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Paisagem urbana e dano ambiental estético.

As cidades feias que me desculpem, mas beleza é direito fundamental

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07/02/2012 às 13:42

Resumo:


  • A paisagem urbana é um microbem ambiental essencial para a qualidade de vida e um direito fundamental, sendo protegida por um "estatuto jurídico da paisagem" que abrange legislações nacionais e internacionais.

  • Funções ambientais da paisagem urbana, como a função estética, são imprescindíveis para a integração do homem com o meio ambiente, e sua violação pode acarretar danos materiais e morais, incluindo prejuízos à saúde e à identidade das cidades.

  • Operadores do direito devem atuar ativamente na prevenção e reparação de lesões à paisagem urbana, utilizando-se de instrumentos jurídicos existentes para assegurar o direito à beleza e harmonia das cidades, essenciais à vida em sociedade.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

6) Considerações finais

A paisagem urbana é um microbem ambiental essencial para a qualidade de vida e, como tal, a beleza das cidades deve ser considerada como um direito fundamental, corolário do direito à vida, sendo que função social da cidade prevista no artigo 182 do texto Constitucional está estritamente vinculada à harmonia dos cenários urbanos.

Já se pode falar na existência de um "estatuto jurídico da paisagem" que assegura a sua mais ampla proteção, tanto no ordenamento jurídico estrangeiro quanto no nacional.

Buscando guardar coerência com a matriz constitucional, propomos, então, como critério de responsabilização, a identificação das funções ambientais do microbem lesado (no caso a paisagem), dentre as quais a função estética, cuja violação terá como consequência jurídica a reparação dos danos materiais e morais decorrentes da perda ou deterioração do elemento visual de conexão entre o homem, suas criações e a natureza, bem como de seus reflexos sobre o macrobem ambiental.

Assim, será passível de reparação qualquer ação que impacte negativamente a harmonia do meio ambiente, o equilíbrio ecológico, mas sua análise e quantificação se darão a partir da aferição das funções ambientais do microbem imediatamente lesado e das consequências do dano sobre o macrobem.

No caso da paisagem, a degradação que ocasione perda ou redução de sua função estética poderá, conforme o caso, ter reflexos patrimoniais (vocação turística, p. ex.) e extrapatrimoniais ou morais, estreitamente relacionados à noção de identidade, à segurança e ao prazer da conectividade que a paisagem proporciona entre o ser humano e o meio ambiente, à saúde física e psíquica, ao conforto emocional, à tranquilidade que proporciona ao homem em sua dimensão individual e coletiva, não se limitando à beleza enquanto valor relativo a depender de subjetivismos e critérios como gosto, tempo e espaço. A beleza das cidades é tida, pois, como valor absoluto, direito fundamental corolário do direito ao meio ambiente sadio e atributo da personalidade.

Há ainda que se considerar os reflexos dessa função estética sobre a vida em sociedade. Explica-se: Apesar do pouco conhecimento científico que a humanidade tem sobre as funções ambientais em geral, já existem inúmeras pesquisas científicas demonstrando que o "caos urbano", o adensamento e a ocupação desordenada das cidades são fatores que causam estresse, insônia, e contribuem para o aumento da violência e criminalidade. Por outro lado, a paisagem natural ou a paisagem artificial e suas interações com a natureza, quando adequadamente planejadas, causam bem-estar e melhoria na qualidade de vida. Assim, a lesão a essa função estética traz reflexos negativos à esfera social, hipótese em que se consegue visualizar com clareza elementos para aferição do "dano moral transindividual" decorrente da degradação ambiental.

Nessa linha, a fundamentalidade da paisagem urbana e de sua função estética, bem como a sua relevância enquanto bem jurídico tutelado é irrefutável, não havendo como dar-lhe ares de "Direito supérfluo ou fútil". Por tal razão, os operadores do Direito devem ficar atentos às lesões hodiernamente cometidas, utilizando-se de todos os instrumentos postos pelo ordenamento para a garantia da inviolabilidade desse bem, mormente diante das "armadilhas arquitetônicas" da pós-modernidade.

