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Desenvolvimento e urbanização no sistema global: da favela brasileira ao “Direito Urbanístico Internacional”

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08/03/2012 às 10:19
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4. A CONSTRUÇÃO DE UM “DIREITO URBANÍSTICO INTERNACIONAL”

No universo das Ciências Jurídicas, a disciplina do Direito Urbanístico tem adquirido flagrante proeminência ao longo das décadas. Fenômeno antigo, porém de recente regulamentação (notadamente em conjunto com a disciplina do Direito Ambiental, cuja origem remonta aos movimentos culturais ao redor do planeta na década de 1960), o planejamento urbano que sempre pertenceu ao campo das ciências da administração e da engenharia jaz agora com a participação de cultores no estudo do Direito aplicado aos ambientes artificiais. Embora aplicado à realidade municipal, consideramos que as cooperações técnicas internacionais entre grandes metrópoles, e mesmo na realidade das megalópoles, pode ser incluída no âmbito de aplicação de uma nova área de estudo, baseada nas pesquisas e trabalhos exercidos por organismos interestatais atuantes na problemática da urbanização, como o UM-HABITAT.

O conceito de Direito Urbanístico na realidade doméstica dos Estados Soberanos, pois, é intrinsecamente ligado ao Urbanismo como panorama do meio ambiente artificial das cidades. José Afonso da Silva, por exemplo, conceitua o Direito Urbanístico como Ciência e como Positivação. Neste desiderato, "o Direito Urbanístico Objetivo consiste no conjunto de normas que tem por objetivo organizar os espaços habitáveis, de modo a propiciar melhores condições de vida ao homem na comunidade", enquanto "Direito Urbanístico como ciência é o ramo do direito público que tem por objeto expor, interpretar e sistematizar as normas e princípios disciplinadores dos espaços habitáveis"[15]. A necessidade humana de agregar-se em comunidade, pois, adquire caráter normativo quando se discorre acerca desta área de estudos jurídicos.

De forma semelhante, o ponto nevrálgico de desenvolvimento do Direito Internacional Público se deu ao longo do século XX, com a pujança do associativismo global, retro mencionado, e com o estabelecimento de uma Sociedade Internacional estruturada em torno da Organização das Nações Unidas.

Portanto, nada mais natural que oferecer a toda e qualquer disciplina jurídica o manto protetor do Direito Internacional, a fim de propagar sua Principiologia e ideário ao redor das civilizações. Com o Direito Urbanístico, tal não poderia se constituir diferente, pelo que este breve estudo norteia-se pela construção progressiva e imperiosa de um “Direito Urbanístico Internacional”.

Diversos são os institutos pátrios que possuem plena capacidade de inspirar tratados internacionais e acordos (sejam bilaterais ou multilaterais) entre os Estados do sistema global: o Plano Diretor, a Institucionalização dos Movimentos Sociais de Sem-Terra, a Regularização de Assentamentos Urbanos e Rurais, dentre tantos outros temas de premente relevância no contexto mundial.

Certamente, tal repercutiria nos modelos de governança ao redor do globo, produzindo uma série de políticas públicas e diretrizes urbanísticas que mitigariam os riscos inerentes ao ambiente artificial, tais como o precário saneamento, as deficientes redes de distribuição de energia e água, enchentes, deterioração de encostas ocupadas por assentamentos irregulares, etc.

Na realidade carioca, valendo-se de um paralelo doméstico, a política do Favela Bairro, da Instalação de Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), assim como outras diretrizes, têm proporcionado inúmeros benefícios ao planejamento urbano pretendido pelos atuais governantes. Óbvio que tais práticas não estão isentas de críticas; mas se reputam como necessárias e adequadas, dado o momento caótico que a população fluminense enfrentou quando dos ataques, sem receio de afirmar, terroristas, impingidos pelos grupos criminosos organizados em 2009. Neste específico ponto, cabem as palavras expressadas pelo Secretário de Segurança do Rio de Janeiro em 2011, José Mariano Beltrame:

