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Inconstitucionalidade e ilegalidade na exigência do pagamento de multas, como requisito para licenciamento de veículos automotores

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08/02/2012 às 10:26
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8. Conclusões

Postas essas considerações, concluímos nos seguintes termos:

1 - A exigência do pagamento das multas como requisito para o licenciamento de veículos atenta contra o princípio da razoabilidade, posto que a fixação deste requisito em lei viola a necessária pertinência entre o ato de licenciamento e os interesses públicos protegidos com a licença. O licenciamento não tem função arrecadatória e sim assecuratória, como é típico do poder de polícia.

2 - A exigência viola ainda o Direito à Ampla Defesa, posto que o Estado tem ao seu dispor a execução fiscal para a cobrança das multas.

3 - Viola-se ainda os limites para a concessão da auto-executoriedade aos atos administrativos passíveis de afetação econômica dos administrados. Pior ainda, quando se concede auto-executoriedade às multas que sequer estão inscritas em dívida ativa (logo, estão despidas do requisito de exigibilidade).

4 - A exigência das multas afronta o CTN. Devemos observar que o CTN é recepcionado como Lei Complementar, enquanto o CTB é mera Lei Ordinária.

5 - A exigência não se sustenta sequer sob a alegação do solve et repete. A uma, pois não é caso de solve et repete, mas de grosseira indução ao pagamento de um valor ainda não objeto de impugnação. De igual forma, não podemos assumir a analogia com a decisão do STF sobre os depósitos recursais: pagamento e depósito recursal são categorias jurídicas distintas (a primeira é cláusula extintiva da obrigação, enquanto a segunda é cláusula suspensiva de sua exigibilidade).

6 - Por fim, é patente a inconstitucionalidade das cláusulas solve et repete, notadamente em situação impostas pelo Poder Público.


Notas

  1. BRASIL. Poder Legislativo. Lei nº 9.503, de 24 de setembro de 1997. Institui o Código de Trânsito Brasileiro. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília (DF), 24 set. 1997 (ret. em 25 set. 1997).
  2. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 20. ed. São Paulo: Malheiros. 1995. p. 170.
  3. DI PIETRO, Maria Sílvia Zanella. Direito administrativo. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2002.
  4. ESPÍRITO SANTO (ESTADO). Poder Judiciário do Estado do Espírito Santo. Apelação Cível em Mandado de Segurança nº 024990175143. 2ª C. Cív. Rel. Des. Álvaro Manoel Rosindo Bourguignon - j. 28.10.2003.
  5. BRASIL. Poder Legislativo. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o sistema tributário nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília (DF), 27 out. 1966 (ret. em 31 out. 1966).
  6. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 9. ed. Rio de Janeiro : Lumen Juris, p. 71
  7. MATO GROSSO (ESTADO). Poder Judiciário do Estado de Mato Grosso. RNS 9.445-Cuiabá. 2ª C. Cív.. Rel. Des. Odiles Freitas Souza - j. 14.08.2001.
  8. ESPÍRITO SANTO (ESTADO). Poder Judiciário do Estado do Espírito Santo. Apelação Cível em Mandado de Segurança nº 011010555917. 3ª C. Cív. – Rel. Des. Jorge Góes Coutinho - j. 08.10.2002.
  9. BRASIL. Poder Legislativo. Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980. Dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública e dá outras providências. Diário Oficial [da] RepúblicaFederativa do Brasil, Brasília (DF), 24 set. 1980.
  10. FRANCO, José Dozineti.Dos casos de responsabilidade individual do agente, nas infrações de trânsito – a solidariedade não se presume, decorrendo da lei ou da vontade da parte - O estado de direito e o princípio do due process of law. Jornal Síntese,Porto Alegre, jan. 2000, n. 35, p. 10.
  11. RIO DE JANEIRO (ESTADO). Poder Judiciário do Rio de Janeiro. Apelação cível nº 4827/2001. 9ª C.Cív. Rel. Des. Marcus Tullius Alves - j. 25.09.2001.
  12. RIO DE JANEIRO (ESTADO). Poder Judiciário do Rio de Janeiro. Apelação cível nº 9218/2001 (2001.001.09218). 7ª C.Cív. Rel. Des. Carlos C. Lavigne de Lemos - j. 06.11.2001.
  13. Disponível em: <http://www.dji.com.br/latim/solve_et_repete.htm>. Acesso em: 23 set. 2004, 22:15.
  14. STEFANI, Fábio. Da suspensão da exigibilidade do tributo sujeito ao regime de lançamento por homologação através de medida liminar. Revista de Estudos Tributários, Porto Alegre,n. 25, p. 153, maio/jun. 2002.
  15. CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 7.ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 168.
  16. Só será pagamento, o ato de um interessado na extinção da dívida. Logo, se despido de seu conteúdo de vontade, poderá ser qualquer outro instituto: exceto pagamento.
  17. HENRIQUE, Carlos Augusto Junqueira. Depósito recursal no processo de execução. Revistra Síntese Trabalhista, Porto Alegre, p. 19, set. 2000.
  18. "Ementa: Administrativo. Infração de trânsito. Licenciamento de veículos. Falta de notificação do infrator impedindo o devido processo legal. Constituição Federal, art. 5º, LV, cf. Lei nº 5.108/68. Decretos nºs 62.127/68 e 98.933/90. 1. A legalidade das sanções administrativas por infração de trânsito assenta-se no pressuposto de regular notificação do infrator para que possa defender-se resguardado pelo devido processo legal. 2. iterativos precedentes da jurisprudência do STF e STJ. 3. Recurso improvido."
  19. "Ementa: Administrativo. Trânsito. Licenciamento de veículos. Infração. Multa. Notificação ao suposto infrator. Omissão da autoridade administrativa. Inobservado o devido processo legal, é inadmissível condicionar a renovação da licença de veículo ao pagamento de multa da qual o motorista não teve ciência, ou se interpôs recurso ainda não apreciado."
  20. "Ementa: Administrativo. Mandado de Segurança. Renovação de licença de veículo. Pagamento de multa. Notificação do infrator. Direito de defesa. Irregularidade da constituição do débito. Recurso Especial provido. I - Não se pode renovar licenciamento de veículo em débito de multas. para que seja resguardado o direito de defesa do suposto infrator, legalmente assegurado, e necessário que ele (infrator) seja devidamente notificado, conforme determinam os arts. 194 e 210 do Decreto nº 62127, de 1968, alterado pelo Decreto nº 98.933/90. II - Consoante jurisprudência predominante do Supremo Tribunal Federal e desta Corte, se não houve prévia notificação do infrator, a fim de que exercite seu direito de defesa, e ilegal a exigência do pagamento de multas de trânsito, para a renovação de licenciamento do veículo. III- Recurso provido, sem discrepância."
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Sobre o autor
Luiz Henrique Antunes Alochio

Doutor em Direito (UERJ)Mestre em Direito Tributário (UCAM) Sócio em Alochio Advogados.www.alochio.com.br+55(27) 3075-3545

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALOCHIO, Luiz Henrique Antunes. Inconstitucionalidade e ilegalidade na exigência do pagamento de multas, como requisito para licenciamento de veículos automotores. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3143, 8 fev. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21034. Acesso em: 5 mai. 2024.

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