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Paisagem urbana e dano ambiental estético.

As cidades feias que me desculpem, mas beleza é direito fundamental

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07/02/2012 às 13:42

Resumo:


  • A paisagem urbana é um microbem ambiental essencial para a qualidade de vida e um direito fundamental, sendo protegida por um "estatuto jurídico da paisagem" que abrange legislações nacionais e internacionais.

  • Funções ambientais da paisagem urbana, como a função estética, são imprescindíveis para a integração do homem com o meio ambiente, e sua violação pode acarretar danos materiais e morais, incluindo prejuízos à saúde e à identidade das cidades.

  • Operadores do direito devem atuar ativamente na prevenção e reparação de lesões à paisagem urbana, utilizando-se de instrumentos jurídicos existentes para assegurar o direito à beleza e harmonia das cidades, essenciais à vida em sociedade.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A paisagem urbana é um microbem ambiental essencial para a qualidade de vida. A beleza das cidades deve ser considerada como um direito fundamental, corolário do direito à vida, sendo que função social da cidade está estritamente vinculada à harmonia dos cenários urbanos.

"A proteção da paisagem é um longo e inacabado processo histórico. (...) todos hoje se sentem, de uma forma ou de outra, em maior ou menor grau, vinculados aos destinos da terra e, a partir dela, às belezas que ela oferece. Eis a importância da paisagem no discurso político, cultural, ético e jurídico da proteção ao meio ambiente." [01]

1.INTRODUÇÃO

O Brasil, como os demais países da América Latina, apresentou intenso processo de urbanização, especialmente na segunda metade do século XX. Em 1940, a população urbana era de 26,3% do total. Em 2000, passou para 81,2%. Esse crescimento se mostra mais impressionante ainda se lembrarmos os números absolutos: em 1940, a população que residia nas cidades era de 18,8 milhões de habitantes, e em 2000, ela era de aproximadamente 138 milhões [02]. Constatamos, portanto, que em 60 anos os assentamentos urbanos foram ampliados de forma a abrigar mais de 125 milhões de pessoas.

Trata-se de um gigantesco movimento de construção urbana necessário para o assentamento residencial dessa população, bem como para a satisfação de suas necessidades de trabalho, abastecimento, transporte, saúde, energia, água, lazer, etc [03].

Esse intenso processo de urbanização, gerado a partir de um modelo funcionalista, com a predominância dos interesses econômicos, fez surgirem novas demandas no que tange à proteção do meio ambiente, ampliando-se o campo de atuação do Direito Ambiental. Diante desse quadro,inevitável foi a preocupação com a degradação do espaço urbano, passando-se a falar, mais recentemente, na existência de um direito urbano-ambiental [04].

Em uma homenagem ao Professor Alexandre Kiss, Antônio Hermam Benjamim [05] reflete sobre o surgimento de novos focos no Direito Ambiental, com destaque para a proteção da paisagem:

"Realmente, quando imaginávamos que o Direito ambiental já havia se consolidado em um espaço mais ou menos definido, eis que, recentemente (re)surge a paisagem como um dos seus temas centrais, tanto no Direito Internacional (e aí está a convenção européia da Paisagem), como no Direito Interno. Apropriadas aqui as palavras de Lewis Mumford, em sua obra clássica, quando lembra que "felizmente a vida tem um atributo previsível: é cheia de surpresas.A paisagem é uma delas."

A preocupação com a paisagem, em especial com a paisagem urbana emerge da necessidade de se ajustar o território e as ocupações urbanas de modo que propiciem qualidade de vida aos seus habitantes, e de preservar os espaços verdes e demais áreas de interesse ambiental que sobreviveram ao processo de ocupação. Amplia-se o foco, mas é mantido o viés funcionalista e antropocêntrico no tratamento da questão.

A paisagem da cidade, então, passa a ser percebida como um bem ambiental de extrema importância e que já conta com algum regramento jurídico no plano internacional, nacional e local, mas que ainda padece com pré-conceitos relacionados à concepção de beleza e com a ausência de ações mais efetivas de prevenção e reparação.