“Posso garantir que segurança pública não é tão cartesiana assim. Muitas das queixas com as favelas pouco têm a ver com o crime bárbaro do tráfico, mas com a dificuldade da própria sociedade de conviver com suas diferenças. O problema é que, quando tais diferenças incomodam, é melhor chamar todos de criminosos. Isso ficou mais evidente após a implantação das UPPs. O traficante vai embora, mas muitos conflitos, os menores, evidentemente, continuam por lá. Tenho recebido e visitado os moradores dessas comunidades com frequência. Há uma tremenda dívida social que veio desde a colonização destas terras. A maioria negros, pardos, mulatos, pobres e muito pobres. Carências tão grandes que é preciso ajudá-los a pedir, pois lhes é difícil até priorizar as emergências. Podemos traduzir as causas da violência de diversas formas: desigualdade, falta de educação, corrupção, falta de assistência, falta de planejamento das cidades, enfim, inúmeras possibilidades. Podemos usar o legalismo para dizer que as favelas precisam ser demolidas, pois são invasões; ou defendê-las, afinal são brasileiros vítimas de um modelo econômico e histórico perverso”[16].

A transposição de tais modelos, como um todo, certamente não serviria aos propósitos de uma Sociedade Internacional calcada no pluralismo tal como a que atualmente subsiste. Mas o ideário de uma rede de planejamento urbano que envolva Engenharia, Administração, Segurança, Saúde e, principalmente, Educação, certamente proporcionaria um maior grau tecnológico de gestão aos países em desenvolvimento e aos de menor desenvolvimento relativo. Para que tais objetivos possam ser alcançados com êxito, essencial a estruturação de um “Direito Urbanístico Internacional”, que possa congregar as mais contemporâneas políticas de planejamento e gestão do espaço urbano, sempre em cooperação com os membros do sistema global, através de um regime de acordos técnicos, estímulo às organizações internacionais já existentes e fomento aos programas de investimento público e privado em países de menor desenvolvimento relativo, para que assim eles possam acompanhar a dinamicidade inerente à Sociedade Internacional. Exemplo que pode ser dado é o da cidade africana de Lagos, que no V Fórum Urbano Mundial (Rio de Janeiro/2010) divulgou de forma brilhante o portfólio de estruturas urbanas em que as empresas transnacionais e investidores privados estrangeiros poderiam investir, tais como transporte, lazer, cultura, dentre outros.


5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após apresentar todo o arcabouço histórico, sociológico e normativo sobre a importância do planejamento urbano e de expor as linhas argumentativas gerais acerca da construção de um “Direito Urbanístico Internacional”, creio que são cabíveis algumas reflexões de encerramento do presente estudo, sempre à procura de oferecer a facilidade didática possível, sem olvidar dos mais relevantes aspectos da matéria de pesquisa.

A gestão urbana, em uma única palavra, deve ser democrática. Este tema sempre é muito debatido nos círculos intelectuais brasileiros, mas pouco explorado na prática da Administração Pública. O município, em especial, por gozar da autonomia conferida pelo Pacto Federativo estabelecido na Constituição da República Federativa do Brasil, em 1988, deve proporcionar a seus assistidos os mais modernos e dinâmicos modelos de planejamento urbano possíveis. O ambiente citadino é um local de autodeterminação, em que o indivíduo espera sempre o apoio estatal para que possa exprimir a mais pura conotação de sua dignidade.

Entretanto, não é suficiente e exigível uma conduta positiva apenas por parte do Estado. A sociedade civil, por meio das Organizações Não-Governamentais (ONG), e em regime de parceria, as Organizações Sociais (OS) e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) devem organizar suas atuações com vistas a um modelo global de governança participativa. Adoto, neste fechamento, o raciocínio de percuciente estudo publicado nos anais do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico:

“Em que pese a abertura para o canal de comunicação público-privado, é necessário que a iniciativa deva partir tanto do Estado quanto da sociedade, havendo uma reciprocidade de interesses entre as partes envolvidas na deliberação das questões sociais. O Estado precisa estimular os cidadãos a se agruparem ou associarem para facilitar a organização da entidade civil, ao passo que os cidadãos cientes do exercício pleno da cidadania, precisam participar das deliberações públicas. Portanto, uma das soluções apontadas para a edificação de um novo paradigma de Administração Pública eficiente e eficaz, é sem dúvida instituir mecanismos capazes de fortalecer a democracia participativa em que o povo seja o verdadeiro detentor do poder, o que nada mais representa do que a ‘governança participativa’”[17].

