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Paisagem urbana e dano ambiental estético.

As cidades feias que me desculpem, mas beleza é direito fundamental

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07/02/2012 às 13:42

Resumo:


  • A paisagem urbana é um microbem ambiental essencial para a qualidade de vida e um direito fundamental, sendo protegida por um "estatuto jurídico da paisagem" que abrange legislações nacionais e internacionais.

  • Funções ambientais da paisagem urbana, como a função estética, são imprescindíveis para a integração do homem com o meio ambiente, e sua violação pode acarretar danos materiais e morais, incluindo prejuízos à saúde e à identidade das cidades.

  • Operadores do direito devem atuar ativamente na prevenção e reparação de lesões à paisagem urbana, utilizando-se de instrumentos jurídicos existentes para assegurar o direito à beleza e harmonia das cidades, essenciais à vida em sociedade.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

4.A VULNERABILIDADE DA PAISAGEM URBANA E AS CONSEQUÊNCIAS DANOSAS DA POLUIÇÃO VISUAL.

A paisagem urbana sofreu, ao longo da trajetória da urbanização, influência de diversos fatores históricos, em especial, dos valores advindos da revolução industrial. O modelo arquitetônico moderno, o avanço tecnológico, os processos de migração e imigração são apenas alguns exemplos. Essa diversidade de influências, associadas ao padrão capitalista-desenvolvimentista, trouxe para as cidades um quadro bastante frágil sob a ótica paisagística, tendo em vista que, ou foram pensadas apenas do ponto de vista da sua funcionalidade relativa à produção, ou foram fruto de assentamentos "espontâneos" e desordenados.

O quadro atual de grande parte dos municípios brasileiros é o seguinte: áreas nobres e/ou centrais planejadas convivendo com favelas e outros espaços cuja ocupação foi "irregular". Temos a cidade legal e a cidade ilegal, como bradam os discursos partidários.

Mesmo após o surgimento do direito ambiental, o foco das preocupações, inicialmente, eram os elementos naturais (bióticos e abióticos), sendo muito recente a preocupação com os elementos culturais/estéticos, que só ingressaram na "agenda" da tutela ambiental quando o contexto fático já era caótico [28]

A problemática da poluição visual não é, contudo, "privilégio" do processo de urbanização brasileiro. Ao discorrer sobre os problemas das cidades européias, Morand-Deviller [29] salienta:

As ameaças de vandalismo são constantes e ocorrem por conta de motivos ruins como a ignorância, a cobiça, o fanatismo religioso, o arbítrio dos príncipes e as razões estéticas em nome de um "bom gosto" cujos campeões são tão temidos quanto aqueles da virtude.

Aprofundaremos a análise desse processo histórico e sua influência no tratamento jurídico da paisagem urbana no tópico seguinte, mas por ora, impõe-se destacar que, em razão dos fatores apontados, associados à ausência de uma política adequada de educação cívica e ambiental, as nossas cidades padecem com o problema da poluição visual que se apresenta com diversas facetas, a exemplo: anúncios publicitários, painéis, cartazes; elementos de sinalização urbana; elementos aparentes da infra-estrutura urbana (postes de energia elétrica, de iluminação pública, antenas de telefonia, hidrantes, extintores de incêndio); serviços de comodidade pública (cabines telefônicas, cestos de lixo, abrigos e pontos de ônibus, etc.) [30]

Em razão da necessidade pública dos demais elementos e da possibilidade de, sob o viés arquitetônico, integrá-los à paisagem de forma harmônica, a grande preocupação volta-se para o problema da publicidade externa, ou seja, o abuso da utilização de equipamentos publicitários, o excesso de mensagens.

A cidade é palco de grande concentração de informações e mensagens que "são percebidas e ‘lidas’, porém nem sempre compreendidas pelos cidadãos". (...) as cidades têm sido reduzidas ao jogo da "pura imagem", com íntima vinculação à lógica do consumo e à venda de estilos de vida. "Ver a cidade hoje não pode escapar de ver um enorme, pulsante e atraente espaço de venda [31]".