O cenário urbano é um bem jurídico diretamente relacionado com qualidade de vida dos habitantes das cidades e de todos aqueles que por elas circulam, razão pela qual, nos propusemos, através do presente, buscar uma melhor compreensão das suas funções ambientais, com vistas a estimular os operadores do direito a atentar para as constantes violações a esse bem jurídico, e para as graves consequências sócio-ambientais não só das ações lesivas, mas também da "timidez" em se buscar a responsabilização patrimonial e extrapatrimonial dos causadores dos danos.


2.A PAISAGEM URBANA COMO MICROBEM AMBIENTAL E SUAS FUNÇÕES

A Constituição da República dispõe, em seu artigo 225 que "todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações".

Com o escopo de dar a máxima proteção ao meio ambiente, a nossa matriz constitucional traz a concepção de meio ambiente enquanto macrobem, em sua visão mais geral e abstrata.

Como macrobem abstratamente caracterizado, o meio ambiente pode ser compreendido como o conjunto de interações físicas, químicas e biológicas que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas [06]. Paralelamente, têm-se os bens ambientais, caracterizados em especificidade e concretude. São os elementos ambientais (microbens) bióticos (fauna e flora), abióticos (água, solo, ar), culturais (bens materiais e imateriais de valor histórico, artístico ou estético) e artificiais (conjunto de edificações, ruas, praças, jardins e espaços livres e equipamentos urbanos em geral).

O Meio Ambiente como macrobem, contudo, não se confunde com o somatório dos microbens ambientais. Ele é universalmente considerado, ao passo que os bens ambientais são específicos e individualmente examinados, não obstante haja permanente inter-relação entre os mesmos.

Nessa ótica, a paisagem urbana é um bem, um valor ambiental. Sua proteção decorre da necessidade humana de conviver com elementos sensoriais que lhes proporcionem bem estar físico e psíquico, intimamente relacionados com a proteção à qualidade de vida a que alude o texto constitucional.

No nosso mundo sensorial, a visão domina todos os outros sentidos. Nós somos profundamente marcados pelas associações visuais e sensoriais. Seres visuais, muito mais informação nos alcança pelos olhos do que pelos outros sentidos [07].

RODRIGUES [08] divide as funções dos microbens ambientais em função ecológica e funções artificiais:

É que, como se disse, em razão do fato de os microbens ambientais (recursos ambientais) terem, ao lado de uma função ecológica, outras funções – que chamamos de artificiais (econômica, social e cultural) –, é claro que a ofensa à função ecológica destes bens, normalmente, acarretará, por via reflexa, uma agressão às suas funções antropocêntricas. É o que acontece, por exemplo, quando a emissão de poluição no mar, além de degradar o meio ambiente, cause danos à atividade econômica dos pescadores que dependem do mar para exercer o seu trabalho.

No léxico, paisagem é a extensão de território que se abrange com o lance de uma vista [09]. Abrange, portanto, na maioria dos casos, elementos naturais e culturais, sendo cada vez mais rara, em nosso planeta, a existência de paisagens absolutamente livres de quaisquer interferências humanas.

Quando se fala em paisagem urbana, a indissociabilidade entre cultura e natureza se torna regra absoluta:

O fato é que a paisagem é a materialização por excelência da indissociável união entre cultura e natureza. Como afirmam Morin e Kern, somos orientados por um duplo estatuto composto por cultura e natureza. A interação do homem com o meio natural se dá a partir de sua bagagem cultural. Para atingir o ideal da qualidade de vida, com o qual nosso ordenamento jurídico está comprometido por força da inserção da dignidade da pessoa humana dentre os fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, inc. III, da CF) e como uma das finalidades da ordem econômica (art. 170, "caput") e expressamente salvaguardado pelo "caput" do art. 225, o ser humano necessita de uma configuração espacial que propicie o bem-estar físico e psíquico [10].

Sendo um mecanismo visual de interação entre o Homem e a natureza, a paisagem urbana afigura-se como "a roupagem com que as cidades se apresentam a seus habitantes e visitantes [11]" e, conforme já exposto, é por vezes tratada no campo do direito urbanístico, e outras na seara do direito ambiental.

Poder-se-ia dizer, por conseguinte, que a paisagem é o conjunto de elementos visuais que dão testemunho das relações entre o homem e a natureza. A sua proteção, embora possa se identificar de modo individual diante de algum caso concreto em especial, encerra inegável interesse difuso por relacionar-se diretamente com a qualidade de vida e com o bem-estar da população.