Não se pode afastar a reparação do dano estético ambiental, ou do dano extrapatrimonial ambiental decorrente da perda ou deterioração de sua função estética, em razão das dificuldades em sua quantificação. A transindividualidade do direito, a indivisibilidade dos bens ambientais, o desconhecimento científico das funções ambientais e todas as demais dificuldades devem se constituir em desafios e não óbices à reparação. No caso da paisagem como microbem ambiental, muitas de suas funções já encontram respaldo científico, afinal, na história da humanidade não é recente o estudo do "belo", da estética e de seus efeitos sobre o ser humano. Já existe respaldo científico para tanto.

Ainda temos muitos desafios em matéria de proteção da paisagem urbana. Na ótica das políticas públicas demanda-se, por exemplo, a recuperação dos centros históricos, que por tantas décadas foram relegados ao abandono, tanto no que tange aos cuidados com o patrimônio cultural, quanto no que toca à economia dessas áreas centrais, que ficou limitada, na maioria das cidades, a um tímido comércio popular. O modelo de recuperação ou "revitalização" ou "requalificação" dessas áreas deve ser fundado na sustentabilidade. Os padrões estéticos devem atentar para a identidade de nossas cidades, às nossas peculiaridades sociais e jurídicas, bem diferentes do modelo "globalizado" que se pretende ver "importado" sem qualquer adequação à realidade brasileira. [49]

Há ainda o grave problema do "empachamento", sobretudo pela utilização abusiva e indiscriminada de elementos de publicidade externa (outdoors, empenas, street tv) e da poluição visual causada pela instalação desordenada das antenas de telefonia/Estações Radio-base. Isso sem falar na poluição luminosa e suas trágicas consequências para a fauna noturna e para a observação astronômica, pondo em risco a sobrevivência de animais noturnos, aves migratórias e do "direito de ver estrelas" [50].

É terrível constatarmos que o novíssimo direito ambiental, enquanto ciência, somente inicia a construção de seus próprios princípios e regras quando seu próprio sujeito-objeto está em fase avançada de destruição. Essa relação paradoxal entre a construção da ciência/destruição do sujeito-objeto remete, por razões óbvias, a um nascimento tardio, "pós-maturo", razão pela qual há pressa, há uma extrema urgência na sua construção e, principalmente, na efetiva produção de seus efeitos sobre o "mundo da vida" [51]. Não há tempo, pois, para purismos, há necessidade de trabalho árduo e conjunto com as demais ciências (interdisciplinaridade) e, como se sugeriu no presente trabalho, de aproveitamento dos avanços já obtidos nas tutelas individuais que guardem compatibilidade com a proteção coletiva pretendida. Os passos devem se direcionar para frente.

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Paralelamente, no campo do reconhecimento das diversas funções ambientais dos também diversificados microbens ambientais, mais do que a educação ambiental com vistas à conscientização, é preciso provocar nos operadores do direito um verdadeiro insight. Do mesmo modo que hoje já se é possível sentir literalmente na pele os efeitos da destruição da camada de ozônio, é preciso que todos conheçam e atentem para os dramáticos efeitos do afeamento, da perda de identidade de uma cidade, que vão desde o aumento do estresse e da violência urbana aos efeitos econômicos decorrentes da perda/redução do seu valor turístico.

Não há, portanto, dificuldades intransponíveis na identificação e quantificação do dano extrapatrimonial decorrente da lesão à paisagem urbana. O reconhecimento de um estatuto jurídico da paisagem impõe tanto ações de prevenção quanto de reparação.

A utilização e concretização dos instrumentos jurídicos já existentes, no que concerne à proteção da paisagem urbana, devem assegurar a todos o sagrado direito de usufruir daquela maravilhosa sensação que temos na aterrissagem do avião ao retornar de uma viagem: a volta para o aconchego da cidade que chamamos de casa, com sua beleza peculiar. Aquela que pelo destino ou escolha chamamos de lar.