A Política Nacional do Meio Ambiente, Lei 6.938/1981, define:

Art 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:

a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;

b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;

c) afetem desfavoravelmente a biota;

d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;

e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos;

IV - poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental; (n.n.)

Para Fiorillo [32], a poluição visual se caracteriza como ofensa à integridade psíquica das pessoas que residem, circulam ou transitam numa cidade, ou simplesmente a visitam, posto que afeta o direito à qualidade de vida.

Para fins do presente trabalho, mais do que uma discussão conceitual, pretende-se dar destaque para a análise das consequências danosas da poluição visual, tendo em vista que é o conhecimento científico das funções da paisagem urbana e dos danos decorrentes de sua violação que contribuirão tanto para a prevenção quanto para uma reparação mais eficaz do dano ambiental difuso.

Sobre os danos à saúde, Campos [33], em aprofundado trabalho sobre poluição visual, refere-se a um importante estudo científico realizado pelo Instituto Paulista de Stress, Psicossomática e Psiconeuroimunologia – IPSPP de São Paulo, intitulado "Stress, Saúde e Poluição Visual" (2003). As pesquisas feitas sob a coordenação do Professor Esdras Guerreiro Vasconcellos apontaram como agentes causadores de estresse: a concentração excessiva de mídia externa, placas, outdoors, letreiros, faixas, backlights, painéis, grafites, pichações, recipientes de lixo expostos abertamente em locais públicos, postes de fiação aérea, moradores de rua, favelas com deficiente organização urbana e arquitetônica, dentre outros.

Todos esses agentes foram considerados causadores de alterações de humor tão relevantes que determinam ser o estresse o início de uma cadeia de sintomas fisiológicos e psicológicos que podem levar o indivíduo até ao óbito. Esclarece ainda mais:

Existem estudos afirmando que, na vida cotidiana de um indivíduo civilizado, o organismo recebe cerca de 23.000 informações ao dia. Decerto que não nos damos conta disso, não percebemos todas as milhares de coisas que, permanentemente, acontecem ao nosso redor e, concomitantemente, dentro de nós e, portanto, também não percebemos que sentimos algo com respeito a cada uma delas (SIIWINGER, 2001). Sabemos hoje que, toda vez que uma sensação de eustress ou distresss [34] acontecer, antecede ao aparecimento dessa sensação agradável ou desagradável um processo bem estruturado, no qual o sistema límbico, o tálamo e o neocórtex superior, que são núcleos cerebrais vitais para a elaboração da informação, são acionados e preparam uma resposta comportamental a cada uma delas. Para tanto eles acionam um eixo neuro-endócrino específico que inclui componentes do sistema nervoso e glandular. Os principais integrantes desse eixo de stress são o hipotálamo, a glândula hipófise e glândula supra-renal. Esse acionamento decorre da avaliação que o sistema límbico e cortical superior venha a fazer da informação recebida e a resposta por eles estruturada implica inevitavelmente uma secreção maior ou menor de hormônios de ativação ou inibição, os quais são descarregados na corrente sanguínea e vão, cada um à sua maneira, atuar sobre os diversos órgãos e sistemas do nosso corpo [35].

Dentre os fatores causadores de distress existentes no contexto físico-social de nossa vida contemporânea, está o agente poluidor visual. Ele é visto como sendo um dos mais relevantes. O homem do século XX e, consequentemente, o deste século, elabora 85% das informações do meio ambiente através do sistema visual. Esse hiper-desenvolvimento do sistema visual provocou uma certa atrofia no funcionamento dos outros órgãos dos sentidas, ou seja, do paladar, da audição, do olfato e, sobretudo, do tato. Ver é fundamental. Ver para crer parece ter se tornado o mote de vida do homem do século da comunicação. E exatamente por ser essa via de entrada na integridade interior de nosso organismo, uma das mais importantes para o ser humano moderno, convém que se exerça aqui redobrados cuidados, visto que tudo que penetrar à membrana do receptor visual traz em si e consigo determinado potencial para desencadear um processo de stress lá dentro do corpo. '

