou-se perfeitamente compatível com o ordenamento constitucional, e o que anteriormente foi declarado inconstitucional, passou a ser a constitucional. Contudo, não se pode deixar de lado o fato que o dispositivo foi declarado inconstitucional e certamente tal declaração não pode ser ignorada.
A primeiro é de se esclarecer que se descarta qualquer possibilidade de repristinação da norma, posto que, como norma geral, o Brasil adotou a impossibilidade do fenômeno da repristinação, salvo se a nova ordem jurídica expressamente assim se pronunciar, o que não foi o caso da emenda 20.
Como foi verificado o artigo 128 da lei 8213/91 foi objeto de uma ação direta de constitucionalidade julgada parcialmente procedente e portanto produziu efeitos no mundo jurídico, tornado seu conteúdo, posteriormente, totalmente compatível com a Constituição, no entanto, no meu entender, isso não significa que se possa voltar a aplicar a regra, posto que conforme afirmado a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, produziu coisa julgada material, com eficácia erga omnes e efeito vinculante, o que impede que se possa voltar a aplicar a parte do artigo 128 declarada inconstitucional, consoante posicionamento majoritário da doutrina. Nesse sentido é a lição de Regina Maria Macedo Nery Ferrari, para que:
Os efeitos dessa decisão deverão atingir a todas as hipóteses em que possa haver indicência, vale dizer, a decisão que declara a inconstitucionalidade em tese é de alcance erga omnes, e reveste-se da autoridade da coisa julgada erga omnes, obrigando, portanto, não só o Poder Judiciário como todos os demais poderes – Legislativo e Executivo -, implicando ainda na impossibilidade de sua modificação ulterior pelo próprio Supremo Tribunal Federal.(17).
O constitucionalista José Afonso da Silva(18),igualmente ensina que:
... como o objeto do julgamento consiste em desfazer os efeitos normativos (efeitos gerais) da lei ou ato, a eficácia da sentença tem exatamente esse efeito de eliminar a eficácia e aplicabilidade lei, e isto tem valor geral, evidentemente. Em suma, a sentença aí faz coisa julgada material, que vincula as autoridades aplicadoras da lei, que não poderão mais dar-lhe execução sob pena de arrostar a eficácia da coisa julgada, uma vez que a declaração de inconstitucionalidade em tese visa precisamente atingir o efeito imediato de retirar a aplicabilidade da lei.
Conforme verificado a parte do artigo 128 da Lei 8213, uma vez declarada inconstitucional, é totalmente nula, o que significa dizer que ela jamais entrou no ordenamento jurídico, e portanto, não pode voltar a vigorar, porque nunca existiu, posto que somente "podemos afirmar a existência de leis constitucionais"(19), não se podendo falar em revalidação implícita da norma.
Contudo, o que se verifica na prática é que os Tribunais pátrios apresentam séria divergência quanto ao tema, sendo que alguns julgados admitem a aplicação do artigo 128 da Lei 8213/91, apesar da sua declaração de inconstitucionalidade e outros, ao que parece mais acertadamente, não aplicam o dispositivo declarado inconstitucional e portanto inexistente. A título de ilustração vale citar alguns dos julgados, para demonstrar o conflito existente.
4.1. Posicionamento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região sobre a matéria:
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, apresenta julgados visivelmente contraditórios, procurei apresentar decisões de diferentes juízes relatores. Vejamos:
PREVIDENCIÁRIO. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20. ART. 128 DA LEI Nº 8.213/91. PEQUENO VALOR.
1. A Emenda nº 20, ao introduzir o parágrafo § 3º ao artigo 100 da CF/1988, retirou a exigência de precatório para a execução de título judicial de pequena monta contra a Fazenda Pública.
2. A regra estabelecida no art. 128 da Lei nº 8.213/91 não foi eliminada do mundo jurídico pelo controle concentrado de constitucionalidade, ainda mais que tendo sido objeto da ADIN 1252-5, foi a mesma mantida em face da decisão do Egrégio Supremo Tribunal Federal. O STF apenas declarou inconstitucionais as expressões "e liquidadas imediatamente, não se lhes aplicando o disposto nos arts. 730 e 731 do Código de Processo Civil" mantendo íntegra, desta forma, a parte do dispositivo que o legislador ordinário estabeleceu, à época, como de pequeno valor.
3. A anterioridade da norma infraconstitucional — artigo 128 da lei 8.213/91 — à Emenda nº 20, § 3º, não é obstáculo para que se dê aplicação imediata à disposição Constitucional dentro dos limites impostos pela lei ordinária plenamente existente, vigente e válida.
4. É de se efetivar a eficácia do dispositivo Constitucional, porque há lei que determina "o pequeno valor" para fins de isenção de custas, devendo este mesmo valor ser utilizado para excluir a sua execução do regime do precatório. A lei que falta já existe, apenas seus efeitos é que estavam suspensos, tendo em vista a inexistência, antes da promulgação da Emenda Constitucional nº. 20/1998, de autorização constitucional para a efetivação de pagamentos devidos pela Fazenda Pública independentemente da expedição de precatório.