É de toda a população, portanto, o interesse de morar em uma cidade ornamentada, plasticamente agradável e, por que não dizer, bela. ". [12]

Destaca RODRIGUES [13], que "o ser humano ainda não conseguiu dominar e nem entender todos os papeis desenvolvidos pelos bens ambientais. É o que poderíamos chamar de desconhecimento científico pela coletividade, das funções exercidas pelos bens ambientais". A partir da compreensão da paisagem como um microbem ambiental, procuraremos no presente item, com fulcro em estudos já realizados e doutrina já produzida, destacar algumas funções da paisagem urbana com vistas a facilitar a identificação dos danos a ela causados.

SILVA [14] destaca uma função estética da paisagem urbana, que sobressai da variedade de formas, do traçado urbano e dos contrastes das construções com elementos naturais, da limpeza das fachadas e logradouros e uma função psicológica que remete aos efeitos da harmonia ou desarmonia entre os componentes dessa paisagem sobre o equilíbrio psíquico de seus habitantes, visitantes e transeuntes.

Para MARCHEZAN [15], como bem jurídico tutelado, a paisagem seria dinâmica, sensitivo-espiritual, transdisciplinar, conectiva e heterogênea.

Por ser dinâmica, não-estagnada, a paisagem teria por função a renovação e, com isso, a quebra na monotonia visual. Carregada de valor estético, a paisagem urbana exterioriza ambiências que permitem ao ser humano um conforto emocional, o apreço pelo belo, harmonia, paz de espírito. A beleza das paisagens é, nessa linha, fonte de inspiração para o indivíduo e interfere positivamente em seu processo produtivo e nas relações interpessoais, com reflexos sociais imediatos.

A paisagem é transdisciplinar por ser objeto de estudo de várias disciplinas. Acrescentamos que, por essa razão, à ela se impõe um tratamento também integrado, não se admitindo uma tutela setorizada ou fragmentada.

A paisagem tem, ainda, uma função conectiva, de relacionar o homem à natureza, integrando fatores de tempo e espaço:

Estabelece conexões intra e intergeracionais, através das identificações entre os diversos membros contemporâneos de com os diversos lugares por onde transitam e habitam, além de permitir diálogos entre as gerações pretéritas e presentes e construção de um berçário para as futuras gerações.

Propicia a integração plena entre os fatores espaço e tempo, essenciais à vida humana, influenciando na qualidade do espaço transformado pelo homem e na adequada fruição do tempo. Por fim, apresentam-se como vasos comunicantes de informações, onde passado, presente e futuro acabam se fundindo numa síntese materializada e percebida, mas que carrega em si todo um conjunto de informações anacrônicas [16].

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Referindo-se a essa função conectiva, metaforicamente expressa na "memória das cidades" Morand-Deviller [17] destaca:

Se a cidade é feita para durar, é porque ela é um "local de memória" repleta de marcas ofertadas às gerações presentes e futuras. Ela se conjuga em todos os tempos, enquanto que uma localidade e uma paisagem se conjugam principalmente no presente, já que encontram sua existência nos olhares que o contemplam. O construído oferece sinais de reconhecimento do passado mais evidentes do que aqueles que são fornecidos pela natureza que está em constante renovação.

É, por fim, heterogênea. Acrescentamos a partir dessa característica, uma função democrática às paisagens urbanas: A paisagem é heterogênea como é heterogêneo o meio ambiente, tanto em seus elementos naturais como culturais. É heterogênea como é heterogênea a Sociedade. Por isso, a paisagem urbana tem a função de expressar a IDENTIDADE tanto da natureza que a circunda quando dos diversos rostos da sociedade que nela se expressam. A beleza da paisagem não pode, portanto, ser elemento de segregação como ocorreu longo da trajetória da urbanização brasileira. O feio (muitas vezes entendido como pobre) não pode ser afastado, marginalizado para a periferia dos centros urbanos. As belezas peculiares devem ser harmonizadas por ações de políticas públicas, a fim de que todas as "personas" sejam expressas em harmonia no cenário urbano.


3.O REGRAMENTO JURÍDICO DA PAISAGEM URBANA: Direito supérfluo?