Dessa análise, não é difícil concluir que os graves prejuízos à saúde física e mental do indivíduo têm reflexos patrimoniais e extrapatrimoniais sobre as suas esferas individuais. Ocorre que, além de atingir a individualidade, o estresse decorrente da poluição visual, tomada como prática danosa à paisagem urbana, tem reflexos imediatos sobre a esfera social do indivíduo, sobre as suas relações de convivência, sobre o indivíduo em sua dimensão coletiva e sobre a coletividade abstratamente considerada. Explica-se: o mesmo estudo, bem como outros já publicados, relacionam o stress aos desarranjos familiares, baixa produtividade no trabalho, violência e outros comportamentos anti-sociais.

Além dos danos à saúde, a poluição visual prejudica, ainda, a atividade turística:

O potencial turístico de cidades como Rio de Janeiro, Salvador e Ouro Preto está diretamente ligado à formosura de suas paisagens. A indústria do turismo, com todos seus desdobramentos econômicos, nessas e em outras cidades, depende da conservação e melhoria de seus belos panoramas [36].

Ao tratarmos das funções da paisagem como microbem ambiental, referimo-nos à conectividade que a paisagem proporciona ao estabelecer uma relação sensorial do homem com a natureza, com a história, com a cultura, com a arte. A perda ou deterioração da paisagem impede o exercício dessa função, gerando uma situação de desvinculação, verdadeira alienação. Privar a coletividade dessa função estético-conectiva traz gravíssimos prejuízos à qualidade de vida, limita o desenvolvimento do ser humano, empobrece a existência, deprime, oprime.

Por fim, retomamos a antes apontada função democrática da paisagem, como atributo que tem a paisagem urbana de expressar a identidade, as peculiaridades e as diferenças da sociedade que nela reside e de todos aqueles que, de algum modo, com ela se relacionam.

O abuso da utilização de tecnologias e de equipamentos publicitários em nome de uma "modernização" está levando à produção de cidades iguais. A Globalização impõe uma padronização internacional [37]: todas têm que se parecer com a Times Square. O bucólico, o histórico, o artístico, o característico, o local e o pessoal, embora valorizados pelo movimento pós-moderno, são desprestigiados ante a pressão econômica.

Desse modo, a lesão às paisagens peculiares, através da poluição visual de equipamentos publicitários padronizados e tecnologias expostas, configura dano extrapatrimonial ambiental, vez que atinge a função democrática da paisagem urbana, gerando a perda de identidade das cidades. Como consequência, pode ocasionar reflexos patrimoniais, pela perda do valor turístico, por exemplo.

Ante o exposto, são drásticas as conseqüências da poluição visual e exigem uma rápida mudança de postura por parte dos operadores do direito. Caso esta não ocorra, correremos o risco de limitar as atrações turísticas ao letreiro mais luminoso ou a maior street tv.


5.DANO EXTRAPATRIMONIAL À FUNÇÃO ESTÉTICA DAS CIDADES: BELEZA É FUNDAMENTAL

5.1 – O Modelo de Urbanização e a busca por uma paisagem funcional

A conhecida frase do poeta Vinícius de Moraes "as feias que me desculpem, mas beleza é fundamental" parece não ter ecoado ao longo da trajetória do direito urbano-ambiental, vez que as cidades e suas interações com o meio ambiente natural sempre foram pensadas a partir de sua funcionalidade, vista esta numa perspectiva predominantemente econômica.