5. Improvido o agravo regimental.(20)
EXTRAORDINÁRIO N. 224.644-9 (RSO EXTRAORDINÁRIO N.
Registra-se que esse julgamento se deu por maioria, sendo voto vencido o Excelentíssimo Juiz Teori Albino Zavascki, sendo que tal decisão foi objeto de Recurso Extraordinário interposto pelo INSS, ainda não julgado.(21)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20/98. PAGAMENTO SEM PRECATÓRIO. PEQUENO VALOR. APLICAÇÃO DO ART. 128 DA LEI 8213/91. UNIDADE DA EXECUÇÃO.
1. A anterioridade da norma infraconstitucional - artigo 128 da Lei 8.213/91 à Emenda nº 20, §3º não é obstáculo para que se dê aplicação imediata à disposição Constitucional dentro dos limites impostos pela lei ordinária plenamente existente, vigente e válida.
2. A execução é una, não podendo ser dividido o valor para individualizá-lo, buscando adequar ao estabelecido no art. 128 da Lei 8213/91.(22)
O julgamento se deu por unanimidade e dessa decisão, ao contrário da anterior, não houve a interposição de recurso por parte da autarquia previdenciária, sendo que o acórdão transitou em julgado em 14 de abril do ano em curso..
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO. DECISÃO DENEGATÓRIA DE SEGUIMENTO A RECURSO. CUSTAS. PRECATÓRIO. ART. 100, § 3º DA CF/88.
1. É possível o imediato pagamento de débito judicial previdenciário, até o limite do art. 128 da Lei nº 8213/91, em decorrência do § 3º do art. 100 da CF, acrescentado pela Emenda Constitucional nº 20 que alterou a ordem jurídica permitindo exceção ao regime de precatórios quando se tratar de pequeno valor.
2. Este posicionamento também é aplicável com relação ao pagamento de custas.(23)
A decisão foi objeto de Recurso Extraordinários por parte do INSS, tendo os autos sido remetidos ao Supremo Tribunal Federal em 01 de junho de 2000.
Citamos agora julgados divergentes:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO PRECATÓRIO. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 20. DEFINIÇÃO DE "PEQUENO VALOR". NORMA CONSTITUCIONAL DE EFICÁCIA LIMITADA.
1. A Emenda Constitucional nº 20 remete à legislação infraconstitucional a definição do que seja "pequeno valor" para fins de exclusão do regime de precatório. Logo, somente após a regulamentação legal do novo dispositivo constitucional é que poderá ser aplicada tal regra.
2. Agravo de instrumento improvido.(24)
Da decisão proferida a parte interpôs recurso, sendo o processo remetido ao Supremo Tribunal Federal em data de 25 de julho, não havendo, até então, qualquer pronunciamento de mérito dos autos em questão. No mesmo sentido é o julgado proferido no Agravo de Instrumento nº 1999.04.01.081973-0/RS, rel. Juiz João Surreaux Chagas, cujo julgamento também se deu por maioria, decisão que foi objeto de Recurso, tendo os autos igualmente encaminhados ao Supremo Tribunal Federal, sem decisão de mérito.
Não há dúvida que o que foi declarado inconstitucional não pode ser aplicado, porque declarado inconstitucional, nunca existiu. No entanto, entendo que há equívoco nas questões já decididas pelo Egrégio Tribunal Regional Federal. Entendo. O Supremo decidiu pela inconstitucionalidade parcial do artigo 128 da Lei nº 82.13/91, o que é perfeitamente possível, considerando inconstitucional apenas a expressão "e liquidadas imediatamente, não se lhes aplicando o disposto nos arts. 730 e 731 do Código de Processo Civil".
Diante disso, entendo que a parte do artigo 128 da Lei 8213/91 que regula o valor que poderia ser dispensando do regime de precatório, continua em vigor e, portanto, na legislação previdenciária já existe lei que defina o que seja causa de pequeno valor, nos termos do artigo 100, § 3º, da Constituição Federal. No meu entender, diante do regramento legal vigente, está dispensada nova legislação para a definição do que seja pequeno valor.
Diversamente entende Lásaro Cândido da Silva(25), que defende a necessidade de um regramento jurídico para jungir o direito novo e que somente após ser regulamentado por lei o novo dispositivo constitucional "não será mais expedido precatório em relação ao cumprimento pela Fazenda Pública, da obrigação de ‘pequeno valor’, contudo, não parece esse, também, o posicionamento mais correto.
