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Elemento subjetivo como requisito para a constituição de ato de improbidade administrativa: análise doutrinária

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Seja qual for a razão adotada, a responsabilização por ato de improbidade administrativa é subjetiva. Logo, demanda-se um juízo sobre o elemento subjetivo do agente, sem o qual não se pode imputar-lhe a prática de ato de improbidade administrativa.

A responsabilidade por ato de improbidade administrativa é subjetiva (1). Vale dizer, sem a presença de elemento subjetivo (2), não há de se falar na constituição de qualquer das espécies de ato ímprobo.

Esse entendimento é praticamente consensual na doutrina. Todavia, vários autores, embora a ele se filiem, não o fazem fundamentadamente. Em outras palavras, há vários autores que, não obstante afirmem que a responsabilização por improbidade administrativa é subjetiva, não explicam o porquê disso. É o que fazem, por exemplo, Eurico Bitencourt Neto (3) e Juarez Freitas (4).

Há, contudo, alguns autores que se dedicam a determinar a razão pela qual a responsabilidade aplicada aos atos de improbidade administrativa é subjetiva. Apontam-se pelo menos cinco justificativas.

Waldo Fazzio Júnior busca no Direito Penal o fundamento para a responsabilização subjetiva dos atos de improbidade administrativa. Segundo ele, a culpabilidade é o meio pelo qual se pode aferir a reprovação da conduta do agente, permitindo um juízo de valor sobre a violação da norma. Essa análise seria imprescindível para a aplicação de sanção, inclusive as de improbidade administrativa. É o que se lê em sua obra:

"A subsunção do agente às hipóteses da Lei nº 8.429/92 reclama a presença de dolo e culpa.

Sobre o vínculo subjetivo que liga o agente ao fato ilícito, Nelson Hungria (1959, p. 112) lembra que ‘somente com a averiguação in concreto desse nexo subjetivo se pode atribuir ao agente, para efeito de punibilidade, uma conduta objetivamente desconforme com a ordem ético-jurídica, ou reconhecer sua incidência no juízo de reprovação...’.

Estendendo esse fundamento penal para o plano dos atos de improbidade, para que se considere um ato como passível de sofrer sanções, não é suficiente a existência da conexão causal objetiva (entre a ação [ou omissão] e o resultado) nem sua subsunção típica (num artigo da LIA). É imprescindível a culpabilidade (culpa ‘lato sensu’) do agente público. Não se pune com fulcro na responsabilidade objetiva.

O mínimo de responsabilidade por ato de improbidade administrativa é a culpa (dolo e culpa), uma vez que ‘nulla poena sine culpa’". (5)

Por outro lado, Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves afirmam, com fundamento em uma interpretação sistemática das normas constantes do ordenamento jurídico brasileiro, que a responsabilidade objetiva somente é admitida quando estiver expressamente prevista na lei. Sendo assim, inexistindo previsão nesse sentido para os atos de improbidade administrativa, estes só poderiam ser imputados a quem, agindo com culpa, incorresse nos tipos descritivos de atos de improbidade administrativa. Nesse sentido, leia-se:

"No direito moderno, assume ares de dogma a concepção de que não é admissível a ‘imputatio juris’ de um resultado sem um fator de ligação psíquica que a ele vincule o agente.

Ressalvados os casos em que a responsabilidade objetiva esteja expressamente prevista no ordenamento jurídico, é insuficiente a mera demonstração do vínculo causal objetivo entre a conduta do agente e o resultado lesivo. Inexistindo um vínculo subjetivo unindo o agente à conduta, e esta ao resultado, não será possível demonstrar ‘o menosprezo ou descaso pela ordem jurídica e, portanto, a censurabilidade que justifica a punição (‘malum passionis ob malum actionis’)’". (6)

Fábio Medina Osório, por sua vez, encontra o fundamento da responsabilização subjetiva na Constituição de 1988.

Esse autor reconhece a existência de uma "culpabilidade constitucional", que se extrai das normas que consagram a responsabilização subjetiva dos agentes públicos no caso de ações regressivas fundadas no artigo 37, §6.º, da Constituição de 1988, bem como dos princípios da legalidade, do devido processo legal, da "proporcionalidade" e da proibição de excesso ao poder público. Essa culpabilidade constitucional estaria a exigir responsabilização subjetiva também para a improbidade administrativa:

"Não se pode dissociar o ato ímprobo do processo de adequação típica e do reconhecimento da culpabilidade constitucional, aquela da qual dolo e culpa derivam diretamente. A responsabilidade subjetiva, no bojo do tipo proibitivo, é inerente à improbidade administrativa, sendo exigíveis o dolo e a culpa grave, embora haja silêncio da LGIA sobre o assunto. Isto se dá, como já dissemos à exaustão, por força dos textos constitucionais que consagram responsabilidades subjetivas dos agentes públicos em geral, nas ações regressivas, e que contemplam o devido processo legal, a proporcionalidade, a legalidade e a interdição à arbitrariedade dos Poderes Públicos no desempenho de suas funções sancionatórias. Portanto, a improbidade administrativa envolve, de modo necessário, a prática de condutas gravemente culposas ou dolosas, inadmitindo responsabilidade objetiva". (7)