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O modelo de urbanização implantado no Brasil foi fruto do chamado "urbanismo funcionalista" que se expressou no cenário internacional a partir de 1910, com o movimento de planificação urbana. Considera-se que a cidade inteira tem que ser reformada e as coisas tem que estar em seu devido lugar, segundo a expressão pitoresca dos autores do Plano Regional de Nova York:

[..] A ocupação do solo de acordo com os diversos usos parece ter sido obra do chapeleiro louco de ‘Alice no País das Maravilhas’. Pessoas muito pobres vivem em cortiços situados em áreas centrais de preço elevado. [..] A uns poucos passos da Bolsa se sente o aroma de café torrado; a uns cem metros de Times Square, o fedor dos matadouros. [..] A situação contraria todo sentido de ordem. As coisas estão fora do seu lugar natural. É necessário corrigir essa confusão para que as atividades se realizem em lugares apropriados. [38]

A historiografia nacional denota um modo de ver e fazer a cidade que distribui os homens desigualmente no espaço e subordina os direitos políticos, os direitos individuais e a cidadania aos modelos de uma racionalidade econômica [39].

A lógica da "ordem e do controle", o "urbanismo funcionalista" implementado pelos militares tiveram como consequência um modelo de cidade em que a ocupação ou foi absolutamente desordenada ou, quando planejada, considerou apenas as funções econômicas do espaço urbano.

A arquitetura moderna se mostrou um importante instrumento desse ideário, ao buscar a uniformização de costumes e estilos, abusando da geometria e dos ângulos retos, trazendo para nossas cidades uma padronização internacional, descontextualizada dos cenários naturais e sócio-culturais, com suas construções frias.

Conforme já exposto, mesmo a pós-modernidade, com a retomada da valorização do local, dos elementos distintivos e da integração com os espaços naturais, não livrou os cenários urbanos dos problemas decorrentes da avidez lucrativa, mormente no que tange ao abuso na utilização de elementos publicitários e tecnológicos que, em inúmeros casos, mascaram a identidade dos espaços da cidade.

No Dizer de Silva [40]

Uma cidade não é um ambiente de negócios, um simples mercado onde até a sua paisagem é objeto de interesses econômicos lucrativos; mas é, sobretudo, um ambiente de vida humana, no qual se projetam valores espirituais perenes, que revelam às gerações porvindouras a sua memória

Sobre o problema da funcionalidade, Brasil Pinto [41] destaca:

O urbanismo não visa apenas à obra de utilidade, mas cuida do contexto em que estão inseridos "dos aspectos artísticos, panorâmicos, paisagísticos, monumentais, históricos, de interesse cultural, recreativo e turístico das comunidades. (...) Por outro lado, a referência à proteção estética da cidade e de seus arredores enseja a proteção e a preservação de vistas panorâmicas, das paisagens naturais e dos locais de particular beleza.

5.2) A Beleza como valor relativo

O culto ao belo sempre fez parte da cultura do homem e foi a arte renascentista que chamou a atenção para a beleza das paisagens naturais, mas tal perspectiva não foi privilegiada nas ocupações urbanas, principalmente na trajetória brasileira.

É obra da pós-modernidade a emergência de uma função estética das cidades, mas sempre condicionada a uma funcionalidade utilitária:

Os efeitos estéticos são de importância muito grande para equilibrar os desajustes das sociedades industriais contemporâneas. Mas não há de esquecer que a funcionalidade do traçado urbano constituirá outra exigência das aglomerações urbanas de hoje, de modo a proporcionar ao habitante a ao transeunte facilidade e comodidades sem as quais os desajustes se agravam [42].

Não há se propugnar pelo esteticismo gratuito, mas se há de perseguir a integração entre o elemento estético com uma diretriz do desenvolvimento urbano; não a preocupação estética artificial, mas como algo que brota intuitivamente da forma urbana, incluída no conceito patrimonial ambiental urbano, de que a paisagem urbana constituirá o revestimento diáfano e envolvente – se tocado por um critério estético, não com a idéia de monumentalidade, mas com o caráter de representatividade – ou as garras com que esse mesmo ambiente agredirá a visão, o sentimento e o comportamento das pessoas [43].

