A pensão alimentícia abrange as “prestações para satisfação das necessidades vitais de quem não pode provê-las por si. Têm por finalidade fornecer a um parente, cônjuge ou companheiro o necessário à subsistência” (DIREITO CIVIL BRASILEIRO, VOLUME 6: DIREITO DE FAMÍLIA. Carlos Roberto Gonçalves – 8ª edição – São Paulo: Saraiva, 2011. p. 498).
Na feliz expressão de Caio Mário da Silva Pereira: “Todo indivíduo tem direito à subsistência. Primordialmente, pelo trabalho, cujo exercício livre é assegurado constitucionalmente (Constituição de 1988, art. 5º XIII), integra o desenvolvimento nacional segundo o princípio de sua valorização como um direito social (Constituição, arts. 6º e 9º)” (INSTITUIÇÕES DE DIREITO CIVIL. Caio Mário da Silva Pereira. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2011. p. 527). E o mesmo civilista acrescenta: “Quem não pode prover à sua subsistência, nem por isto é deixado à própria sorte. A sociedade há de propiciar-lhe sobrevivência, através de meios e órgãos estatais ou entidades particulares. Ao Poder Público compete desenvolver a assistência social, estimular o seguro, tomar medidas defensivas adequadas. E no mundo moderno tem-no feito com intensidade” (obra citada, p. 527).
No sistema adotado pelo Direito Brasileiro, a prisão é o último recurso para compelir o devedor recalcitrante a arcar com o dever de pagar os alimentos devidos.
Assim, antes da prisão a lei prevê o desconto em folha, a cobrança de aluguéis, etc.
O alimentando pode mover contra o alimentante a execução por quantia certa contra devedor solvente, prevista no art. 732 do Código de Processo Civil. Tal modalidade de execução efetiva-se concretamente através da penhora de bens do devedor.
Embora a lei não exija prova da inutilidade da execução com penhora para autorizar a execução de alimentos com pedido de prisão (art. 733 do Código de Processo Civil), sempre existe a alternativa menos gravosa.
Mesmo na execução de alimentos com pedido de prisão, a custódia nunca é a primeira opção. In casu, a citação do devedor concede ao mesmo o prazo de 3 (três) dias, efetuar o pagamento, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo. Somente na hipótese de o devedor não pagar, nem se escusar, é que o juiz decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses.
Aliás, o Supremo Tribunal Federal já orientou que “a prisão civil não deve ser tida como forma de coação para o pagamento da totalidade das parcelas em atraso, porque, deixando a credora que o débito se acumule por longo tempo, essa quantia não mais tem caráter alimentar, mas, sim, o de ressarcimento de despesas feitas” (STF. HC 75180, Rel. Min. Moreira Alves).
Verdade seja dita, não é qualquer dívida alimentar que autoriza a prisão civil, muito menos a dívida alimentar antiga, pois o Superior Tribunal de Justiça já editou a Súmula nº 309: “O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo”. A Segunda Seção do STJ, na sessão ordinária de 22 de março de 2006, julgando o HC 53.068-MS, deliberou pela alteração do enunciado da Súmula nº 309, que passou a ter a redação atual acima transcrita. A redação antiga (decisão de 27/04/2005, DJ 04/05/2005, PG: 166) era seguinte: “O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores à citação e as que vencerem no curso do processo”.
Decerto, vê-se que a legislação brasileira não é nada draconiana, muito pelo contrário, é até branda se comparada aos sistemas jurídicos de outros países.
É preciso deixar muito claro que o devedor de alimentos não cumpre a prisão civil junto aos demais presos (prisão de caráter penal), como deixa claro o art. 201 da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984):
Art. 201. Na falta de estabelecimento adequado, o cumprimento da prisão civil e da prisão administrativa se efetivará em seção especial da Cadeia Pública.
Logo, fica patente que o devedor de alimentos, uma vez recolhido em razão de prisão civil, não se mistura com os presos comuns, por expressa previsão legal.
Ademais, a Constituição de 1988 é taxativa: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes...”.
Não por acaso, o primeiro direito fundamental de nossa Carta Magna é justamente a vida, pois sem ela todos os outros direitos perdem sentido.
A recusa ao pagamento dos alimentos compromete de forma direta o direito à vida, pois sem os alimentos a subsistência do ser humano fica vulnerável, ameaçada, correndo risco e sujeitando-se ao perecimento.
Também não é coincidência o fato de a liberdade vir em segundo lugar. Em sua reconhecida sabedoria, o legislador constituinte concluiu que havendo choque entre dois direitos fundamentais como a vida e a liberdade, deve prevalecer o direito à vida.