A seu turno, Francisco Octávio de Almeida Prado entende que o termo "improbidade", por sua própria significação, pressuporia o elemento volitivo do agente. Não se poderia pensar em uma conduta desonesta sem que ela fosse informada pela culpa (em sentido amplo) do agente:

"Probidade significa honradez, honestidade. Improbidade é desonestidade, ausência de honradez. O termo que o constituinte se serviu para designar a categoria de ilícito que se quis instituir tem carga significativamente acentuada, que interfere profundamente com o elemento subjetivo das condutas configuradoras de improbidade administrativa. O elemento subjetivo é o vínculo psicológico, o nexo subjetivo que une o agente ao resultado. A improbidade pressupõe, sempre, um desvio ético na conduta do agente, a transgressão consciente de um preceito de observância obrigatória. Não deve, pois, existir ato de improbidade, ainda que de caráter omissivo, sem impulso subjetivo, sem propósito de violação de um dever jurídico – dever este tomado na sua acepção mais ampla, compreendendo tanto a transgressão direta à fórmula literal do preceito legal como a contrariedade velada, que importa desvio em relação aos fins legais ou desatendimento aos motivos legalmente qualificados". (8)

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Um último fundamento poderia ser encontrado no §4.º do artigo 37 da Constituição de 1988, o qual, quando relacionado com o caput, encerraria o conceito de improbidade administrativa. Desse conceito seria possível extrair a necessidade do elemento subjetivo para a constituição de ato de improbidade administrativa. É o que consta das lições de Aristides Junqueira e de Carlos Ari Sundfeld e Jacinto Arruda Câmara.

Esses autores entendem improbidade administrativa como espécie de imoralidade administrativa, qualificada pela má-fé do agente público. Partindo-se dessa premissa, não haveria de se falar em improbidade sem que estivesse configurada a má-fé do agente.

Pelo que se vê dos posicionamentos de diversos autores, a depender do que se entenda por má-fé, ela se confundirá com dolo (acepção restrita) (9) ou com culpa em sentido amplo (acepção ampla) (10). De qualquer forma, para a responsabilização por improbidade administrativa, sempre se exigirá que se tenha agido com má-fé e, portanto, que se verifique o elemento subjetivo na conduta do agente. Sobre esse entendimento, leia -se:

"O uso de conceitos vagos e indeterminados, redundando numa grande abrangência dos tipos legais que causam a incidência dessa responsabilidade específica, poderia, numa primeira leitura, induzir o intérprete a entender que, para esses casos, o legislador teria prescindido do aspecto subjetivo para imputar a responsabilidade. A inferência, porém, seria equivocada. [...]

Esse assunto propõe como preliminar o debate quanto à definição, no Direito pátrio, da improbidade administrativa. Deveras, a Lei nº 8.429, de 02 de junho de 1992 – instrumento legal básico da matéria – não a conceitua. O que ela faz é prever as conseqüências do ato de improbidade, estabelecendo modalidades, impondo sanções, definindo os sujeitos passivos, etc. O conceito genérico de ato de improbidade administrativa, porém, não é, em momento algum, precisado, nem mesmo de maneira vaga ou indeterminada. Sendo assim, a referida noção há de ser retirada de uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico; para tanto, o ponto de partida deve ser o Texto Constitucional, que cuida expressamente da matéria.

A Constituição, ao tratar da Administração Pública, implicitamente delimitou o conceito de improbidade administrativa. De um lado, estabelecendo uma relação entre ela e o princípio da moralidade; de outro, indicando que o ato de improbidade constitui conduta especialmente contrária ao Direito (sendo passível, inclusive, de ação penal – CF, art. 37, §4º, "in fine"), de maneira a gerar como conseqüências a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário (CF, art. 37, §4º). [...]

Já por aí se percebe que a mera ação em desacordo com a lei não pode, só por só, configurar ato de improbidade administrativa. Classificar toda conduta ilegal como improbidade seria generalizar indevidamente as conseqüências que a própria Constituição restringiu a uma espécie qualificada de comportamentos. Seria, portanto, incidir em inconstitucionalidade.

O ato de improbidade, por disposição constitucional, deve ser caracterizado levando-se em conta a intenção em praticar a ilegalidade ou qualquer outra conduta contrária aos princípios básicos da Administração. Há, portanto, um aspecto subjetivo inafastável na composição da hipótese do ato de improbidade administrativa. [...]

Conforme já foi dito, para que um ato seja considerado ímprobo precisa apresentar mais do que a objetiva desconformidade com a lei. É necessário que o agente, ao praticá-lo, tenha apresentado o ânimo de violar a lei ou assumido conscientemente o risco de fazê-lo; a intenção de desatender aos princípios norteadores da atividade administrativa; tenha, enfim, praticado má-fé, especialmente repugnado pelo Direito. A improbidade se constata na análise subjetiva do móvel do agente e não no simples confronte objetivo do ato com a lei". (11)

Por fim, vale frisar que Maria Sylvia Zanella Di Pietro (12) adota as cinco justificativas apresentadas como razões para a responsabilização subjetiva por ato de improbidade administrativa.