3.1- O Direito internacional

A Preocupação com a paisagem no Direito Comparado se fez presente muito antes do que ocorreu no Direito Brasileiro. Dentre as Convenções Regionais que tratam da proteção da paisagem, destacam-se a Convenção de Washington, de 1940; a Convenção de Argel, de 1968; a Convenção de Bruxelas, de 1982 e a Convenção de Salzburgo, de 1991.

Não obstante a existência de Legislações específicas e de Convenções Regionais, a relevância que a paisagem conquistou como bem ambiental nos últimos anos, levou o Conselho Europeu à elaboração de uma Convenção Européia da Paisagem. [18] Concluída em 29/10/2000, na cidade de Florença – Itália, a Convenção passou a ter vigência na ordem internacional em 01/03/2004, e, não obstante só vincule os países signatários, tornando-se a principal referência internacional em matéria de proteção paisagística, inclusive no que tange a aspectos conceituais que merecem destaque:

Art. 1º - Para os efeitos da presente Convenção:

a) Paisagem designa uma parte do território, tal como é apreendida pelas populações, cujo carácter resulta da acção e da interacção de factores naturais e ou humanos;

b) Política da paisagem designa a formulação pelas autoridades públicas competentes de princípios gerais, estratégias e linhas orientadoras que permitam a adopção de medidas específicas tendo em vista a protecção, a gestão e o ordenamento da paisagem;

c) Objectivo de qualidade paisagística designa a formulação pelas autoridades públicas competentes, para uma paisagem específica, das aspirações das populações relativamente às características paisagísticas do seu quadro de vida;

d) Protecção da paisagem designa as acções de conservação ou manutenção dos traços significativos ou característicos de uma paisagem, justificadas pelo seu valor patrimonial resultante da sua configuração natural e ou da intervenção humana;

e)Gestão da paisagem designa a acção visando assegurar a manutenção de uma paisagem, numa perspectiva de desenvolvimento sustentável, no sentido de orientar e harmonizar as alterações resultantes dos processos sociais, económicos e ambientais;

f) Ordenamento da paisagem designa as acções com forte carácter prospectivo visando a valorização, a recuperação ou a criação de paisagens.

Outro dispositivo que merece destaque na Convenção Européia refere-se à Educação Ambiental, componente que tem ficado fora da agenda no cenário Brasileiro:

Artigo 6.º

Medidas específicas

A) Sensibilização

Cada uma das Partes compromete-se a incrementar a sensibilização da sociedade civil, das organizações privadas e das autoridades públicas para o valor da paisagem, o seu papel e as suas transformações.

B) Formação e educação

Cada uma das Partes compromete-se a promover:

a) A formação de especialistas nos domínios do conhecimento e da intervenção na paisagem;

b) Programas de formação pluridisciplinar em política, protecção, gestão e ordenamento da paisagem, destinados a profissionais dos sectores público e privado e a associações interessadas;

c) Cursos escolares e universitários que, nas áreas temáticas relevantes, abordem os valores ligados às paisagens e as questões relativas à sua protecção, gestão e ordenamento. (n.n.)

Para os membros da Comunidade Comum Européia, a paisagem foi tomada como patrimônio comum, sendo considerada "fundamental, para alcançar o desenvolvimento sustentável, o estabelecimento de uma relação equilibrada e harmoniosa entre as necessidades sociais, as atividades econômicas e o ambiente [19]".

Na visão dos países signatários, a paisagem desempenha importantes funções de interesse público nos campos cultural, ecológico, ambiental e social e que constitui um recurso favorável à atividade econômica, cuja proteção, gestão e ordenamento adequados podem contribuir, inclusive, para a criação de empregos e geração de renda [20].

Por fim, insta ressaltar que, embora a Convenção Européia da paisagem tenha eficácia apenas no continente europeu, produzindo efeitos entre seus signatários, ela vem se transformando em referência mundial no campo das legislações de proteção, tanto que é referida pela grande maioria dos doutrinadores que abordam o tema, tendo influenciado até mesmo alguns julgados no Brasil [21].

3.2 – O ordenamento jurídico brasileiro

3.2.1) Regramento Constitucional

O artigo 225 da Constituição Federal assegura o Direito Fundamental ao Meio Ambiente equilibrado como condição essencial à qualidade de vida, sendo um dos direitos humanos de terceira geração [22].