A própria Constituição Federal de 1988 prevê no seu art. 5º, inciso LXVII, ipsis verbis et litteris:
LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia...
Assim, não causa surpresa que a legislação infraconstitucional contenha expressa previsão de privação da liberdade do devedor de alimentos a fim de assegurar o direito à vida, que depende do pagamento da pensão alimentícia.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, prevê em seu artigo 3º: “Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”.
A Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada em Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989, prevê o seguinte, in verbis:
Artigo 6 º
1 – Os Estados Partes reconhecem que toda criança tem o direito inerente à vida.
2 – Os Estados Partes assegurarão ao máximo a sobrevivência e o desenvolvimento da criança.
Mais uma norma internacional que dá primazia ao direito à vida da criança, assegurando ao máximo a sua sobrevivência e o seu desenvolvimento. Como a criança pode viver, sobrevivendo e desenvolvendo-se sem receber alimentos?
Diante da total recalcitrância do devedor de alimentos, não resta outra alternativa senão compeli-lo a pagar os alimentos através da custódia civil.
Vale a pena conferir a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), que trata do direito à vida no seu artigo 4º, dispondo no item 1 que “toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção”. No item 7, do art. 7º, a referida Convenção dispõe que “ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar”.
Logo, ao contrário do que aconteceu com o depositário infiel, a prisão civil de devedor de alimentos encontra plena guarida no Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos).
O assunto já foi devidamente examinado pelo excelso Supremo Tribunal Federal, verbo ad verbum:
HABEAS CORPUS. SALVO-CONDUTO. PRISÃO CIVIL. DEPOSITÁRIO JUDICIAL. DÍVIDA DE CARÁTER NÃO ALIMENTAR. IMPOSSIBILIDADE DA PRISÃO. ORDEM CONCEDIDA. 1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal fixou o entendimento de que só é possível a prisão civil do "responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia" (inciso LXVII do art. 5º da CF/88). Precedentes: HCs 87.585 e 92.566, da relatoria do ministro Marco Aurélio. 2. A norma que se extrai do inciso LXVII do art. 5º da Constituição Federal é de eficácia dúctil ou restringível. Pelo que podem as duas exceções lei, quebrantando, assim, o rigor da prisão civil por dívida. 3. O Pacto de San José da Costa Rica (ratificado pelo Brasil - Decreto 678, de 6 de novembro de 1992), para valer como norma jurídica interna brasileira, há de ter como fundamento de validade o § 2º do art. 5º da Magna Carta de 1988. A se contrapor, então, a qualquer norma ordinária interna que preveja a prisão civil por dívida. Noutros termos: o Pacto de San José da Costa Rica, passando a ter como fundamento de validade o § 2º do art. 5º da CF/88, prevalece como norma supralegal em nossa ordem jurídica interna e, assim, prepondera sobre lei ordinária que admita a prisão civil por dívida. Não é norma constitucional - à falta do rito exigido pelo § 3º do art. 5º -, mas a sua hierarquia intermediária de norma supralegal autoriza afastar regra ordinária brasileira que possibilite a prisão civil por dívida. 4. No caso, o paciente corre o risco de sofrer prisão civil por dívida, por se encontrar na situação de infiel depositário judicial. O que autoriza a superação do óbice da Súmula 691/STF. 5. Superação do óbice da Súmula 691/STF.para o deferimento do habeas corpus (Habeas Corpus nº 100.888/SC, 1ª Turma do STF, Rel. Ayres Britto. j. 09.02.2010, unânime, DJe 12.03.2010).
O § 2º, do art. 5º, da Lei Maior, que serviu de fundamento para a extinção da prisão civil do depositário infiel, simultaneamente serve de suporte para justificar a prisão de devedor de alimentos, pois a finalidade do dispositivo constitucional em tela é precisamente dar força normativa ao Pacto de San José da Costa Rica (“§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”).
Destarte, o inciso LXVII, do art. 5ª, da Constituição Federal permanece plenamente eficaz na parte que prevê a prisão por dívida do devedor de alimentos (“LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia...”).
Finalmente, de tudo que foi colocado, extrai-se a conclusão que a prisão do devedor de alimentos não constitui qualquer tipo de punição, mas apenas uma forma de coerção, a fim de evitar o perecimento do mais importante de todos os direitos fundamentais, o direito à vida, isto é, o direito à subsistência do alimentando, que na grande maioria dos casos levados a Justiça é apenas uma criança indefesa e carente (em sentido amplo).