A palavra estética advém do grego asthesis e tem como significado o conhecimento sensorial, a experiência, a sensibilidade. Como ramo da Filosofia, é o estudo racional do belo em relação ao sentimento que suscita nos seres humanos. Nessa acepção, o belo é tratado com certa vaguidade, caracterizando-se como um valor relativo, que depende de juízos subjetivos e critérios que variam no tempo e no espaço.

BENJAMIN [44] exemplifica bem o problema na análise do comportamento dos Tribunais:

No Direito comparado, os juízes, por muitos anos, fraquejaram quando chamados a decidir conflitos atinentes a valores estritamente estéticos. Nos Estados Unidos, p.ex., antes de 1950, os tribunais frequentemente viam os valores estéticos como um luxo, em vez de uma necessidade, negando-lhes proteção legal. Ou, então, os consideravam subjetivos em demasia, recusando-se a virar "árbitros de gosto".

Nos Estados Unidos, por exemplo, os juízes consideravam que a análise estética de questões coletivas demandariam uma análise excessivamente subjetiva, variante de acordo com o "gosto de cada um", embora jamais tivessem encontrado dificuldades em reparar o dano estético de uma vítima de erro médico, por exemplo.

Como se pode perceber, a relatividade da noção de belo foi, durante muito tempo, uma justificativa para a ausência de tutela dos valores ambientais estéticos, e, embora tal obstáculo tenha sido transposto na esfera da reparação individual, até hoje é utilizada como escusa na identificação e quantificação do dano moral difuso.

5.3) A Beleza como valor absoluto e direito fundamental e sua reparabilidade na esfera do dano

Se considerada no passado como um direito supérfluo a partir de uma ótica elitista e relativista da concepção de belo, o fato é que a estética urbana assume importante posto tanto no Direito Ambiental quanto no urbanismo contemporâneos, não só no que toca às edificações e equipamentos urbanos, mas também nas interações entre esse meio ambiente construído e a paisagem natural.

Consciente ou inconsciente, para muitos a paisagem deixa de ser a relevância da beleza de um fragmento natural e ressurge como um atributo holístico da própria natureza, de toda a natureza [45].

Seja com intuitos preservacionistas, seja com interesses econômicos fulcrados no "turismo sustentável" o fato é que a paisagem, enquanto noção de belo, a partir da sua função estética, vem, cada vez mais, ganhando relevo no cenário jurídico nacional e internacional.

As disputas político-econômicas pelo ingresso de determinadas cidades na Lista do Patrimônio Mundial são um exemplo dos interesses que circundam o patrimônio estético das cidades.

No item 2 do presente trabalho, destacamos algumas das funções da paisagem urbana, não só com base em critérios de funcionalidade utilitarista, mas também com fulcro na importância da harmonia dos elementos paisagísticos. No item 4, apontamos as consequências danosas da poluição visual, que traz prejuízos à saúde física e mental dos indivíduos , com reflexos sobre a sua esfera individual e social,bem como sobre a coletividade abstratamente considerada.

Assim, apesar da relatividade filosófica da noção de belo, a paisagem possui outras funções que garantem a ela o status de Direito Fundamental a ser protegido. Dentre essas funções, a função estética, a beleza propriamente dita, ganha contornos absolutos, que independem de fatores como gostos, modismos, e critérios outros que variam no tempo e espaço:

Nos últimos anos, sem prejuízo do foco ecológico, países de todo o mundo vem descobrindo e redescobrindo a paisagem, e, a partir dela, o belo natural, já não mais no seu sentido convencional de formas, cores e sons, mas enxergando beleza na própria diversidade da natureza. Podemos dizer que, na perspectiva atual, o belo deixa de ser somente uma percepção extrínseca (=cultural e visivelmente perceptiva), em proveito de uma percepção intrínseca, que valoriza os "segredos" da natureza: a apreciação estética vai do que vemos, sem grande esforço (as montanhas, o verde exuberante das florestas, a vitalidade dos rios), ao que não vemos, só sentimos intuitivamente, ou só notamos com o auxílio dos especialistas (os serviços ecológicos, a qualidade da água, a diversidade das florestas). É a posição do observador mais sensível, que compreende e aceita que "somos da natureza e estamos na natureza [46]

Nessa ótica, a estética é vista como valor absoluto e a beleza da paisagem urbana, por si só, como Direito Fundamental, essencial à qualidade de vida das presentes e futuras gerações.