Portanto, a construção de um Direito Internacional Urbanístico, implementado através da união de esforços entre Estados e Sociedades, será determinante para a futura erradicação da miséria no planeta, em consonância com o rol de Objetivos do Milênio estabelecidos pela Organização das Nações Unidas no final do século passado, além de proporcionar às diversas civilizações um fértil meio de expressão das potencialidades de seus povos. Governança Participativa, Democracia, Gestão Comprometida: eis os três principais vetores do desenvolvimento urbano em nível global.


BIBLIOGRAFIA ESPECÍFICA

ARAÚJO, Marinella Machado et al. Governança Participativa de Áreas Públicas: em que Avançamos da Constituição de 1988 ao Estatuto da Cidade. JÚNIOR, Nelson Saule et al (Org.).Anais do V Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico – Manaus 2008: O Direito Urbanístico nos 20 anos de Constituição Brasileira de 1988 – Balanço e Perspectivas. Porto Alegre: Editora Magister, 2009

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, Curso de Direito Administrativo. 27ª Ediçao. Rio de Janeiro, Editora Malheiros, 2010.

BELTRAME, José Mariano. Palavra do Secretário – UPP Repórter. Texto disponível virtualmente: <http://upprj.com/wp/?p=175>. Acesso em 3 de setembro de 2011.

BOBBIO, Norberto, A Era dos Direitos, Edição traduzida para a Língua Portuguesa, 2008.

CAVADAS, Divo Augusto. Considerações preliminares sobre o direito islâmico ("Shariah"). Visões acadêmicas, históricas, culturais e suas influências na sociedade internacional. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2689, 11 nov. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/17802>. Acesso em: 9 abr. 2011.

GUERRA, Sidney. Curso de Direito Internacional Público. 4ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2009.

MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque, Curso de Direito Internacional Público. 16ª Edição. Rio de Janeiro, Editora Renovar, 2004.

PECEQUILO, Cristina Soreanu, Política Internacional, Série Manuais do Instituto Rio Branco, Brasília, Editora Fundação Alexandre de Gusmão, 2008.

REZEK, Francisco José, Direito Internacional Público – Curso Elementar. 10ª Edição. Rio de Janeiro, Editora Saraiva, 2008.

SILVA, José Afonso. Direito Urbanístico Brasileiro. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Malheiros, 1997.

Sítio Virtual Favela tem Memória. <http://www.favelatemmemoria.com.br>.

Sítio Virtual do UN-HABITAT. <http://www.unhabitat.org>.

Sítio Virtual da OEA. <http://www.oas.org>.


Notas

[1] Cf. MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque, Curso de Direito Internacional Público, Rio de Janeiro, Editora Renovar, 2004.

[2] Cf. REZEK, Francisco José, Direito Internacional Público – Curso Elementar, Rio de Janeiro, Editora Saraiva, 2008, o qual se posiciona no sentido de uma interpretação estrita da Convenção de Viena de 1986, a fim de considerar apenas os Estados e Organizações Internacionais como concretos sujeitos de Direito Internacional, discordando do entendimento majoritário da incorporação de personalidade jurídica internacional para o Indivíduo, devido à evolução da disciplina dos Direitos Humanos.

[3] Nos estudos de política internacional, denominam-se tais entes de “Países de Menor Desenvolvimento Relativo (PMDR)”. Cf. PECEQUILO, Cristina Soreanu, Política Internacional, Série Manuais do Instituto Rio Branco, Brasília, Editora Fundação Alexandre de Gusmão, 2008.

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[4] BOBBIO, Norberto, A Era dos Direitos, Edição traduzida para a Língua Portuguesa, 2008.

[5] Cf., para maiores esclarecimentos neste desiderato, BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, Curso de Direito Administrativo. 27ª Ediçao. Rio de Janeiro, Editora Malheiros, 2010.