Notas

  1. BENJAMIN, Antonio Herman. Paisagem, natureza e direito: uma homenagem a Alexandre Kiss. In: BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e (org). Paisagem, natureza e direito. São Paulo: Instituto O Direito por um Planeta Verde, 2005, v. 2. Não paginado.
  2. ARRIGHI, G. A ilusão do desenvolvimento. Petrópolis: Vozes, 1997, p. 13
  3. MARCHEZINI, Flávia de Sousa. Cidade e cidadania no Brasil: uma análise historiográfica da participação popular construída num ambiente urbano. Fórum de Direito Urbano e Ambiental – FDUA, Belo Horizonte, ano 8, n. 45, p. 12-25, maio/jun. 2009. Disponível em www.anpm.com.br
  4. Dentre os defensores da existência de um Direito Urbano-ambiental no Brasil, mencionamos Toshio Mukai , Vanesca Buzelato Prestes, Maria Etelvina Bergamaschi Guimaraens, dentre outros.
  5. BENJAMIN, 2005. Não Paginado.
  6. CAMPOS, Ibrahim Camilo Ede. Especificidade do dano ambiental e biodiversidade na esfera da reparação civil ambiental. Tese apresentada no 3º Congresso de Estudantes de Direito Ambiental. Tema do evento: mudanças climáticas, biodiversidade e uso sustentável de energia. São Paulo, JUN/2008. Disponível em http://www.direito.ufmg.br/neda/arquivos/texto-congresso-jun.pdf
  7. BENJAMIM, 2005. Não Paginado.
  8. RODRIGUES, Marcelo Abelha. Reflexos do direito material do ambiente sobre o instituto da coisa julgada (in utilibus, limitação territorial, eficácia preclusiva da coisa julgada e coisa julgada rebus sic stantibus).Disponível em www.marceloabelha.com.br . Acesso em 29 out 2009.
  9. Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. Disponível em http://www.priberam.pt
  10. MARCHESAN, Ana Maria Moreira. Tutela jurídica da paisagem no espaço urbano. Revista de direito ambiental. São Paulo, v. 11, n. 43, p. 07-34, jul. /set. 2006. Disponível em www.iedc.org.br. Acesso em 10 OUT 2009.
  11. SILVA, JOSÉ AFONSO. Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores – 5° edição rev.atual., 2008, p. 307.
  12. MINAMI, Issao; GUIMARÃES JÚNIOR, João Lopes. A questão da ética e da estética no ambiente urbano, ou porque todos devemos ser belezuras. Disponível em www.ambientebrasil.com.br. Acesso em 03/05/2009.
  13. RODRIGUES, 2009, p. 4.
  14. SILVA, 2008, P. 308.
  15. MARCHEZAN, 2006, p.15.
  16. MARCHEZAN,2006,P.16.
  17. MORAND-DEVILLER, Jacqueline. A cidade sustentável. Sujeito de Direitos e deveres. In: Políticas Públicas ambientais: estudos em homenagem ao professor Michel Prieur/coordenação Clarissa Ferreira Macedo D’Isep, Nelson Nery Junior, Odete Medauar – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,2009, p. 349/350.
  18. Disponível em http://conventions.coe.int/Treaty/en/Reports/Html/176.htm.
  19. Preâmbulo do Decreto Português nº 04 de 2005, que ratificou a Convenção Européria da Paisagem.
  20. Idem.
  21. A exemplo mencionamos a Ação Popular nº 950209270-8 – 2ª Vara Federal de Santos-SP. Disponível em http://jus.com.br/artigos/16549>
  22. Bobbio, Norberto. A era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro, Campus, 1992.
  23. MARCHEZAN,2006, p. 28
  24. FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Paisagem urbana e sua tutela em face do direito ambiental. Disponível em http://www.saraivajur.com.br/menuEsquerdo/doutrinaArtigosDetalhe.aspx?Doutrina=837. Acesso em 24 out 2009.
  25. Sobre a "Operação cidade limpa" ver http://www.prefeitura.sp.gov.br/portal/a_cidade/noticias/index.php?p=14513
  26. Ref. Processo nº 024.040.035.180 – Vara dos feitos da fazenda pública Municipal de Vitória.