Sendo o Direito à beleza das cidades um direito fundamental corolário dos direitos da personalidade, pode ser avaliado sob a ótica individual e difusa, consoante já exposto. A violação das funções da paisagem urbana, em especial, dos seus atributos estéticos pode, então, caracterizar-se como dano moral coletivo?

Analisa Leite [47] que as graves e grandiosas lesões ambientais ocorridas na história mais recente demonstram que o direito ainda encontra dificuldades na responsabilização civil e nas reparações ambientais principalmente devido à complexidade do dano ambiental e em virtude de uma percepção de índole individualista do direito, ligado a interesses intersubjetivos, e não no trato solidário e difuso do dano ambiental.

A identificação clara das funções ambientais da paisagem urbana, como proposto no presente, implica na superação dessas dificuldades apontadas. Seguem alguns casos em que se configura explicitamente o dano extrapatrimonial ambiental:

1. Destruição de sambaqui, através da retirada da barreira do terreno limítrofe, afetando tanto um patrimônio cultural como um valor ambiental, ecológico da população;

2. Risco na utilização, distribuição e estocagem do metano, combustível comprado para suprir a falta de álcool, ofendendo a coletividade material e extrapatrimonial;

3. Publicidade anti-ambiental, afetando de forma indivisível interesses extrapatrimoniais da coletividade;

4. Aterro de lagoa, ferindo a paisagem, ocasionando dano ao valor paisagístico e ambiental da comunidade;

5. A perda de luminosidade solar, em decorrência, por exemplo, de urbanização;

6. Perda de paisagem significativa [48].

A resposta, então, é indubitavelmente positiva. A identificação das funções da paisagem urbana, a delimitação da importância da função estética da paisagem e das consequências de sua deterioração são imprescindíveis ao trabalho do aplicador e afastam quaisquer argumentos baseados no desconhecimento das funções ambientais ou na impossibilidade de aferição dos valores desses bens.

Embora na aferição do dano moral ambiental, em sua dimensão difusa, não se possa partir dos mesmos pressupostos da reparação do dano moral individual, algumas conquistas do sistema de responsabilidade civil individual no ordenamento jurídico brasileiro podem e devem ser reivindicadas na configuração de um sistema de responsabilização transindividual, sob pena de sofrermos retrocessos: a responsabilidade objetiva, a desnecessidade de prova do prejuízo e a mensuração do quantum indenizatório, que também pode ser feita por arbitramento, são exemplos. Infelizmente, contudo, o desconhecimento tem levado, na práxis forense, ao afastamento da responsabilidade ou a fixação de indenizações irrisórias e inaptas à consecução de sua finalidade inibitória.

Se os Tribunais Pátrios já indenizam o dano moral individual e conseguem, senão mensurar, mas atribuir valor derivado à honra, à dignidade e à estética individual, não há escusa válida para a ausência de valoração do dano moral ambiental por lesão que ocasione a perda ou redução da função estética da paisagem urbana, nem mesmo a indivisibilidade do bem ambiental, vez que o direito já reconhece a sua existência e presta a ele sua tutela.

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Sobre a autora
Flávia de Sousa Marchezini

Procuradora do Município de Vitória (ES).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARCHEZINI, Flávia Sousa. Paisagem urbana e dano ambiental estético.: As cidades feias que me desculpem, mas beleza é direito fundamental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3142, 7 fev. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21029. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Anteriormente publicado na Revista da Procuradoria-Geral do Município de Belo Horizonte – RPGMBH, Belo Horizonte, ano 3, n. 5, jan./jun. 2010.

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