[6] “A Rocinha chegou a ser conhecida como a maior favela da América Latina nos anos 80. Segundo cálculos da época, cerca de 200 mil pessoas moravam no morro. Os números atuais, mais realistas, colocam a Rocinha ainda como uma das maiores favelas do Rio com pouco mais de 50 mil moradores (Censo 2000)”. Disponível virtualmente: <http://www.favelatemmemoria.com.br>. Acesso em 16 de junho de 2011.

[7] O autor cunha esta expressão em diversos estudos. A fim de obter uma análise mais detalhada sobre o conceito da Disciplina Internacional e sua intrínseca relação entre o Direito Internacional, as Relações Internacionais e a História da Política Internacional, Cf. CAVADAS, Divo Augusto. Considerações preliminares sobre o direito islâmico ("Shariah"). Visões acadêmicas, históricas, culturais e suas influências na sociedade internacional. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2689, 11 nov. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/17802>. Acesso em: 9 abr. 2011.

[8] A fim de obter maiores informações sobre a distinção teórica entre Sujeitos e Atores, no que tange à personalidade jurídica de Direito Internacional Público, Cf. GUERRA, Sidney. Curso de Direito Internacional Público. 4ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2009.

[9]Declaração Universal de Direitos Humanos. Artigo XVII. 1. Toda pessoa tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros. 2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade”.

[10] No Direito Ambiental, o conceito teórico de Meio Ambiente é definido segundo quatro principais vertentes, a saber: Ambiente Ecológico; Ambiente Artificial; Ambiente Cultural; Ambiente do Trabalho. Logo, deve-se observar o Princípio da Função Social da Propriedade em todos estes quatro objetos, para que assim se confira mais tecnicidade aos estudos de Direito Urbanístico, notadamente em sua seara internacional.

[11] Texto disponível virtualmente: <http://www.unhabitat.org/categories.asp?catid=10>. Acesso em 28 de agosto de 2011.

[12] Texto disponível virtualmente: <http://www.unhabitat.org/content.asp?typeid=19&catid=10&cid=9 28>. Acesso em 28 de agosto de 2011.

[13] Texto disponível virtualmente: <http://www.oas.org/dsd/Working%20Documents/Naturaldesasteran  dland.htm>. Acesso em 29 de agosto de 2011.

[14] Texto disponível virtualmente: <http://www.sedi.oas.org/ddse/english/cpo_desoc.asp>. Acesso em 29 de agosto de 2011.

[15] SILVA, José Afonso. Direito Urbanístico Brasileiro. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Malheiros, 1997, p. 42.

[16] BELTRAME, José Mariano. Palavra do Secretário – UPP Repórter. Texto disponível virtualmente: <http://upprj.com/wp/?p=175>. Acesso em 3 de setembro de 2011.

[17] ARAÚJO, Marinella Machado et al. Governança Participativa de Áreas Públicas: em que Avançamos da Constituição de 1988 ao Estatuto da Cidade. JÚNIOR, Nelson Saule et al (Org.).Anais do V Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico – Manaus 2008: O Direito Urbanístico nos 20 anos de Constituição Brasileira de 1988 – Balanço e Perspectivas. Porto Alegre: Editora Magister, 2009, p. 123.

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Sobre o autor
Divo Augusto Cavadas

Divo Augusto Pereira Alexandre Cavadas é Advogado e Professor de Direito. Procurador do Município de Goiânia (GO). Doutorando em Direito pela Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo (FADISP). Mestre em História pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC/GO). Especialista em Direito Penal e Filosofia. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FND/UFRJ). Realizou estudos junto à Universidad de Salamanca (Espanha), Universitá di Siena (Itália), dentre outras instituições. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB). Diplomado pela Câmara Municipal de Goiânia e Comendador pela Associação Brasileira de Liderança, por serviços prestados à sociedade.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAVADAS, Divo Augusto. Desenvolvimento e urbanização no sistema global: da favela brasileira ao “Direito Urbanístico Internacional”. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3172, 8 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21240. Acesso em: 19 abr. 2024.

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