  27. MINAMI, Issao; GUIMARÃES JÚNIOR, João Lopes. A questão da ética e da estética no ambiente urbano, ou porque todos devemos ser belezuras. Disponível em www.ambientebrasil.com.br. Acesso em 03/05/2009.
  28. MINAMI, GUIMARÃES JÚNIOR, não paginado.
  29. MORAND-DEVILLER, 2009, p. 350.
  30. SILVA, 2008, p. 322.
  31. MARCHEZAN, 2006,p. 15
  32. FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 3 ed. rev. Ampl. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 127.
  33. CAMPOS, Watila Shirley Souza. Poluição Visual no Direito Brasileiro. Dissertação. Santos: Universidade Católica de Santos, 2006, p. 29. Disponível em http://biblioteca.unisantos.br/tede/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=6 Acesso em 02 MAR 2009
  34. Segundo a pesquisa, o eustress ocorre quando o motivo causador de estress é positivo, agradável e alegre, ao passo que o distress acomete o indivíduo caso o motivo estafante seja negativo, desagradável e irritante.
  35. VASCONCELLOS, 2003 apud CAMPOS, 2006, p. 30
  36. MINAMI, GUIMARÃES JÚNIOR, não paginado.
  37. HALL, Stuart. A Identidade Cultural na pós-modernidade . P. 67-76 Disponível em www.pdf-search-engine.com/baixar-livro-stuart-hall-identidade-cultural-na-pós-modernidade-pdf.html. Acesso em 12 SET 2008.
  38. TOPALOV, C. Da questão social aos problemas urbanos: os reformadores e a população das metrópoles em princípios do século XX. In: RIBEIRO, L.; QUEIROZ, C. P. (Org.). Cidade, povo e nação, a gênese do urbanismo moderno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, [s.d]. p. 44.
  39. MARCHEZINI, Flávia de Sousa. A trajetória da participação popular no planejamento urbano: o caso do Conselho Municipal do Plano Diretor de Vitória (1961-2001). Vitória: 2006. Dissertação (Mestrado em História Social das Relações Políticas) - Universidade Federal do Espírito Santo.
  40. .SILVA, 2008, p. 307.
  41. PINTO, Antonio Carlos Brasil. Turismo e meio ambiente: aspectos jurídicos. Campinas, Papirus, 2003, p.108.
  42. SILVA, 2008, P. 310.
  43. SILVA, 2008, P. 310.
  44. BENJAMIN, 2005, não paginado.
  45. BENJAMIN, 2005, não paginado
  46. BENJAMIN, 2005, não paginado.
  47. BENJAMIN, 2005, não paginado.
  48. LEITE, 2003, P. 297.
  49. Sobre as ARES – Áreas de Revitalização Econômica das áreas centrais – ver Projeto de Emenda Constitucional e projeto de Lei Complementar em http://www.cidades.gov.br/secretarias-nacionais/programas-urbanos/Imprensa/reabilitacao-de-areas-urbanas-centrais/noticias-2009/marco/pec-para-reforma-de-centros-urbanos/?searchterm=ARES, sobre os quais temos severas críticas.
  50. SANTOS, Nadia Palacio. O Direito de ver estrelas: a poluição luminosa sob a égide jurídica, urbanística e ambiental. In: BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e (org). Paisagem, natureza e direito. São Paulo: Instituto O Direito por um Planeta Verde, 2005, v. 2, p. 467.
  51. Sobre a noção de mundo da vida e, Habermas ver :HABERMAS, Jürgen. Pensamento pós-metafísico. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990, p. 130.
Assuntos relacionados
Sobre a autora
Flávia de Sousa Marchezini

Procuradora do Município de Vitória (ES).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARCHEZINI, Flávia Sousa. Paisagem urbana e dano ambiental estético.: As cidades feias que me desculpem, mas beleza é direito fundamental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3142, 7 fev. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21029. Acesso em: 23 dez. 2024.

Mais informações

Anteriormente publicado na Revista da Procuradoria-Geral do Município de Belo Horizonte – RPGMBH, Belo Horizonte, ano 3, n. 5, jan./jun. 2010.

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