Essencial à sadia qualidade de vida de seus habitantes, a paisagem urbana se insere tanto na noção unitária e sistêmica de meio ambiente (macrobem), quanto na concepção de bem ambiental suscetível de lesão determinada (microbem).

Nesse contexto, uma interpretação sistemática do Texto Constitucional nos remete a uma tutela constitucional da paisagem que se põe como fundamento para uma série de diplomas infraconstitucionais que tratam da matéria.

A Constituição Federal, a partir da exegese combinada dos arts. 182, "caput", 216 e 225, reconhece a necessidade de proteção desse bem jurídico, além de atribuir competência material concorrente à União, Estados, Distrito Federal e Municípios para proteger o meio ambiente e combater a poluição "em qualquer de suas formas" (art. 23, inc. VI) [23].

Para os antropocentristas, toda essa proteção tem por princípio basilar a Dignidade da pessoa Humana, e eventual lesão à paisagem urbana se insere na gama de proteções desse supra princípio constitucional.

O uso dos bens ambientais está condicionado a uma perfeita integração dos fundamentos constitucionais indicados no art. 1º da Carta Magna, no sentido de compatibilizar a ordem econômica do capitalismo aos interesses de brasileiros e estrangeiros residentes no País portadores do direito ao piso vital mínimo (arts. 1º, III, e 6º da Constituição Federal) considerando claramente as especificidades da República Federativa do Brasil (art. 3º da Carta da República) [24]

Uma das conseqüências de se considerar a paisagem urbana como microbem ambiental, é o tratamento que lhe deve ser dado à luz dos princípios do Direito Ambiental, especialmente no que tange ao princípio da ubiquidade. Assim, é a tutela jurídica da paisagem urbana que deverá regrar a atividade econômica de publicidade externa, por exemplo, e o "direito de informar" será necessariamente limitado pelas normas de ordenação do território.

Considerando, ainda, que a paisagem urbana pode exercer uma função turística a depender se seus atributos, estado de conservação e da harmonia de seus elementos, têm-se, ainda, o incentivo ao turismo como fator de desenvolvimento econômico e social, previsto no artigo 180 da Carta Magna, como dispositivo que lhe guarda proteção.

A partir desse elenco constitucional, pode-se inferir que qualquer conduta ou atividade lesiva à paisagem urbana sujeita os infratores, ao sistema de responsabilidade previsto no § 3º do artigo 225 da CRFB.

3.2.2) O Regramento Infraconstitucional

No regime constitucional de Competências, embora o Município ocupe um papel privilegiado, dada sua competência para legislar sobre assuntos de interesse local e sobre a ordenação territorial do solo urbano, o artigo 24 estabelece que a competência é concorrente para legislar sobre proteção do patrimônio histórico, turístico e paisagístico.

Por tal razão, tem-se um ordenamento jurídico vasto, composto por Legislações Federais, Estaduais e Municipais discorrendo sobre a proteção da paisagem.

Alei 6.938/1981, que dispõe sobre a política Nacional do Meio Ambiente, define em seu artigo 3º, III, poluição como sendo a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:

d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente. (g.n.)

No que tange à propaganda eleitoral, relevante fonte poluidora, tanto a Lei 4.737/65 (Código Eleitoral), quanto a Lei 9.504/97, que dispõe sobre a propaganda eleitoral vedam a propaganda que prejudique a estética urbana.

A Lei 9.605/98, que trata dos crimes ambientais, em seus artigos 63 a 65, tipifica como criminosas condutas que se caracterizem como poluição contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural.

É vedada ainda a utilização de iluminação e elementos publicitários que possam gerar confusão ou interferir na visibilidade de sinalização ou comprometa a segurança do trânsito, bem como promover qualquer alteração na sinalização já existente, a teor do que preceitua os artigos 81 e 82 da Lei 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro).

Merece destaque, ainda, na Legislação Federal, o Decreto-lei 25/37 (Lei de Proteção ao Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) que protege os imóveis tombados dos anúncios ou cartazes que possam eventualmente prejudicar a sua visibilidade.