Um arremate para a questão consta da doutrina Eurico Bitencourt Neto (13). O autor evidencia que também o terceiro, não ocupante de cargo, emprego ou função na Administração, só incorrerá em improbidade administrativa caso aja culposamente (culpa em sentido amplo).

Em face do exposto, pode-se concluir que, seja qual for a razão adotada, a responsabilização por ato de improbidade administrativa é subjetiva. Logo, demanda-se um juízo sobre o elemento subjetivo do agente, sem o qual não se pode imputar-lhe a prática de ato de improbidade administrativa.

É ímprobo, portanto, quem age com má-fé contra a Administração Pública, enriquecendo ilicitamente, causando prejuízo ao erário ou violando princípios que regem a Administração Pública. (14)


Referências:

  1. Responsabilidade é um dever (derivado) resultante da violação de um outro dever pré-existente (originário). A esse dever originário dá-se o nome de obrigação. Dessa forma, é possível dizer que responsabilidade é o dever derivado do descumprimento de uma obrigação. (Cf. CAVALIERI FILHO, Sergio. "Programa de Responsabilidade Civil". 7.ª edição. São Paulo: Atlas, 2007, p. 2). A responsabilidade pode ser dividida em duas: a objetiva e a subjetiva. A responsabilidade é subjetiva quando a imputação do dever por descumprimento de obrigação depende de o agente ter agido com culpa (em sentido amplo). Por outro lado, a responsabilidade é objetiva quando a imputação do dever por descumprimento de obrigação independe da constatação de culpa.
  2. É possível definir o elemento subjetivo como o nexo psíquico que liga o agente ao ato ilícito, ensejando responsabilização subjetiva. Nesse sentido é a lição de Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves, para os quais "o elemento subjetivo que deflagrará este elo de encadeamento lógico entre a vontade, conduta e resultado, com a conseqüente demonstração da culpabilidade do agente, poderá apresentar-se sob duas únicas formas: o dolo e a culpa". (GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. "Improbidade Administrativa". 4ª. edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2008, p. 266-267)
  3. BITENCOURT Neto, Eurico. "Improbidade Administrativa e Violação de Princípios". Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 113.
  4. FREITAS, Juarez. Artigo "Do Princípio da Probidade Administrativa e de sua Máxima Efetivação", em Revista de Direito Administrativo, Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, Renovar v.204, abr./jun. 1996, p. 68.
  5. FAZZIO JÚNIOR, Waldo. "Atos de Improbidade Administrativa". São Paulo: Editora Atlas, 2007, p. 80.
  6. GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. "Improbidade Administrativa". 4ª. edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2008, p. 266-267.
  7. OSÓRIO, Fábio Medina. "Teoria da Improbidade Administrativa". São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 291.
  8. PRADO, Francisco Octávio de Almeida. "Improbidade Administrativa". São Paulo: Malheiros Editores, 2001, p. 37.
  9. ALVARENGA, Aristides Junqueira. Reflexões Sobre Improbidade Administrativa no Direito Brasileiro, em: BUENO, Cassio Scarpinella; PORTO FILHO, Pedro Paulo de Rezende (Coord.). "Improbidade Administrativa – Questões Polêmicas e Atuais". São Paulo: Malheiros, 2001, p. 88-89.
  10. PRADO, Francisco Octávio de Almeida. "Improbidade Administrativa". São Paulo: Malheiros Editores, 2001, p. 37.
  11. SUNDFELD, Carlos Ari; CÂMARA, Jacinto Arruda. "Improbidade Administrativa de dirigente de empresa estatal", em Revista Brasileira de Direito Público- RBDP, Belo Horizonte, ano 4, n. 12, p. 9-32, janeiro/março de 2006, p. 18-23.
  12. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. "Direito Administrativo". 21.ª edição. São Paulo: Atlas, 2008, p. 783-784.
  13. BITENCOURT Neto, Eurico. "Improbidade Administrativa e Violação de Princípios". Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 115.
  14. O estudo de quais espécies de ato de improbidade administrativa comportam a modalidade culposa (culpa em sentido estrito) é importantíssimo, mas extrapola a proposta deste trabalho. Vale frisar, todavia, que há uma tendência – especialmente no âmbito do STJ – de se admitir a improbidade na modalidade culposa apenas quando se referir a atos que causam prejuízo ao erário (art. 10 da Lei 8.429/1992). Por outro lado, há forte corrente doutrinária que sustenta a inconstitucionalidade da previsão do ato de improbidade administrativa fundado em culpa em sentido estrito.
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Sobre o autor
Rodrigo Trindade Castanheira Menicucci

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pós-graduando em Direito, Mercado e Economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENICUCCI, Rodrigo Trindade Castanheira. Elemento subjetivo como requisito para a constituição de ato de improbidade administrativa: análise doutrinária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3145, 10 fev. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21054. Acesso em: 26 dez. 2024.

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