A discussão, no meu ponto de vista, é muito mais simples. A inconstitucionalidade se deu no sentido de não ser possível instaurar a liquidação imediata, e não do valor referido pelo art. 128 da Lei nº 8.213/91, objeto inafastado. O que era impossível, como indicado pela decisão na ADIn 1.252-DF, era que os valores fossem liquidados imediatamente, não se lhes aplicando o disposto nos arts. 730 e 731 do CPC, ou seja, pois havia a necessidade da expedição do precatório para habilitação do crédito.
Acertado me parecer o pronunciamento judicial de primeiro grau, dizendo que o valor encontra-se intocável, e com a edição da novel condição manifesta pela EC nº 20, tornou-se possível a execução do pequeno valor:
"A autora pede a citação do réu para pagamento do valor de R$ 6.361,76 até trinta dias e requisição (precatório) do valor excedente. Alega que, com a Emenda Constitucional nº 20, retoma ‘nova vida e eficácia plena’ o art. 128 da Lei nº 8.213/91.
Este artigo (128) foi considerado parcialmente inconstitucional pelo STF (ADIn 1.252-5): (...) 1.1 Inconstitucionalidade da expressão contida no art. 128 da Lei nº 8.213/91: ‘e liquidadas imediatamente, não se lhes aplicando o disposto nos arts. 730 e 731 do Código de Processo Civil’.
A regra inconstitucional, por seu defeito, não entra no ordenamento jurídico, pois a Constituição (regra de seleção) o impede.
Assim, não se pode falar em ‘nova vida’ ou em eficácia superveniente da norma inconstitucional
. Não pode pensar que a regra fique ‘adormecida’ à espera de condições propícias à sua eficácia. A inconstitucionalidade atinge a validade da norma, que deve ser valorada no momento do seu surgimento.Entretanto, o art. 128 da Lei nº 8.213/91, amputada a parte inconstitucional, prossegue vigendo.
A Emenda Constitucional nº 20 acrescentou um § 3º ao art. 100 da CF. Embora a deficiente redação, a interpretação que lhe deve ser data (consideradas a história, o sistema e a finalidade social) é no sentido de determinar à fazenda pública o pagamento ‘sem precatório’ de obrigações definidas em lei como de pequeno valor.
O referido parágrafo constitucional afirma que o caput não se aplica às obrigações de pequeno valor.
Pondere-se que o STF, ao interpretar o caput do art. 100 da CF, concluiu que não há exceção à regra de necessidade de precatório, mas, sim, é possível exceção à ordem dos precatórios. Vejam-se excertos do voto do relator: No julgamento das ações Diretas de Inconstitucionalidade..., orientou-se a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a natureza alimentar dos créditos não exime da exigência do regime dos precatórios. E, citando o Ministro: Na verdade, não há como interpretar-se o art. 100 da Constituição Federal senão no sentido de que duas ordens de precedência devem ser organizadas para os precatórios: uma, preferencial, para os alusivos aos créditos de natureza alimentícia, e outra, para os demais.
Entretanto, com a inserção do § 3º no seio do referido artigo algo mudou. O parágrafo é expresso no referir-se à expedição de precatório. Não se refere apenas à ‘ordem cronológica de apresentação’.
Portanto, agora, a Constituição prevê hipótese de pagamento de valores independentemente de precatório. Dita hipótese constitucional é limitada nos seguintes termos:... definidas em lei como de pequeno valor que a Fazenda Federal, Estadual ou Municipal deva fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado.
O art. 128 da Lei nº 8.213/91 fixa: As demandas judiciais que tiverem por objeto as questões reguladas nesta Lei e cujo valor de execução, por autor, não for superior a R$ 4.988,57 (...) serão isentas de pagamento de custas...
Há, portanto, definição legal de pequeno valor para as demandas previdenciárias.
Note-se que a hipótese constitucional contenta-se com definição legal de pequeno valor, não exigindo que a lei estabeleça expressamente que se trata de caso de pagamento sem precatório.
Pondere-se, também, que, sendo obrigação de pagamento em dinheiro, essencialmente divisível, não se pode pensar que o fato de o total devido ser superior ao limite legal da pequeneza impede o pagamento do pequeno valor. O exame valorativo das normas em questão indicam que estão em debate verbas alimentícias e seria um contra-senso pensar que a pessoa que tem um crédito maior não precisa alimentar-se. Além disso, o total devido decorre de uma de não-pagamento, ou seja, uma soma de obrigações, cada uma delas inferior ao limite da pequeneza.
O outro requisito constante da hipótese constitucional é o trânsito em julgado do débito, que também está presente.
Por fim, observe-se que o valor definido em lei como limite da pequeneza é R$ 4.988,57 e não o constante do pedido de execução.
Portanto, cite-se o INSS para depositar, em trinta dias, o valor de R$ 4.988,57 e expeça-se precatório quanto ao resto.
Cite-se. Intimem-se
Porto Alegre-RS, 24 de março de 1999.
Roberto Schaan Ferreira
Juiz Federal Substituto"(26)
01.081973-0/RS