A Função Social da Cidade esculpida no artigo 182 da CR possibilitou ainda que o seu regulamento, Lei nº 10.257/2001, conhecida como "Estatuto da Cidade", trouxesse uma proteção adicional à paisagem urbana, vez que determina, em seu art. 2º, que a política urbana tenha por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, tendo como uma das diretrizes gerais a "proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico, de acordo com o inciso XII do art. 2º da Lei nº 10257/01.

Por fim, temos a recentíssima Lei 11.934, de 06 de maio de 2009, que, sem excluir a competência municipal, dispõe sobre limites à exposição humana a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos e, dentre outros aspectos do tema, delimita alguns conceitos atinentes à instalação das chamadas Estações Radio-Base de Telefonia, que se apresentam como uma das causas mais recentes de poluição visual e motivo de preocupação, dado o desconhecimento científico sobre os níveis e riscos da radiação emitida.

No que tange às Leis Municipais, os Planos Diretores Urbanos, os Códigos de Posturas e a Legislação Ambiental local sempre foram referência. Mais recentemente, e em razão do o agravamento da poluição visual em nossas cidades, muitos municípios brasileiros já editaram leis específicas, como é o caso da "Lei Cidade limpa" – Lei nº 14.223/2006 de São Paulo que deu origem à "operação cidade limpa [25]", conhecida pela retirada de centenas de painéis publicitários que se encontravam em situação irregular, não sem antes enfrentar uma série de questionamentos judiciais, uma verdadeira "guerra de liminares".

Merece destaque ainda a Lei 14.223/2006 do Município do Rio de Janeiro, que regulamenta os elementos que compõem a paisagem urbana. A exemplo das legislações de outros municípios, foi alvo de grande celeuma judicial, tendo sua efetividade minimizada em muitos momentos.

Em Vitória, a Lei 5954/2003, que regula a instalação de elementos de publicidade externa na cidade, acabou sendo drasticamente alterada pela Lei 7.095/2007, com ampliação de prazos e flexibilização de normas importantes para a proteção paisagística por força de determinação judicial [26], que "revogou liminarmente (sic)" alguns dispositivos da norma, repristinando (sic) o antigo Código de Posturas que não regulava a matéria, deixando o Município à mercê das irregularidades perpetradas pelos empresários-especuladores.

No campo das garantias, sendo um microbem ambiental, e, em consequência, patrimônio público, a paisagem merece a mais ampla proteção, sendo a Ação popular e a Ação Civil Pública, os instrumentos mais utilizados. Defendemos, ainda, a utilização do Mandado de Segurança, tanto individual quanto coletivo, quando o ato lesivo se caracterizar como ato de autoridade e não houver necessidade de dilação probatória, vez que o direito à paisagem urbana configura-se como direito líquido e certo.

Destarte, como se pode perceber, não é exagero se falar na existência de um estatuto jurídico da paisagem urbana, sendo vasto o rol dos diplomas legais que apregoam a sua proteção.

O problema ainda se afigura no campo da efetivação desses direitos, seja por ausência de um projeto adequado de educação ambiental, ou como dispõe a Convenção Européia da Paisagem, um projeto de "sensibilização" da população, seja pela postura de parte dos Tribunais Pátrios, que ainda veem a proteção à paisagem como uma espécie de "direito supérfluo", facilmente preterido diante de um simples argumento de geração de empregos ou de desenvolvimento econômico.

Olvidam os julgadores que estamos diante de um Direito Fundamental de Terceira Geração, que pode ser enfrentado tanto pelo viés coletivo, como um direito difuso à estética urbana, quanto pelo viés individual, corolário desse direito difuso: o direito do cidadão à fruição da paisagem urbana, sem qualquer interferência ou mensagem, que não as relativas à orientação e ao bem comum [27].

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Sobre a autora
Flávia de Sousa Marchezini

Procuradora do Município de Vitória (ES).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARCHEZINI, Flávia Sousa. Paisagem urbana e dano ambiental estético.: As cidades feias que me desculpem, mas beleza é direito fundamental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3142, 7 fev. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21029. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Anteriormente publicado na Revista da Procuradoria-Geral do Município de Belo Horizonte – RPGMBH, Belo Horizonte, ano 3, n. 5, jan./jun. 2010.

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